TJDF RCC - 1117739-20180020026644RCC
RECLAMAÇÃO. LEI 13.491/2017. DIREITO INTERTEMPORAL. DEFINIÇÃO DE CRIME MILITAR. CONCEITO DE DIREITO MATERIAL. IRRETROATIVIDADE. LEGISLAÇÃO QUE PIORA A SITUAÇÃO DOS MILITARES. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. 1. Os §§ 4º e 5º do artigo 125 da Constituição Federal criou e definiu a competência da Justiça Militar estadual. Segundo esses dispositivos constitucionais compete à Justiça Militar estadual julgar os militares dos Estados pelos crimes militares por eles praticados, cabendo à lei a definição do que seja considerado crime militar e a sua tipificação. A definição do que seja considerado crime militar, cujo conceito encerra norma de direito material, está prevista no artigo 9º do Código Penal Militar, o qual, em sua redação originária, previa que seriam considerados crimes militares somente aqueles previstos no mencionado Código, de modo que todas as demais figuras delitivas previstas na legislação extravagante não tinham a qualificação de crimes militares, mesmo quando praticados por militares em serviço.Ocorre que a Lei 13.491 de 16 de outubro de 2017 alterou o significamente inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar para considerar também crime militar, além dos delitos previstos em mencionado Código, todas as infrações penais tipificadas na legislação extravagante quando praticadas por militares em situações que se amoldam a uma das alíneas do referido dispositivo legal. A modificação legislativa introduzida pela Lei 13.491/2017 promoveu a significativa ampliação do conceito de crime militar, estendendo-se sensivelmente a competência da Justiça Militar estadual, para abarcar não só os crimes previstos no Código Penal Militar como também todos aqueles constantes da legislação penal extravagante quando praticados pelos militares estaduais em uma das situações previstas nas alíneas do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar. A nova lei que alterou o conceito de crime militar encerra diversas questões de direito intertemporal atinentes aos crimes praticados antes de sua entrada em vigor e à competência jurisdicional para processar e julgá-los, mormente porque a competência da Justiça Militar define-se em razão da matéria, portanto, trata-se de competência absoluta. Por ser a definição de crime militar norma de direito penal material, nos termos do inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal, a nova lei que alterou tal conceito não poderá retroagir, salvo para beneficiar o réu. Esse deve ser o norte a ser observado quanto à correta aplicação da Lei 13.491/2017 aos crimes comuns cometidos por militares em uma das situações do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar antes da sua entrada em vigor. 2. No caso, segundo o Ministério Público, o Cabo Erasmo Carlos de Oliveira foi denunciado pela suposta prática do crime de abuso de autoridade ocorrido em 26 de julho de 2015. Referido processo penal tramitou inicialmente no Juizado Especial Criminal de Paranoá, que declinou da competência em favor da Vara da Auditoria Militar em virtude de, a partir da publicação da Lei 13.491/2017, tal crime ser considerado militar em virtude de ter sido cometido em uma das situações previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar. Ao crime de abuso de autoridade previsto na Lei 4.898/1965 é cominada pena máxima de 6 (seis) meses de detenção, de maneira que deve ser considerado delito de menor potencial ofensivo nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/1995. Por ser crime de menor potencial ofensivo, o feito deve ser processado e julgado perante os juizados especiais criminais, em que devem ser oportunizados os institutos despenalizadores daquela legislação. Assim, mesmo os militares que praticassem tal delito em serviço, haja vista que não eram considerados crimes militares, deveriam ser processados e julgados perante o juizado especial criminal, o que obviamente se apresenta como favorável ao acusado, ante a possibilidade de transação penal e além de outros benefícios. A partir da Lei 13.491/2017, o crime de abuso de autoridade praticado por militar em uma das situações previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, que é o caso dos autos, configura crime militar, ensejando a competência da Justiça Militar e a aplicação do regime jurídico próprio para o processo e julgamento destes crimes, dentre o que destaca-se a proibição de se aplicar qualquer disposição da Lei 9.099/1995, conforme o disposto no artigo 90-A de referido ato normativo. Pelo que acima foi colocado, verifica-se que a consideração de um crime comum de menor potencial ofensivo em militar representa um agravamento da situação jurídica do reclamado, vez que há a modificação da competência do juizado especial criminal para a Justiça Militar, além da impossibilidade de se aplicar qualquer um dos institutos previstos na Lei 9.099/1995. Diante disso, na situação específica dos autos, a Lei 13.491/2017 não pode retroagir para abarcar a situação jurídica do Cabo Erasmo Carlos de Oliveira, haja vista que o crime de abuso de autoridade por ele praticado foi cometido antes da entrada em vigor de referida lei, cenário em que a legislação lhe era mais favorável, sob pena de se violar garantia inscrita no inciso XL do artigo 5º da Constituição. Assim, o crime supostamente praticado pelo militar deverá continuar a ser considerado crime comum, cujo juízo competente é o Juizado Especial Criminal, onde poderão ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, uma vez preenchidos os requisitos legais. 3. Reclamação procedente.
Ementa
RECLAMAÇÃO. LEI 13.491/2017. DIREITO INTERTEMPORAL. DEFINIÇÃO DE CRIME MILITAR. CONCEITO DE DIREITO MATERIAL. IRRETROATIVIDADE. LEGISLAÇÃO QUE PIORA A SITUAÇÃO DOS MILITARES. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. 1. Os §§ 4º e 5º do artigo 125 da Constituição Federal criou e definiu a competência da Justiça Militar estadual. Segundo esses dispositivos constitucionais compete à Justiça Militar estadual julgar os militares dos Estados pelos crimes militares por eles praticados, cabendo à lei a definição do que seja considerado crime militar e a sua tipificação. A definição do que seja considerado crime militar, cujo conceito encerra norma de direito material, está prevista no artigo 9º do Código Penal Militar, o qual, em sua redação originária, previa que seriam considerados crimes militares somente aqueles previstos no mencionado Código, de modo que todas as demais figuras delitivas previstas na legislação extravagante não tinham a qualificação de crimes militares, mesmo quando praticados por militares em serviço.Ocorre que a Lei 13.491 de 16 de outubro de 2017 alterou o significamente inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar para considerar também crime militar, além dos delitos previstos em mencionado Código, todas as infrações penais tipificadas na legislação extravagante quando praticadas por militares em situações que se amoldam a uma das alíneas do referido dispositivo legal. A modificação legislativa introduzida pela Lei 13.491/2017 promoveu a significativa ampliação do conceito de crime militar, estendendo-se sensivelmente a competência da Justiça Militar estadual, para abarcar não só os crimes previstos no Código Penal Militar como também todos aqueles constantes da legislação penal extravagante quando praticados pelos militares estaduais em uma das situações previstas nas alíneas do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar. A nova lei que alterou o conceito de crime militar encerra diversas questões de direito intertemporal atinentes aos crimes praticados antes de sua entrada em vigor e à competência jurisdicional para processar e julgá-los, mormente porque a competência da Justiça Militar define-se em razão da matéria, portanto, trata-se de competência absoluta. Por ser a definição de crime militar norma de direito penal material, nos termos do inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal, a nova lei que alterou tal conceito não poderá retroagir, salvo para beneficiar o réu. Esse deve ser o norte a ser observado quanto à correta aplicação da Lei 13.491/2017 aos crimes comuns cometidos por militares em uma das situações do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar antes da sua entrada em vigor. 2. No caso, segundo o Ministério Público, o Cabo Erasmo Carlos de Oliveira foi denunciado pela suposta prática do crime de abuso de autoridade ocorrido em 26 de julho de 2015. Referido processo penal tramitou inicialmente no Juizado Especial Criminal de Paranoá, que declinou da competência em favor da Vara da Auditoria Militar em virtude de, a partir da publicação da Lei 13.491/2017, tal crime ser considerado militar em virtude de ter sido cometido em uma das situações previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar. Ao crime de abuso de autoridade previsto na Lei 4.898/1965 é cominada pena máxima de 6 (seis) meses de detenção, de maneira que deve ser considerado delito de menor potencial ofensivo nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/1995. Por ser crime de menor potencial ofensivo, o feito deve ser processado e julgado perante os juizados especiais criminais, em que devem ser oportunizados os institutos despenalizadores daquela legislação. Assim, mesmo os militares que praticassem tal delito em serviço, haja vista que não eram considerados crimes militares, deveriam ser processados e julgados perante o juizado especial criminal, o que obviamente se apresenta como favorável ao acusado, ante a possibilidade de transação penal e além de outros benefícios. A partir da Lei 13.491/2017, o crime de abuso de autoridade praticado por militar em uma das situações previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, que é o caso dos autos, configura crime militar, ensejando a competência da Justiça Militar e a aplicação do regime jurídico próprio para o processo e julgamento destes crimes, dentre o que destaca-se a proibição de se aplicar qualquer disposição da Lei 9.099/1995, conforme o disposto no artigo 90-A de referido ato normativo. Pelo que acima foi colocado, verifica-se que a consideração de um crime comum de menor potencial ofensivo em militar representa um agravamento da situação jurídica do reclamado, vez que há a modificação da competência do juizado especial criminal para a Justiça Militar, além da impossibilidade de se aplicar qualquer um dos institutos previstos na Lei 9.099/1995. Diante disso, na situação específica dos autos, a Lei 13.491/2017 não pode retroagir para abarcar a situação jurídica do Cabo Erasmo Carlos de Oliveira, haja vista que o crime de abuso de autoridade por ele praticado foi cometido antes da entrada em vigor de referida lei, cenário em que a legislação lhe era mais favorável, sob pena de se violar garantia inscrita no inciso XL do artigo 5º da Constituição. Assim, o crime supostamente praticado pelo militar deverá continuar a ser considerado crime comum, cujo juízo competente é o Juizado Especial Criminal, onde poderão ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, uma vez preenchidos os requisitos legais. 3. Reclamação procedente.
Data do Julgamento
:
16/08/2018
Data da Publicação
:
21/08/2018
Órgão Julgador
:
2ª TURMA CRIMINAL
Relator(a)
:
MARIA IVATÔNIA
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