main-banner

Jurisprudência


TJDF RCL -Reclamação-20110020081484RCL

Ementa
PROCESSUAL PENAL. LEI MARIA DA PENHA. NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMATÓRIA. 1 O Ministério Público reclama contra ato do Juiz que lhe teria tolhido a atuação num caso de violência doméstica e familiar contra mulher, afirmando que mandou realizar audiência de justificação e, diante da manifestação da vítima pelo seu não prosseguimento, suspendeu a tramitação do professo para a opinião da assessoria psicossocial, em afronta ao artigo 129, inciso I, da Constituição Federal e à Lei 11.340/2006, que afastou as normas despenalizadoras da Lei 9.099/1995 em crimes dessa natureza. A falta de interesse manifestada pela vítima ensejou a decisão do Juiz que o impediu de exercer o múnus público, sendo privada a sociedade de punir o agressor doméstico, causando danos irreparáveis à sociedade. Tudo começou com o inquérito policial onde fora requerida medida protetiva de urgência num caso de agressão de pai contra filha de dezenove anos de idade resultante em lesão corporal leve. Com a manifestação da vítima em não prosseguir com a ação, o Juiz designou a audiência prevista no artigo 16 da lei de regência, contra a opinião do Reclamante, afirmando que não colimava a aplicação de institutos despenalizadores, mas a formação do seu íntimo convencimento. Na audiência a vítima esclareceu que a mágoa tinha sido superada há um ano, que havia casado e morava com o marido na casa paterna. O Defensor Público requereu extinção do processo alegando a restauração da paz no lar, mas o Promotor não quis se manifestar sobre o caso e o Juiz suspendeu o processo submeter o caso à análise psicossocial.2 A Lei Maria da Penha possibilitou renúncia à representação, que nada mais é do que a retratação da vítima, em audiência designada para esse fim. O alcance da regra deve ser vista sob o prisma dos princípios constitucionais conflitantes: de um lado, a dignidade humana em relação à mulher, que ditou o interesse social de evitar que a mulher, amedrontada e pressionada por sua condição de dependência financeira e emocional, recue na pretensão de punir o agressor; de outro, o interesse na preservação do vínculo familiar e do lar conjugal, também com acento constitucional no artigo 226. Há de permeio o secular instituto do perdão, de elevado senso humanitário e cristão. No cotejo de tantos e tão relevantes interesses, não pode se negar à mulher o direito de perdoar o agressor e evitar o prosseguimento da ação, desde que o faça diante do Juiz e do Promotor, a salvo de eventual coação física, emocional, financeira ou de outra natureza. Pode o Juiz acolher a espontânea manifestação de vontade, homologando-a e determinando o arquivamento do processo, ficando aberta a possibilidade de retomada, dentro do prazo decadencial de seis meses.3 Se as partes em conflito doméstico familiar, mediante diálogo livre de peias e de preconceitos, chegam à conclusão de que é possível manter a família em paz, apesar de agressão circunstancial motivada por ânimos exaltados, não sendo graves as consequências, não pode o Estado imiscuir-se na vida privada dessas pessoais de forma tão agressiva que inviabilize o perdão, exercendo o seu poder de coerção para impor a continuidade da ação penal. O tão decantado princípio da humanidade consiste justamente em reconhecer a fagulha essencial a todos os seres humanos de que resultam seus paradoxos, fraqueza e fortaleza, coragem e covardia, heroísmo e vilania: todos são iguais em sua dimensão de grandeza e pequenez. E é justamente por causa dessas características inatas à sua condição que o homem - e, às vezes, a própria mulher - agride quem lhe compartilha a cama, normalmente no calor de discussão animada por eflúvios etílicos, que proporcionam dimensão exagerada ao ciúme, ao sentimento de posse e ao desejo. Em tais casos, é mister saber separar o joio do trigo, identificando ações circunstanciais e efêmeras, daquelas que evidenciam a latente periculosidade do agressor, capaz de ocasionar tragédias como a da própria Maria da Penha, paradigma maior do sofrimento da mulher haurido no recôndito do lar, graças a uma cultura machista e de subserviência que não mais se compatibiliza com os tempos modernos. É a estas mulheres que a lei do mesmo nome busca resgatar, em nome do princípio da dignidade humana.4 Reclamação desprovida.

Data do Julgamento : 08/09/2011
Data da Publicação : 22/09/2011
Classe/Assunto : Segredo de Justiça
Órgão Julgador : 1ª Turma Criminal
Relator(a) : GEORGE LOPES LEITE
Mostrar discussão