TJMS 0000136-04.2011.8.12.0001
APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL E AMEAÇA – PRELIMINARES – AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR DO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – AFASTADAS.
I - Em relação ao delito de ameaça, a ausência de realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não gera nulidade nos casos em que inexistir qualquer manifestação da vítima no sentido de se retratar da anterior representação. No que se refere ao crime de lesão corporal, não é obrigatória a realização da audiência do artigo 16 da Lei Maria, uma vez que por ocasião do julgamento da ADIN n. 4.424, o e. Supremo Tribunal Federal entendeu que o delito de lesão corporal praticado no âmbito doméstico é crime de ação penal pública incondicionada. Não há prejuízo ao sentenciado, inexistindo nulidade a ser declarada, como prevê o art. 563 do CPP.
II - O Plenário do Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, afastando a aplicação do art. 89 da Lei n. 9.099/95 no que tange aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher não sendo, desta forma, admissível a suspensão do processo em casos assemelhados aos dos autos (HC 106.212/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011).
III - Preliminares afastadas.
MÉRITO PLEITO ABSOLUTÓRIO IMPOSSIBILIDADE FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO INAPLICABILIADE DO PRINCÍPIO DA PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO COMPROVAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA CONSUNÇÃO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA - APLICABILIDADE DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, 'F', DO CP - INAPLICÁVEL O PRIVILÉGIO AO CRIME DE LESÃO - INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I- É certo que, os relatos harmônicos e firmes prestados pela vítima, os quais possuem grande relevância nos casos de violência doméstica, são suficientes para manter o édito condenatório, bem como o réu confessou a prática delitiva, não havendo que se falar, portanto, em insuficiência do conjunto probatório.
II- Não demonstrada a reconciliação familiar, afasta-se a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância ou "Bagatela Imprópria" no caso em epígrafe, bem como considerando a circunstâncias do fato delitivo, em que o réu agrediu a vítima com socos, chutes e tapas, causando-lhe lesões corporais.
III - Rechaçada a tese de legítima defesa, pois dos autos, não se vislumbra quaisquer indícios de que tenha ocorrido agressão injusta, atual e iminente, tampouco o emprego e o uso moderado dos meios necessários para repeli-la, sendo ônus do apelante comprová-los.
IV- Para a configuração do princípio da consunção é imprescindível uma sucessão de condutas com um nexo de dependência, no qual o crime mais grave absorve o crime menos grave. Desse modo, quando o agente pratica mais de um ilícito penal e um deles (menos grave) se constituiu, em verdade, em meio de preparação ou execução do outro, deve ser absorvido pelo mais danoso. No caso, os delitos são autônomos, não ha relação de dependência entre o "crime meio" e o "crime fim", de tal forma que, excluído o primeiro, mostra-se inviável a ocorrência do segundo. Entendo ser impossível o reconhecimento de crime único, vez que a ameaça não se caracteriza como meio necessário para a configuração da lesão, portanto, incabível a aplicação da consunção.
V - A confissão, para atenuar a reprimenda, deve ser, além de voluntária, espontânea, isto é, deve consistir em ato íntimo e desejado, reflexo da própria personalidade do penalmente processado. Se o réu admitiu a autoria dos crimes que lhe foI imputado na denúncia, impõe-se reconhecer-lhe a circunstância atenuante da confissão espontânea. Contudo está não aproveitará ao réu na dosimetria da pena, em observância ao Enunciado da Súmula 231 do STJ. A pena não pode ficar aquém do mínimo legal na fase intermediária da dosimetria, pois afronta o dever de observância aos parâmetros mínimo e máximo fixados na norma tipificadora, sob pena de violar frontalmente o princípio da reserva legal, insculpido no art. 5°, XXXIX da CF, que serve não só ao réu, mas à segurança jurídica. Portanto, é dentro dessa concepção mais ampla que os princípios constitucionais devem ser analisados e conjugados, não havendo como negar a prevalência do princípio da legalidade ou da reserva legal, que, aliás, vige de forma soberana no âmbito de Direito Penal.
VI - A agravante estatuída no art. 61, II, "f", do CP é plenamente aplicável aos crimes de ameaça e as contravenções penais de vias de fato, desde que perpetrados no âmbito da violência doméstica, uma vez que tais infrações não abarcam em seus preceitos primários a circunstância de agressão contra mulher, cônjuge ou companheira, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao Princípio do non bis in idem.
VII. Quando se tratar de lesão corporal grave ou gravíssima, aplica-se o disposto no § 4º do art. 129 do Código Penal, se preenchidos os requisitos legais (redução da pena de um sexto a um terço). Se, todavia, tratar-se de lesão corporal leve, aplicável a figura privilegiada prevista no § 5º do art. 129 do CP, com a possibilidade de substituição da pena corpórea por multa, caso preenchidos os requisitos do parágrafo anterior (motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). O motivo de valor social aquele que tem interesse coletivo e o moral interesse individual. Todavia, para a incidência da minorante, "não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável que seja relevante, isto é, notável digno de apreço". Além disso, deve estar comprovada a injusta provocação da vítima. Na hipótese, como inexiste comprovação que o réu agiu sob violenta emoção, nem que houve injusta provocação da vítima, não se mostra cabível a aplicação da minorante. Por outro lado, há que se considerar ainda, que a substituição da pena por multa (§ 5º do art. 129 do CP), nos casos de violência doméstica mostra-se inviável por expressa vedação legal prevista no art. 17 da Lei 11.343/06.
VIII- Conquanto pese tratar-se de indivíduo primário e a pena infligida ser inferior a quatro anos, não se deve olvidar que as presentes práticas foram desempenhadas com emprego de violência e grave ameaça, o que, por si só, obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
IX Parcialmente provido.
Com o parecer, preliminares afastadas e no mérito, recurso parcialmente provido, apenas para o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL E AMEAÇA – PRELIMINARES – AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR DO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – AFASTADAS.
I - Em relação ao delito de ameaça, a ausência de realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não gera nulidade nos casos em que inexistir qualquer manifestação da vítima no sentido de se retratar da anterior representação. No que se refere ao crime de lesão corporal, não é obrigatória a realização da audiência do artigo 16 da Lei Maria, uma vez que por ocasião do julgamento da ADIN n. 4.424, o e. Supremo Tribunal Federal entendeu que o delito de lesão corporal praticado no âmbito doméstico é crime de ação penal pública incondicionada. Não há prejuízo ao sentenciado, inexistindo nulidade a ser declarada, como prevê o art. 563 do CPP.
II - O Plenário do Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, afastando a aplicação do art. 89 da Lei n. 9.099/95 no que tange aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher não sendo, desta forma, admissível a suspensão do processo em casos assemelhados aos dos autos (HC 106.212/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011).
III - Preliminares afastadas.
MÉRITO PLEITO ABSOLUTÓRIO IMPOSSIBILIDADE FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO INAPLICABILIADE DO PRINCÍPIO DA PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO COMPROVAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA CONSUNÇÃO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA - APLICABILIDADE DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, 'F', DO CP - INAPLICÁVEL O PRIVILÉGIO AO CRIME DE LESÃO - INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I- É certo que, os relatos harmônicos e firmes prestados pela vítima, os quais possuem grande relevância nos casos de violência doméstica, são suficientes para manter o édito condenatório, bem como o réu confessou a prática delitiva, não havendo que se falar, portanto, em insuficiência do conjunto probatório.
II- Não demonstrada a reconciliação familiar, afasta-se a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância ou "Bagatela Imprópria" no caso em epígrafe, bem como considerando a circunstâncias do fato delitivo, em que o réu agrediu a vítima com socos, chutes e tapas, causando-lhe lesões corporais.
III - Rechaçada a tese de legítima defesa, pois dos autos, não se vislumbra quaisquer indícios de que tenha ocorrido agressão injusta, atual e iminente, tampouco o emprego e o uso moderado dos meios necessários para repeli-la, sendo ônus do apelante comprová-los.
IV- Para a configuração do princípio da consunção é imprescindível uma sucessão de condutas com um nexo de dependência, no qual o crime mais grave absorve o crime menos grave. Desse modo, quando o agente pratica mais de um ilícito penal e um deles (menos grave) se constituiu, em verdade, em meio de preparação ou execução do outro, deve ser absorvido pelo mais danoso. No caso, os delitos são autônomos, não ha relação de dependência entre o "crime meio" e o "crime fim", de tal forma que, excluído o primeiro, mostra-se inviável a ocorrência do segundo. Entendo ser impossível o reconhecimento de crime único, vez que a ameaça não se caracteriza como meio necessário para a configuração da lesão, portanto, incabível a aplicação da consunção.
V - A confissão, para atenuar a reprimenda, deve ser, além de voluntária, espontânea, isto é, deve consistir em ato íntimo e desejado, reflexo da própria personalidade do penalmente processado. Se o réu admitiu a autoria dos crimes que lhe foI imputado na denúncia, impõe-se reconhecer-lhe a circunstância atenuante da confissão espontânea. Contudo está não aproveitará ao réu na dosimetria da pena, em observância ao Enunciado da Súmula 231 do STJ. A pena não pode ficar aquém do mínimo legal na fase intermediária da dosimetria, pois afronta o dever de observância aos parâmetros mínimo e máximo fixados na norma tipificadora, sob pena de violar frontalmente o princípio da reserva legal, insculpido no art. 5°, XXXIX da CF, que serve não só ao réu, mas à segurança jurídica. Portanto, é dentro dessa concepção mais ampla que os princípios constitucionais devem ser analisados e conjugados, não havendo como negar a prevalência do princípio da legalidade ou da reserva legal, que, aliás, vige de forma soberana no âmbito de Direito Penal.
VI - A agravante estatuída no art. 61, II, "f", do CP é plenamente aplicável aos crimes de ameaça e as contravenções penais de vias de fato, desde que perpetrados no âmbito da violência doméstica, uma vez que tais infrações não abarcam em seus preceitos primários a circunstância de agressão contra mulher, cônjuge ou companheira, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao Princípio do non bis in idem.
VII. Quando se tratar de lesão corporal grave ou gravíssima, aplica-se o disposto no § 4º do art. 129 do Código Penal, se preenchidos os requisitos legais (redução da pena de um sexto a um terço). Se, todavia, tratar-se de lesão corporal leve, aplicável a figura privilegiada prevista no § 5º do art. 129 do CP, com a possibilidade de substituição da pena corpórea por multa, caso preenchidos os requisitos do parágrafo anterior (motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). O motivo de valor social aquele que tem interesse coletivo e o moral interesse individual. Todavia, para a incidência da minorante, "não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável que seja relevante, isto é, notável digno de apreço". Além disso, deve estar comprovada a injusta provocação da vítima. Na hipótese, como inexiste comprovação que o réu agiu sob violenta emoção, nem que houve injusta provocação da vítima, não se mostra cabível a aplicação da minorante. Por outro lado, há que se considerar ainda, que a substituição da pena por multa (§ 5º do art. 129 do CP), nos casos de violência doméstica mostra-se inviável por expressa vedação legal prevista no art. 17 da Lei 11.343/06.
VIII- Conquanto pese tratar-se de indivíduo primário e a pena infligida ser inferior a quatro anos, não se deve olvidar que as presentes práticas foram desempenhadas com emprego de violência e grave ameaça, o que, por si só, obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
IX Parcialmente provido.
Com o parecer, preliminares afastadas e no mérito, recurso parcialmente provido, apenas para o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea.
Data do Julgamento
:
05/02/2015
Data da Publicação
:
09/02/2015
Classe/Assunto
:
Apelação / Decorrente de Violência Doméstica
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
Des. Dorival Moreira dos Santos
Comarca
:
Campo Grande
Comarca
:
Campo Grande
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