TJMS 0057694-31.2011.8.12.0001
E M E N T A-APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL E AMEAÇA - PRELIMINARES - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO; AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA; AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR DO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 E; SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - AFASTADAS. I- Em que pese estar separados, a violência decorreu de desentendimento após um longo relacionamento da vítima com o ofensor. Com efeito, narrou a ofendida em juízo que foi casada com o réu por dois anos e meio e que possuem uma filha em comum e que à época dos fatos estavam separados por apenas duas ou três semanas. Disse também que a iniciativa do rompimento foi dela e o acusado não aceitava a separação. Sendo que na data dos fatos foi até o seu encontro para tomar explicações acerca de notícia de que sua ex mulher estaria se envolvendo com outro homem, ao que, na negativa de falar com o apelante, este passou a lhe agredir e ameaçar. Aplicação do art. 5º,III, da Lei n. 11.340/2006. Assim, tratando-se de relação em que ambos conviveram em relação íntima de afeto, até mesmo gerando uma filha, imperativa a incidência da Lei Maria da Penha. II - A decisão que recebe a denúncia tem forma interlocutória e, por esta razão, não se qualifica nem se equipara a ato de caráter decisório, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Dessa forma, o juízo positivo de admissibilidade da acusação penal prescinde de fundamentação complexa. No mais, sabe-se que a superveniência de sentença condenatória torna preclusa a alegação de inépcia da denúncia. III- A ausência de realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não gera nulidade nos casos em que inexistir qualquer manifestação da vítima no sentido de se retratar da anterior representação. No que se refere ao crime de lesão corporal, não é obrigatória a realização da audiência do artigo 16 da Lei Maria, uma vez que por ocasião do julgamento da ADIN n. 4.424, o e. Supremo Tribunal Federal entendeu que o delito de lesão corporal praticado no âmbito doméstico é crime de ação penal pública incondicionada. Não há prejuízo ao sentenciado, inexistindo nulidade a ser declarada, como prevê o art. 563 do CPP. IV- O Plenário do Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, afastando a aplicação do art. 89 da Lei n. 9.099/95 no que tange aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher não sendo, desta forma, admissível a suspensão do processo em casos assemelhados aos dos autos (HC 106.212/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011). V- Preliminares afastadas. MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO - INAPLICABILIADE DO PRINCÍPIO DA PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - VÍTIMA QUE NÃO MANIFESTOU QUALQUER ARREPENDIMENTO DE SUA INTENÇÃO DE VER O RÉU PROCESSADO - NÃO COMPROVAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA - NÃO CONFIGURADA CONSUNÇÃO - NÃO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - APLICABILIDADE DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, 'F', DO CP - INAPLICÁVEL O PRIVILÉGIO AO CRIME DE LESÃO - INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - RECURSO NÃO PROVIDO. I- É certo que, os relatos harmônicos e firmes prestados pela vítima, os quais possuem grande relevância nos casos de violência doméstica, são suficientes para manter o édito condenatório, especialmente se considerado que a versão apresentada pela ofendida é corroborada por outro testemunho presencial, não havendo que se falar, portanto, em insuficiência do conjunto probatório. II- Não demonstrada a reconciliação familiar, afasta-se a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância ou "Bagatela Imprópria" no caso em epígrafe. III - Rechaçada a tese de legítima defesa, pois dos autos, não se vislumbra quaisquer indícios de que tenha ocorrido agressão injusta, atual e iminente, tampouco o emprego e o uso moderado dos meios necessários para repeli-la, sendo ônus do apelante comprová-los. IV- Para a configuração do princípio da consunção é imprescindível uma sucessão de condutas com um nexo de dependência, no qual o crime mais grave absorve o crime menos grave. Desse modo, quando o agente pratica mais de um ilícito penal e um deles (menos grave) se constituiu, em verdade, em meio de preparação ou execução do outro, deve ser absorvido pelo mais danoso. No caso, os delitos são autônomos, não ha relação de dependência entre o "crime meio" e o "crime fim", de tal forma que, excluído o primeiro, mostra-se inviável a ocorrência do segundo. O réu provocou lesões na vítima e posteriormente, a ameaçou, portanto, entendo ser impossível o reconhecimento de crime único, vez que a ameaça não se caracteriza como meio necessário para a configuração da lesão, portanto, incabível a aplicação da consunção. V - Não há como aplicar a atenuante da confissão espontânea ao réu, pois em seu interrogatório disse que os fatos aconteceram de forma totalmente diferente do que relatou a vítima. Negou que tivesse desferido tapas contra esta, mas que "apenas" teria empurrado, o que levou a bater com a cabeça na parede. Disse que em momento algum ameaçou de morte, mas que "somente" disse que "ia pegar" a vítima. Ou seja, o réu fez uso da confissão qualificada. A confissão a ser considerada como atenuante deve ser feita espontaneamente e sem ressalvas, não podendo por meio dela, buscar algum benefício legal. VI - A agravante estatuída no art. 61, II, "f", do CP é plenamente aplicável aos crimes de ameaça e as contravenções penais de vias de fato, desde que perpetrados no âmbito da violência doméstica, uma vez que tais infrações não abarcam em seus preceitos primários a circunstância de agressão contra mulher, cônjuge ou companheira, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao Princípio do non bis in idem. V. Quando se tratar de lesão corporal grave ou gravíssima, aplica-se o disposto no § 4º do art. 129 do Código Penal, se preenchidos os requisitos legais (redução da pena de um sexto a um terço). Se, todavia, tratar-se de lesão corporal leve, aplicável a figura privilegiada prevista no § 5º do art. 129 do CP, com a possibilidade de substituição da pena corpórea por multa, caso preenchidos os requisitos do parágrafo anterior (motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). O motivo de valor social aquele que tem interesse coletivo e o moral interesse individual. Todavia, para a incidência da minorante, "não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável que seja relevante, isto é, notável digno de apreço". Além disso, deve estar comprovada a injusta provocação da vítima. Na hipótese, como inexiste comprovação que o réu agiu sob violenta emoção, nem que houve injusta provocação da vítima, não se mostra cabível a aplicação da minorante. Por outro lado, há que se considerar ainda, que a substituição da pena por multa (§ 5º do art. 129 do CP), nos casos de violência doméstica mostra-se inviável por expressa vedação legal prevista no art. 17 da Lei 11.343/06. VI- Conquanto pese tratar-se de indivíduo primário e a pena infligida ser inferior a quatro anos, não se deve olvidar que as presentes práticas foram desempenhadas com emprego de violência e grave ameaça, o que, por si só, obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. VII - Não provido. Com o parecer, preliminares afastadas e no mérito, recurso desprovido.
Ementa
E M E N T A-APELAÇÃO CRIMINAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL E AMEAÇA - PRELIMINARES - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO; AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA; AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR DO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 E; SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - AFASTADAS. I- Em que pese estar separados, a violência decorreu de desentendimento após um longo relacionamento da vítima com o ofensor. Com efeito, narrou a ofendida em juízo que foi casada com o réu por dois anos e meio e que possuem uma filha em comum e que à época dos fatos estavam separados por apenas duas ou três semanas. Disse também que a iniciativa do rompimento foi dela e o acusado não aceitava a separação. Sendo que na data dos fatos foi até o seu encontro para tomar explicações acerca de notícia de que sua ex mulher estaria se envolvendo com outro homem, ao que, na negativa de falar com o apelante, este passou a lhe agredir e ameaçar. Aplicação do art. 5º,III, da Lei n. 11.340/2006. Assim, tratando-se de relação em que ambos conviveram em relação íntima de afeto, até mesmo gerando uma filha, imperativa a incidência da Lei Maria da Penha. II - A decisão que recebe a denúncia tem forma interlocutória e, por esta razão, não se qualifica nem se equipara a ato de caráter decisório, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Dessa forma, o juízo positivo de admissibilidade da acusação penal prescinde de fundamentação complexa. No mais, sabe-se que a superveniência de sentença condenatória torna preclusa a alegação de inépcia da denúncia. III- A ausência de realização da audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não gera nulidade nos casos em que inexistir qualquer manifestação da vítima no sentido de se retratar da anterior representação. No que se refere ao crime de lesão corporal, não é obrigatória a realização da audiência do artigo 16 da Lei Maria, uma vez que por ocasião do julgamento da ADIN n. 4.424, o e. Supremo Tribunal Federal entendeu que o delito de lesão corporal praticado no âmbito doméstico é crime de ação penal pública incondicionada. Não há prejuízo ao sentenciado, inexistindo nulidade a ser declarada, como prevê o art. 563 do CPP. IV- O Plenário do Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, afastando a aplicação do art. 89 da Lei n. 9.099/95 no que tange aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher não sendo, desta forma, admissível a suspensão do processo em casos assemelhados aos dos autos (HC 106.212/MS, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011). V- Preliminares afastadas. MÉRITO - PLEITO ABSOLUTÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO - INAPLICABILIADE DO PRINCÍPIO DA PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - VÍTIMA QUE NÃO MANIFESTOU QUALQUER ARREPENDIMENTO DE SUA INTENÇÃO DE VER O RÉU PROCESSADO - NÃO COMPROVAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA - NÃO CONFIGURADA CONSUNÇÃO - NÃO RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - APLICABILIDADE DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, 'F', DO CP - INAPLICÁVEL O PRIVILÉGIO AO CRIME DE LESÃO - INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - RECURSO NÃO PROVIDO. I- É certo que, os relatos harmônicos e firmes prestados pela vítima, os quais possuem grande relevância nos casos de violência doméstica, são suficientes para manter o édito condenatório, especialmente se considerado que a versão apresentada pela ofendida é corroborada por outro testemunho presencial, não havendo que se falar, portanto, em insuficiência do conjunto probatório. II- Não demonstrada a reconciliação familiar, afasta-se a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância ou "Bagatela Imprópria" no caso em epígrafe. III - Rechaçada a tese de legítima defesa, pois dos autos, não se vislumbra quaisquer indícios de que tenha ocorrido agressão injusta, atual e iminente, tampouco o emprego e o uso moderado dos meios necessários para repeli-la, sendo ônus do apelante comprová-los. IV- Para a configuração do princípio da consunção é imprescindível uma sucessão de condutas com um nexo de dependência, no qual o crime mais grave absorve o crime menos grave. Desse modo, quando o agente pratica mais de um ilícito penal e um deles (menos grave) se constituiu, em verdade, em meio de preparação ou execução do outro, deve ser absorvido pelo mais danoso. No caso, os delitos são autônomos, não ha relação de dependência entre o "crime meio" e o "crime fim", de tal forma que, excluído o primeiro, mostra-se inviável a ocorrência do segundo. O réu provocou lesões na vítima e posteriormente, a ameaçou, portanto, entendo ser impossível o reconhecimento de crime único, vez que a ameaça não se caracteriza como meio necessário para a configuração da lesão, portanto, incabível a aplicação da consunção. V - Não há como aplicar a atenuante da confissão espontânea ao réu, pois em seu interrogatório disse que os fatos aconteceram de forma totalmente diferente do que relatou a vítima. Negou que tivesse desferido tapas contra esta, mas que "apenas" teria empurrado, o que levou a bater com a cabeça na parede. Disse que em momento algum ameaçou de morte, mas que "somente" disse que "ia pegar" a vítima. Ou seja, o réu fez uso da confissão qualificada. A confissão a ser considerada como atenuante deve ser feita espontaneamente e sem ressalvas, não podendo por meio dela, buscar algum benefício legal. VI - A agravante estatuída no art. 61, II, "f", do CP é plenamente aplicável aos crimes de ameaça e as contravenções penais de vias de fato, desde que perpetrados no âmbito da violência doméstica, uma vez que tais infrações não abarcam em seus preceitos primários a circunstância de agressão contra mulher, cônjuge ou companheira, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao Princípio do non bis in idem. V. Quando se tratar de lesão corporal grave ou gravíssima, aplica-se o disposto no § 4º do art. 129 do Código Penal, se preenchidos os requisitos legais (redução da pena de um sexto a um terço). Se, todavia, tratar-se de lesão corporal leve, aplicável a figura privilegiada prevista no § 5º do art. 129 do CP, com a possibilidade de substituição da pena corpórea por multa, caso preenchidos os requisitos do parágrafo anterior (motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima). O motivo de valor social aquele que tem interesse coletivo e o moral interesse individual. Todavia, para a incidência da minorante, "não basta que tenha valor social ou moral, sendo indispensável que seja relevante, isto é, notável digno de apreço". Além disso, deve estar comprovada a injusta provocação da vítima. Na hipótese, como inexiste comprovação que o réu agiu sob violenta emoção, nem que houve injusta provocação da vítima, não se mostra cabível a aplicação da minorante. Por outro lado, há que se considerar ainda, que a substituição da pena por multa (§ 5º do art. 129 do CP), nos casos de violência doméstica mostra-se inviável por expressa vedação legal prevista no art. 17 da Lei 11.343/06. VI- Conquanto pese tratar-se de indivíduo primário e a pena infligida ser inferior a quatro anos, não se deve olvidar que as presentes práticas foram desempenhadas com emprego de violência e grave ameaça, o que, por si só, obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. VII - Não provido. Com o parecer, preliminares afastadas e no mérito, recurso desprovido.
Data do Julgamento
:
21/07/2014
Data da Publicação
:
25/07/2014
Classe/Assunto
:
Apelação / Decorrente de Violência Doméstica
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
Des. Dorival Moreira dos Santos
Comarca
:
Campo Grande
Comarca
:
Campo Grande
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