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Jurisprudência


TJPA 0000023-35.2003.8.14.0014

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ COORDENADORIA DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS E ESPECIAIS _________________________ PROCESSO Nº: 0000023-35.2003.814.0014 RECURSO ESPECIAL  RECORRENTE: ANTONIO REIS DA SILVA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO          Trata-se de RECURSO ESPECIAL, interposto por ANTONIO REIS DA SILVA, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea ¿a¿, da Constituição Federal, contra o v. acórdão de no. 152.334, assim ementado: PENAL - ART. 129, §3º, DO CPB - 1) AUSÊNCIA DE ANIMUS LEADENDI, TENDO SIDO AS LESÕES DA VÍTIMA CAUSADAS POR ATO ACIDENTAL. 2) DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LESÃO CORPORAL COM O RESULTADO MORTE PARA O DE LESÃO CORPORAL GRAVE, POIS INEXISTE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO RECORRENTE E A MORTE DA VÍTIMA. 3) REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE, SOB O FUNDAMENTO DE QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO APELANTE LHE SÃO TOTALMENTE FAVORÁVEIS, COM O AFASTAMENTO DA AGRAVANTE REFERENTE A CRIME PRATICADO CONTRA MULHER GRÁVIDA. 4) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1- Depoimentos de testemunhas que ouviram o próprio apelante confessar ter agredido a vítima e a deixado agonizando em plena via pública, sem prestar socorro, tendo o mesmo relatado, inclusive, detalhes da empreitada. 2- Tendo a lesão causada pelo apelante na vítima demandado intervenção médica e internação hospitalar, cuja evolução do quadro resultou em morte, como se vê na hipótese, não há que se falar em ausência de nexo causal entre a conduta do recorrente e a morte da vítima, ainda que o óbito tenha ocorrido dias após o ato delituoso, mormente porque, in casu, insurge dos autos, laudo médico relatando detalhadamente a evolução do estado de saúde da vítima, desde a sua entrada no hospital, em virtude da lesão decorrente da agressão pelo apelante, até o seu óbito. 3- Certo que para o reconhecimento da circunstância agravante referente a crime praticado contra mulher grávida, faz-se necessário que a conduta do agente esteja diretamente relacionada com o estado gravídico da mulher, de fato, o afastamento de tal agravante, na hipótese dos autos, é medida que se impõe. Contudo, ainda que afastada a referida agravante, o quantum da pena definitiva imposta pelo juízo de primeiro grau, em 07 (sete) anos de reclusão, justifica-se pelas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao recorrente, sobretudo a sua culpabilidade merecedora de maior reprovabilidade e censurabilidade, já que o mesmo, ao lesionar sua companheira, tendo conhecimento de estar a mesma gestante, atentou contra a vida do seu próprio filho que se encontrava no ventre da mãe, além de possuir péssima conduta social, conforme relatos testemunhais existentes nos autos, no sentido de ser o apelante acostumado a beber exageradamente e promover desordens por onde passa. Como se não bastasse, os motivos que o levaram à prática delitiva, também lhe pesam de forma negativa, pois se deu em razão do mesmo estar embriagado desde a noite anterior ao fato e a vítima, sua então companheira, insistia para que ele parasse de beber, sendo relevantes ainda, as consequências do crime, pois resultou não só na morte da vítima, que deixou dois filhos menores de idade sem o amparo materno, como também da criança que se encontrava em seu ventre e já nasceu desfalecida. 4- Recurso conhecido e parcialmente provido, para afastar a circunstâncias agravante disposta no art. 61, inc. II, alínea h, do CPB, porém, mantendo-se o quantum definitivo imposto em primeira instância em razão das circunstâncias judiciais exacerbadamente desfavoráveis ao apelante. (2015.03903800-04, 152.334, Rel. VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PENAL, Julgado em 2015-10-06, Publicado em 2015-10-16).          Em recurso especial, sustenta o recorrente que a decisão impugnada violou os artigos 13, §1º e 18, do Código Penal, posto que alega que não há causalidade da sua conduta com o resultado morte da vítima, eis que não há nexo da sua conduta primária, da qual resultou a fratura no fêmur, com a causa mortis da vítima por ¿toxemia, septicemia e pneumonia¿.          Contrarrazões às fls. 213/224.          É o relatório. Decido.          Prima facie, consigne-se que a decisão recorrida foi publicada antes da entrada em vigor da Lei n.13.105 de 2015 (fl.189v), estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme o Enunciado Administrativo do STJ de nº 2.          Assim, passo à análise dos pressupostos recursais conforme esta legislação processual, no que verifico que o insurgente satisfaz os pressupostos de cabimento relativos à legitimidade, regularidade de representação, tempestividade, interesse recursal. Inexiste, ademais, fato modificativo, impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer.          O recurso especial deve ascender pelos seguintes motivos.          Se faz perceber que a arguição levantada pelo recorrente é relevante, o que torna primordial a reanálise pela Corte Especial, quanto a inexistência de nexo de causalidade entre a conduta do recorrente, da qual resultou a fratura do fêmur na vítima, da sua causa mortis diagnosticada como pneumotórax hipertensivo e bradicardia, conforme laudo médico à fl. 59.          Assevera o insurgente, em suas razões recursais, que a infecção que atingiu a vítima no hospital foi fator superveniente de causa relativamente independente, que, por si só, produziu o resultado morte, o que torna o recorrente imune desta imputação, sobejando, apenas, a este o fato praticado anteriormente, no caso, o fator lesão corporal, consoante dispõe o artigo 13, §1º, do Código Penal (fl. 205).          Corroborando com tal entendimento, observa-se que o laudo médico assegura à fl. 59 que a vítima ao adentrar ao hospital foi recebida com os seguintes sintomas: Paciente admitida neste Hospital no dia 18/01/2002 procedente do Hospital do Pronto Socorro Municipal com história de acidente por motocicleta com fratura de fêmur esquerdo e na 29ª semana gestacional, referindo dor no baixo ventre, sem outras queixas ou sinais, feto vivo. (...).          Por outro lado, considerando a orientação doutrinária de Guilherme Nucci, no seu Código Penal Comentado, o mesmo esclarece a questão da seguinte forma: Acerca do supratranscrito instituto, vale colacionar as lições de Guilherme de Souza Nucci, in verbis: "Causas independentes e relativamente independentes: (...) Por outro lado, existem causas relativamente independentes, que surgem de alguma forma ligadas às causas geradas pelo agente (por isso, são relativamente independentes), mas possuindo força suficiente para gerar o resultado por si mesmas. Exemplo tradicional da doutrina: se, por conta de um tiro, a vítima vai ao hospital e, lá estando internada, termina morrendo queimada num incêndio que toma conta do nosocômio, é preciso considerar que o fogo foi uma causa relativamente independente, a produzir o resultado morte. É causa do evento porque não fosse o tiro dado e o ofendido não estaria no hospital, embora o incêndio seja algo imprevisível. Daí por que o legislador resolveu criar uma válvula de escape ao agente, a fim de não responder por algo imponderável. Efeito da causa relativamente independente: ela tem força para cortar o nexo causal, fazendo com que o agente responda somente pelo que já praticou. No exemplo supramencionado do fogo no hospital, trata-se de evento imprevisível pelo agente, de modo que, mesmo tendo produzido o motivo que levou a vítima ao nosocômio (dando-lhe um tiro), não deve responder pelo resultado mais grave, fora de seu alcance e da sua previsibilidade. O incêndio não se encontra na 'linha evolutiva do perigo' razão por que serve para cortar o nexo. O agente do tiro responderá somente pelo já praticado antes do desastre ocorrido: tentativa de homicídio ou lesão corporal consumada, conforme sua intenção (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. pp. 160-161".) Negritei.          No mesmo sentido, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no informativo nº 0492, período de 27 de fevereiro a 9 de março de 2012, elucida a respeito do nexo de causalidade no crime de lesão corporal, seguido de morte, vejamos: LESÃO COPORAL. MORTE. NEXO. CAUSALIDADE. Segundo consta dos autos, o recorrente foi denunciado pela prática do crime de lesão corporal qualificada pelo resultado morte (art. 129, § 3º, do CP), porque, durante um baile de carnaval, sob efeito de álcool e por motivo de ciúmes de sua namorada, agrediu a vítima com chutes e joelhadas na região abdominal, ocasionando sua queda contra o meio-fio da calçada, onde bateu a cabeça, vindo à óbito. Ocorre que, segundo o laudo pericial, a causa da morte foi hemorragia encefálica decorrente da ruptura de um aneurisma cerebral congênito, situação clínica desconhecida pela vítima e seus familiares. O juízo singular reconheceu que houve crime de lesão corporal simples, visto que restou dúvida sobre a existência do nexo de causalidade entre a lesão corporal e o falecimento da vítima. O tribunal a quo, por sua vez, entendeu ter ocorrido lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, c/c o art. 61, II, a e c, do CP), sob o argumento de que a agressão perpetrada pelo recorrente contra a vítima deu causa ao óbito. Assim, a questão diz respeito a aferir a existência de nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e o resultado morte (art. 13 do CP). Nesse contexto, a Turma, prosseguindo o julgamento, por maioria, deu provimento ao agravo regimental e ao recurso especial, determinando o restabelecimento da sentença. Conforme observou a Min. Maria Thereza de Assis Moura em seu voto-vista, está-se a tratar dos crimes preterdolosos, nos quais, como cediço, há dolo no comportamento do agente, que vem a ser notabilizado por resultado punível a título de culpa. Ademais, salientou que, nesse tipo penal, a conduta precedente que constitui o delito-base e o resultado mais grave devem estar em uma relação de causalidade, de modo que o resultado mais grave decorra sempre da ação precedente, e não de outras circunstâncias. Entretanto, asseverou que o tratamento da causalidade, estabelecido no art. 13 do CP, deve ser emoldurado pelas disposições do art. 18 do mesmo codex, a determinar que a responsabilidade somente se cristalize quando o resultado puder ser atribuível ao menos culposamente. Ressaltou que, embora alguém que desfira golpes contra uma vítima bêbada que venha a cair e bater a cabeça no meio-fio pudesse ter a previsibilidade objetiva do advento da morte, na hipótese, o próprio laudo afasta a vinculação da causa mortis do choque craniano, porquanto não aponta haver liame entre o choque da cabeça contra o meio-fio e o evento letal. In casu, a causa da morte foi hemorragia encefálica decorrente da ruptura de um aneurisma cerebral congênito, situação clínica de que sequer a vítima tinha conhecimento. Ademais, não houve golpes perpetrados pelo recorrente na região do crânio da vítima. Portanto, não se mostra razoável reconhecer como típico o resultado morte, imantando-o de caráter culposo. Dessa forma, restabeleceu-se a sentença de primeiro grau que desvinculou o resultado do comportamento do agente, que não tinha ciência da particular, e determinante, condição fisiológica da vítima. AgRg no REsp 1.094.758-RS, Rel. originário Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 1º/3/2012. Negritei. À propósito: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL CRIMINAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO AGENTE E O RESULTADO MORTE. INEXISTÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA LESÃO CORPORAL SIMPLES. MATÉRIA DE DIREITO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 07 DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. Não incide a Súmula 07 do STJ quando os fatos delineados pelas instâncias ordinárias se revelarem incontroversos, de modo a permitir, na via especial, uma nova valoração jurídica, com a correta aplicação do Direito ao caso concreto. 2. Não há a configuração do crime de lesão corporal seguida de morte se a conduta do agente não foi a causa imediata do resultado morte, estando ausente o necessário nexo de causalidade. 3. Agravo regimental provido. Sentença restabelecida. (AgRg no REsp 1094758/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 15/10/2012). Negritei.          Assim, denota-se que a arguição de contrariedade sugerida pelo insurgente, é passível de apreciação pela Corte Especial, razão pela qual, dou seguimento ao apelo nobre. Belém, Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES                     Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará PEN.M.138  Página de 5 (2017.05133014-10, Não Informado, Rel. VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PENAL, Julgado em 2018-01-19, Publicado em 2018-01-19)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 19/01/2018
Data da Publicação : 19/01/2018
Órgão Julgador : 2ª TURMA DE DIREITO PENAL
Relator(a) : VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA
Número do documento : 2017.05133014-10
Tipo de processo : Apelação
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