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Jurisprudência


TJPA 0000025-68.2001.8.14.0068

Ementa
Recurso de Apelação Processo 2006.3.007368-9 Comarca de origem: Augusto Corrêa Apelante: EDUARDO CORRÊA PAIXÃO Advogado: Dr. José Maria Costa Apelada: Justiça Pública Promotora de Justiça: Dr.ª Maria José Vieira de Carvalho Procuradora de Justiça: Dr.ª Maria Célia Filocreão Gonçalves Relatora: Des.ª Raimunda do Carmo Gomes Noronha RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação, interposto em favor de Eduardo Corrêa Paixão, que se insurge contra decisão que o condenou à pena de cinco anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime semi-aberto, pela prática do crime de lesão corporal de natureza grave, tipificado no artigo 129, § 1º, inciso II, do Código Penal (perigo de vida). Assim, com o fim de desconstituir a sentença, o apelante aduz, em síntese, que não ficou evidenciado que o mesmo seja o autor do disparo que atingiu as vítimas Sérgio Luís Brito Fernandes e Manuel Gonçalves de Amorim, e que, em relação a Aldir Oliveira Costa, agiu em legítima defesa própria. A Promotoria de Justiça, em contra-razões, refutou as teses acima, pugnando pela manutenção da sentença. A Procuradoria de Justiça, em parecer, se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso. À revisão. VOTO Trata-se de recurso de apelação, interposto em favor de Eduardo Corrêa Paixão, condenado por crime de lesão corporal de natureza grave, conforme exposto acima. O recurso é tempestivo, bem como formalizado através de advogado legalmente constituído, sendo legítima a parte recorrente, atendendo, desta forma, as condições de admissibilidade recursal, pelo que conheço do mesmo. Relata a peça de ingresso, em resumo, que: (...) o denunciado (apelante), no dia 15 de outubro do ano pretérito (2000), por volta das 21h, encontrava-se em um bar denominado Pakera, ocasião em que se realizava uma festa dançante, momento em que aproximou-se da vítima Aldir Oliveira Costa, desferindo-lhe um soco e sem motivos aparentes desferiu um tiro contra a perna do mesmo, ato contínuo a vítima Sérgio Luís Brito Fernandes virou-se para ver do que se tratava, sendo, também, atingido por um disparo de arma de fogo em uma de suas pernas; o denunciado, ainda, atingiu a vítima Manuel G. de Amorim, o qual recebeu alguns golpes de arma de fogo em seu rosto e sua cabeça. Recebida a denúncia, o processo seguiu seus trâmites legais, sobrevindo, ao final, sentença condenatória acima, o que ensejou na propositura do presente pleito recursal. Analisando-se os autos, verifica-se que o ora apelante negou a prática delitiva quando de seu interrogatório prestado perante a autoridade judicial, conforme se vê abaixo transcrito (fls. 33/34): (...) na noite do dia 15.10.2000, o depoente encontrava-se participando de uma festa dançante no bar Pakera; em dado momento o depoente percebeu que o senhor conhecido por Aldir estava fazendo gestos em direção ao depoente, ocasião em que o depoente foi até Aldir e perguntou o que ele estava querendo com o depoente, tendo em vista aqueles gestos, sendo que naquela ocasião Aldir lhe agrediu com um soco na boca; nesse momento o depoente revidou também com um soco em Aldir e este apanhou uma garrafa e partiu para cima do depoente, ocasião em que o depoente sacou de seu revólver para se defender e alvejou a perna de Aldir; após esse fato, o depoente foi agarrado por amigos, sendo-lhe tomado a arma e neste momento surgiu um segundo disparo, não sabendo identificar o depoente quem praticou, sendo que esse segundo disparo veio atingir uma segunda vítima; após esse incidente chegaram as irmãs do depoente e seu cunhado que é da polícia e o tiraram do local e o mesmo foi embora; perguntado se chegou a atirar em outra vítima naquele local? Respondeu que não, apenas em Aldir para se defender; perguntado se sabe quem atirou na vítima Sérgio Luiz Brito Fernandes? respondeu que não sabe; perguntado se chegou a atingir a outra vítima Manoel G. de Amorim? respondeu que não; perguntado se sabe quem atingiu a outra vítima? respondeu que não; perguntado sobre a arma do crime? Respondeu que não sabe, pois a mesma lhe foi tomada no momento da confusão e acha que os outros levaram; perguntado se conhecia Aldir antes? Respondeu que sim; perguntado se havia uma rixa antes do acontecido? Respondeu que há tempos atrás tiveram uma discussão e agressão no campo de futebol, sendo que a agressão partiu de Aldir; perguntado se conhece as outras duas vítimas Sérgio e Manoel? Respondeu que conhece apenas de vista e nunca teve nenhum tipo de rixa com os mesmos; perguntado se no dia do fato chegou a ser lesionado pela vítima? respondeu que levou apenas um soco e que este não provocou lesões; Aldir tem várias passagens pela polícia e que a população não gosta do mesmo, inclusive no último sábado nesta cidade durante a feira da cultura, se envolveu em uma confusão, inclusive dando tiros para o alto (...). Importante transcrever os depoimentos das vítimas. Manoel Gonçalves de Amorim (folhas 53/54): Que certo dia, não se recordando o mês, encontrava-se participando de uma festa dançante no Bar Pakera; em dado momento, observou que o acusado Eduardo entrou no banheiro e no retorno foi ao encontro da vítima Aldir Oliveira Costa, sobrinho do declarante e perguntou-lhe: 'É tu o gostoso?'; em seguida Eduardo foi logo agredindo Aldir com um tapa, jogando o mesmo por cima de uma mesa e em seguida Eduardo sacou de um revólver e desferiu um tiro em Aldir acertando-lhe na perna; em seguida Eduardo ainda deu mais três tiros, NÃO SABENDO SE ACERTOU EM MAIS ALGUÉM; o declarante interviu no momento, sendo agredido por Eduardo, com o revólver, sofrendo lesão na testa; em seguida Eduardo ainda lhe agrediu mais duas vezes com a coronha do revólver, uma no couro cabeludo e outra no nariz; após o ferimento, não conseguiu ver mais nada, pois estava bastante ensangüentado; na hora do tiro e no momento em que foi agredido não chegou a ver a vítima Aldir ou outra pessoa agredindo Eduardo; NÃO VIU EDUARDO ACERTAR COM OS OUTROS TRÊS TIROS OUTRA VÍTIMA ALÉM DE ALDIR; (...) além das vítimas, eram quatro pessoas que o acompanhavam no momento da agressão; o acusado estava acompanhado do soldado Assis; no momento em que Aldir entrou no bar estava acompanhado de Almir e Carlos (...). (destaquei). Sérgio Luís Brito Fernandes (folhas 55/56): (...) Estava no bar Pakera conversando com um amigo, quando ocorreram uns tiros, sendo que um desses tiros atingiu a perna do declarante; NÃO SABE INFORMAR QUEM LHE DEU O TIRO; não sabe informar se Eduardo e Aldir agrediram alguém na confusão (...). Aldir Oliveira Costa (folhas 46/47): (...) o acusado aplicou-lhe um tapa em seu rosto e sacando o revólver desferindo um tiro na perna do declarante; em seguida o acusado deu mais dois disparos sendo que pegou no dedo do declarante e o outro na perna de uma segunda vítima; não agrediu fisicamente o acusado no Bar Pakera; não fez nenhum gesto provocando o acusado (...). O Laudo de Exame de Corpo de Delito procedido na vítima Aldir Oliveira Costa (folha 11) atesta que a mesma sofreu ofensa a sua integridade corporal e saúde, a qual resultou perigo de vida, e o meio que produziu a lesão foi através de perfuração por arma de fogo. Laudo idêntico foi procedido em Sérgio Luís Brito Fernandes (folha 20), o qual certificou que o mesmo também sofreu ofensa a sua integridade corporal e saúde, a qual resultou perigo de vida, e o meio que produziu a lesão foi através de perfuração por arma de fogo. Em razões recursais, o apelante admite a autoria delitiva em relação a ALDIR OLIVEIRA COSTA, entretanto busca proteção legal sob o manto da legítima defesa, pois se defendeu de uma agressão injusta por parte daquele, que, inclusive, se fazia acompanhar de um grupo de pessoas. Assim, analisando-se tal questão, verifica-se que o apelante não utilizou dos meios necessários, suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da defesa, posto que ao utilizar-se de uma arma de fogo e ter atirado para repelir a suposta agressão praticada contra ele pela vítima acima -, excedeu todos os meios possíveis para tal ato, pois causou um dano maior na vítima, sendo, consequentemente, desproporcional pelo excesso da defesa. Por tal motivo, rejeito de plano a tese de legítima defesa, restando, pois, comprovada a autoria em que figura como vítima Aldir Oliveira Costa. A testemunha MANOEL GONÇALVES DE AMORIM foi categórica em frisar a autoria delitiva em relação à vítima Aldir Oliveira Costa, como também em sua pessoa, acrescentando e de vital importância NÃO SABER SE O ACUSADO ACERTOU EM MAIS ALGUÉM, ALÉM DE ALDIR. (destaquei). Destaquei o depoimento acima porque a vítima SÉRGIO LUÍS BRITO FERNANDES, conforme relatado acima, declarou NÃO SABER QUEM LHE DEU O TIRO. Ora, existem nos autos depoimentos de outras testemunhas, vinculadas ou ao apelante ou as vítimas, que, sabemos, não se pode dar a devida credibilidade por questões óbvias no caso em questão. Condenar o apelante como o autor das lesões sofridas por SÉRGIO LUÍS BRITO FERNANDES, quando este informa não saber quem lhe deu o tiro, corroborado com o depoimento de MANOEL GONÇALVES DE AMORIM, que afirma categoricamente que a única pessoa em que viu o apelante atirar foi em ALDIR, é bastante temeroso e arriscado por parte do julgador, embora existam provas indiretas, provas estas ligadas umbilicalmente com as partes envolvidas na presente ação penal, menos o juiz, é claro, tornando-se, assim, não confiáveis. De igual modo deve ser atentado em relação à condenação do apelante no que diz respeito à lesão sofrida por Manoel Gonçalves de Amorim, pois no caso em exame verifica-se que não existe a prova de que houve lesão corporal de natureza grave, mas tão somente de lesão corporal, não havendo, portanto, prova material segura da gravidade da lesão, e sendo assim, deve haver a desclassificação do crime de lesão corporal grave para lesão corporal e, conseqüentemente, ser diminuída a pena, a qual fixo entre os graus mínimo e médio do artigo 129 do Código Penal, ou seja, 06 (seis) meses de detenção, que torno definitiva e concreta na falta de outras circunstâncias agravantes ou causas de aumento ou diminuição a considerar. Em nosso ordenamento jurídico, vige o princípio da presunção da inocência. Tal princípio funciona como uma regra diretamente referida ao juízo do fato e também incide no âmbito probatório, vinculando à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada. Segundo o Professor Doutor Aury Lopes Jr, em Introdução Crítica ao Processo Penal Fundamentos de Instrumentalidade Garantista. (Editora Lumen Juris, p. 179): A partir do momento em que o imputado é presumivelmente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o acusado (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito do silêncio nemo tenetur se detegere). Mais adiante, e citando Luigi Ferrajoli, precursor do garantismo, esclarece que: Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador. A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento (e liberação de cargas), a absolvição é imperativa.(Grifei) Em outras palavras, na reconstrução da verdade, a partir de uma análise sistemática do ordenamento jurídico pátrio, quando a Constituição ordena que todos sejam julgados pelo juiz natural; que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória; que aos litigantes em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa; que os atos processuais são públicos; que ao imputado está assegurado o direito de silêncio e o de não fazer prova contra si mesmo, não há como negar que à acusação incumbe a carga de descobrir hipóteses e provas que elidam a presunção de inocência que limita em favor do acusado. (grifei). Trata-se, portanto, de presunção juris tantum e é nesse sentido a melhor interpretação que se dá ao art. 156 do CPP, ou seja, de que a primeira e principal alegação, é a que consta na denúncia, sendo ônus do Ministério Público prová-la. Em outras palavras, quem afirma tem que provar, e não quem nega, pois a presunção é de inocência e não de culpabilidade. Neste sentido, nos ensina o autor acima citado (pgs. 180/181): No processo penal, é como se o acusador iniciasse com uma imensa carga probatória, constituída não apenas pelo ônus de provar o alegado (autoria de um crime), mas também pela necessidade de derrubar a presunção de inocência instituída pela Constituição.(...) À medida que o acusador vai demonstrando as afirmações feitas na inicial, ele se libera da carga e, ao mesmo tempo, enfraquece a presunção (inicial) de inocência, até chegar ao ponto de máxima liberação da carga e conseqüente desconstrução da presunção de inocência com a sentença penal condenatória Nesse diapasão, deve se prestigiar o princípio da presunção de inocência como princípio reitor do processo penal, maximizando-o em todas as suas nuances, mais especialmente no que se refere à carga da prova e, no caso sob exame, não há prova concludente do crime de lesões corporais graves em relação à vítima SÉRGIO LUÍS BRITO FERNANDES. As considerações acima foram apontadas, porque se vislumbra, claramente, que o Ministério Público não derrubou a presunção de inocência instituída pela Constituição no caso da vítima acima. Tudo isso leva a crer que os fatos são muito estranhos, levando à dúvida, sendo forçoso concluir que não se verificou o tipo do artigo 129, § 1º, inciso II, do Código Penal, em relação à vítima SÉRGIO LUÍS BRITO FERNANDES, motivo pelo qual por não haver provas sólidas para a formação de meu convencimento, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal - absolvo o apelante do crime descrito acima em relação a vítima supra; desclassifico o crime de lesão corporal de natureza grave para lesão corporal em relação à vítima MANOEL GONÇALVES DE AMORIM, conforma acima explicitado; mantendo-se a condenação em relação a ALDIR OLIVEIRA COSTA, pelos motivos já apontados, sendo, assim, condenado à pena de 03 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime semi-aberto, dando-se parcial provimento ao recurso. Sessão Ordinária de 03 de abril de 2007. RAIMUNDA GOMES NORONHA Relatora ACÓRDÃO Nº RECURSO DE APELAÇÃO COMARCA DE ORIGEM: AUGUSTO CORRÊA RELATORA: RAIMUNDA GOMES NORONHA APELANTE: EDUARDO CORRÊA PAIXÃO ADVOGADO: Dr. JOSÉ MARIA COSTA APELADA: A JUSTIÇA PÚBLICA RECURSO DE APELAÇÃO CRIME DE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE LEGÍTIMA DEFESA PROVAS. 1. O apelante não utilizou dos meios necessários, suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da legítima defesa, em relação à vítima Aldir Oliveira Costa. 2. A vítima Sérgio Luís Brito Fernandes informou não saber quem fez o disparo contra si. A vítima Manoel Gonçalves de Amorim afirmou que a única pessoa em que viu o apelante atirar foi em Aldir Oliveira Costa. Assim, conclui-se que não há prova do crime em relação à vítima Sérgio Luís Brito Fernandes. 3. Não existe prova de que houve lesão corporal de natureza grave em relação à vítima Manoel Gonçalves de Amorim, mas tão somente de lesão corporal, devendo, assim, ser operada a desclassificação e, conseqüentemente, ser diminuída a pena. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido Decisão unânime. Vistos etc. Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, componentes da 2ª Câmara Criminal Isolada do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, de conformidade com o voto da desembargadora relatora. Esta Sessão foi presidida pela Desembargadora Vania Fortes Bitar, presidente da 2ª Câmara Criminal Isolada, em exercício. Belém, 03 de abril de 2007. RAIMUNDA GOMES NORONHA Relatora (2007.01869872-07, 69.387, Rel. RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PENAL, Julgado em 2007-04-03, Publicado em 2007-12-11)
Decisão
ACÓRDÃO

Data do Julgamento : 03/04/2007
Data da Publicação : 11/12/2007
Órgão Julgador : 2ª TURMA DE DIREITO PENAL
Relator(a) : RAIMUNDA DO CARMO GOMES NORONHA
Número do documento : 2007.01869872-07
Tipo de processo : APELACAO PENAL
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