TJPA 0000399-28.2007.8.14.0401
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CRIMINAL ISOLADA APELAÇÃO PENAL PROCESSO N° 2012.3.019.118-6 COMARCA DE ORIGEM: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR E A ORDEM TRIBUTÁRIA DA COMARCA DA CAPITAL. APELANTE: ANTONIO EUGÊNIO PACELLI MARTIN DE MELLO ADVOGADO: ANTONIO LÚCIO MARTIN DE MELLO (OAB/PA 3.194) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROCURADOR DE JUSTIÇA: CÂNDIDA DE JESUS RIBEIRO DO NASCIMENTO. RELATORA: DESª. VERA ARAÚJO DE SOUZA. DECISÃO MONOCRÁTICA 1. Analisando as razões recursais (fls. 219-264), verifica-se que a tese defensiva está adstrita, dentre outras alegações, aos argumentos: a) de nulidade do procedimento de constituição do crédito tributário sobre o qual incidiu a conduta criminosa assestada nesta ação penal, por meio da qual o Ministério Público Estadual irrogou ao recorrente a prática da conduta típica descrita no artigo 1º, inciso II, da Lei Nº 8.137/1990; b) de nulidade da inscrição do crédito tributário em dívida ativa do Fisco Estadual por inobservância aos requisitos previstos no artigo 202 do Código Tributário Nacional; 2. As questões supramencionadas, não estariam afeitas ao juízo criminal, materialmente incompetente para apreciá-las, tratando-se de matérias relacionadas à competência do juízo de direito investido da jurisdição fazendária; 3. Insta sublinhar que tramita perante o douto juízo da 6ª Vara da Fazenda da Capital a ação anulatória de lançamento tributário (processo Nº 2007.1.092.821-7), ajuizada pela empresa Mareterra Comércio, Importação, Exportação e Representação LTDA. contra o Estado do Pará visando invalidar o Auto de Infração Nº 021045, que constituiu o crédito tributário sobre o qual supostamente incidiu a ação criminosa do ora apelante; 4. O eventual reconhecimento pelo juízo natural da procedência das alegações de nulidade do lançamento tributário e da inscrição do crédito tributário em dívida ativa estadual, além de implicar inexequibilidade do crédito tributário e, portanto, impossibilidade da Fazenda Estadual concretizar a cobrança judicial da dívida por intermédio da ação de execução fiscal, obstará a persecução penal e a própria condenação por crime contra ordem tributária; 5. Isso porque o reconhecimento de infração tributária (a exemplo da redução de tributo mediante omissão de operação de qualquer natureza em livro exigido pela legislação fiscal, apurada por meio de procedimento administrativo-fiscal no qual sejam asseguradas ao sujeito passivo da obrigação tributária as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa) constitui pressuposto para a existência de delito fiscal. Em outras palavras, a existência de transgressão ao dever tributário (sonegação fiscal) é questão prejudicial para a ocorrência de crime fiscal, haja vista que no campo do Direito Penal Tributário há de ser observado o princípio da dupla tipicidade: o fato deve constituir, ao mesmo tempo, infração tributária e crime tributário; 6. Nesse contexto, é possível inferir que o encerramento do procedimento administrativo-fiscal de lançamento constitui condição objetiva de punibilidade justificada pela necessidade de definir a existência do crédito tributário, de modo a demonstrar a certeza da materialidade do fato típico, bem como pela necessidade de fixar o quantum debeatur, a fim de conferir exequibilidade às medidas de política criminal da suspensão da pretensão punitiva estatal pelo parcelamento do débito e da extinção da punibilidade do agente pelo pagamento da dívida; 7. Eventualmente anulado o procedimento administrativo de lançamento, restará desconstituído o crédito tributário correspondente à obrigação tributária afirmada pelo Fisco, sendo cediço que a inexistência de tributo exigível implicará falta de justa causa para a ação penal relativa a crime contra a ordem tributária. Conforme mencionado anteriormente, no âmbito do Direito Penal Tributário, o encerramento do procedimento administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade: o lançamento é o instrumento por meio do qual o Estado confere exigibilidade à obrigação tributária, tornando líquido e certo o tributo reclamado pela Fazenda Pública. Inexistindo o crédito tributário, incerta e ilíquida será a obrigação tributária, de modo que não haverá que se cogitar em crime contra a ordem tributária antes do encerramento do lançamento; 8. Em que pese a independência das instâncias administrativa, cível e criminal, é mister recordar que a questão em apreciação (violação do dever tributário de colaboração e informação para com o fisco ou, em outros termos, sonegação fiscal) situa-se no plano material: diz respeito à antijuridicidade, conceito transversal, válido para todos os ramos do direito, consistente na qualidade de uma forma de comportamento proibida pelo ordenamento jurídico. Desse modo, a violação de uma norma proibitiva emanada de um ramo do direito tem o condão de afetar todo o sistema jurídico. A realização do ilícito penal, portanto, projeta-se para todos os ramos do direito, dentre os quais, o direito tributário; nada obstante, o contrário não é verdadeiro. Segundo a teoria dos dois círculos concêntricos, nem sempre o ilícito tributário, administrativo ou civil configurará ilícito penal, visto que esta esfera jurídica é mais concentrada de exigências do que os demais setores do direito. É dizer: a antijuridicidade penal particulariza-se pela tipicidade, a qual delimita ou recorta os comportamentos mais graves que importam ofensa aos bens jurídicos mais caros para a sociedade. Se uma conduta não constituir ilícito civil, tributário ou administrativo, por certo, não constituirá ilícito penal. Nesse quadrante, deve haver cautela por parte do julgador no que tange ao exame da imputação de crime contra ordem, mormente quando pendente a apreciação no juízo natural da alegação de nulidade do procedimento de lançamento e do ato administrativo de inscrição do crédito tributário em Dívida Ativa, a fim de que não sobrevenha condenação criminal sem que haja decisão definitiva sobre a existência de tributo devido, sobretudo diante da possibilidade de ser proferida decisão reconhecendo a ilegalidade da constituição do crédito tributário e da inscrição deste em Dívida Ativa. 9. Além disso, por força do princípio da dupla tipicidade, é curial destacar que, no campo dos crimes contra a ordem tributária, a configuração do crime fiscal dependerá, necessariamente, da prévia existência de infração tributária, reconhecida mediante procedimento administrativo-fiscal destinado à constituição do crédito tributário correspondente a uma obrigação tributária descumprida pelo sujeito passivo da relação jurídico-tributária, conforme explicitado anteriormente. Por isso, a decisão administrativa ou judicial relativa à regularidade ou não do procedimento administrativo de lançamento sempre interessará à esfera penal, afinal, somente haverá crime contra a ordem tributária se existir, previamente, violação às obrigações tributárias, cuja constatação pelo juízo criminal é imprescindível. Sobre o tema, os doutrinadores Cezar Roberto Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro (Crimes contra a Ordem Tributária. Editora Saraiva: p. 56) pontificam, in verbis: (...) é impossível existir crime tributário de qualquer espécie sem que, simultaneamente, configure transgressão de dever tributário (ilícito fiscal). Contudo, a recíproca não é verdadeira: poderá haver infringência de norma tributária (não pagamento de tributo, ou pagamento insuficiente), configurando antijuridicidade tributária, sem que se configure, ao mesmo tempo, fato delituoso. O ilícito tributário é pressuposto do ilícito penal! Dito de outra forma, a configuração do crime resta excluída se a conduta do agente estiver autorizada pelo Direito Tributário, pois a antijuridicidade penal decorre da antijuridicidade tributária (...). Concluindo, uma decisão administrativa que desconstitui materialmente o crédito tributário não só repercute na esfera penal como também impede a própria condenação pelo crime de sonegação. Um fato materialmente lícito perante a lei tributária não pode ser tratado como ilícito pela lei penal, sob pena de o próprio sistema jurídico-constitucional mostrar-se incoerente (...). 10. Ressalto que tramita perante o douto juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital ação visando a anulação do lançamento tributário que originou o crédito tributário objeto da suposta ação criminosa narrada nestes autos. A pretensão de invalidação do procedimento de constituição do crédito tributário está hasteada, basicamente, nos argumentos de que o procedimento administrativo-fiscal não observou as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, impedindo que o sujeito passivo da obrigação tributária interpusesse o competente recurso contra decisão administrativa de 1ª instância, impedindo a formação da coisa julgada administrativa e de que o próprio crédito tributário reclamado pelo Estado não existiria, argumento que afeta a tipicidade do crime tributário. 11. Ao decidir sobre o mérito da causa fazendária, o julgador poderá entender nulo o lançamento, desconstituindo o crédito tributário; caso isto ocorra, teremos o seguinte quadro: o ora apelante será devedor de uma sanção penal pela prática de crime contra ordem tributária sem ser devedor de tributo, haja vista a invalidação do lançamento que constituiu o crédito tributário, tornando inexigível a obrigação tributária afirmada pelo Fisco Estadual; 12. A circunstância descrita ao norte seria teratológica para o Direito Penal Tributário, por isso, justificaria a suspensão da ação penal em 1º grau de jurisdição até a resolução definitiva da controvérsia relativa à nulidade ou não do lançamento tributário efetuado pela Fazenda Pública Estadual. Manuseando os autos, nota-se que o juízo singular, especificamente às fls. 163, acolheu a questão prejudicial suscitada pela defesa: a de que estaria em curso perante a 6ª Vara da Fazenda da Capital a ação anulatória do auto de infração fiscal que embasou esta persecução penal. Por tal razão, suspendeu o processo penal pelo prazo de 6 meses. No entanto, transcorrido tal interregno temporal, o magistrado a quo retomou a tramitação processual, proferindo sentença penal condenatória, antes mesmo do pronunciamento judicial definitivo acerca da existência ou não do crédito tributário reclamado pelo Fisco Estadual; 13. Cumpre ao Poder Judiciário, sobretudo no campo do direito penal, ultima ratio, acautelar-se quanto ao risco de decisões conflitantes em relação aos mesmos fatos discutidos em instâncias distintas. Na hipótese do juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital concluir pela nulidade do lançamento tributário e, via de efeito, desconstituir o crédito tributário, além de faltar a condição objetiva de punibilidade (encerramento do procedimento administrativo-fiscal de constituição do crédito tributário, necessário para a imposição da pena), inexistirá, formal e materialmente, tributo líquido e certo devido, o que atinge a tipicidade do fato. Vale dizer: inexistirá infração tributária, afastando-se, assim, a possibilidade de existir crime contra a ordem tributária; 14. Nessa linha de raciocínio, constato que o pronunciamento judicial definitivo a respeito da legalidade do lançamento tributário constitui questão prejudicial para o julgamento da ação penal em 2º grau de jurisdição, sob pena de confirmar-se uma sanção penal antes mesmo de o juízo natural apreciar a legalidade do procedimento administrativo-fiscal que deu origem ao crédito tributário, fazendo que a sanção penal, indesejavelmente, assuma a feição de instrumento de coerção do sujeito passivo ao pagamento de tributos, algo que não se coaduna com os fins colimados pelo Direito Penal moderno. 15. Desse modo, antes deste Egrégio Tribunal de Justiça confirmar, ou não, a sanção penal imposta ao recorrente em 1º grau de jurisdição, uma vez que não existe pronunciamento definitivo do juízo da 6ª Vara da Fazenda da Capital acerca da questão prejudicial ao julgamento desta causa (a legalidade ou ilegalidade do lançamento tributário contrastado nos autos do processo Nº 2007.1.092.821-7) entendo razoável, neste momento, determinar a suspensão da ação penal pelo prazo de 1 ano, aguardando-se o julgamento definitivo da ação anulatória de lançamento tributário, na qual será aferida a higidez ou não do procedimento administrativo de constituição do crédito tributário reclamado pelo Fisco Estadual e sobre o qual incide, em tese, a conduta criminosa assestada na denúncia, consoante autoriza o artigo 93 do Código de Processo Penal, in verbis: Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente. 16. Com efeito, nos termos do artigo 116, inciso I, do Código Penal, declaro a suspensão do curso da prescrição enquanto não resolvida, no juízo natural, a questão prejudicial relativo à legalidade ou ilegalidade do lançamento tributário objetado nos autos da ação anulatória Nº 2007.1.092.821-7, em trâmite perante o juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital. Para melhor compreensão, transcrevo o dispositivo legal ora enfocado, in verbis: Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htmI - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; 17. Oficie-se ao douto juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital, encaminhando-se cópia desta decisão, além de solicitar, no que for possível, brevidade no julgamento da questão de mérito assestada na ação anulatória Nº 2007.1.092.821-7 em virtude da pendência de processo criminal, cuja análise do merito causae depende da prévia resolução da controvérsia vertida naquela causa, bem como o envio à esta relatora de cópia da sentença, caso proferida antes do prazo de suspensão processual; 18. Os autos deste processo deverão ser acautelados na Secretaria da 1ª Câmara Criminal Isolada durante o prazo de suspensão processual; 19. Intime-se as partes. Belém/PA, 22 de julho de 2013. Relatora Des.ª Vera Araújo de Souza Desembargadora
(2013.04162539-79, Não Informado, Rel. VERA ARAUJO DE SOUZA, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PENAL, Julgado em 2013-07-15, Publicado em 2013-07-15)
Ementa
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CRIMINAL ISOLADA APELAÇÃO PENAL PROCESSO N° 2012.3.019.118-6 COMARCA DE ORIGEM: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR E A ORDEM TRIBUTÁRIA DA COMARCA DA CAPITAL. APELANTE: ANTONIO EUGÊNIO PACELLI MARTIN DE MELLO ADVOGADO: ANTONIO LÚCIO MARTIN DE MELLO (OAB/PA 3.194) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ PROCURADOR DE JUSTIÇA: CÂNDIDA DE JESUS RIBEIRO DO NASCIMENTO. RELATORA: DESª. VERA ARAÚJO DE SOUZA. DECISÃO MONOCRÁTICA 1. Analisando as razões recursais (fls. 219-264), verifica-se que a tese defensiva está adstrita, dentre outras alegações, aos argumentos: a) de nulidade do procedimento de constituição do crédito tributário sobre o qual incidiu a conduta criminosa assestada nesta ação penal, por meio da qual o Ministério Público Estadual irrogou ao recorrente a prática da conduta típica descrita no artigo 1º, inciso II, da Lei Nº 8.137/1990; b) de nulidade da inscrição do crédito tributário em dívida ativa do Fisco Estadual por inobservância aos requisitos previstos no artigo 202 do Código Tributário Nacional; 2. As questões supramencionadas, não estariam afeitas ao juízo criminal, materialmente incompetente para apreciá-las, tratando-se de matérias relacionadas à competência do juízo de direito investido da jurisdição fazendária; 3. Insta sublinhar que tramita perante o douto juízo da 6ª Vara da Fazenda da Capital a ação anulatória de lançamento tributário (processo Nº 2007.1.092.821-7), ajuizada pela empresa Mareterra Comércio, Importação, Exportação e Representação LTDA. contra o Estado do Pará visando invalidar o Auto de Infração Nº 021045, que constituiu o crédito tributário sobre o qual supostamente incidiu a ação criminosa do ora apelante; 4. O eventual reconhecimento pelo juízo natural da procedência das alegações de nulidade do lançamento tributário e da inscrição do crédito tributário em dívida ativa estadual, além de implicar inexequibilidade do crédito tributário e, portanto, impossibilidade da Fazenda Estadual concretizar a cobrança judicial da dívida por intermédio da ação de execução fiscal, obstará a persecução penal e a própria condenação por crime contra ordem tributária; 5. Isso porque o reconhecimento de infração tributária (a exemplo da redução de tributo mediante omissão de operação de qualquer natureza em livro exigido pela legislação fiscal, apurada por meio de procedimento administrativo-fiscal no qual sejam asseguradas ao sujeito passivo da obrigação tributária as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa) constitui pressuposto para a existência de delito fiscal. Em outras palavras, a existência de transgressão ao dever tributário (sonegação fiscal) é questão prejudicial para a ocorrência de crime fiscal, haja vista que no campo do Direito Penal Tributário há de ser observado o princípio da dupla tipicidade: o fato deve constituir, ao mesmo tempo, infração tributária e crime tributário; 6. Nesse contexto, é possível inferir que o encerramento do procedimento administrativo-fiscal de lançamento constitui condição objetiva de punibilidade justificada pela necessidade de definir a existência do crédito tributário, de modo a demonstrar a certeza da materialidade do fato típico, bem como pela necessidade de fixar o quantum debeatur, a fim de conferir exequibilidade às medidas de política criminal da suspensão da pretensão punitiva estatal pelo parcelamento do débito e da extinção da punibilidade do agente pelo pagamento da dívida; 7. Eventualmente anulado o procedimento administrativo de lançamento, restará desconstituído o crédito tributário correspondente à obrigação tributária afirmada pelo Fisco, sendo cediço que a inexistência de tributo exigível implicará falta de justa causa para a ação penal relativa a crime contra a ordem tributária. Conforme mencionado anteriormente, no âmbito do Direito Penal Tributário, o encerramento do procedimento administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade: o lançamento é o instrumento por meio do qual o Estado confere exigibilidade à obrigação tributária, tornando líquido e certo o tributo reclamado pela Fazenda Pública. Inexistindo o crédito tributário, incerta e ilíquida será a obrigação tributária, de modo que não haverá que se cogitar em crime contra a ordem tributária antes do encerramento do lançamento; 8. Em que pese a independência das instâncias administrativa, cível e criminal, é mister recordar que a questão em apreciação (violação do dever tributário de colaboração e informação para com o fisco ou, em outros termos, sonegação fiscal) situa-se no plano material: diz respeito à antijuridicidade, conceito transversal, válido para todos os ramos do direito, consistente na qualidade de uma forma de comportamento proibida pelo ordenamento jurídico. Desse modo, a violação de uma norma proibitiva emanada de um ramo do direito tem o condão de afetar todo o sistema jurídico. A realização do ilícito penal, portanto, projeta-se para todos os ramos do direito, dentre os quais, o direito tributário; nada obstante, o contrário não é verdadeiro. Segundo a teoria dos dois círculos concêntricos, nem sempre o ilícito tributário, administrativo ou civil configurará ilícito penal, visto que esta esfera jurídica é mais concentrada de exigências do que os demais setores do direito. É dizer: a antijuridicidade penal particulariza-se pela tipicidade, a qual delimita ou recorta os comportamentos mais graves que importam ofensa aos bens jurídicos mais caros para a sociedade. Se uma conduta não constituir ilícito civil, tributário ou administrativo, por certo, não constituirá ilícito penal. Nesse quadrante, deve haver cautela por parte do julgador no que tange ao exame da imputação de crime contra ordem, mormente quando pendente a apreciação no juízo natural da alegação de nulidade do procedimento de lançamento e do ato administrativo de inscrição do crédito tributário em Dívida Ativa, a fim de que não sobrevenha condenação criminal sem que haja decisão definitiva sobre a existência de tributo devido, sobretudo diante da possibilidade de ser proferida decisão reconhecendo a ilegalidade da constituição do crédito tributário e da inscrição deste em Dívida Ativa. 9. Além disso, por força do princípio da dupla tipicidade, é curial destacar que, no campo dos crimes contra a ordem tributária, a configuração do crime fiscal dependerá, necessariamente, da prévia existência de infração tributária, reconhecida mediante procedimento administrativo-fiscal destinado à constituição do crédito tributário correspondente a uma obrigação tributária descumprida pelo sujeito passivo da relação jurídico-tributária, conforme explicitado anteriormente. Por isso, a decisão administrativa ou judicial relativa à regularidade ou não do procedimento administrativo de lançamento sempre interessará à esfera penal, afinal, somente haverá crime contra a ordem tributária se existir, previamente, violação às obrigações tributárias, cuja constatação pelo juízo criminal é imprescindível. Sobre o tema, os doutrinadores Cezar Roberto Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro (Crimes contra a Ordem Tributária. Editora Saraiva: p. 56) pontificam, in verbis: (...) é impossível existir crime tributário de qualquer espécie sem que, simultaneamente, configure transgressão de dever tributário (ilícito fiscal). Contudo, a recíproca não é verdadeira: poderá haver infringência de norma tributária (não pagamento de tributo, ou pagamento insuficiente), configurando antijuridicidade tributária, sem que se configure, ao mesmo tempo, fato delituoso. O ilícito tributário é pressuposto do ilícito penal! Dito de outra forma, a configuração do crime resta excluída se a conduta do agente estiver autorizada pelo Direito Tributário, pois a antijuridicidade penal decorre da antijuridicidade tributária (...). Concluindo, uma decisão administrativa que desconstitui materialmente o crédito tributário não só repercute na esfera penal como também impede a própria condenação pelo crime de sonegação. Um fato materialmente lícito perante a lei tributária não pode ser tratado como ilícito pela lei penal, sob pena de o próprio sistema jurídico-constitucional mostrar-se incoerente (...). 10. Ressalto que tramita perante o douto juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital ação visando a anulação do lançamento tributário que originou o crédito tributário objeto da suposta ação criminosa narrada nestes autos. A pretensão de invalidação do procedimento de constituição do crédito tributário está hasteada, basicamente, nos argumentos de que o procedimento administrativo-fiscal não observou as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, impedindo que o sujeito passivo da obrigação tributária interpusesse o competente recurso contra decisão administrativa de 1ª instância, impedindo a formação da coisa julgada administrativa e de que o próprio crédito tributário reclamado pelo Estado não existiria, argumento que afeta a tipicidade do crime tributário. 11. Ao decidir sobre o mérito da causa fazendária, o julgador poderá entender nulo o lançamento, desconstituindo o crédito tributário; caso isto ocorra, teremos o seguinte quadro: o ora apelante será devedor de uma sanção penal pela prática de crime contra ordem tributária sem ser devedor de tributo, haja vista a invalidação do lançamento que constituiu o crédito tributário, tornando inexigível a obrigação tributária afirmada pelo Fisco Estadual; 12. A circunstância descrita ao norte seria teratológica para o Direito Penal Tributário, por isso, justificaria a suspensão da ação penal em 1º grau de jurisdição até a resolução definitiva da controvérsia relativa à nulidade ou não do lançamento tributário efetuado pela Fazenda Pública Estadual. Manuseando os autos, nota-se que o juízo singular, especificamente às fls. 163, acolheu a questão prejudicial suscitada pela defesa: a de que estaria em curso perante a 6ª Vara da Fazenda da Capital a ação anulatória do auto de infração fiscal que embasou esta persecução penal. Por tal razão, suspendeu o processo penal pelo prazo de 6 meses. No entanto, transcorrido tal interregno temporal, o magistrado a quo retomou a tramitação processual, proferindo sentença penal condenatória, antes mesmo do pronunciamento judicial definitivo acerca da existência ou não do crédito tributário reclamado pelo Fisco Estadual; 13. Cumpre ao Poder Judiciário, sobretudo no campo do direito penal, ultima ratio, acautelar-se quanto ao risco de decisões conflitantes em relação aos mesmos fatos discutidos em instâncias distintas. Na hipótese do juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital concluir pela nulidade do lançamento tributário e, via de efeito, desconstituir o crédito tributário, além de faltar a condição objetiva de punibilidade (encerramento do procedimento administrativo-fiscal de constituição do crédito tributário, necessário para a imposição da pena), inexistirá, formal e materialmente, tributo líquido e certo devido, o que atinge a tipicidade do fato. Vale dizer: inexistirá infração tributária, afastando-se, assim, a possibilidade de existir crime contra a ordem tributária; 14. Nessa linha de raciocínio, constato que o pronunciamento judicial definitivo a respeito da legalidade do lançamento tributário constitui questão prejudicial para o julgamento da ação penal em 2º grau de jurisdição, sob pena de confirmar-se uma sanção penal antes mesmo de o juízo natural apreciar a legalidade do procedimento administrativo-fiscal que deu origem ao crédito tributário, fazendo que a sanção penal, indesejavelmente, assuma a feição de instrumento de coerção do sujeito passivo ao pagamento de tributos, algo que não se coaduna com os fins colimados pelo Direito Penal moderno. 15. Desse modo, antes deste Egrégio Tribunal de Justiça confirmar, ou não, a sanção penal imposta ao recorrente em 1º grau de jurisdição, uma vez que não existe pronunciamento definitivo do juízo da 6ª Vara da Fazenda da Capital acerca da questão prejudicial ao julgamento desta causa (a legalidade ou ilegalidade do lançamento tributário contrastado nos autos do processo Nº 2007.1.092.821-7) entendo razoável, neste momento, determinar a suspensão da ação penal pelo prazo de 1 ano, aguardando-se o julgamento definitivo da ação anulatória de lançamento tributário, na qual será aferida a higidez ou não do procedimento administrativo de constituição do crédito tributário reclamado pelo Fisco Estadual e sobre o qual incide, em tese, a conduta criminosa assestada na denúncia, consoante autoriza o artigo 93 do Código de Processo Penal, in verbis: Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente. 16. Com efeito, nos termos do artigo 116, inciso I, do Código Penal, declaro a suspensão do curso da prescrição enquanto não resolvida, no juízo natural, a questão prejudicial relativo à legalidade ou ilegalidade do lançamento tributário objetado nos autos da ação anulatória Nº 2007.1.092.821-7, em trâmite perante o juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital. Para melhor compreensão, transcrevo o dispositivo legal ora enfocado, in verbis: Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htmI - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; 17. Oficie-se ao douto juízo de direito da 6ª Vara da Fazenda da Capital, encaminhando-se cópia desta decisão, além de solicitar, no que for possível, brevidade no julgamento da questão de mérito assestada na ação anulatória Nº 2007.1.092.821-7 em virtude da pendência de processo criminal, cuja análise do merito causae depende da prévia resolução da controvérsia vertida naquela causa, bem como o envio à esta relatora de cópia da sentença, caso proferida antes do prazo de suspensão processual; 18. Os autos deste processo deverão ser acautelados na Secretaria da 1ª Câmara Criminal Isolada durante o prazo de suspensão processual; 19. Intime-se as partes. Belém/PA, 22 de julho de 2013. Relatora Des.ª Vera Araújo de Souza Desembargadora
(2013.04162539-79, Não Informado, Rel. VERA ARAUJO DE SOUZA, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PENAL, Julgado em 2013-07-15, Publicado em 2013-07-15)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
15/07/2013
Data da Publicação
:
15/07/2013
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PENAL
Relator(a)
:
VERA ARAUJO DE SOUZA
Número do documento
:
2013.04162539-79
Tipo de processo
:
Apelação
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