TJPA 0000399-48.2012.8.14.0000
AÇÃO PENAL PROCESSO N. 2012.3.008331-7 (CNJ 0000399-48.2012.814.0000) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (Procurador de Justiça Claudio Bezerra de Melo) DENUNCIADO: SEI OHAZE (Advogado Inocêncio Mártires) RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA DECISÃO TERMINATIVA O Ministério Público ofereceu denúncia (fls. 2/6) contra o Prefeito de Santarém Novo Sei Ohaze, imputando-lhe os delitos tipificados no art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967; art. 89 da Lei n. 8.666, de 1993, e 359-A, I, e 359-D, do Código Penal. O denunciado ofereceu sua resposta preliminar (fls. 518/529), alegando a prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes denunciados, exceto o previsto na Lei de Licitações. Em seguida, aduziu preliminar de inépcia da denúncia, em razão da ausência de correlação dos fatos com as provas documentais, com ofensa ao princípio da ampla defesa. No mérito, pugnou pela inexistência de elementos de autoria e materialidade a autorizar o prosseguimento da persecução criminal, eis que ausente justa causa e dolo. O Ministério Público acolheu a suscitação de prescrição e pediu o não recebimento da denúncia (fls. 541/543). Ao analisar o parecer ministerial, observei que o mesmo não se reportara ao crime da Lei de Licitações, o qual tem pena máxima cominada em 5 anos e, portanto, prescrição em 12 anos. Determinei, assim, a devolução dos autos ao Parquet para se manifestar sobre essa particularidade (fl. 563). A procuradoria de justiça, então, pronunciou-se no sentido de que os tipos previstos no art. 89 da Lei n. 8.666, de 1993, e art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967, se superpõem, implicando em bis in idem a ser sanado com base no princípio da especialidade e prevalecendo este último, conforme doutrina e precedentes desta corte. Em face do afastamento do delito tipificado na Lei de Licitações, os remanescentes estariam prescritos, pelo que ratificou o pedido de não recebimento da denúncia. Inicialmente, impende observar que os dois primeiros crimes denunciados de fato implicam em dupla punição pelo mesmo fato, devendo-se afastar o bis in idem. Tratando-se de concurso aparente de normas, o critério de solução aplicável é o da especialidade. Em princípio, poder-se-ia pensar na prevalência da Lei de Licitações, por ser norma posterior, mas o Decreto-lei n. 201 constitui norma mais específica, já que trata de crimes de responsabilidade de prefeitos. O intérprete deve aplicar a norma especial, ainda que isso implique no reconhecimento de delito mais leve. Contudo, não se pode fazer um simples cotejo entre os dois tipos penais, como se fossem, sempre e obrigatoriamente, equivalentes. Com efeito, às vezes uma norma contempla todas as elementares de outro tipo penal, porém acrescenta elementares próprias. Nesta hipótese, ela se torna mais específica e deve prevalecer. A respeito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, XI, DO DL 201/67). DISPENSA OU INEXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO (ART. 89, DA LEI 8.666/67). PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. '(...) O Prefeito Municipal, como ordenador de despesas, não pode deixar de ser responsabilizado criminalmente, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.666/93, quando burla a exigência de licitação, através de expedientes fraudulentos, como o fracionamento de despesa ou, ainda, quando frauda o próprio certame, com propostas contendo data anterior à do convite, condutas estas, ademais, diversas da descrita no art. 1º, XI, do Decreto-Lei nº 201/67, pelo que não há falar em bis in idem.' Recurso não conhecido. (STJ, 5ª Turma REsp 504785/PB rel. Min. José Arnaldo da Fonseca j. 2/10/2003 DJ 28/10/2003 p. 338) Constata-se, assim, que existe uma grande diferença entre a simples dispensa ou inexigibilidade de licitação, hipótese em que prevalece o crime de responsabilidade de prefeito, e a prática de uma ação que configure fraude deliberada ao procedimento licitatório, caso em que se deverá aplicar a Lei de Licitações. Contudo, relendo a denúncia, verifica-se que, nela, foi mencionada apenas a omissão de licitações para aquisições de mercadorias. Assim, deve preponderar o crime de responsabilidade, exatamente como proposto pelo Parquet, nestes autos. CRIMINAL. RHC. PREFEITO. NULIDADE. RITO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DE QUE OS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA TEM PROCEDIMENTO PRÓPRIO. ART. 2º DO DECRETO-LEI Nº 201/67. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE DEFESA PRELIMINAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO. Restando demonstrado nos autos a condição de Prefeito exercida pelo paciente, quando da suposta prática de condutas ilícitas, e sendo tais condutas previstas em regulamento especial, em razão de tratar-se de prefeito municipal, afasta-se a aplicação das normas gerais, in casu, a Lei de Licitações, para se aplicar o DL 201/67. (...) Recurso provido para anular os atos processuais realizados após o recebimento da denúncia, a fim de que sejam observados os procedimentos estabelecidos no rito especial previsto no Decreto-Lei nº 201/67. (STJ, 5ª Turma RHC 11290/MG rel. Min. Gilson Dipp j. 11/9/2001 DJ 15/10/2001 p. 272) Esta corte vem decidindo no mesmo sentido, como demonstram os acórdãos 114.989 (Ação Penal n. 2012.3.011672-0, DJ 13.12.2012) e 118.469 (Ação Penal n. 2012.3.025811-8, DJ 13.12.2012), ambos relatados pelo rel. Des. Rômulo José Ferreira Nunes. Em consequência, fica afastado da denúncia o delito tipificado no art. 89 da Lei de Licitações. No que tange aos crimes remanescentes, entretanto, impende observar que os fatos denunciados remontam ao ano de 2002. Como ainda estamos em fase de defesa preliminar (a denúncia só foi protocolada em 16.4.2012), não houve interrupção do prazo prescricional, o que somente ocorreria com eventual recebimento da denúncia (CP, art. 117, I). O crime tipificado no art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967, possui pena cominada de três meses a três anos detenção. O do art. 359-D, do Código Penal, possui pena de um a quatro anos de reclusão. Para eles, a prescrição da pretensão punitiva, calculada pelo máximo da pena abstrata, se deu em oito anos. Já o crime do art. 359-A do Código Penal tem pena cominada de 1 a 2 anos de reclusão, prescrevendo em quatro anos (CP, art. 109, IV e V). Resulta daí que os delitos imputados prescreveram em abril de 2008 e de 2010. Antes mesmo do oferecimento da denúncia, portanto. Embora a modalidade do inciso III do art. 1º do Decreto-lei 201 também seja mencionado na peça de ingresso, dela não consta pedido de processamento quanto ao mesmo. Além disso, por força da pena cominada, também estaria prescrito, o que não altera a conclusão deste voto. Ante o exposto, acolho a promoção ministerial e rejeito a denúncia contra Sei Ohaze, em face do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado. É como voto. Belém, 13 de maio de 2013. Des. João José da Silva Maroja Relator
(2013.04130062-25, Não Informado, Rel. JOAO JOSE DA SILVA MAROJA, Órgão Julgador SEÇÃO DE DIREITO PENAL, Julgado em 2013-05-13, Publicado em 2013-05-13)
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AÇÃO PENAL PROCESSO N. 2012.3.008331-7 (CNJ 0000399-48.2012.814.0000) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (Procurador de Justiça Claudio Bezerra de Melo) DENUNCIADO: SEI OHAZE (Advogado Inocêncio Mártires) RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA DECISÃO TERMINATIVA O Ministério Público ofereceu denúncia (fls. 2/6) contra o Prefeito de Santarém Novo Sei Ohaze, imputando-lhe os delitos tipificados no art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967; art. 89 da Lei n. 8.666, de 1993, e 359-A, I, e 359-D, do Código Penal. O denunciado ofereceu sua resposta preliminar (fls. 518/529), alegando a prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes denunciados, exceto o previsto na Lei de Licitações. Em seguida, aduziu preliminar de inépcia da denúncia, em razão da ausência de correlação dos fatos com as provas documentais, com ofensa ao princípio da ampla defesa. No mérito, pugnou pela inexistência de elementos de autoria e materialidade a autorizar o prosseguimento da persecução criminal, eis que ausente justa causa e dolo. O Ministério Público acolheu a suscitação de prescrição e pediu o não recebimento da denúncia (fls. 541/543). Ao analisar o parecer ministerial, observei que o mesmo não se reportara ao crime da Lei de Licitações, o qual tem pena máxima cominada em 5 anos e, portanto, prescrição em 12 anos. Determinei, assim, a devolução dos autos ao Parquet para se manifestar sobre essa particularidade (fl. 563). A procuradoria de justiça, então, pronunciou-se no sentido de que os tipos previstos no art. 89 da Lei n. 8.666, de 1993, e art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967, se superpõem, implicando em bis in idem a ser sanado com base no princípio da especialidade e prevalecendo este último, conforme doutrina e precedentes desta corte. Em face do afastamento do delito tipificado na Lei de Licitações, os remanescentes estariam prescritos, pelo que ratificou o pedido de não recebimento da denúncia. Inicialmente, impende observar que os dois primeiros crimes denunciados de fato implicam em dupla punição pelo mesmo fato, devendo-se afastar o bis in idem. Tratando-se de concurso aparente de normas, o critério de solução aplicável é o da especialidade. Em princípio, poder-se-ia pensar na prevalência da Lei de Licitações, por ser norma posterior, mas o Decreto-lei n. 201 constitui norma mais específica, já que trata de crimes de responsabilidade de prefeitos. O intérprete deve aplicar a norma especial, ainda que isso implique no reconhecimento de delito mais leve. Contudo, não se pode fazer um simples cotejo entre os dois tipos penais, como se fossem, sempre e obrigatoriamente, equivalentes. Com efeito, às vezes uma norma contempla todas as elementares de outro tipo penal, porém acrescenta elementares próprias. Nesta hipótese, ela se torna mais específica e deve prevalecer. A respeito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, XI, DO DL 201/67). DISPENSA OU INEXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO (ART. 89, DA LEI 8.666/67). PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. '(...) O Prefeito Municipal, como ordenador de despesas, não pode deixar de ser responsabilizado criminalmente, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.666/93, quando burla a exigência de licitação, através de expedientes fraudulentos, como o fracionamento de despesa ou, ainda, quando frauda o próprio certame, com propostas contendo data anterior à do convite, condutas estas, ademais, diversas da descrita no art. 1º, XI, do Decreto-Lei nº 201/67, pelo que não há falar em bis in idem.' Recurso não conhecido. (STJ, 5ª Turma REsp 504785/PB rel. Min. José Arnaldo da Fonseca j. 2/10/2003 DJ 28/10/2003 p. 338) Constata-se, assim, que existe uma grande diferença entre a simples dispensa ou inexigibilidade de licitação, hipótese em que prevalece o crime de responsabilidade de prefeito, e a prática de uma ação que configure fraude deliberada ao procedimento licitatório, caso em que se deverá aplicar a Lei de Licitações. Contudo, relendo a denúncia, verifica-se que, nela, foi mencionada apenas a omissão de licitações para aquisições de mercadorias. Assim, deve preponderar o crime de responsabilidade, exatamente como proposto pelo Parquet, nestes autos. CRIMINAL. RHC. PREFEITO. NULIDADE. RITO PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DE QUE OS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA TEM PROCEDIMENTO PRÓPRIO. ART. 2º DO DECRETO-LEI Nº 201/67. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE DEFESA PRELIMINAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO. Restando demonstrado nos autos a condição de Prefeito exercida pelo paciente, quando da suposta prática de condutas ilícitas, e sendo tais condutas previstas em regulamento especial, em razão de tratar-se de prefeito municipal, afasta-se a aplicação das normas gerais, in casu, a Lei de Licitações, para se aplicar o DL 201/67. (...) Recurso provido para anular os atos processuais realizados após o recebimento da denúncia, a fim de que sejam observados os procedimentos estabelecidos no rito especial previsto no Decreto-Lei nº 201/67. (STJ, 5ª Turma RHC 11290/MG rel. Min. Gilson Dipp j. 11/9/2001 DJ 15/10/2001 p. 272) Esta corte vem decidindo no mesmo sentido, como demonstram os acórdãos 114.989 (Ação Penal n. 2012.3.011672-0, DJ 13.12.2012) e 118.469 (Ação Penal n. 2012.3.025811-8, DJ 13.12.2012), ambos relatados pelo rel. Des. Rômulo José Ferreira Nunes. Em consequência, fica afastado da denúncia o delito tipificado no art. 89 da Lei de Licitações. No que tange aos crimes remanescentes, entretanto, impende observar que os fatos denunciados remontam ao ano de 2002. Como ainda estamos em fase de defesa preliminar (a denúncia só foi protocolada em 16.4.2012), não houve interrupção do prazo prescricional, o que somente ocorreria com eventual recebimento da denúncia (CP, art. 117, I). O crime tipificado no art. 1º, XI, do Decreto-lei n. 201, de 1967, possui pena cominada de três meses a três anos detenção. O do art. 359-D, do Código Penal, possui pena de um a quatro anos de reclusão. Para eles, a prescrição da pretensão punitiva, calculada pelo máximo da pena abstrata, se deu em oito anos. Já o crime do art. 359-A do Código Penal tem pena cominada de 1 a 2 anos de reclusão, prescrevendo em quatro anos (CP, art. 109, IV e V). Resulta daí que os delitos imputados prescreveram em abril de 2008 e de 2010. Antes mesmo do oferecimento da denúncia, portanto. Embora a modalidade do inciso III do art. 1º do Decreto-lei 201 também seja mencionado na peça de ingresso, dela não consta pedido de processamento quanto ao mesmo. Além disso, por força da pena cominada, também estaria prescrito, o que não altera a conclusão deste voto. Ante o exposto, acolho a promoção ministerial e rejeito a denúncia contra Sei Ohaze, em face do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado. É como voto. Belém, 13 de maio de 2013. Des. João José da Silva Maroja Relator
(2013.04130062-25, Não Informado, Rel. JOAO JOSE DA SILVA MAROJA, Órgão Julgador SEÇÃO DE DIREITO PENAL, Julgado em 2013-05-13, Publicado em 2013-05-13)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
13/05/2013
Data da Publicação
:
13/05/2013
Órgão Julgador
:
SEÇÃO DE DIREITO PENAL
Relator(a)
:
JOAO JOSE DA SILVA MAROJA
Número do documento
:
2013.04130062-25
Tipo de processo
:
Ação Penal - Procedimento Ordinário
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