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Jurisprudência


TJPA 0000427-09.2009.8.14.0031

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL N.0000427-09.2009.8.14.0031 COMARCA: MOJU APELANTE: RAIMUNDO ANDRADE DA COSTA ADVOGADO: KELÉN SOUZA XAVIER VON LOHRMANN CRUZ APELADO: MUNICÍPIO DE MOJU ADVOGADO: BRUNO ALEXANDRE JARDIM E SILVA  RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES.        DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR TEMPORÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Legalidade dos contratos de servidores temporários e cabimento das parcelas do FGTS. Questão decidida referente ao pagamento de FGTS aos servidores temporários que tiveram declarados nulos os contratos firmados com a Administração por ausência de prévia aprovação em concurso público. Matéria de repercussão geral reconhecida pela Corte Suprema (voto paradigma REsp 598.478/RO, 13/06/2012). Direito à percepção dos valores correspondentes aos depósitos do FGTS. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 2. Possibilidade de produção de efeitos do ato supostamente nulo. Direito do trabalhador aos valores depositados a título de FGTS quando declarada a nulidade do contrato firmado com a Administração Pública por força do artigo 37, § 2º da CR. Supremo Tribunal Federal reconheceu efeitos jurídicos residuais do ato nulo no plano da existência jurídica, mitigando os efeitos da nulidade absoluta e elevando os fundamentos da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho dispostos no artigo 1º da CR, reconhecendo o direito o FGTS aos servidores contratados pelo Poder Público sem prévio concurso público e que tenham seus contratos reconhecidamente nulos. 3.Da multa prevista no artigo 467 da CLT. Não cabimento. A multa pecuniária sobre o FGTS somente é devida em rescisão de contratos de natureza celetista .O Egrégio STJ entende que a declaração de nulidade do contrato de trabalho em razão da ocupação de cargo público, sem a necessária aprovação em prévio concurso público, consoante previsto no art. 37, II, da CF/88, equipara-se à ocorrência de culpa recíproca, entretanto, utiliza tal fundamento apenas para sustentar a possibilidade de o trabalhador providenciar o levantamento do FGTS, ou seja, em tempo algum manifestou o entendimento no sentido de ser cabível a multa de 40% ou de 20%. O art. 19-A da Lei Federal nº 8.036/90, em momento algum, diz sobre a incidência da multa. Assim, não se pode dar ao dispositivo interpretação extensiva. Ponto improvido. 4. Dos honorários advocatícios. Ocorrência de sucumbência recíproca. Art.86 do NCPC. 5. Dos juros e da correção monetária. Aplicabilidade do artigo 1º-F da lei 9.494/97, com redação dada pela lei 11.960/09, nos termos das súmulas 43 e 54 do STJ. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido para reconhecer o direito ao recebimento das parcelas de FGTS.        RELATÓRIO      Raimundo Andrade da Costa, nos autos de ação de cobrança de FGTS movida contra município de Moju, interpôs recurso de apelação frente sentença que julgou improcedente o pedido de pagamento de FGTS.      Narra ter laborado para o apelado na função de motorista durante o período de 01/03/2005 a 31/12/2008      Afirma o direito ao recebimento de FGTS em razão do desvirtuamento do contrato celebrado, nos termos do artigo 19-A da lei 8.036/90 e artigo 927 do CC, combinado com o artigo 37, § 6º da CF.      Requer o conhecimento e provimento do recurso para que sejam totalmente providos os pedidos da inicial.      Manifesta-se a parte apelada em contrarrazões (fls.107/116).      É o relatório, decido.      Presentes os requisitos autorizadores a admissibilidade, conheço do recurso.      Pretende o apelante o recebimento de valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).      Sabe-se que a contratação de temporários é uma exceção à regra do concurso público para o ingresso na Administração Pública que só se justifica ante a excepcionalidade do interesse público e desde que por tempo determinado.      Estados e Municípios que queiram contratar servidores temporários com base no art. 37, IX da CF/88 têm que estabelecer, por suas próprias leis, as hipóteses em que essa contratação é possível e o regime jurídico em que a mesma se dará.      O Estado do Pará tratou da matéria inicialmente através da Lei Complementar n.º 07/91 e, após, com a Lei Complementar n.º 036/98.      Assim versa o art. 2º da LC 07/91: Art. 2º. O prazo máximo de contratação será de um ano, prorrogável, no máximo, por igual período, uma única vez.      Dos documentos acostados à inicial, conclui-se que a apelada foi mantida no serviço público por mais de 10 (dez) anos consecutivos, em flagrante violação ao disposto no art. 37, II da CF/88 e a LC 07/91.      A própria LC 07/91, em seu art. 8º dispõe que ¿a contratação de pessoal em desacordo com esta Lei é nula de pleno direito e determinará a responsabilidade política, disciplinar e patrimonial de seu responsável.¿      Dessa forma, portanto, acertada a decisão do juízo planicial que declarou a nulidade do contrato celebrado entre o Estado do Pará e a apelada.      Questiona o apelante que sendo nulo o contrato não há como gerar efeitos válidos como o pagamento de FGTS.      Sobre a questão, a Corte Suprema reconheceu como matéria de repercussão geral e no dia 13.06.2012 julgou como paradigma o RE 596.478 proveniente do Estado de Roraima, cujo Acórdão tem a seguinte redação: Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei n.º 8.036/90. Constitucionalidade. É constitucional o art. 19-A da Lei n.º 8.036/90, o qual dispõe que devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, §2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (Tribunal Pleno. Relatora Min. Ellen Gracie, julgado em 13.06.2012).      A Corte Suprema ao julgar a inconstitucionalidade suscitada do art. 19-A da Lei 8.036/90, acrescido pela MP 2.164-41, que assegura direito ao FGTS à pessoa que tenha sido contratada sem concurso público, por maioria de votos, inovou e alterou a jurisprudência daquela Casa de Justiça, pois reconheceu o direito do trabalhador aos valores depositados a título de FGTS quando declarada a nulidade do contrato firmado com a Administração Pública por força do art. 37, §2º da Constituição Federal.      Em que pesem as teses que foram levantadas, prevaleceu o entendimento de que a nulidade não tem caráter absoluto, uma vez que os atos praticados pelos servidores contratados temporários são aproveitados.       Ademais disso, negar o FGTS a esse servidor temporário que foi mantido anos a fio no serviço público em total inobservância à exigência do concurso público, obrigação essa imposta pelo legislador constituinte à Administração Pública, que se manteve omissa, inerte e preferiu celebrar contratos de trabalho nulos, seria interpretar a norma legal e constitucional contra aquele que precisa de proteção, e sem sombra de dúvida é o hipossuficiente na relação de trabalho.      O raciocínio de que o servidor trabalhou e já teve a retribuição da sua força de trabalho com o pagamento do seu salário, sem qualquer compensação por longos anos de serviço prestado à Administração Pública sem direito à estabilidade é ferir não menos que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.      Assim, escorreitamente o Supremo Tribunal Federal reconheceu efeitos jurídicos residuais do ato nulo no plano da existência jurídica. Mitigou mais uma vez os efeitos da nulidade absoluta e elevou os fundamentos da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho dispostos no art. 1º da Constituição Federal ao reconhecer o direito ao Fundo de Garantia aos servidores contratados pelo Poder Público sem prévio concurso público e que tenham seus contratos reconhecidamente nulos.      Sobre a matéria, em reiterados julgados do STJ ficou consolidado pelo verbete da Súmula 466, daquele sodalício, o seguinte: ¿O titular da conta vinculada ao FGTS tem o direito de sacar o saldo respectivo quando declarado nulo seu contrato de trabalho por ausência de prévia aprovação em concurso público.¿      Desse modo, deve ser reconhecido o direito ao Fundo de Garantia por tempo de serviço.      No que tange ao direito ao recebimento de multa de 40% prevista no artigo 467 da CLT, esta não é devida.        Administração possui discricionariedade para efetuar contratação temporária nos termos do art. 37, IX, da CF/88, vinculando-se o poder público à legalidade, necessidade e conveniência da contratação especial, como ensina Alexandre de Moraes1: ¿A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. (...) A primeira exceção constitucional exige que a lei determine expressamente quais os cargos de confiança que poderão ser providos por pessoas estranhas ao funcionalismo público e sem a necessidade do concurso público. (...) Outra exceção prevista constitucionalmente, permitindo-se a contratação temporária sem concurso público, encontra-se no art. 37, IX, da Constituição Federal. O legislador constituinte manteve disposição relativa à contratação para serviço temporário e de excepcional interesse público, somente nas hipóteses previstas em lei. Dessa forma, três são os requisitos obrigatórios para a utilização dessa exceção, muito perigosa, como diz Pinto Ferreira, por tratar-se de uma válvula de escape para fugir à obrigatoriedade dos concursos públicos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade: * excepcional interesse público; * temporariedade da contratação; * hipóteses expressamente previstas em lei. A lei mencionada no inciso IX do art. 37 da Constituição é a lei editada pela entidade contratadora, ou seja, lei federal, estadual, distrital ou municipal, conforme a respectiva competência legislativa constitucional."        É fato incontroverso que a contratação firmada entre o apelado e a Administração teve aparência temporária e emergencial, visando a atender a situação excepcional vivenciada pela Administração Pública, contração esta que apenas produz os direitos previstos na legislação específica, ou seja, no regime estatutário.              A doutrina classifica os temporários como servidores públicos, conforme nos ensina José dos Santos Carvalho Filho2: ¿(...) na verdade, se configuram como um grupamento excepcional dentro da categoria geral dos servidores públicos. A previsão dessa categoria especial de servidores está contemplada no art. 37, IX, da CF, que admite a sua contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. A própria leitura do texto constitucional demonstra o caráter de excepcionalidade de tais agentes. Entretanto, admitido o seu recrutamento na forma da lei, serão eles considerados como integrantes da categoria geral dos servidores públicos¿.        Desta forma, apesar do servidor não ter sido admitido pela administração através de prévio concurso público na época das parcelas que agora requer, não pode deixar de considerar que mesmo a tinha o seu contrato de forma precária, não sendo aplicável o regramento celetista ao caso, com exceção apenas a questão do FGTS, pois esta deriva de lei específica, cuja constitucionalidade será analisada no tópico posterior.        O contrato temporário celebrado entre as partes desvirtuou o mandamento constitucional, pois a manutenção de contrato por longo tempo para suprir atividades não emergenciais, mas sim perenes do Estado (como no caso a a manutenção de serviços públicos), viola o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, na medida em que a administração deveria promover concurso público para suprir suas necessidades. Desta forma, ao não se abrigar nas disposições constitucionais o Contrato de Trabalho Temporário é nulo e como tal deve ser considerado.        Por outro lado, é evidente que apesar de nulo o contrato gerou efeitos, principalmente porque os atos do servidor não podem ser desfeitos e tampouco pode ser devolvida a atividade e o trabalho desenvolvido, sendo assim evidente que faz jus ao saldo de salário (pagamento pelos dias efetivamente trabalhados).        Neste sentido há jurisprudência de nossa Egrégia Corte: ¿(...) 2. O valor correspondente ao salário do apelado nada mais é do que a contraprestação que qualquer empregador deve dispor ao seu empregado pela prestação correspondente dos serviços que se beneficiou. (ACÓRDÃO N. 101.137. DJE. 14/10/2011. APELAÇÃO CÍVEL Nº. 20113018207-9. COMARCA DE ORIGEM: ÓBIDOS. APELANTE: MUNICÍPIO DE ÓBIDOS - PREFEITURA MUNICIPAL (ADV. ANTÔNIO SALES GUIMARÃES CARDOSO). APELADA: EDIMAR BENTES DE ANDRADE (ADV. ANTÔNIO EDSON DE OLIVEIRA MARINHO JR). DESEMBARGADOR RELATOR: JOSÉ MARIA TEIXEIRA DO ROSÁRIO)¿.        Entretanto, no que diz respeito ao caso dos temporários, este tiveram tão somente reconhecido o direito as parcelas do FGTS. Assim, a multa fundiária, que possui previsão expressa na CLT, não foi estendida ao servidor público temporário, pois o art. 19-A da lei 8.036/1990 apenas se refere ao FGTS e não a sua multa.        Com efeito, o pedido de multa não é devida por falta de amparo legal.        Do juros e correção        Os juros de mora e correção monetária serão calculados nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/97 e tratando-se de responsabilidade extracontratual, é necessário que se inicie a incidência dos juros moratórios e da correção monetária na data do evento danoso por inteligência das súmulas 43 e 54, do STJ, in verbis: Súmula 54 do STJ. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. Súmula 43 do STJ. Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.      Dos honorários advocatícios      Conforme verifico nos autos, a apelante requereu além do pedido de FGTS, também o pedido de multa prevista no artigo 467 da CLT, no importe de 40% (quarenta por cento), tendo ora sucumbido em um pedido.      Deste modo, aplico a sucumbência recíproca, nos termos do artigo 86, in verbis: Art. 86.  Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.      Dispositivo      Ante o exposto, conheço e dou parcial provimento ao recurso, reconhecendo, tão somente, o direito ao recebimento de FGTS por parte do apelante, com juros e correção nos termos do artigo 1º da Lei, nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, a partir do efetivo prejuízo (súmula 43 e 54 do STJ).      Eis a decisão.      Belém, 13 de julho de 2017.      Desembargadora Diracy Nunes Alves      Relatora 1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 326/327. 2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 538. (2017.02983431-05, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-07-25, Publicado em 2017-07-25)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 25/07/2017
Data da Publicação : 25/07/2017
Órgão Julgador : 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a) : DIRACY NUNES ALVES
Número do documento : 2017.02983431-05
Tipo de processo : Apelação
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