TJPA 0000454-62.2013.8.14.0000
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 2013.3.017061-8. SECRETARIA DAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE: ARTHUR AFONSO NOBRE DE ARAÚJO SOBRINHO. ADVOGADO: MARCIO AUGUSTO MOURA DE MORAES - OAB/PA 13.209 E OUTROS. IMPETRADO: EXMO. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ. LITISCONSORTE PASSIVO: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: FABIO LUCAS MOREIRA. PROCURADOR DE JUSTIÇA: LEILA MARIA MARQUES DE MORAES. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por ARTHUR AFONSO NOBRE DE ARAÚJO SOBRINHO, contra ato do EXMO. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ, que teria violado seu direito líquido e certo. Alega que é candidato regularmente inscrito no Concurso Público C-169 da SEAD para preenchimento do cargo de Delegado de Polícia Civil e se submeteu à prova objetiva, composta de 50 questões de múltipla escolha, sendo que para ser habilitado para a segunda fase deveria acertar 70%, que equivale a 35 questões ou 7.0 pontos. Assevera que obteve, no gabarito preliminar, 33 questões certas, que equivale a 66% ou 6.6 pontos. Entretanto, no gabarito definitivo os acertos do impetrante caíram para 31 questões, ou seja, 62% ou 6.2 pontos. Afirma que a banca do concurso alterou a alternativa correta para duas questões (n. 17 e 19), sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não preveu alteração, cabendo apenas a anulação da questão nestes casos. Além disto, constava uma questão fora do conteúdo contido no Edital (n. 44) e mais três outras questões totalmente erradas (questões 16, 17 e 41), diversas do texto ¿seco¿ da lei. Devidamente distribuído, coube-me a relatoria do feito (fl. 47), oportunidade em que deferi parcialmente o pleito liminar para que fosse permitido ao impetrante a participação do impetrante na próxima fase do certame e nas seguintes, caso alcançasse a aprovação para tanto. Às fls. 70/96 a autoridade coatora apresentou informações. Preliminarmente alega inexistência de ato que tenha ofendido direito líquido e certo do impetrante e ausência de interesse de agir. No mérito aduz: a) aplicação do princípio da legalidade, a alteração das respostas corretas no gabarito se deu em razão do poder de auto-tutela da administração; b) incidência do princípio da separação dos poderes e violação aos artigos 2º e 60, §4º da CF/88; c) impossibilidade de julgamento do mérito administrativo pelo Poder Judiciário; da legalidade na alteração das questões n. 17 e 19 pela Administração e da impossibilidade de dilação probatória no writ; d) inexistência de direito líquido e certo; e) inexistência do perigo na demora e da plausibilidade do direito; f) impossibilidade de concessão da antecipação de tutela. Irresignado com a decisão liminar de fls. 49/51, o Estado do Pará apresentou Agravo Interno (fls. 97/107). O Estado do Pará manifestou-se às fls. 111/135. Preliminarmente alega: a) carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido, inexistência de direito liquido e certo e impossibilidade do Judiciário anular questão de concurso público através de mandado de segurança; b) necessidade de citação dos demais candidatos do certame na condição de litisconsortes passivos. No mérito sustenta: a) necessidade de aplicação do principio da legalidade, tendo a administração atuado dentro dos estreitos lindes normativos; b) principio da separação dos poderes; c) impossibilidade de julgamento do mérito administrativo pelo Poder Judiciário; d) inexistência de direito liquido e certo; e) inexistência do perigo na demora e da plausibilidade do direito; f) impossibilidade de concessão de tutela antecipada. Analisando o Agravo de fls. 97/107, entendi por bem utilizar o juízo de retratação para reconhecer a incompetência originária desta Corte para processar e julgar o feito, mas fui voto vencido tendo sido mantida a competência destas Câmaras para processar e julgar o feito. Através de petição de fls. 268/272 o impetrante informando a inerente nomeação e posse dos candidatos aprovados no concurso, requerendo que seja determinada a sua nomeação e posse, pedido este indeferido às fls. 274, sendo deixado bem claro naquela oportunidade que não há qualquer determinação de nomeação e posse do impetrante. O douto parquet realizou seu pronunciamento às fls. 877/882, opinando pela denegação da segurança. Em nova petição de fls. 883/884, o impetrante informa que fora aprovado em todas as demais fases do concurso e em 11/07/2014 foi nomeado (fl. 888). Após o curso de formação foi destacado para atuar na comarca de Jacareacanga e em seguida removido para Juruti É O QUE DE RELEVO HÁ A RELATAR. DECIDO I- PRELIMINARMENTE: Inicialmente cabe frisar que apesar de compreender que se tratar de ação originária e que em tese deveria ser julgado de forma plenária, curvo-me ao posicionamento firmado pelas Câmaras Cíveis Reunidas em sua 14ª Sessão Ordinária, ocorrida em 23 de abril de 2013, passando a julgar o feito monocraticamente em razão do julgamento sem resolução do mérito. 1.1. DO AGRAVO INTERNO DE FLS. 97/107. O mérito do Agravo de fls. 97/107 não foi enfrentado, mas como se trata de matéria relacionada a questão principal ora em análise entendo que perdeu seu objeto. 1.2. DA PRELIMINAR DE INTERESSE DE AGIR. Tanto o Estado do Pará como a autoridade coatora alegaram que não há ato que tenha ofendido direito líquido e certo do impetrante, ausência de interesse de agir e impossibilidade do Poder Judiciário invadir o mérito administrativo. Segundo ensinamento do célebre De Plácido e Silva1, citando a doutrina de Enrico Tullio Liebman: ¿ocorre a carência de ação quando o demandante ou o demandado não integram a relação material em discussão, ou não apresentam legítimo interesse moral ou econômico para estarem em juízo ou quando o pedido formulado pelo autor é juridicamente impossível de ser atendido¿. O nosso Código de Processo Civil absorveu a citada teoria em seu art. 267, inciso VI ao elencar como condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual. O interesse de agir, segundo lição de Fredie Didier Jr.2, ¿(...) passa pela verificação de duas circunstâncias: a) utilidade e b) necessidade do pronunciamento judicial. Há quem acrescente, ainda, a ´adequação do remédio judicial ou procedimento´ como elemento necessário à configuração do interesse de agir, posição com a qual não concordamos, pois procedimento é dado estranho no estudo do direito de ação e, ademais, eventual equívoco na escolha do procedimento é sempre sanável (art. 250 e 295, V, do CPC-73)¿. Pois bem, no caso em tela é relatado pelo impetrante que para ser aprovado na primeira fase (prova objetiva) e ser habilitado para as fases seguintes era necessário alcançar 70% de acertos, ou seja, ter atingido 35 acertos. No entanto, o impetrante de acordo com o gabarito oficial obteve apenas 31 pontos. Precisaria anular ou obter deste Judiciário reconhecimento de ilegalidade em 4 (quatro) questões para ser apto para prosseguir no certame e na busca de tal objetivo questiona as seguintes: Questão Fundamento 17 A banca do concurso alterou a alternativa correta, sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não previu alteração mas sim apenas anulação da questão. 19 A banca do concurso alterou a alternativa correta, sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não previu alteração mas sim apenas anulação da questão. 44 A questão cobrada versava sobre o tributo em espécie ICMS, ponto não previsto taxativamente no conteúdo programático constante no Edital. 16, 17 e 41 Questões sem respostas corretas. Pois bem, o Supremo Tribunal Federal no RE 632853, sob o rito da repercussão geral, já compreendeu que é permitido ao Judiciário analisar se as questões presentes em concurso público estão devidamente alojadas no conteúdo programático constante no Edital, justamente para resguardar o princípio da legalidade, vejamos a ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO, NO CONTROLE DE LEGALIDADE, SUBSTITUIR BANCA EXAMINADORA PARA AVALIAR RESPOSTAS DADAS PELOS CANDIDATOS E NOTAS A ELAS ATRIBUÍDAS. PRECEDENTES. 3. EXCEPCIONALMENTE, É PERMITIDO AO JUDICIÁRIO JUÍZO DE COMPATIBILIDADE DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES DO CONCURSO COM O PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. PRECEDENTES. 4. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) Também o STJ tem compreendido que é possível ao Judiciário analisar a legalidade dos procedimentos adotados, que no caso seria verificar a possibilidade ou não de alteração da resposta correta no gabarito definitivo. De acordo com o tribunal da cidadania é permitido ao Judiciário reconhecer e rechaçar ilegalidades presentes no Edital ou a inobservância do regramento nele estabelecido, para evitar ofensas ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital, não ocorrendo qualquer prejuízo ao princípio da separação dos poderes, senão vejamos o seguinte julgado, o AgRg no REsp 1472506/MG, de relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, do ano de 2014: RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO DE QUESTÃO OBJETIVA MACULADA COM VÍCIO DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. O TRIBUNAL DE ORIGEM, AMPARADO NO CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS, CONCLUIU NÃO HAVER ILEGALIDADE NA ELABORAÇÃO DAS QUESTÕES OBJETIVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame (EREsp. 338.055/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 15.12.2003). 2. Excepcionalmente, contudo, havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, bem como ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital. 3. In casu, o Tribunal de origem, ao analisar as questões objetivas impugnadas, entendeu não ter havido ilegalidade na sua elaboração. 4. Da existência dos erros formais de digitação em algumas palavras não decorre necessariamente a nulidade das questões com a consequente atribuição dos pontos respectivos, uma vez que tais enganos de digitação são incapazes de dificultar a compreensão das questões, não tendo causado nenhum prejuízo ao candidato. 5. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 1472506/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 19/12/2014) No mesmo sentido temos o RMS 28.991/MS, de Relatoria do Ministro JORGE MUSSI, quinta turma, julgado em 26/08/2014, e publicado no DJe de 09/09/2014; o AgRg no RMS 29.039/DF, de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, quinta turma, julgado em 25/09/2012, publicado no DJe de 02/10/2012, entre outros. Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal possui o mesmo entendimento, conforme o ARE 882043, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em recentíssimo julgado de junho de 2015, vejamos: EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Concurso público. Ato administrativo ilegal. Controle judicial. Possibilidade. Preterição. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 882043 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 17-08-2015 PUBLIC 18-08-2015) Portanto, não está o Judiciário substituindo a banca ou invadindo o mérito administrativo quando estuda se o Edital ou as decisões da banca violam ou não a legalidade, mas sim está realizando sua atividade constitucionalmente determinada, conforme entendimento do próprio STF, guardião da Constituição. Portanto, seria permitido a esta Corte averiguar a hipótese levantada pelo impetrante em relação às questões de n. 17, 19 e 44, que mesmo se consideradas todas favoráveis ao intento do candidato o trariam para 34 acertos, o que seria ainda insuficiente para avançar para a segunda fase. Por esta razão o impetrante ainda apresenta irresignação contra as questões 16, 17 e 41. Considerando que a n. 17 já foi explorada no argumento anterior resta alegar que as questões 16 e 41 devem ser anuladas porque as respostas estariam completamente incorretas. Ora, avançar para a análise intrínseca das questões do concurso é ir além da mera legalidade ou apuração da correlação com o edital e, nesta hipótese, seria invadir o mérito administrativo, o que é vedado ao Judiciário. Sobre a questão o Supremo Tribunal Federal no RE 632853 também já se manifestou sob o rito da repercussão geral: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO, NO CONTROLE DE LEGALIDADE, SUBSTITUIR BANCA EXAMINADORA PARA AVALIAR RESPOSTAS DADAS PELOS CANDIDATOS E NOTAS A ELAS ATRIBUÍDAS. PRECEDENTES. 3. EXCEPCIONALMENTE, É PERMITIDO AO JUDICIÁRIO JUÍZO DE COMPATIBILIDADE DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES DO CONCURSO COM O PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. PRECEDENTES. 4. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) Portanto, mesmo se houvesse razão para as alegações do impetrante em relação à anulação das questões 17, 19 e 44, estas seriam insuficientes para permitir ao mesmo avançar para a segunda fase do certame e sendo vedado ao Judiciário substituir a banca do concurso acerca do acerto ou desacerto das questões reputadas como certas, entendo que não há utilidade no processo para o impetrante. Desta forma, seguindo a esteira da douta Procuradoria de Justiça, encaminho o meu voto pela extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação, em razão da ausência de interesse de agir, e por ordem logica revogo a liminar de fls. 49/51. Sem condenação em honorários advocatícios à luz do art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ. Intimem-se, pessoalmente, o representante do Ministério Público, na forma da lei (CPC, art. 236, §2º) e a Procuradoria do Estado; já o impetrante, por meio de publicação no Diário de Justiça. Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição. Belém, _____ de setembro de 2015. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora 1 SILVA, D. P. Vocabulário Jurídico. 24ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 256. 2 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.
(2015.03703185-61, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Julgado em 2015-10-01, Publicado em 2015-10-01)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 2013.3.017061-8. SECRETARIA DAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRANTE: ARTHUR AFONSO NOBRE DE ARAÚJO SOBRINHO. ADVOGADO: MARCIO AUGUSTO MOURA DE MORAES - OAB/PA 13.209 E OUTROS. IMPETRADO: EXMO. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ. LITISCONSORTE PASSIVO: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: FABIO LUCAS MOREIRA. PROCURADOR DE JUSTIÇA: LEILA MARIA MARQUES DE MORAES. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por ARTHUR AFONSO NOBRE DE ARAÚJO SOBRINHO, contra ato do EXMO. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ, que teria violado seu direito líquido e certo. Alega que é candidato regularmente inscrito no Concurso Público C-169 da SEAD para preenchimento do cargo de Delegado de Polícia Civil e se submeteu à prova objetiva, composta de 50 questões de múltipla escolha, sendo que para ser habilitado para a segunda fase deveria acertar 70%, que equivale a 35 questões ou 7.0 pontos. Assevera que obteve, no gabarito preliminar, 33 questões certas, que equivale a 66% ou 6.6 pontos. Entretanto, no gabarito definitivo os acertos do impetrante caíram para 31 questões, ou seja, 62% ou 6.2 pontos. Afirma que a banca do concurso alterou a alternativa correta para duas questões (n. 17 e 19), sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não preveu alteração, cabendo apenas a anulação da questão nestes casos. Além disto, constava uma questão fora do conteúdo contido no Edital (n. 44) e mais três outras questões totalmente erradas (questões 16, 17 e 41), diversas do texto ¿seco¿ da lei. Devidamente distribuído, coube-me a relatoria do feito (fl. 47), oportunidade em que deferi parcialmente o pleito liminar para que fosse permitido ao impetrante a participação do impetrante na próxima fase do certame e nas seguintes, caso alcançasse a aprovação para tanto. Às fls. 70/96 a autoridade coatora apresentou informações. Preliminarmente alega inexistência de ato que tenha ofendido direito líquido e certo do impetrante e ausência de interesse de agir. No mérito aduz: a) aplicação do princípio da legalidade, a alteração das respostas corretas no gabarito se deu em razão do poder de auto-tutela da administração; b) incidência do princípio da separação dos poderes e violação aos artigos 2º e 60, §4º da CF/88; c) impossibilidade de julgamento do mérito administrativo pelo Poder Judiciário; da legalidade na alteração das questões n. 17 e 19 pela Administração e da impossibilidade de dilação probatória no writ; d) inexistência de direito líquido e certo; e) inexistência do perigo na demora e da plausibilidade do direito; f) impossibilidade de concessão da antecipação de tutela. Irresignado com a decisão liminar de fls. 49/51, o Estado do Pará apresentou Agravo Interno (fls. 97/107). O Estado do Pará manifestou-se às fls. 111/135. Preliminarmente alega: a) carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido, inexistência de direito liquido e certo e impossibilidade do Judiciário anular questão de concurso público através de mandado de segurança; b) necessidade de citação dos demais candidatos do certame na condição de litisconsortes passivos. No mérito sustenta: a) necessidade de aplicação do principio da legalidade, tendo a administração atuado dentro dos estreitos lindes normativos; b) principio da separação dos poderes; c) impossibilidade de julgamento do mérito administrativo pelo Poder Judiciário; d) inexistência de direito liquido e certo; e) inexistência do perigo na demora e da plausibilidade do direito; f) impossibilidade de concessão de tutela antecipada. Analisando o Agravo de fls. 97/107, entendi por bem utilizar o juízo de retratação para reconhecer a incompetência originária desta Corte para processar e julgar o feito, mas fui voto vencido tendo sido mantida a competência destas Câmaras para processar e julgar o feito. Através de petição de fls. 268/272 o impetrante informando a inerente nomeação e posse dos candidatos aprovados no concurso, requerendo que seja determinada a sua nomeação e posse, pedido este indeferido às fls. 274, sendo deixado bem claro naquela oportunidade que não há qualquer determinação de nomeação e posse do impetrante. O douto parquet realizou seu pronunciamento às fls. 877/882, opinando pela denegação da segurança. Em nova petição de fls. 883/884, o impetrante informa que fora aprovado em todas as demais fases do concurso e em 11/07/2014 foi nomeado (fl. 888). Após o curso de formação foi destacado para atuar na comarca de Jacareacanga e em seguida removido para Juruti É O QUE DE RELEVO HÁ A RELATAR. DECIDO I- PRELIMINARMENTE: Inicialmente cabe frisar que apesar de compreender que se tratar de ação originária e que em tese deveria ser julgado de forma plenária, curvo-me ao posicionamento firmado pelas Câmaras Cíveis Reunidas em sua 14ª Sessão Ordinária, ocorrida em 23 de abril de 2013, passando a julgar o feito monocraticamente em razão do julgamento sem resolução do mérito. 1.1. DO AGRAVO INTERNO DE FLS. 97/107. O mérito do Agravo de fls. 97/107 não foi enfrentado, mas como se trata de matéria relacionada a questão principal ora em análise entendo que perdeu seu objeto. 1.2. DA PRELIMINAR DE INTERESSE DE AGIR. Tanto o Estado do Pará como a autoridade coatora alegaram que não há ato que tenha ofendido direito líquido e certo do impetrante, ausência de interesse de agir e impossibilidade do Poder Judiciário invadir o mérito administrativo. Segundo ensinamento do célebre De Plácido e Silva1, citando a doutrina de Enrico Tullio Liebman: ¿ocorre a carência de ação quando o demandante ou o demandado não integram a relação material em discussão, ou não apresentam legítimo interesse moral ou econômico para estarem em juízo ou quando o pedido formulado pelo autor é juridicamente impossível de ser atendido¿. O nosso Código de Processo Civil absorveu a citada teoria em seu art. 267, inciso VI ao elencar como condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual. O interesse de agir, segundo lição de Fredie Didier Jr.2, ¿(...) passa pela verificação de duas circunstâncias: a) utilidade e b) necessidade do pronunciamento judicial. Há quem acrescente, ainda, a ´adequação do remédio judicial ou procedimento´ como elemento necessário à configuração do interesse de agir, posição com a qual não concordamos, pois procedimento é dado estranho no estudo do direito de ação e, ademais, eventual equívoco na escolha do procedimento é sempre sanável (art. 250 e 295, V, do CPC-73)¿. Pois bem, no caso em tela é relatado pelo impetrante que para ser aprovado na primeira fase (prova objetiva) e ser habilitado para as fases seguintes era necessário alcançar 70% de acertos, ou seja, ter atingido 35 acertos. No entanto, o impetrante de acordo com o gabarito oficial obteve apenas 31 pontos. Precisaria anular ou obter deste Judiciário reconhecimento de ilegalidade em 4 (quatro) questões para ser apto para prosseguir no certame e na busca de tal objetivo questiona as seguintes: Questão Fundamento 17 A banca do concurso alterou a alternativa correta, sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não previu alteração mas sim apenas anulação da questão. 19 A banca do concurso alterou a alternativa correta, sendo este procedimento irregular porque o Edital do concurso não previu alteração mas sim apenas anulação da questão. 44 A questão cobrada versava sobre o tributo em espécie ICMS, ponto não previsto taxativamente no conteúdo programático constante no Edital. 16, 17 e 41 Questões sem respostas corretas. Pois bem, o Supremo Tribunal Federal no RE 632853, sob o rito da repercussão geral, já compreendeu que é permitido ao Judiciário analisar se as questões presentes em concurso público estão devidamente alojadas no conteúdo programático constante no Edital, justamente para resguardar o princípio da legalidade, vejamos a RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO, NO CONTROLE DE LEGALIDADE, SUBSTITUIR BANCA EXAMINADORA PARA AVALIAR RESPOSTAS DADAS PELOS CANDIDATOS E NOTAS A ELAS ATRIBUÍDAS. PRECEDENTES. 3. EXCEPCIONALMENTE, É PERMITIDO AO JUDICIÁRIO JUÍZO DE COMPATIBILIDADE DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES DO CONCURSO COM O PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. PRECEDENTES. 4. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) Também o STJ tem compreendido que é possível ao Judiciário analisar a legalidade dos procedimentos adotados, que no caso seria verificar a possibilidade ou não de alteração da resposta correta no gabarito definitivo. De acordo com o tribunal da cidadania é permitido ao Judiciário reconhecer e rechaçar ilegalidades presentes no Edital ou a inobservância do regramento nele estabelecido, para evitar ofensas ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital, não ocorrendo qualquer prejuízo ao princípio da separação dos poderes, senão vejamos o seguinte julgado, o AgRg no REsp 1472506/MG, de relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, do ano de 2014: RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO DE QUESTÃO OBJETIVA MACULADA COM VÍCIO DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA. O TRIBUNAL DE ORIGEM, AMPARADO NO CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS, CONCLUIU NÃO HAVER ILEGALIDADE NA ELABORAÇÃO DAS QUESTÕES OBJETIVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame (EREsp. 338.055/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 15.12.2003). 2. Excepcionalmente, contudo, havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, bem como ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital. 3. In casu, o Tribunal de origem, ao analisar as questões objetivas impugnadas, entendeu não ter havido ilegalidade na sua elaboração. 4. Da existência dos erros formais de digitação em algumas palavras não decorre necessariamente a nulidade das questões com a consequente atribuição dos pontos respectivos, uma vez que tais enganos de digitação são incapazes de dificultar a compreensão das questões, não tendo causado nenhum prejuízo ao candidato. 5. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 1472506/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 19/12/2014) No mesmo sentido temos o RMS 28.991/MS, de Relatoria do Ministro JORGE MUSSI, quinta turma, julgado em 26/08/2014, e publicado no DJe de 09/09/2014; o AgRg no RMS 29.039/DF, de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, quinta turma, julgado em 25/09/2012, publicado no DJe de 02/10/2012, entre outros. Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal possui o mesmo entendimento, conforme o ARE 882043, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em recentíssimo julgado de junho de 2015, vejamos: EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Concurso público. Ato administrativo ilegal. Controle judicial. Possibilidade. Preterição. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. Não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 882043 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 17-08-2015 PUBLIC 18-08-2015) Portanto, não está o Judiciário substituindo a banca ou invadindo o mérito administrativo quando estuda se o Edital ou as decisões da banca violam ou não a legalidade, mas sim está realizando sua atividade constitucionalmente determinada, conforme entendimento do próprio STF, guardião da Constituição. Portanto, seria permitido a esta Corte averiguar a hipótese levantada pelo impetrante em relação às questões de n. 17, 19 e 44, que mesmo se consideradas todas favoráveis ao intento do candidato o trariam para 34 acertos, o que seria ainda insuficiente para avançar para a segunda fase. Por esta razão o impetrante ainda apresenta irresignação contra as questões 16, 17 e 41. Considerando que a n. 17 já foi explorada no argumento anterior resta alegar que as questões 16 e 41 devem ser anuladas porque as respostas estariam completamente incorretas. Ora, avançar para a análise intrínseca das questões do concurso é ir além da mera legalidade ou apuração da correlação com o edital e, nesta hipótese, seria invadir o mérito administrativo, o que é vedado ao Judiciário. Sobre a questão o Supremo Tribunal Federal no RE 632853 também já se manifestou sob o rito da repercussão geral: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO, NO CONTROLE DE LEGALIDADE, SUBSTITUIR BANCA EXAMINADORA PARA AVALIAR RESPOSTAS DADAS PELOS CANDIDATOS E NOTAS A ELAS ATRIBUÍDAS. PRECEDENTES. 3. EXCEPCIONALMENTE, É PERMITIDO AO JUDICIÁRIO JUÍZO DE COMPATIBILIDADE DO CONTEÚDO DAS QUESTÕES DO CONCURSO COM O PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. PRECEDENTES. 4. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. (RE 632853, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) Portanto, mesmo se houvesse razão para as alegações do impetrante em relação à anulação das questões 17, 19 e 44, estas seriam insuficientes para permitir ao mesmo avançar para a segunda fase do certame e sendo vedado ao Judiciário substituir a banca do concurso acerca do acerto ou desacerto das questões reputadas como certas, entendo que não há utilidade no processo para o impetrante. Desta forma, seguindo a esteira da douta Procuradoria de Justiça, encaminho o meu voto pela extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação, em razão da ausência de interesse de agir, e por ordem logica revogo a liminar de fls. 49/51. Sem condenação em honorários advocatícios à luz do art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ. Intimem-se, pessoalmente, o representante do Ministério Público, na forma da lei (CPC, art. 236, §2º) e a Procuradoria do Estado; já o impetrante, por meio de publicação no Diário de Justiça. Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, dando-se baixa na distribuição. Belém, _____ de setembro de 2015. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora 1 SILVA, D. P. Vocabulário Jurídico. 24ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 256. 2 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.
(2015.03703185-61, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Julgado em 2015-10-01, Publicado em 2015-10-01)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
01/10/2015
Data da Publicação
:
01/10/2015
Órgão Julgador
:
CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
Número do documento
:
2015.03703185-61
Tipo de processo
:
Mandado de Segurança
Mostrar discussão