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Jurisprudência


TJPA 0000661-56.2016.8.14.0000

Ementa
SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 00006615620168140000 ORIGEM: JUÍZO DA 4ª DA FAZENDA DA CAPITAL AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM AGRAVADO: MÔNICA VALENA GOMES LOPES RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DE TUTELA SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS. PRECEDENTES. RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÃO QUE NÃO CABE NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. Solidariedade passiva dos entes públicos na prestação do direito à saúde. Efetividade. Precedentes. 3. A reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Precedentes. 4. Recurso a que se nega provimento, nos termos do art. 932, IV, ¿c¿ do CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA               Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por MUNICÍPIO DE BELÉM em face da decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara da Fazenda da Capital, nos autos da Ação Ordinária de Obrigação de Fazer n.º 0105860-71.2015.814.0301, ajuizada por Mônica Valena Gomes Lopes.               Segundo consta dos autos, o juízo objurgado deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao Agravante o fornecimento de tratamento médico de oxigenoterapia domiciliar em favor da agravada, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais).               Em suas razões recursais (fls.02/18), o agravante sustenta a ausência de solidariedade entre os entes federativos no que concerne ao custeio de terapias e exames objeto deste recurso.               Afirma que o Sistema Único de Saúde possui regras próprias de funcionamento que estabelecem a forma de atuação e os limites da competência de cada ente federado.               Assevera que a responsabilidade pelo tratamento de terapias excepcionais ou de médio custo é de responsabilidade do ente estadual e que o dispositivo constitucional que consagra a todos o direito à saúde possui natureza programática, não podendo ser interpretada de forma isolada e abstrata.               Diz, ainda, que a administração pública está adstrita a disponibilidade orçamentária e que o poder judiciário não pode interferir genericamente na administração, sem observância da limitação orçamentária, devendo prevalecer o princípio da reserva do possível.               Por fim, sustenta não restarem presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada e requer o provimento do recurso.               Às fls. 69, indeferi o pedido de efeito suspensivo.               Contrarrazões do agravado às fls. 76/81, aduzindo, em síntese, que estão presentes todos os requisitos para a concessão da tutela antecipada. Aduz que necessita do tratamento na forma como recomendada pelos médicos que a atendem e que não submetê-la ao tratamento significa expô-la a dano irreparável ou de difícil reparação.               Por fim, pugna pelo improvimento do apelo.               É o relatório.               Decido.               Preenchidos os pressupostos recursais, conheço do agravo.               A controvérsia dos autos diz respeito ao principal problema da ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a implementação prática dos direitos fundamentais.               Nesse contexto, e considerando que o direito a saúde integra a categoria dos direitos fundamentais de segunda geração, os quais podem ser lesados não somente pela atuação estatal, mas igualmente por eventuais omissões, o Poder Judiciário tem papel decisivo na correção de distorções causadas pela ausência de políticas públicas.                Objetiva-se, ao fim, mediante a atuação do Poder Judiciário, evitar que os direitos fundamentais sejam meras promessas constitucionais, caracterizando o que o Supremo Tribunal Federal já chamou de fenômeno da erosão da consciência constitucional: ¿O desprestígio da Constituição por inércia dos órgãos constituídos representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da lei fundamental do Estado. Essa constatação coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional. O Poder Público, quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório, infringe a própria integridade da Constituição, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão constitucional¿. (STF, STA 175-AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17/03/2010)               No contexto dos direitos fundamentais, cujo núcleo material remete à dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à saúde ganha especial relevo, sobretudo se considerado que não há mínimo existencial sem saúde.               O Supremo Tribunal Federal já decidiu que ¿O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles¿.               Se, de um lado, os direitos sociais são efetivados na medida do possível, ou seja, dentro de uma reserva do possível, para significar sua dependência à existência de recursos econômicos. Por outro, o fato de dependerem da condição material da reserva do possível, não reduz a efetividade dos direitos a prestações materiais sociais a um simples apelo ao legislador, pois há verdadeira imposição constitucional de sua concretização.               É dizer, revestindo-se o direito à saúde de índole fundamental, não cabe ao agente público optar pela alocação de recursos antes de efetivamente concretizar o mínimo existencial. Segundo o STJ : ¿A tese da reserva do possível assenta-se na idéia romana de que a obrigação impossível não pode ser exigida (impossibilium nulla obligatio est). Por tal motivo, não se considera a insuficiência de recursos orçamentários como mera falácia. (¿) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. (...) Portanto, aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez, quando ela é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma não ser a reserva do possível oponível à realização do mínimo existencial. A real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social¿. (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.474 - SC, rel. Min. Humberto Martins, 20/04/2010).               Ademais, mencione-se que a tese da reserva do possível (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York) pressupõe a necessária prova, casuística, da inexistência de recursos suficientes para manter o tratamento do paciente, o que não ocorreu no caso em concreto, sem olvidar que também não provou o chamado efeito multiplicador que, aliás, não obsta a concessão da liminar para o tratamento médico em análise, pois, no caso concreto o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente. (RMS 24.197/PR, 1.ª T., Rel. Min. LUIZ FUX, DJU de 24/08/2010).               O STJ, em julgamento observando a sistemática de recursos repetitivos, decidiu que (...)Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na preservação da saúde da demandante com o fornecimento dos medicamentos adequados, em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou Administrativo. (...) (RECURSO ESPECIAL Nº 1.069.810 - RS (2008¿0138928-4)               Por fim, registro que no que concerne à ausência de responsabilidade do ente municipal, registro que a Constituição Federal, em seu artigo 196, bem definiu o tema em debate, não fazendo distinção entre os entes Federal, Estadual e Municipal, a saber: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.               Insta salientar que a obrigação de prestar o serviço de saúde pública - incluindo-se neste o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos - de forma gratuita, é de qualquer dos entes federativos, conjunta e solidariamente, em consonância com o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal: Trata-se de processo em que se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo a paciente portadora de enfermidade grave. O recurso extraordinário busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação aos arts. 2º; 196; e 198, todos da Constituição. A decisão agravada negou seguimento ao recurso, sob o fundamento de que a decisão recorrida está em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. De início, ressalta-se que o acordão recorrido está alinhado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. Diante disso, é a União assim como os Estados, os municípios e o Distrito Federal parte legítima para figurar no polo passivo de ações voltadas a esse fim. Nessa linha, veja-se a da SS 3.355-AgR, julgada sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. Nesse sentido: RE 627.411-AgR, Rel.ª Min.ª Rosa Weber; AI 808.059-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; STA 175-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes. No mais, o recurso deve ser admitido, tendo em conta que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência de repercussão geral relativa à ?controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo (RE 566.471,Rel. Min. Marco Aurélio). Diante do exposto, dou provimento ao agravo para admitir o recurso extraordinário e, com base no art. 328, parágrafo único, do RI/STF, determino o retorno dos autos à origem, a fim de que sejam observadas as disposições do art. 543-B do CPC. Publique-se. Brasília, 25 de abril de 2014.Ministro Luís Roberto BarrosoRelator (STF - ARE: 796689 PE , Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 25/04/2014, Data de Publicação: DJe-082 DIVULG 30/04/2014 PUBLIC 02/05/2014).               O Sistema Único de Saúde - SUS é organizado de forma descentralizada, regido pelo princípio da co-gestão, em que se partilha, entre os entes da Federação, a responsabilidade de garantir aos cidadãos o direito constitucional à saúde, nos moldes da Lei n. 8.080, de 1990, sendo incontroverso que devem agir simultaneamente, possibilitando a realização das ações e serviços de saúde.               Nas matérias que envolvem o direito a saúde, tem-se que a responsabilidade solidária dos entes componentes da Federação, que se dá verticalmente, e com direção única do SUS em cada esfera de governo, cabe tanto ao Município como ao Estado e União garantir a todos o direito à saúde.               Nesse sentido, o cidadão, a princípio, pode escolher e exigir assistência à saúde de qualquer dos entes públicos, ou de todos conjuntamente.               Assim, considerando que as questões objeto do presente recurso já foram dirimidas pela Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o caso em apreço atrai aplicação da faculdade deferida ao relator pelo art. 932 do Código de Processo Civil: Art. 932 - Incumbe ao relator. (...) IV - negar provimento a recurso que for contrário a: c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;               Pelo exposto, com base no art. 932, IV, 'c' do Código de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso.               Comunique-se ao juízo de origem.               Publique-se e intimem-se. Operada preclusão, arquive-se.               Belém, 08 de junho de 2016. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora (2016.02248009-55, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-06-20, Publicado em 2016-06-20)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 20/06/2016
Data da Publicação : 20/06/2016
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento : 2016.02248009-55
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
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