TJPA 0000763-20.2012.8.14.0000
AÇÃO CAUTELAR: MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PROCESSO N. 2012.3.018443-8 (CNJ 0000763-20.2012.814.0000) REQUERENTE: ANDRÉIA OLIVEIRA E SILVA (Defensora Pública Rosemary dos Reis Silva) REQUERIDO: ACENILDO BOTELHO PONTES (Advogado Dib Elias Filho) PROCURADOR DE JUSTIÇA: ESTÊVAM ALVES SAMPAIO FILHO RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA DECISÃO TERMINATIVA I. O feito foi distribuído, nesta corte, como petição, constituindo o desdobramento de um pedido de decretação de medidas protetivas de urgência, fundamentadas na Lei n. 11.340, de 2006, formulado por Andréia Oliveira e Silva contra Acenildo Botelho Pontes, seu ex-companheiro e pai de seu filho, menor impúbere. A juíza da 3ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belém, entendendo que a matéria sob discussão envolve crime, declinou da competência em favor deste tribunal, porquanto o requerido é promotor de justiça e goza de prerrogativa de foro. Tratando-se de feito que normalmente não se inscreve entre os de competência originária de tribunal de justiça, seja como ação ou como recurso, entendo que a decisão a ser proferida deve ser monocrática. Como tal, decido. II. Esclareço, ainda, que não foi minha intenção suscitar formalmente a exceção de suspeição do procurador de justiça que exarou o parecer na condição de custos legis, porque de fato não existe previsão nesse sentido. Minha expectativa era de que o Ministério Público comungasse de minha percepção, que me parece óbvia, no sentido de que o procurador de justiça não deveria funcionar nos autos em que é parte alguém que lhe demanda criminalmente, independentemente do conteúdo de seus pronunciamentos. Como não foi esse o entendimento do Parquet, dou por cumprida a exigência de parecer prévio e decido. III. Consoante já deixei consignado, a presente causa é bastante complexa, como demonstra a mais recente documentação juntada aos autos, pelo requerido, dando conta do ajuizamento da 31ª cautelar de busca e apreensão de menor. Em suma, este é mais um daqueles casos, infelizmente conhecidos no foro de família, em que o relacionamento amoroso termina, mas os ressentimentos não, e ambas as partes se dedicam, dali por diante, a causar ao outro todo o desgosto de que sejam capazes, mesmo que para isso sacrifiquem a felicidade do próprio filho. A esta altura, já se avolumam inúmeros procedimentos cíveis e criminais, que a meu ver tornam impossível saber quem está falando a verdade. Diante disso, decido de acordo com o art. 227 da Constituição de 1988 e os arts. 1º, 4º, 6º e 100 (notadamente o parágrafo único, II), do Estatuto da Criança e do Adolescente, na perspectiva do fortalecimento dos vínculos familiares. Com efeito, observa-se que a requerente pugna pelo afastamento do requerido, tanto o físico quanto o comunicacional, em relação a si mesma e a seus familiares, citando expressamente o filho. O procurador de justiça Estêvam Alves Sampaio Filho, acolhendo de modo irrestrito todas as alegações da autora, opinou pelo deferimento integral de seus pedidos (fls. 654/662). Com isso, fica estabelecido o conflito entre os princípios reitores da Lei Maria da Penha e os do Estatuto da Criança e do Adolescente, conflito que deverá ser solucionado por meio de uma criteriosa ponderação. De saída, observo que essas duas leis se justificam pela mesma ideia: a de proteger o indivíduo mais vulnerável de uma dada relação. No entendimento do legislador, de um modo geral, a criança e o adolescente são vulneráveis em relação ao adulto, assim como a mulher é vulnerável em relação ao homem. A questão a resolver se alguma dessas vulnerabilidades prevalece sobre a outra. Fugindo das ideias preconcebidas que frequentemente conduzem a más soluções, entendo que também neste tema se deve enfrentar o caso concreto. Ou seja, embora se possa pressupor que uma criança seja sempre mais vulnerável que as demais pessoas, eventualmente a vulnerabilidade do adolescente pode ser maior do que a de uma mulher, assim como o contrário também pode ser verdadeiro. Precisamos analisar as circunstâncias reais do caso. Nestes autos, temos os interesses de uma criança (continuar a conviver com o pai, necessidade de seu desenvolvimento psicológico e emocional, presumido e tutelado pela lei) colidindo com os de sua mãe (afastar-se de seu ex-companheiro). Afora o fator etário, temos outras razões para concluir que a criança é a grande vulnerável neste contexto. Afinal, a requerente é mulher adulta, saudável, tem profissão, suporte familiar e assistência judiciária eficiente, por meio da Defensoria Pública. Os direitos de personalidade da criança, todavia, somente podem ser assegurados se for preservada a possibilidade de convivência com o pai. Obtempero, também, que as medidas cautelares são de urgência, mas tal ideia se encontra esvanecida a esta altura, por conta das idas e vindas do processo. Veja-se que o pedido foi protocolado em 5.1.2012 e os autos retornaram a meu gabinete, com o parecer ministerial, em 10.10.2013, de onde saíram ainda uma vez para a juntada de novos calhamaços de documentos. Neste interregno de um ano e nove meses, não consta que o requerido tenha praticado alguma ação particularmente grave contra sua ex-companheira. Agressões físicas não houve. Se morais aconteceram, pode-se supor que foram de parte a parte. Na sobredita 31ª cautelar de busca e apreensão, o requerido informa que medidas do gênero já foram deferidas repetidas vezes, por ao menos sete magistrados de primeiro grau diferentes, além da Desa. Maria do Céo Maciel Coutinho, que em sede de agravo de instrumento concedeu liminar mantendo a criança sob a guarda do pai até o julgamento de ação correspondente (fls. 822/823). Existe prova cabal, por conseguinte, representada por essas decisões judiciais, a demonstrar que a requerente não é tão indefesa quanto se diz, nem age pautada na melhor legalidade, pois se assim fosse não teria sofrido tantos reveses judiciais. Pelo contrário, tais decisões demonstram que ela também sabe violar a lei e causar confrontos, quando é de sua conveniência. Chamou minha atenção, também, a manifestação da Desa. Brígida Gonçalves dos Santos que, ao se insurgir contra a distribuição do feito por prevenção, declarou: Com efeito, atesto que fui relatora da Ação Penal movida contra o Promotor de Justiça ACENILDO BOTELHO PONTES, sob o nº 2011.3.012877-6, a qual foi julgada pelo Pleno deste Egrégio Tribunal no dia 08 de agosto de 2012, decidindo pela rejeição da denúncia, por ausência de justa causa, nos termos do art. 395, III do CPP. Nessa mesma data, o Tribunal Pleno julgou outra Ação Penal contra o mesmo denunciado, sob a relatoria do Exmo. Des. Rômulo José Ferreira Nunes, (Processo nº 2011.3.022839-4) acusado pelo crime de violação de domicílio (art. 150, § 1º do Código Penal), sendo também decidido pela rejeição da denúncia. (fls. 644 e v.). Dei-me ao trabalho de consultar os dois processos e constatei que, em ambos os casos, o Tribunal Pleno decidiu pela unanimidade de seus membros e que as duas decisões transitaram em julgado, revelando que a suposta vítima, parte autora nesta demanda, assim como o Ministério Público, não tiveram interesse ou condições de persistir no desiderato de acusar o requerido de crime. Analisei, também, que na ação penal relatada pela Desa. Brígida Santos, a acusação era dos delitos de violência doméstica e ameaça, cometidos de forma reiterada. No entanto, a ementa do acórdão demonstra que a corte entendeu que: em que pesem os elementos colhidos durante o procedimento investigatório realizado pelo órgão ministerial, estes não possuem o suporte empírico indispensável à instauração da persecução penal. Conclui-se, portanto, que a denúncia em análise não preenche as condições materiais para o seu recebimento, haja vista que carece de alicerce fático para a caracterização dos delitos imputados ao acusado. De modo semelhante ao que estou afirmando nesta decisão, a corte também se pronunciou sobre as hostilidades recíprocas entre as partes: Quanto ao crime de ameaça, o que se verifica é uma relação de animosidade entre as partes envolvidas, ocasionando diversas desavenças pessoais e processuais perante o Juízo da Vara de Família desta Capital, tais quais, pedido de busca e apreensão do menor e atraso na entrega da criança, conforme os próprios boletins de ocorrência demonstram, pois não há a descrição de um fato que tenha causado limitação na vontade da ofendida ou na concretização de seus pensamentos. Portanto, não há uma evidência probatória suficiente de ameaça à integridade física e emocional da vítima capaz de causar temor e restringir o seu convívio em sociedade. Na verdade, a suposta ofendida apenas narrou a existência de episódios de discussão adstritos à preferência de guarda do menor. Sendo assim, a única ameaça que vislumbro nos autos é o intento de um pai em pedir a guarda de seu filho que, em palavras mais simples, seria 'tomar o filho de sua mãe'. Certamente, isso não deixa de ser uma ameaça à sensibilidade materna, porém, com base no que foi colhido nos autos, não há um lastro probante mínimo para se falar em ameaça no sentido prescrito pela norma penal. No que tange à lesão corporal em situação de violência doméstica, a corte decidiu que a pretensa ofendida nunca se submeteu a exame de corpo de delito, direto ou indireto, nem qualquer testemunha ratificou a ocorrência de agressão, sendo inexistente, portanto, a prova da materialidade delitiva. Por isso, a relatora lançou o seu repto, dizendo: que as partes envolvidas no presente feito, na verdade, pretendem solucionar questões familiares pendentes, via âmbito penal, quando isso é absolutamente incabível, haja vista que as contendas relatadas pela vítima não são suficientes para respaldar uma denúncia, sendo próprias de discussão e solução na esfera cível, onde os problemas familiares possuem amplo espaço para debates e disputas. No segundo processo, relatado pelo Des. Rômulo Nunes, a pretensão punitiva também foi enfrentada na perspectiva de ausência de requisitos mínimos para instauração de ação penal, tendo-se reconhecido que o ora requerido e o segundo acusado não haviam cometido fato passível de ser incriminado. De modo contundente, a ementa do acórdão assevera: É verdade que a Constituição da República salvaguarda o domicílio, mas também admite sua violação, durante o dia, quando ali estiver ocorrendo um crime, um desastre ou houver necessidade de se prestar socorro a alguém que esteja precisando. A doutrina bem conceitua os casos de erro de tipo, admitindo hipótese em que o agente supõe estar agindo licitamente, ao ter a falsa impressão que se encontram presentes os requisitos de uma das causas descriminantes previstas na legislação penal. É o que a doutrina conceitua como descriminante putativa ou erro de tipo permissivo, o qual, segundo o art. 20, § 1º do CPB exclui o dolo e, quando for de natureza invencível, inevitável e escusável, também a culpa. Tanto o promotor de justiça, quanto o policial militar que o acompanhava, tinham a falsa convicção de que lá se encontrava um menor doente e em cárcere privado. Sendo assim, agiram, respectivamente, no exercício regular do direito e no estrito cumprimento do dever legal, pois assim como Acenildo Pontes tinha o direito de proteger seu filho, Mauro Guerra, enquanto policial, tinha o dever de impedir a perpetuação do suposto crime de cárcere privado do qual o menor seria vítima; (...) Os agentes se cercaram de todas as garantias legais, requerendo, inclusive, a presença de um conselheiro tutelar, a fim de acompanhar o resgate do menor em situação de risco. Ora, não precisa fazer grandes incursões no material fático probatório para perceber que os acusados não tiveram o dolo específico de violar domicílio alheio, ou seja, a vontade pura e simples de invadir o domicílio com o propósito único de praticar o delito. Precedentes. Resta evidente, por conseguinte, que as duas ações penais intentadas contra o ora requerido, por fatos que supostamente teria perpetrado contra sua ex-companheira, revelaram-se falsos ou plenamente justificados pelas circunstâncias. Vale dizer, não houve crime e esse foi o entendimento do Tribunal Pleno, sob a condução de relatores distintos, a despeito da persistência do Ministério Público em sempre dar razão à ora requerente. Neste particular, vale dizer, uma vez mais, que ao menos em uma dessas ações quem atuou, com poderes delegados, foi o mesmo procurador de justiça Estêvam Sampaio Filho, o que foi atacado pelo demandado, sem sucesso. O mais importante a ressaltar é a convicção da corte ao afirmar que, nos dois feitos, não havia suporte fático e jurídico sequer para se iniciar uma ação penal, cenário que fragiliza drasticamente o desenho do requerido como agressor contumaz. E uma vez que, até o presente momento, não se apresentou prova convincente das agressões imputadas, torna-se inviável o deferimento das medidas protetivas requeridas. Mesmo a hipótese de deferimento parcial determinação de afastamento do requerido em relação à ex-companheira e aos familiares desta, excluindo dos efeitos da decisão o filho do casal seria abuso de poder, na medida em que não estou minimamente convencido de que o demandado tenha praticado os fatos que embasaram o pedido ora sob discussão. Meu convencimento vai no sentido de ataques recíprocos, entre litigantes com razoável paridade de forças processuais, que tentam atrair para a esfera penal as suas diferenças na área de família, como forma de maximizar os prejuízos que provocam dolosamente um ao outro. Num contexto desses, deferir a medida alcançando a requerente e demais familiares, com certeza seria utilizado para gerar embaraços na já insustentável relação com o requerido, com claros danos a uma criança que já vem pagando caro, há anos, pela incapacidade de seus genitores de agir com bom senso e verdadeiro amor paternal/maternal. Ante todo o exposto, indefiro o pedido de decretação de medidas protetivas, porque ausente ameaça ou violação aos direitos consignados na Lei Maria da Penha (art. 19, § 2º, da Lei n. 11.340, de 2006). Intimem-se as partes. Transitada em julgado a presente decisão, arquivem-se os autos, dando-se a devida baixa na distribuição. Belém, 16 de outubro de 2013. Des. João José da Silva Maroja Relator
(2013.04209829-23, Não Informado, Rel. JOAO JOSE DA SILVA MAROJA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2013-10-16, Publicado em 2013-10-16)
Ementa
AÇÃO CAUTELAR: MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PROCESSO N. 2012.3.018443-8 (CNJ 0000763-20.2012.814.0000) REQUERENTE: ANDRÉIA OLIVEIRA E SILVA (Defensora Pública Rosemary dos Reis Silva) REQUERIDO: ACENILDO BOTELHO PONTES (Advogado Dib Elias Filho) PROCURADOR DE JUSTIÇA: ESTÊVAM ALVES SAMPAIO FILHO RELATOR: DES. JOÃO JOSÉ DA SILVA MAROJA DECISÃO TERMINATIVA I. O feito foi distribuído, nesta corte, como petição, constituindo o desdobramento de um pedido de decretação de medidas protetivas de urgência, fundamentadas na Lei n. 11.340, de 2006, formulado por Andréia Oliveira e Silva contra Acenildo Botelho Pontes, seu ex-companheiro e pai de seu filho, menor impúbere. A juíza da 3ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belém, entendendo que a matéria sob discussão envolve crime, declinou da competência em favor deste tribunal, porquanto o requerido é promotor de justiça e goza de prerrogativa de foro. Tratando-se de feito que normalmente não se inscreve entre os de competência originária de tribunal de justiça, seja como ação ou como recurso, entendo que a decisão a ser proferida deve ser monocrática. Como tal, decido. II. Esclareço, ainda, que não foi minha intenção suscitar formalmente a exceção de suspeição do procurador de justiça que exarou o parecer na condição de custos legis, porque de fato não existe previsão nesse sentido. Minha expectativa era de que o Ministério Público comungasse de minha percepção, que me parece óbvia, no sentido de que o procurador de justiça não deveria funcionar nos autos em que é parte alguém que lhe demanda criminalmente, independentemente do conteúdo de seus pronunciamentos. Como não foi esse o entendimento do Parquet, dou por cumprida a exigência de parecer prévio e decido. III. Consoante já deixei consignado, a presente causa é bastante complexa, como demonstra a mais recente documentação juntada aos autos, pelo requerido, dando conta do ajuizamento da 31ª cautelar de busca e apreensão de menor. Em suma, este é mais um daqueles casos, infelizmente conhecidos no foro de família, em que o relacionamento amoroso termina, mas os ressentimentos não, e ambas as partes se dedicam, dali por diante, a causar ao outro todo o desgosto de que sejam capazes, mesmo que para isso sacrifiquem a felicidade do próprio filho. A esta altura, já se avolumam inúmeros procedimentos cíveis e criminais, que a meu ver tornam impossível saber quem está falando a verdade. Diante disso, decido de acordo com o art. 227 da Constituição de 1988 e os arts. 1º, 4º, 6º e 100 (notadamente o parágrafo único, II), do Estatuto da Criança e do Adolescente, na perspectiva do fortalecimento dos vínculos familiares. Com efeito, observa-se que a requerente pugna pelo afastamento do requerido, tanto o físico quanto o comunicacional, em relação a si mesma e a seus familiares, citando expressamente o filho. O procurador de justiça Estêvam Alves Sampaio Filho, acolhendo de modo irrestrito todas as alegações da autora, opinou pelo deferimento integral de seus pedidos (fls. 654/662). Com isso, fica estabelecido o conflito entre os princípios reitores da Lei Maria da Penha e os do Estatuto da Criança e do Adolescente, conflito que deverá ser solucionado por meio de uma criteriosa ponderação. De saída, observo que essas duas leis se justificam pela mesma ideia: a de proteger o indivíduo mais vulnerável de uma dada relação. No entendimento do legislador, de um modo geral, a criança e o adolescente são vulneráveis em relação ao adulto, assim como a mulher é vulnerável em relação ao homem. A questão a resolver se alguma dessas vulnerabilidades prevalece sobre a outra. Fugindo das ideias preconcebidas que frequentemente conduzem a más soluções, entendo que também neste tema se deve enfrentar o caso concreto. Ou seja, embora se possa pressupor que uma criança seja sempre mais vulnerável que as demais pessoas, eventualmente a vulnerabilidade do adolescente pode ser maior do que a de uma mulher, assim como o contrário também pode ser verdadeiro. Precisamos analisar as circunstâncias reais do caso. Nestes autos, temos os interesses de uma criança (continuar a conviver com o pai, necessidade de seu desenvolvimento psicológico e emocional, presumido e tutelado pela lei) colidindo com os de sua mãe (afastar-se de seu ex-companheiro). Afora o fator etário, temos outras razões para concluir que a criança é a grande vulnerável neste contexto. Afinal, a requerente é mulher adulta, saudável, tem profissão, suporte familiar e assistência judiciária eficiente, por meio da Defensoria Pública. Os direitos de personalidade da criança, todavia, somente podem ser assegurados se for preservada a possibilidade de convivência com o pai. Obtempero, também, que as medidas cautelares são de urgência, mas tal ideia se encontra esvanecida a esta altura, por conta das idas e vindas do processo. Veja-se que o pedido foi protocolado em 5.1.2012 e os autos retornaram a meu gabinete, com o parecer ministerial, em 10.10.2013, de onde saíram ainda uma vez para a juntada de novos calhamaços de documentos. Neste interregno de um ano e nove meses, não consta que o requerido tenha praticado alguma ação particularmente grave contra sua ex-companheira. Agressões físicas não houve. Se morais aconteceram, pode-se supor que foram de parte a parte. Na sobredita 31ª cautelar de busca e apreensão, o requerido informa que medidas do gênero já foram deferidas repetidas vezes, por ao menos sete magistrados de primeiro grau diferentes, além da Desa. Maria do Céo Maciel Coutinho, que em sede de agravo de instrumento concedeu liminar mantendo a criança sob a guarda do pai até o julgamento de ação correspondente (fls. 822/823). Existe prova cabal, por conseguinte, representada por essas decisões judiciais, a demonstrar que a requerente não é tão indefesa quanto se diz, nem age pautada na melhor legalidade, pois se assim fosse não teria sofrido tantos reveses judiciais. Pelo contrário, tais decisões demonstram que ela também sabe violar a lei e causar confrontos, quando é de sua conveniência. Chamou minha atenção, também, a manifestação da Desa. Brígida Gonçalves dos Santos que, ao se insurgir contra a distribuição do feito por prevenção, declarou: Com efeito, atesto que fui relatora da Ação Penal movida contra o Promotor de Justiça ACENILDO BOTELHO PONTES, sob o nº 2011.3.012877-6, a qual foi julgada pelo Pleno deste Egrégio Tribunal no dia 08 de agosto de 2012, decidindo pela rejeição da denúncia, por ausência de justa causa, nos termos do art. 395, III do CPP. Nessa mesma data, o Tribunal Pleno julgou outra Ação Penal contra o mesmo denunciado, sob a relatoria do Exmo. Des. Rômulo José Ferreira Nunes, (Processo nº 2011.3.022839-4) acusado pelo crime de violação de domicílio (art. 150, § 1º do Código Penal), sendo também decidido pela rejeição da denúncia. (fls. 644 e v.). Dei-me ao trabalho de consultar os dois processos e constatei que, em ambos os casos, o Tribunal Pleno decidiu pela unanimidade de seus membros e que as duas decisões transitaram em julgado, revelando que a suposta vítima, parte autora nesta demanda, assim como o Ministério Público, não tiveram interesse ou condições de persistir no desiderato de acusar o requerido de crime. Analisei, também, que na ação penal relatada pela Desa. Brígida Santos, a acusação era dos delitos de violência doméstica e ameaça, cometidos de forma reiterada. No entanto, a ementa do acórdão demonstra que a corte entendeu que: em que pesem os elementos colhidos durante o procedimento investigatório realizado pelo órgão ministerial, estes não possuem o suporte empírico indispensável à instauração da persecução penal. Conclui-se, portanto, que a denúncia em análise não preenche as condições materiais para o seu recebimento, haja vista que carece de alicerce fático para a caracterização dos delitos imputados ao acusado. De modo semelhante ao que estou afirmando nesta decisão, a corte também se pronunciou sobre as hostilidades recíprocas entre as partes: Quanto ao crime de ameaça, o que se verifica é uma relação de animosidade entre as partes envolvidas, ocasionando diversas desavenças pessoais e processuais perante o Juízo da Vara de Família desta Capital, tais quais, pedido de busca e apreensão do menor e atraso na entrega da criança, conforme os próprios boletins de ocorrência demonstram, pois não há a descrição de um fato que tenha causado limitação na vontade da ofendida ou na concretização de seus pensamentos. Portanto, não há uma evidência probatória suficiente de ameaça à integridade física e emocional da vítima capaz de causar temor e restringir o seu convívio em sociedade. Na verdade, a suposta ofendida apenas narrou a existência de episódios de discussão adstritos à preferência de guarda do menor. Sendo assim, a única ameaça que vislumbro nos autos é o intento de um pai em pedir a guarda de seu filho que, em palavras mais simples, seria 'tomar o filho de sua mãe'. Certamente, isso não deixa de ser uma ameaça à sensibilidade materna, porém, com base no que foi colhido nos autos, não há um lastro probante mínimo para se falar em ameaça no sentido prescrito pela norma penal. No que tange à lesão corporal em situação de violência doméstica, a corte decidiu que a pretensa ofendida nunca se submeteu a exame de corpo de delito, direto ou indireto, nem qualquer testemunha ratificou a ocorrência de agressão, sendo inexistente, portanto, a prova da materialidade delitiva. Por isso, a relatora lançou o seu repto, dizendo: que as partes envolvidas no presente feito, na verdade, pretendem solucionar questões familiares pendentes, via âmbito penal, quando isso é absolutamente incabível, haja vista que as contendas relatadas pela vítima não são suficientes para respaldar uma denúncia, sendo próprias de discussão e solução na esfera cível, onde os problemas familiares possuem amplo espaço para debates e disputas. No segundo processo, relatado pelo Des. Rômulo Nunes, a pretensão punitiva também foi enfrentada na perspectiva de ausência de requisitos mínimos para instauração de ação penal, tendo-se reconhecido que o ora requerido e o segundo acusado não haviam cometido fato passível de ser incriminado. De modo contundente, a ementa do acórdão assevera: É verdade que a Constituição da República salvaguarda o domicílio, mas também admite sua violação, durante o dia, quando ali estiver ocorrendo um crime, um desastre ou houver necessidade de se prestar socorro a alguém que esteja precisando. A doutrina bem conceitua os casos de erro de tipo, admitindo hipótese em que o agente supõe estar agindo licitamente, ao ter a falsa impressão que se encontram presentes os requisitos de uma das causas descriminantes previstas na legislação penal. É o que a doutrina conceitua como descriminante putativa ou erro de tipo permissivo, o qual, segundo o art. 20, § 1º do CPB exclui o dolo e, quando for de natureza invencível, inevitável e escusável, também a culpa. Tanto o promotor de justiça, quanto o policial militar que o acompanhava, tinham a falsa convicção de que lá se encontrava um menor doente e em cárcere privado. Sendo assim, agiram, respectivamente, no exercício regular do direito e no estrito cumprimento do dever legal, pois assim como Acenildo Pontes tinha o direito de proteger seu filho, Mauro Guerra, enquanto policial, tinha o dever de impedir a perpetuação do suposto crime de cárcere privado do qual o menor seria vítima; (...) Os agentes se cercaram de todas as garantias legais, requerendo, inclusive, a presença de um conselheiro tutelar, a fim de acompanhar o resgate do menor em situação de risco. Ora, não precisa fazer grandes incursões no material fático probatório para perceber que os acusados não tiveram o dolo específico de violar domicílio alheio, ou seja, a vontade pura e simples de invadir o domicílio com o propósito único de praticar o delito. Precedentes. Resta evidente, por conseguinte, que as duas ações penais intentadas contra o ora requerido, por fatos que supostamente teria perpetrado contra sua ex-companheira, revelaram-se falsos ou plenamente justificados pelas circunstâncias. Vale dizer, não houve crime e esse foi o entendimento do Tribunal Pleno, sob a condução de relatores distintos, a despeito da persistência do Ministério Público em sempre dar razão à ora requerente. Neste particular, vale dizer, uma vez mais, que ao menos em uma dessas ações quem atuou, com poderes delegados, foi o mesmo procurador de justiça Estêvam Sampaio Filho, o que foi atacado pelo demandado, sem sucesso. O mais importante a ressaltar é a convicção da corte ao afirmar que, nos dois feitos, não havia suporte fático e jurídico sequer para se iniciar uma ação penal, cenário que fragiliza drasticamente o desenho do requerido como agressor contumaz. E uma vez que, até o presente momento, não se apresentou prova convincente das agressões imputadas, torna-se inviável o deferimento das medidas protetivas requeridas. Mesmo a hipótese de deferimento parcial determinação de afastamento do requerido em relação à ex-companheira e aos familiares desta, excluindo dos efeitos da decisão o filho do casal seria abuso de poder, na medida em que não estou minimamente convencido de que o demandado tenha praticado os fatos que embasaram o pedido ora sob discussão. Meu convencimento vai no sentido de ataques recíprocos, entre litigantes com razoável paridade de forças processuais, que tentam atrair para a esfera penal as suas diferenças na área de família, como forma de maximizar os prejuízos que provocam dolosamente um ao outro. Num contexto desses, deferir a medida alcançando a requerente e demais familiares, com certeza seria utilizado para gerar embaraços na já insustentável relação com o requerido, com claros danos a uma criança que já vem pagando caro, há anos, pela incapacidade de seus genitores de agir com bom senso e verdadeiro amor paternal/maternal. Ante todo o exposto, indefiro o pedido de decretação de medidas protetivas, porque ausente ameaça ou violação aos direitos consignados na Lei Maria da Penha (art. 19, § 2º, da Lei n. 11.340, de 2006). Intimem-se as partes. Transitada em julgado a presente decisão, arquivem-se os autos, dando-se a devida baixa na distribuição. Belém, 16 de outubro de 2013. Des. João José da Silva Maroja Relator
(2013.04209829-23, Não Informado, Rel. JOAO JOSE DA SILVA MAROJA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2013-10-16, Publicado em 2013-10-16)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
16/10/2013
Data da Publicação
:
16/10/2013
Órgão Julgador
:
TRIBUNAL PLENO
Relator(a)
:
JOAO JOSE DA SILVA MAROJA
Número do documento
:
2013.04209829-23
Tipo de processo
:
Petição
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