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Jurisprudência


TJPA 0000783-68.2009.8.14.0035

Ementa
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE ÓBIDOS APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000783-68.2009.814.0035 APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELADA: VERA LÚCIA MARINHO DELGADO RELATORA: DES. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO DE FORMA TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI N° 8.036/1990. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. - A discussão de mérito cinge-se à possibilidade de condenação ao pagamento dos depósitos de FGTS a servidor público contratado de forma temporária. - O STF assentou a constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990, com a redação dada pela Medida Provisória (MP) 2.164-41/2001, que prevê o referido pagamento. - NEGADO SEGUIMENTO AO APELO. DECISÃO MONOCRÁTICA              Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por ESTADO DO PARÁ, nos autos da Ação Ordinária de Cobrança de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, movida por VERA LÚCIA MARINHO DELGADO, em face da sentença de fls. 84/88 que julgou procedente em parte os pedidos formulados na inicial, para condenar o réu ao pagamento da quantia de R$ 8.452,87 (oito mil e quatrocentos e cinquenta e dois reais e oitenta e sete centavos) referente aos depósitos no FGTS, crescidos de correção monetária e juros moratórios.            Em suas razões (fls.91/116), o Estado do Pará suscita preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois pleiteia a apelada o recebimento de verba não prevista legalmente.            No mérito, sustenta a legalidade da contratação temporária da apelada, que é regida pela Lei Complementar 07/91, a qual prevê que o regime jurídico que estes servidores estão submetidos é o Estatutário. Afirma que o RJU não prevê o pagamento da verba relativa ao FGTS, razão pela qual a condenação do ente público ao pagamento desta verba é indevida.            Afirma que não há nulidade na contratação, tendo em vista a existência de previsão legal para contratação de servidores temporários para atender a demanda de excepcional interesse público e necessidade temporária.            No entanto, relata que caso seja declarada a nulidade da contratação, esta não poderá produzir nenhum efeito. Diz, ainda, que a dispensa do servidor temporário é um ato discricionário da administração pública.            Por fim, alega que inexiste vinculo celetista, portanto, incabível a condenação ao pagamento de multa de 40% ou reflexos da rescisão. Requer o conhecimento e provimento do apelo.            O recurso foi recebido no duplo efeito (fls. 127).            A parte autora apresentou contrarrazões (fls. 128/130), alegando, em síntese, que a sentença não merece reforma, pois permaneceu através de contrato temporário no serviço público por 17 anos.            É o relatório.                         DECIDO.            Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame da matéria em apreço.            O apelante suscita preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois pleiteia a apelada o recebimento de verba não prevista legalmente.            Tendo em vista que a referida preliminar se confunde com o próprio mérito da demanda, como tal ela será analisada.                         O cerne da demanda gira em torno do cabimento da cobrança de crédito relativo a FGTS contra a Fazenda Pública quando da contratação de servidores temporários.                         No caso dos autos, as provas demonstram que a contratação da parte autora não se deu por concurso público, mas através de contrato temporário em 02/03/1992, pelo período de 6 (seis) meses pelo Estado do Pará, contudo, o contrato temporário foi renovado sucessivamente, até a sua extinção em 31/01/2009 (fls. 60).                         Inicialmente, cumpre ressaltar que o ingresso no serviço público, segundo o art. 37, II, da Constituição Federal, deve ocorrer por meio de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.                         Excepcionalmente, a Administração pode firmar contratos temporários, nos seguintes termos:   IX - A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.              Ressalto que a contratação nos termos do inciso IX do art. 37 da Carta Magna, deve ser efetivamente temporária, pois do contrário a prorrogação sucessiva dos referidos contratos desvirtua a excepcionalidade do serviço, violando os princípios que devem reger a Administração Pública.                         Deste modo, em que pese o caráter excepcional da contratação temporária, as provas juntadas aos autos demonstram que o contrato de trabalho da apelante, foi sucessivamente renovado do ano de 1992 até o ano de 2009, ou seja, a contratação temporária, que por essência deveria ser precária ou efêmera, tornou-se, na prática, duradoura ou efetiva, pois perdurou por quase 17 (dezessete) anos.                         Sem dúvida, o expediente adotado pelo apelado é censurável, pois viola os princípios constitucionais que devem governar a atuação administrativa, porquanto é fato inconteste que, regra geral, o acesso ao serviço público deve dar-se pela via do concurso público (art. 37, inc. II, da Constituição Federal).                         Destarte, considerando o desvirtuamento da contratação temporária, haja vista a permanência da parte autora a título precário por quase de 17 (dezessete) anos no serviço público sem a prévia aprovação em concurso público, tem-se que o contrato temporário firmado está eivado de nulidade, merecendo, portanto, o amparo do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990.                         Contudo, a despeito de tal irregularidade, não se pode negar ao trabalhador os direitos provenientes do labor realizado, pois aceitar isso seria prestigiar e favorecer aquele que deu causa à ilicitude, em prejuízo ao servidor que, de boa-fé, desempenhou fielmente seu trabalho. E mais, estar-se-ia diante do locupletamento ilícito por parte da Administração Pública caso o ente político deixe de promover a contraprestação pecuniária devida.                         Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE n. 596.478/RR, reconheceu a existência de repercussão geral da questão atinente à constitucionalidade do art. 19-A, da Lei n. 8.036/90, acrescido pela MP n. 2.164-41, que assegura, ao contratado pela Administração, cujo contrato tenha sido declarado nulo, o direito ao recebimento do FGTS.              Senão vejamos:   Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2.º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.              A despeito da matéria, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário 596.478/RR, após reconhecer a repercussão geral do tema, reconheceu o direito aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho com a Administração Pública declarado nulo em função de inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público.   RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO NULO. EFEITOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. ARTIGO 19-A DA LEI Nº 8.036/90. CONSTITUCIONALIDADE. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068).              Assim, entendeu-se que o contrato nulo produz efeitos até que seja decretada a sua nulidade, sendo portanto o dispositivo mencionado, regra de transição a qual deve ser aplicada de maneira a não prejudicar a parte que agiu de boa-fé ao ser contratada, e que prestou diligentemente serviços à administração pública, prestigiando-se o preceituado na Carta Magna referente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV/CRFB).                         Em sede argumentativa o apelado alega que o vínculo jurídico que rege os contratos temporários é de natureza administrativa e não trabalhista.                         Todavia, a vinculação jurídico-administrativa atribuída pela Lei Complementar 07/1991, não tem o condão de afastar o direito ao recolhimento do FGTS face a declaração de nulidade do contrato. Isto porque, se o contrato administrativo que rege as contratações temporárias é nulo devido a violação da regra constitucional que prevê a contratação através de concurso público, deixa de existir qualquer relação jurídica subjacente, já que eivada de nulidade.                         Ademais, dispõe o art.2º da Lei Complementar 07/1991, que o prazo máximo da contratação será de um ano, prorrogável, no máximo, por igual período, uma única vez.                         Com efeito, o art. 8º da indigitada lei estabelece que a contratação feita em desacordo com a lei é nula de pleno direito. Senão vejamos:              Art. 8º - A contratação de pessoal feita em desacordo com esta Lei é nula de pleno direito e determinará a responsabilidade política, disciplinar e patrimonial de seu responsável.               Deste modo, tendo em vista o lapso temporal em que a parte autora ficou contratada como temporária, aproximadamente 17 (dezessete) anos, verifica-se que houve o nítido descumprimento da referida lei complementar, implicando, portanto, na declaração de nulidade da contratação.                         Ratificando este posicionamento, acerca da possibilidade do servidor público contratado temporariamente pela administração pública, sob a égide do regime estatutário, receber FGTS após a declaração de nulidade do contrato, ante as sucessivas prorrogações deste, em função da inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público, já está sendo decidido monocraticamente pelo Supremo Tribunal Federal, conforme os julgados realizados no ARE 859082 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 24/08/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e no RE 897047, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 31/08/2015, publicado em DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e ARE 867655 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04/09/2015.                         Assim sendo, resta patente o direito que possui a autora ao pagamento dos depósitos de FGTS, ante a declarada constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990.                         A despeito do tema, seguindo a linha de entendimento do C. STF, colaciono os recentes julgados deste E. Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se o direito dos trabalhadores temporários, que tiverem seus contratos declarados nulos, ao recebimento da verba de FGTS:              CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO. ART. 37, IX, DA CF/88. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI 8.036/90. RE Nº. 596.478/RR. DIREITO AO RECOLHIMENTO DO FGTS. CONTRATAÇÃO NULA. ART. 37, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. DECRETO Nº. 20.910/32. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. PERMANÊNCIA IRREGULAR NO SERVIÇO PÚBLICO. RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. FATOR DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). INSUBSISTÊNCIA. TEORIA DOS PRECEDENTES. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO SEGUIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 557, DO CPC.(2015.03608316-70, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-09-28, Publicado em 2015-09-28). APELAÇÃO EM AÇÃO DE COBRANÇA: A NULIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO OBSTA O PAGAMENTO DAS VERBAS SALARIAIS VENCIDAS E NÃO PAGAS - RECONHECIMENTO DO DIREITO AO FGTS - REPERCUSSÃO GERAL NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PRESCRIÇÃO NOS MOLDES DO ARE 709212 - PROVIMENTO MONOCRÁTICO - ART. 557, §1°, CPC - DECISÃO MONOCRÁTICA. (2015.03099847-55, Não Informado, Rel. MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES, Órgão Julgador 4ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-08-27, Publicado em 2015-08-27). PROCESSO CIVIL ? ADMINISTRATIVO. CONTRATO TEMPORÁRIO. DISPENSA. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. APELAÇÕES IMPROVIDAS 1- A contratação temporária é um ato discricionário da Administração Pública, que verifica a conveniência e a oportunidade, em obediência ao acima descrito. Do mesmo modo, a rescisão do contrato também é um ato discricionário, quando a Administração não vislumbra mais a necessidade de receber os serviços do contratado temporariamente. 2- O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários. (2015.02710683-55, 149.056, Rel. HELENA PERCILA DE AZEVEDO DORNELLES, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-27, Publicado em 2015-07-30).                           Ante o exposto, CONHEÇO do presente recurso e NEGO-LHE SEGUIMENTO, com fulcro no art. 557, caput do CPC, para manter inalterada a sentença combatida.            Belém/PA, 10 de março de 2016.   MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora (2016.00895017-66, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-03-28, Publicado em 2016-03-28)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 28/03/2016
Data da Publicação : 28/03/2016
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento : 2016.00895017-66
Tipo de processo : Apelação
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