main-banner

Jurisprudência


TJPA 0000808-19.2015.8.14.0000

Ementa
D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A             Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, interposto pelo MUNICIPIO DE BARCARENA - PREFEITURA MUNICIPAL, devidamente representado por procurador habilitado nos autos, com esteio no art. 522 e ss., do CPC, contra decisão interlocutória proferida pelo douto juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Barcarena que, nos autos da AÇÃO CÍVIL PÚBLICA Nº 000808-19.2015.8.14.0000 que lhe move o agravado, deferiu a liminar requerida, cominando multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) na pessoa do Sr. Prefeito Municipal de Barcarena.             Em suas razões (fls. 02/19), o agravante alegou preliminarmente a ilegitimidade ad causam do Ministério Público para propor a presente ação visando a internação compulsória para tratamentos de saúde de pessoa vítima de alcoolismo, apontando o dever da Defensoria Pública para propor tal ação.             No mérito alegou a impossibilidade em se conceder tutela antecipada contra a Fazenda Pública, devendo-se tal medida ser revogada.             Aduziu ainda, que a antecipação da tutela deferida nos autos esgota, no todo ou em parte, o objeto da ação.             Alegou, também, o dever de observância aos princípios da reserva do possível e da proporcionalidade, apontando que o município de Barcarena já possui um centro de atendimento psicossocial, não necessitando, assim, deslocar a menor para outro município.             Requereu, ainda, em suas razões recursais, a concessão do efeito suspensivo da liminar deferida, alegando que a Municipalidade está suscetível de lesão grave e de difícil reparação com tal deferimento.             Por fim, colacionou jurisprudências no sentido de não ser cabível multa pessoal contra o chefe do poder executivo municipal, contrariando, assim, a decisão proferida, requerendo o deferimento do efeito suspensivo do recurso, julgando-se, ao final, procedente o recurso confirmando-se a decisão.             Juntou documentos em fls. 20/50 dos autos.             Coube a relatoria do feito por distribuição ao eminente juiz convocado José Roberto Pinheiro Bezerra Júnior (fl. 51). Inicialmente, o douto magistrado concedeu parcialmente o efeito suspensivo apenas para suspender a aplicação de multa na pessoa do prefeito do município de Barcarena (fls. 53/54).             De acordo com a Certidão da lavra da Bela. Ana Beatriz Marques Viana, Secretária da 2ª Câmara Cível Isolada, em exercício, o douto relator originário foi convocado para compor a 5ª Câmara Cível Isolada, conforme Portaria nº 741/2015-GP, cessando por outro lado a Portaria nº 2859/2014-GP, ficando o seu acervo remanescente, do qual esse processo faz parte, sob minha relatoria (fl. 56).             O agravado apresentou contrarrazões ao recurso, pugnando pelo seu improvimento (fls. 61/71).             Conforme certidão de fl. 72 dos autos, decorreu o prazo legal sem que tenham sido ofertadas as informações solicitadas.             O Ministério Público de 2º grau, manifestou-se as fls. 75/83 dos autos, pelo conhecimento parcial do recurso, apenas para suspender a aplicação de multa na pessoa do prefeito do município de Barcarena, atribuindo tal multa na pessoa jurídica do município de Barcarena.             Vieram-me conclusos os autos (fl. 8v).             É o relatório.             DECIDO.             Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a apreciá-lo.             Inicialmente, registro que a regra constitucional do art. 196, da Carta Magna, atribui ao Estado (lato sensu) a proteção à saúde de todos, como se nota: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.             Independentemente da esfera institucional, compete ao Poder Público, solidária e conjuntamente, dar efetividade à prerrogativa constitucional atinente ao direito à saúde (CR, art. 196).             Corroborando esse entendimento, o STF já decidiu: SAÚDE - AQUISIÇÃO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DOENÇA RARA. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (RE 19592/RS, STF, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, por unanimidade, DJ 31.03.2000).             É extremamente importante registrar, ainda, que "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade." (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).             Como bem pontuou o Ministro Celso de Mello (STA 175-AgR/CE, Informativo do STF nº 582), ¿O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis. (...) Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde. (...) Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.¿             É preciso destacar, ainda, que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.             Na esteira do entendimento consolidado do Pretório Excelso, cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.             Afinal, ponderou o eminente Ministro aposentado do STF Joaquim Barbosa que "Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo." (STF, AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012.)             Assim sendo, é obrigação do município de Barcarena prestar atendimento terapêutico a adolescente S. D. S. O., mantendo assim, a menor internada na CAPS do Município ou em outro Centro de atendimento a pessoas dependentes químicas.             Fixadas essas premissas constitucionais que tangenciam a matéria e revelam sua importância, o agravante impugnou a cominação de astreintes em face da pessoa do prefeito do município de Barcarena, na medida em que seria pessoa estranha à relação processual, bem como a contrariedade de tal cominação em face da jurisprudência consolidada.             Com efeito, assiste razão ao agravante, na medida em que a jurisprudência se alinha no sentido da impossibilidade de cominação de multa por descumprimento de ordem judicial em face de agente público, admitindo-se a cominação tão somente em favor da pessoa jurídica que integra o conceito de Fazenda Pública, in verbis: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 16/05/2013). PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. ART. 461, § 4º, DO CPC. REDIRECIONAMENTO A QUEM NÃO FOI PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Na origem, foi ajuizada Ação Civil Pública para compelir o Estado de Sergipe ao fornecimento de alimentação a presos provisórios recolhidos em Delegacias, tendo sido deferida antecipação de tutela com fixação de multa diária ao Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, tutela essa confirmada na sentença e na Apelação Cível, que foi provida apenas para redirecionar as astreintes ao Secretário de Segurança Pública. 2. Na esteira do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, estendê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exercitara seu constitucional direito de ampla defesa. Precedentes. 3. In casu, a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado de Sergipe - e não contra o Secretário de Estado -, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. 4. Recurso Especial provido. (STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 1315719 / SE, RECURSO ESPECIAL 2012/0058150-5, rel. Min. Herman Benjamin, 27/08/2013. Quanto ao montante fixado, o STJ entende que o valor atribuído à multa diária por descumprimento de ordem judicial deve ser razoável e proporcional ao valor da obrigação principal, admitindo-se, todavia, redução do montante que afeiçoar-se despropositado (AgRg no AREsp 363280 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0204806-2, rel. Min. João Otávio de Noronha, 19/11/2013).            E a seguinte decisão monocrática no mesmo tom: agravo em recurso especial nº 530.705/TO (2014/0140158-8), de 4 de agosto de 2014, relatoria do Ministro Herman Benjamin.            Diante disso, é necessário reafirmar a índole fundamental do direito objeto da controvérsia e a urgência efetiva de compelir o ente estatal a optar pelo cumprimento da decisão judicial.            É pacífico, pois, como se mostrou, o entendimento do STJ que admite a imposição da multa cominatória prevista no art. 461, §4º, do CPC à Fazenda Pública, não sendo possível, contudo, estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu constitucional direito de ampla defesa. Ademais, as medidas coercitivas previstas no art. 461, do Código de Processo Civil possuem aplicação restrita à pessoa jurídica de direito público ré, não atingindo seus representantes legais.            À luz desses fundamentos, impõe-se o provimento da irresignação para afastar a imposição da multa ao Sr. Prefeito Municipal de Barcarena, cujo pagamento, na hipótese de descumprimento, deverá ser feito pela Fazenda Pública municipal.             ANTE O EXPOSTO, com base no art. 557, §1º-A, do CPC e de tudo mais que nos autos consta, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO PARCIAL AO PRESENTE AGRAVO DE INSTRUMENTO apenas para suspender a aplicação de multa na pessoa do Prefeito Municipal de Barcarena, devendo esta ser imposta em face do Município de Barcarena, tudo nos moldes e limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita.             P.R.I.             Belém (PA), 23 de julho de 2015. Juíza Convocada EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora (2015.02656367-43, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-24, Publicado em 2015-07-24)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 24/07/2015
Data da Publicação : 24/07/2015
Órgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA
Número do documento : 2015.02656367-43
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
Mostrar discussão