TJPA 0000883-62.2010.8.14.0047
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DESEMBARGADOR CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. APELAÇÃO CÍVEL - Nº 2012.3.007912-6 COMARCA: RIO MARIA/PA. APELANTE: BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A ADVOGADO: MAURÍCIO CORTEZ LIMA APELADO: PAULO LIMA RODRIGUES ADVOGADO: RONE MESSIAS DA SILVA e OUTRO RELATOR: Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. EMENTA: ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE OFÍCIO. NULIDADE DA SENTENÇA. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONSUMIDOR EQUIPARADO. APLICAÇÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. MOMENTO OPORTUNO. FASE DE SANEAMENTO. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA A QUO COM RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REABERTURA DE OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS, SENDO RETOMADA A FASE PROBATÓRIA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PREJUDICADO.¿ Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A nos autos da Ação Indenizatória (proc. nº 2010.1.000685-2) que lhe move PAULO LIMA RODRIGUES, inconformado com a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Única de Rio Maria, que julgou procedente o pedido do Autor, anulando o débito existente entre as partes; determinando a retirada do nome do requerente dos órgãos de proteção ao crédito e condenando o Réu ao pagamento de R$-231.280,00 (duzentos e trinta e um mil, duzentos e oitenta reais) a título de danos morais. Às fls. 109/125, constam as razões do Apelante, tendo este aduzido, em síntese, que é inexistente o dever de indenizar, eis que teria sido demonstrado que a realização do contrato de financiamento teria ocorrido mediante a apresentação de documentos originais, pelo que o único prejudicado com o fato ocorrido foi o Banco. Pleiteia, na eventualidade, a redução da quantia concedida a títulos de danos morais, eis que tal valor seria excessivo. Às fls. 148/152, o Apelado apresentou suas contrarrazões pugnando, em suma, pela manutenção total da sentença ora guerreada. É o sucinto relatório. Decido monocraticamente. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Preliminarmente, verifico que no presente caso o juízo a quo inverteu o ônus da prova com base no art. 6, VIII do CDC somente na sentença, pelo que aplicou determinado instituto como regra de julgamento, posição esta com a qual não compactuo, pois ofende a Constituição Federal ao lesionar os princípios do contraditório e da ampla defesa, como passo a expor. Inicialmente, apesar de entre as partes não ter havido uma relação de consumo de forma direta, o Apelado enquadra-se na figura conhecida como ¿consumidor equiparado¿ Posto isso, necessário se faz a compreensão do art. 17 do CDC: ¿Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento¿ A Seção, na qual faz referência o mencionado artigo, é relativa à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço do fornecedor, dito isto, passemos a analisar como se dá sua aplicação no direito. A doutrina norte-americana classifica as pessoas estranhas à relação de consumo que sofreram prejuízos em razão dos defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço como bystanders. Sobre essa figura, faz-se imprescindível o comentário do Prof. Parra Lucan1: ¿Trata-se de impor, de alguma forma, ao fornecedor a obrigação de fabricar produtos seguros, que satisfaçam os requisitos de segurança a que tem direito o grande público. Toda a regulamentação da responsabilidade pelo fato do produto, no âmbito da CEE, passa pelo conceito de segurança, a que todos têm direito. Neste sentido, desenvolveu-se a jurisprudência norte-americana em relação ao bystander. Tradicionalmente, diante das regras da negligence theory, o bystander (por exemplo, o pedestre atropelado pelo automóvel) podia obter uma indenização do fabricante, sempre que a vítima puder ser incluída no grupo de pessoas susceptíveis de danos¿ Com efeito, a dicção do art. 17 deixa patente a equiparação do consumidor às vítimas do acidente de consumo que, mesmo não tendo sido ainda consumidores diretos, foram atingidas pelo evento danoso. Outro não é o entendimento do STJ: CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONFLITO INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO FORNECEDOR DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO, ALHEIO À RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITO PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA. 1. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação. (REsp 2009/0034458-5, Relator Minª. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, publicado em 07/03/2012) No tocante a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, de suma importância é a análise da inversão do ônus da prova realizada pelo juízo monocrático (fls. 68), que se deu no momento da prolação da sentença. A previsão de inversão do ônus da prova amolda-se perfeitamente ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que tratam desigualmente os desiguais, que no presente caso diz respeito ao consumidor/apelado e ao fornecedor/apelante, desigualdade esta reconhecida pela própria lei. Assim, a inversão pode dar-se em qualquer ação ajuizada com fundamento no Código de Defesa do Consumidor - CDC. Entretanto, é muito importante ressaltar que a regra de inversão do ônus da prova é uma regra de processo, como bem asseverou o ilustre doutrinador Fredie Didier Junior2: ¿A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que se distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e a tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois 'se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia'. Uma coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que inverte (a da inversão do ônus)¿. Portanto, no presente caso, entendo ser possível a aplicação da inversão do ônus da prova, devendo o BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A provar a inexistência do constrangimento causado ao Autor. Ocorre que esta inversão deverá ser realizada em momento que permita àquele que assumiu o encargo, de livrar-se dele. Este entendimento já vem sendo adotado por outros Tribunais Pátrios, in verbis: Ementa: TELEFONIA. DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. Relação de consumo. Decretação da inversão do ônus da prova apenas por ocasião da prolação da sentença. Desrespeito ao contraditório e à ampla defesa. Parte que deve ser cientificada, até o momento da instrução processual, do ônus que lhe recai, munindo-se das provas que entender cabíveis. Sentença desconstituída. Recurso provido. Unânime. (TJRS. Recurso Cível Nº 71001464932, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 06/12/2007) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C CANCELAMENTO DE RESTRIÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO NA FASE RECURSAL - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - INSERÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NO SERASA - AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO - ATO ILÍCITO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. - O momento processual oportuno para a inversão do ônus probatório é a fase de saneamento e não o julgamento da lide, em respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório, de forma a assegurar a igualdade das partes na relação jurídico-processual. - As atividades bancárias são consideradas serviços para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual incidem, no caso em comento, as regras de responsabilidade civil objetiva consagradas na legislação consumerista. - A inserção do nome do devedor no SERASA sem prévia notificação, reputa-se indevida, ensejando a obrigação de indenizar. - Presume-se o dano causado àquele cujo nome foi enviado a cadastro de devedores, razão pela qual deve-se condenar ao réu (apelado) a compensar os danos morais sofridos pelo autor (apelante). - A fixação do valor da indenização a título de danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração, ainda, a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto, mas de forma a não gerar enriquecimento sem causa da parte lesada e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos semelhantes no futuro. (TJMG. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0707.03.069609-0/001. 13ª Câmara Cível. Relator ELPÍDIO DONIZETTI. Julgado em 09.11.2006). Sobre o referido tema, torna-se de suma importância a transcrição do precedente do C. STJ, que em voto do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, manifestou-se no sentido de que: PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. - A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida. - O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes. - Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ - REsp 881651/BA, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 592) Ainda nesse sentido: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 8.078/90, ART. 6º, INC. VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. 4. Não podendo ser identificado o fabricante, estende-se a responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art. 13). Tendo o consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto fabricante, sem comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto defeituoso, ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou omissão do réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a respeito da identidade do responsável pelo produto pode ocorrer com base no art. 6º, VIII, do CDC, regra de instrução, devendo a decisão judicial que a determinar ser proferida "preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade" (RESP 802.832, STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). (STJ - ED no REsp 422778 / SP, Relator Min. JOAO OTAVIO DE NORONHA, julgado em 29/02/2011) Questionando-se acerca do que seria contraditório, Uadi Lammêgo Bulos3, em sua obra, cita precioso ensinamento de Joaquim Almeida, que, de forma elucidativa, esclarece o contraditório como sendo ¿a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los¿. Conclui Bulos que são dois os elementos de noção universal de contraditório, quais sejam a necessidade de bilateralidade e a possibilidade de reação. Quanto ao princípio da ampla defesa, este é uma consequência do contraditório, mas com características próprias, pois além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o direito de alegar e provar o que alega. Nesta esteira, transcrevo novamente os ensinamentos de Fredie Didier Jr4: ¿Reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório. Não se pode apenar a parte que não provou a veracidade ou inveracidade de uma determinada alegação sem que tenha conferido a ela a oportunidade de fazê-lo (lembre-se que o ônus subjetivo acaba por condicionar a atuação processual da parte). Por outro lado, exigir que o fornecedor, apenas por vislumbrar uma possível inversão do ônus da prova em seu desfavor, faça prova tanto dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos que eventualmente alegar, como da inexistência do fato constitutivo do direito do consumidor, é tornar legal a inversão que o legislador quis que fosse judicial (tanto que exigiu o preenchimento, no caso concreto, de certos requisitos).¿ Assim, forçoso concluir, diante dos ensinamentos e julgados supramencionados, que a inversão do ônus da prova realizado somente na sentença, desrespeitará a Constituição e seus princípios, além das regras processuais. Bastante elucidativa também é a lição do eminente processualista Carlos Roberto Barbosa Moreira5, ao aduzir que: ¿As normas de repartição do ônus consubstanciam, também, regras de comportamento dirigidas aos litigantes. Se lhe foi transferido um ônus - que para ele não existiria antes da adoção da medida - obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar a efetiva oportunidade de dele se desincumbir¿. Logo, no presente caso, entendo que as normas referentes ao Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas, motivo pelo qual o ônus da prova deverá ser invertido, porém a tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, fato este que não foi observado pelo juízo monocrático, em especial pela aplicação da regra do ''consumidor equiparado'' Neste sentido, destaco outro precedente do C. STJ: AGRAVO REGIMENTAL. SÚMULA 283/STF. RECONSIDERAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REQUERIMENTO DE PROVAS. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. 1. Não se aplica a Súmula n. 283/STF se houve retração de um dos fundamentos do acórdão recorrido em sede de embargos de declaração. 2. O instituto da preclusão serve ao aperfeiçoamento do processo, por conferir-lhe certeza e segurança, e não pode ser usado como armadilha para impedir a ação da parte diante de uma situação excepcional. 3. Determinada a inversão do onus probandi após o momento processual de requerimento das provas, deve o magistrado possibilitar que as partes voltem a requerê-las, agora conhecendo o seu ônus, para que possa melhor se conduzir no processo, sob pena de cerceamento de defesa. 4. Agravo regimental provido para conhecer em parte e prover o recurso especial. (AgRg no REsp 1095663/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009) Por derradeiro, menciono também precedente desta Egrégia Câmara, de Relatoria da Juíza Convocada Elena Farag, onde tive a oportunidade de proferir voto vista, onde decidiu-se no sentido de anular a sentença da base, ante a realização da inversão do ônus probatório em momento inoportuno. Neste sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA. DOCUMENTO HÁBIL AO MANEJO DO EFEITO MONITÓRIO. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE EM SEDE DE AÇÃO MONITÓRIA. PRECEDENTES. DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃODA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE DA INVERSÃO DO ÕNUS DA PROVA É NA FASE DE SANEAMENTO E NÃO NO JULGAMENTO DA LIDE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA A QUO COM RETORNO DOS AUTOS Á ORIGEM PARA UMA MELHOR INSTRUÇÃO, INCLUSIVE COM A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PARA VERIFICAR SE EXISTE ALGUMA IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA, UMA VEZ QUE A APELANTE ADUZ NOS EMBARGOS À MONITÓRIA A EXISTÊNCIA DE UMA COBRANÇA ABUSIVA POR PARTE DA APELADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NOS TERMOS DO VOTOVISTA POR MAIORIA PARA ANULAR A SENTENÇA DO JUÍZO A QUO. (TJPA. 5ª Câmara Cível Isolada. Apelação Cível nº. 2011.3.004188-7. Relatora Juíza Convocada Elena Farag. Julgado em 15.09.2011. Publicado em 21.10.2011). Por fim, um fato que poderia levantar dúvidas é se a constatação da ausência do Apelante perante à audiência de instrução e julgamento realizada no dia 25/10/2012 poderia conduzir a conclusão de que o mesmo não teria mais interesse em produzir prova nos autos, pelo que a anulação da presente sentença e a devolução dos autos ao juízo de origem, para fins de garantia dos princípios da ampla defesa e contraditório, pudesse vir a ser interpretada como desnecessária, entretanto, trago precedente do C. STJ, no qual afirma que o ônus da prova influi diretamente no comportamento das partes (aspecto subjetivo) durante o deslinde processual, pelo que podemos inferir que ao tempo em que o Recorrente ausentou-se da referida audiência, não incumbia a este o ônus da prova. Isso posto, se ao tempo da realização da audiência de instrução já tivesse sido imposto ao Recorrente o ônus da prova, certamente o seu comportamento não seria o que fora adotado (ausência). Dessa maneira, transcrevo abaixo o voto vencedor proferido pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 802832 / MG, publicado no DJe em 21/09/2011: ¿Não se pode olvidar, porém, que o aspecto subjetivo da distribuição do ônus da prova mostra-se igualmente relevante. Pelo aspecto subjetivo ou - na doutrina de Barbosa Moreira (Temas de direito processual civil: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 74) - formal do ônus da prova, ele se apresenta, conforme destacado por Fredier Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (Curso de direito processual civil , vol. 2, 4ª Edição. Editora Juspodivm. Salvador: 2009, p. 74), como uma ¿regra de conduta para as partes¿ ou ainda, nos dizeres de Daniel Mitidiero (Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: 2009, p. 125), como uma ¿norma de instrução¿. A distribuição do ônus da prova apresenta extrema relevância de ordem prática, norteando, como uma verdadeira bússola, o comportamento processual das partes. Naturalmente, participará da instrução probatória com maior vigor, intensidade e interesse a parte sobre a qual recai o encargo probatório de determinado fato controvertido no processo. Exatamente isso pode ser verificado no caso dos autos, pois o fornecedor do produto considerado viciado pelo recorrente desistiu da produção das provas testemunhal e pericial que havia requerido, comportamento que certamente não adotaria se soubesse - antes da sentença - que sobre si recairia o ônus probatório. Influindo a distribuição do encargo probatório decisivamente na conduta processual das partes, devem elas possuir a exata ciência do ônus atribuído a cada uma delas para que possam, com vigor e intensidade, produzir oportunamente as provas que entenderem necessárias. Do contrário, permitida a distribuição, ou a inversão, do ônus probatório na sentença e inexistindo, com isto, a necessária certeza processual, haverá o risco do julgamento ser proferido sob uma deficiente e desinteressada instrução probatória, na qual ambas as partes tenham atuado com base na confiança de que sobre elas não recairá o encargo da prova de determinado fato.¿ ASSIM, ante o exposto, ACOLHO A PRELIMINAR de ofício em razão do cerceamento de defesa ocasionado pela inversão do ônus da prova somente em sentença, pelo que decreto a nulidade da sentença a quo, restando, por via de consequência, prejudicado o recurso interposto. Em consequência, devem os autos retornar ao juízo de piso para que seja reaberta a oportunidade de indicação de provas e se realize, novamente, a fase de instrução do processo. É como voto. Belém/PA, 20 de maio de 2015. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO Desembargador - Relator 1 GRINOVER Ada Pellegrini, WATANABE Kazuo, et al. Codigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do anteprojeto. 8ª Ed - Rio de janeiro: Forense Universitária, 2004. 2 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9ª Edição. Bahia: Jus PODVIM, 2008, v.2, pg. 81. 3 BULOS. Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 4ª Ed., p. 249, Ed. Saraiva, São Paulo, 1998. 4 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9ª Edição. Bahia: Jus PODVIM, 2008, v.2, pg. 83. 5 BARBOSA MOREIRA. Carlos Roberto. Notas sobre inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, in Revista de Direito do Consumidor, nº 22 abril-junho, 1997. Ed. RT. ________________________________________________________________________________Gabinete Desembargador - CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
(2015.01737924-87, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-05-22, Publicado em 2015-05-22)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DESEMBARGADOR CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. APELAÇÃO CÍVEL - Nº 2012.3.007912-6 COMARCA: RIO MARIA/PA. APELANTE: BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A ADVOGADO: MAURÍCIO CORTEZ LIMA APELADO: PAULO LIMA RODRIGUES ADVOGADO: RONE MESSIAS DA SILVA e OUTRO RELATOR: Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE OFÍCIO. NULIDADE DA SENTENÇA. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONSUMIDOR EQUIPARADO. APLICAÇÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. MOMENTO OPORTUNO. FASE DE SANEAMENTO. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA A QUO COM RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REABERTURA DE OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS, SENDO RETOMADA A FASE PROBATÓRIA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PREJUDICADO.¿ Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A nos autos da Ação Indenizatória (proc. nº 2010.1.000685-2) que lhe move PAULO LIMA RODRIGUES, inconformado com a sentença proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Única de Rio Maria, que julgou procedente o pedido do Autor, anulando o débito existente entre as partes; determinando a retirada do nome do requerente dos órgãos de proteção ao crédito e condenando o Réu ao pagamento de R$-231.280,00 (duzentos e trinta e um mil, duzentos e oitenta reais) a título de danos morais. Às fls. 109/125, constam as razões do Apelante, tendo este aduzido, em síntese, que é inexistente o dever de indenizar, eis que teria sido demonstrado que a realização do contrato de financiamento teria ocorrido mediante a apresentação de documentos originais, pelo que o único prejudicado com o fato ocorrido foi o Banco. Pleiteia, na eventualidade, a redução da quantia concedida a títulos de danos morais, eis que tal valor seria excessivo. Às fls. 148/152, o Apelado apresentou suas contrarrazões pugnando, em suma, pela manutenção total da sentença ora guerreada. É o sucinto relatório. Decido monocraticamente. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Preliminarmente, verifico que no presente caso o juízo a quo inverteu o ônus da prova com base no art. 6, VIII do CDC somente na sentença, pelo que aplicou determinado instituto como regra de julgamento, posição esta com a qual não compactuo, pois ofende a Constituição Federal ao lesionar os princípios do contraditório e da ampla defesa, como passo a expor. Inicialmente, apesar de entre as partes não ter havido uma relação de consumo de forma direta, o Apelado enquadra-se na figura conhecida como ¿consumidor equiparado¿ Posto isso, necessário se faz a compreensão do art. 17 do CDC: ¿Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento¿ A Seção, na qual faz referência o mencionado artigo, é relativa à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço do fornecedor, dito isto, passemos a analisar como se dá sua aplicação no direito. A doutrina norte-americana classifica as pessoas estranhas à relação de consumo que sofreram prejuízos em razão dos defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço como bystanders. Sobre essa figura, faz-se imprescindível o comentário do Prof. Parra Lucan1: ¿Trata-se de impor, de alguma forma, ao fornecedor a obrigação de fabricar produtos seguros, que satisfaçam os requisitos de segurança a que tem direito o grande público. Toda a regulamentação da responsabilidade pelo fato do produto, no âmbito da CEE, passa pelo conceito de segurança, a que todos têm direito. Neste sentido, desenvolveu-se a jurisprudência norte-americana em relação ao bystander. Tradicionalmente, diante das regras da negligence theory, o bystander (por exemplo, o pedestre atropelado pelo automóvel) podia obter uma indenização do fabricante, sempre que a vítima puder ser incluída no grupo de pessoas susceptíveis de danos¿ Com efeito, a dicção do art. 17 deixa patente a equiparação do consumidor às vítimas do acidente de consumo que, mesmo não tendo sido ainda consumidores diretos, foram atingidas pelo evento danoso. Outro não é o entendimento do STJ: CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONFLITO INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO FORNECEDOR DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO, ALHEIO À RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITO PROTELATÓRIO. INEXISTÊNCIA. 1. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação. (REsp 2009/0034458-5, Relator Minª. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, publicado em 07/03/2012) No tocante a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, de suma importância é a análise da inversão do ônus da prova realizada pelo juízo monocrático (fls. 68), que se deu no momento da prolação da sentença. A previsão de inversão do ônus da prova amolda-se perfeitamente ao princípio constitucional da isonomia, na medida em que tratam desigualmente os desiguais, que no presente caso diz respeito ao consumidor/apelado e ao fornecedor/apelante, desigualdade esta reconhecida pela própria lei. Assim, a inversão pode dar-se em qualquer ação ajuizada com fundamento no Código de Defesa do Consumidor - CDC. Entretanto, é muito importante ressaltar que a regra de inversão do ônus da prova é uma regra de processo, como bem asseverou o ilustre doutrinador Fredie Didier Junior2: ¿A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que se distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e a tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois 'se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia'. Uma coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que inverte (a da inversão do ônus)¿. Portanto, no presente caso, entendo ser possível a aplicação da inversão do ônus da prova, devendo o BANCO PSA FINANCE BRASIL S/A provar a inexistência do constrangimento causado ao Autor. Ocorre que esta inversão deverá ser realizada em momento que permita àquele que assumiu o encargo, de livrar-se dele. Este entendimento já vem sendo adotado por outros Tribunais Pátrios, in verbis: TELEFONIA. DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO. CERCEAMENTO DE DEFESA. Relação de consumo. Decretação da inversão do ônus da prova apenas por ocasião da prolação da sentença. Desrespeito ao contraditório e à ampla defesa. Parte que deve ser cientificada, até o momento da instrução processual, do ônus que lhe recai, munindo-se das provas que entender cabíveis. Sentença desconstituída. Recurso provido. Unânime. (TJRS. Recurso Cível Nº 71001464932, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 06/12/2007) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C CANCELAMENTO DE RESTRIÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO NA FASE RECURSAL - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - INSERÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NO SERASA - AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO - ATO ILÍCITO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - FIXAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. - O momento processual oportuno para a inversão do ônus probatório é a fase de saneamento e não o julgamento da lide, em respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório, de forma a assegurar a igualdade das partes na relação jurídico-processual. - As atividades bancárias são consideradas serviços para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual incidem, no caso em comento, as regras de responsabilidade civil objetiva consagradas na legislação consumerista. - A inserção do nome do devedor no SERASA sem prévia notificação, reputa-se indevida, ensejando a obrigação de indenizar. - Presume-se o dano causado àquele cujo nome foi enviado a cadastro de devedores, razão pela qual deve-se condenar ao réu (apelado) a compensar os danos morais sofridos pelo autor (apelante). - A fixação do valor da indenização a título de danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração, ainda, a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto, mas de forma a não gerar enriquecimento sem causa da parte lesada e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos semelhantes no futuro. (TJMG. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0707.03.069609-0/001. 13ª Câmara Cível. Relator ELPÍDIO DONIZETTI. Julgado em 09.11.2006). Sobre o referido tema, torna-se de suma importância a transcrição do precedente do C. STJ, que em voto do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, manifestou-se no sentido de que: PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. - A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida. - O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes. - Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ - REsp 881651/BA, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 592) Ainda nesse sentido: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI 8.078/90, ART. 6º, INC. VIII. REGRA DE INSTRUÇÃO. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. 4. Não podendo ser identificado o fabricante, estende-se a responsabilidade objetiva ao comerciante (CDC, art. 13). Tendo o consumidor optado por ajuizar a ação contra suposto fabricante, sem comprovar que o réu foi realmente o fabricante do produto defeituoso, ou seja, sem prova do próprio nexo causal entre ação ou omissão do réu e o dano alegado, a inversão do ônus da prova a respeito da identidade do responsável pelo produto pode ocorrer com base no art. 6º, VIII, do CDC, regra de instrução, devendo a decisão judicial que a determinar ser proferida "preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade" (RESP 802.832, STJ 2ª Seção, DJ 21.9.2011). (STJ - ED no REsp 422778 / SP, Relator Min. JOAO OTAVIO DE NORONHA, julgado em 29/02/2011) Questionando-se acerca do que seria contraditório, Uadi Lammêgo Bulos3, em sua obra, cita precioso ensinamento de Joaquim Almeida, que, de forma elucidativa, esclarece o contraditório como sendo ¿a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los¿. Conclui Bulos que são dois os elementos de noção universal de contraditório, quais sejam a necessidade de bilateralidade e a possibilidade de reação. Quanto ao princípio da ampla defesa, este é uma consequência do contraditório, mas com características próprias, pois além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o direito de alegar e provar o que alega. Nesta esteira, transcrevo novamente os ensinamentos de Fredie Didier Jr4: ¿Reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório. Não se pode apenar a parte que não provou a veracidade ou inveracidade de uma determinada alegação sem que tenha conferido a ela a oportunidade de fazê-lo (lembre-se que o ônus subjetivo acaba por condicionar a atuação processual da parte). Por outro lado, exigir que o fornecedor, apenas por vislumbrar uma possível inversão do ônus da prova em seu desfavor, faça prova tanto dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos que eventualmente alegar, como da inexistência do fato constitutivo do direito do consumidor, é tornar legal a inversão que o legislador quis que fosse judicial (tanto que exigiu o preenchimento, no caso concreto, de certos requisitos).¿ Assim, forçoso concluir, diante dos ensinamentos e julgados supramencionados, que a inversão do ônus da prova realizado somente na sentença, desrespeitará a Constituição e seus princípios, além das regras processuais. Bastante elucidativa também é a lição do eminente processualista Carlos Roberto Barbosa Moreira5, ao aduzir que: ¿As normas de repartição do ônus consubstanciam, também, regras de comportamento dirigidas aos litigantes. Se lhe foi transferido um ônus - que para ele não existiria antes da adoção da medida - obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar a efetiva oportunidade de dele se desincumbir¿. Logo, no presente caso, entendo que as normas referentes ao Código de Defesa do Consumidor devem ser aplicadas, motivo pelo qual o ônus da prova deverá ser invertido, porém a tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, fato este que não foi observado pelo juízo monocrático, em especial pela aplicação da regra do ''consumidor equiparado'' Neste sentido, destaco outro precedente do C. STJ: AGRAVO REGIMENTAL. SÚMULA 283/STF. RECONSIDERAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REQUERIMENTO DE PROVAS. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. 1. Não se aplica a Súmula n. 283/STF se houve retração de um dos fundamentos do acórdão recorrido em sede de embargos de declaração. 2. O instituto da preclusão serve ao aperfeiçoamento do processo, por conferir-lhe certeza e segurança, e não pode ser usado como armadilha para impedir a ação da parte diante de uma situação excepcional. 3. Determinada a inversão do onus probandi após o momento processual de requerimento das provas, deve o magistrado possibilitar que as partes voltem a requerê-las, agora conhecendo o seu ônus, para que possa melhor se conduzir no processo, sob pena de cerceamento de defesa. 4. Agravo regimental provido para conhecer em parte e prover o recurso especial. (AgRg no REsp 1095663/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009) Por derradeiro, menciono também precedente desta Egrégia Câmara, de Relatoria da Juíza Convocada Elena Farag, onde tive a oportunidade de proferir voto vista, onde decidiu-se no sentido de anular a sentença da base, ante a realização da inversão do ônus probatório em momento inoportuno. Neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. FATURAS DE ENERGIA ELÉTRICA. DOCUMENTO HÁBIL AO MANEJO DO EFEITO MONITÓRIO. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE EM SEDE DE AÇÃO MONITÓRIA. PRECEDENTES. DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃODA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE DA INVERSÃO DO ÕNUS DA PROVA É NA FASE DE SANEAMENTO E NÃO NO JULGAMENTO DA LIDE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA A QUO COM RETORNO DOS AUTOS Á ORIGEM PARA UMA MELHOR INSTRUÇÃO, INCLUSIVE COM A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PARA VERIFICAR SE EXISTE ALGUMA IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA, UMA VEZ QUE A APELANTE ADUZ NOS EMBARGOS À MONITÓRIA A EXISTÊNCIA DE UMA COBRANÇA ABUSIVA POR PARTE DA APELADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NOS TERMOS DO VOTOVISTA POR MAIORIA PARA ANULAR A SENTENÇA DO JUÍZO A QUO. (TJPA. 5ª Câmara Cível Isolada. Apelação Cível nº. 2011.3.004188-7. Relatora Juíza Convocada Elena Farag. Julgado em 15.09.2011. Publicado em 21.10.2011). Por fim, um fato que poderia levantar dúvidas é se a constatação da ausência do Apelante perante à audiência de instrução e julgamento realizada no dia 25/10/2012 poderia conduzir a conclusão de que o mesmo não teria mais interesse em produzir prova nos autos, pelo que a anulação da presente sentença e a devolução dos autos ao juízo de origem, para fins de garantia dos princípios da ampla defesa e contraditório, pudesse vir a ser interpretada como desnecessária, entretanto, trago precedente do C. STJ, no qual afirma que o ônus da prova influi diretamente no comportamento das partes (aspecto subjetivo) durante o deslinde processual, pelo que podemos inferir que ao tempo em que o Recorrente ausentou-se da referida audiência, não incumbia a este o ônus da prova. Isso posto, se ao tempo da realização da audiência de instrução já tivesse sido imposto ao Recorrente o ônus da prova, certamente o seu comportamento não seria o que fora adotado (ausência). Dessa maneira, transcrevo abaixo o voto vencedor proferido pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 802832 / MG, publicado no DJe em 21/09/2011: ¿Não se pode olvidar, porém, que o aspecto subjetivo da distribuição do ônus da prova mostra-se igualmente relevante. Pelo aspecto subjetivo ou - na doutrina de Barbosa Moreira (Temas de direito processual civil: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 74) - formal do ônus da prova, ele se apresenta, conforme destacado por Fredier Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (Curso de direito processual civil , vol. 2, 4ª Edição. Editora Juspodivm. Salvador: 2009, p. 74), como uma ¿regra de conduta para as partes¿ ou ainda, nos dizeres de Daniel Mitidiero (Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: 2009, p. 125), como uma ¿norma de instrução¿. A distribuição do ônus da prova apresenta extrema relevância de ordem prática, norteando, como uma verdadeira bússola, o comportamento processual das partes. Naturalmente, participará da instrução probatória com maior vigor, intensidade e interesse a parte sobre a qual recai o encargo probatório de determinado fato controvertido no processo. Exatamente isso pode ser verificado no caso dos autos, pois o fornecedor do produto considerado viciado pelo recorrente desistiu da produção das provas testemunhal e pericial que havia requerido, comportamento que certamente não adotaria se soubesse - antes da sentença - que sobre si recairia o ônus probatório. Influindo a distribuição do encargo probatório decisivamente na conduta processual das partes, devem elas possuir a exata ciência do ônus atribuído a cada uma delas para que possam, com vigor e intensidade, produzir oportunamente as provas que entenderem necessárias. Do contrário, permitida a distribuição, ou a inversão, do ônus probatório na sentença e inexistindo, com isto, a necessária certeza processual, haverá o risco do julgamento ser proferido sob uma deficiente e desinteressada instrução probatória, na qual ambas as partes tenham atuado com base na confiança de que sobre elas não recairá o encargo da prova de determinado fato.¿ ASSIM, ante o exposto, ACOLHO A PRELIMINAR de ofício em razão do cerceamento de defesa ocasionado pela inversão do ônus da prova somente em sentença, pelo que decreto a nulidade da sentença a quo, restando, por via de consequência, prejudicado o recurso interposto. Em consequência, devem os autos retornar ao juízo de piso para que seja reaberta a oportunidade de indicação de provas e se realize, novamente, a fase de instrução do processo. É como voto. Belém/PA, 20 de maio de 2015. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO Desembargador - Relator 1 GRINOVER Ada Pellegrini, WATANABE Kazuo, et al. Codigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do anteprojeto. 8ª Ed - Rio de janeiro: Forense Universitária, 2004. 2 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9ª Edição. Bahia: Jus PODVIM, 2008, v.2, pg. 81. 3 BULOS. Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 4ª Ed., p. 249, Ed. Saraiva, São Paulo, 1998. 4 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9ª Edição. Bahia: Jus PODVIM, 2008, v.2, pg. 83. 5 BARBOSA MOREIRA. Carlos Roberto. Notas sobre inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, in Revista de Direito do Consumidor, nº 22 abril-junho, 1997. Ed. RT. ________________________________________________________________________________Gabinete Desembargador - CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
(2015.01737924-87, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-05-22, Publicado em 2015-05-22)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
22/05/2015
Data da Publicação
:
22/05/2015
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
Número do documento
:
2015.01737924-87
Tipo de processo
:
Apelação
Mostrar discussão