TJPA 0001021-88.2010.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO - APELAÇÃO Nº 0001021-88.2010.8.14.0301 RELATORA: DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO APELANTE: MARCIA CRISTINE TORRES SOARES ADVOGADOS: SILVIA MARINA RIBEIRO DE MIRANDA MOURÃO (OAB/PA 5.627) e OUTROS APELADA: FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO ESTADO DO PARÁ PROCURADOR FUNDACIONAL: PAULO SÉRGIO FERREIRA DE SOUZA PROCURADORA DE JUSTIÇA: MARIZA MACHADO DA SILVA LIMA DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MODULAÇÃO TEMPORAL. RECURSO EXTRAÓRDINÁRIO 709.212/DF (TEMA 608). SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. ART. 19-A, DA LEI 8.036/1990. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 596.478/RR-RG (TEMA 191). RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 705.140/RS-RG (TEMA 308). RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 765.320/MG (TEMA 916). APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. SENTENÇA EM CONFRONTO COM ORIENTAÇÃO FIRMADA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES EM JULGAMENTO DE RECURSOS REPETITIVOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, etc. Recurso de Apelação interposto contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital que julgou improcedente a pretensão autoral no sentido de obter depósitos referente ao FGTS. Em síntese, a apelante alega que sendo nula a contratação temporária (01/07/1998 a 01/07/2008), impõe-se o pagamento do FGTS na forma do art. 19-A da Lei nº 8.036/90, pugnando pela reforma da sentença. Contrarrazões apresentadas (fls. 186/195). A Procuradoria de Justiça não emitiu parecer (fls. 199/202). Coube-me por redistribuição (fl. 210). É o relatório. Decido. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso. Por muito tempo restou sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal que em razão da natureza jurídica híbrida do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, ora de caráter tributário, ora de caráter previdenciário, o prazo prescricional seria trintenário na forma estabelecida pelo art. 144 da Lei da Previdência Social, vejamos: Art. 144. O direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos. Posteriormente, a Suprema Corte afastou definitivamente o caráter previdenciário do FGTS, passando a reconhece-lo como um direito social de proteção ao trabalhador, todavia, manteve o entendimento quanto ao prazo prescricional trintenário. Neste sentido: FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SUA NATUREZA JURÍDICA. CONSTITUIÇÃO, ART. 165, XIII. LEI N. 5.107, DE 13.9.1966. AS CONTRIBUIÇÕES PARA O FGTS NÃO SE CARACTERIZAM COMO CRÉDITO TRIBUTÁRIO OU CONTRIBUIÇÕES A TRIBUTO EQUIPARAVEIS. SUA SEDE ESTA NO ART. 165, XIII, DA CONSTITUIÇÃO. ASSEGURA-SE AO TRABALHADOR ESTABILIDADE, OU FUNDO DE GARANTIA EQUIVALENTE. DESSA GARANTIA, DE INDOLE SOCIAL, PROMANA, ASSIM, A EXIGIBILIDADE PELO TRABALHADOR DO PAGAMENTO DO FGTS, QUANDO DESPEDIDO, NA FORMA PREVISTA EM LEI. CUIDA-SE DE UM DIREITO DO TRABALHADOR. DA-LHE O ESTADO GARANTIA DESSE PAGAMENTO. A CONTRIBUIÇÃO PELO EMPREGADOR, NO CASO, DEFLUI DO FATO DE SER ELE O SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO, DE NATUREZA TRABALHISTA E SOCIAL, QUE ENCONTRA, NA REGRA CONSTITUCIONAL ALUDIDA, SUA FONTE. A ATUAÇÃO DO ESTADO, OU DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EM PROL DO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO DO FGTS, NÃO IMPLICA TORNA-LO TITULAR DO DIREITO A CONTRIBUIÇÃO, MAS, APENAS, DECORRE DO CUMPRIMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE OBRIGAÇÃO DE FISCALIZAR E TUTELAR A GARANTIA ASSEGURADA AO EMPREGADO OPTANTE PELO FGTS. NÃO EXIGE O ESTADO, QUANDO ACIONA O EMPREGADOR, VALORES A SEREM RECOLHIDOS AO ERARIO, COMO RECEITA PÚBLICA. NÃO HÁ, DAI, CONTRIBUIÇÃO DE NATUREZA FISCAL OU PARAFISCAL. OS DEPOSITOS DO FGTS PRESSUPOEM VINCULO JURÍDICO, COM DISCIPLINA NO DIREITO DO TRABALHO. NÃO SE APLICA AS CONTRIBUIÇÕES DO FGTS O DISPOSTO NOS ARTS. 173 E 174, DO CTN. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, POR OFENSA AO ART. 165, XIII, DA CONSTITUIÇÃO, E PROVIDO, PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA AÇÃO. (RE 100249, Relator(a): Min. OSCAR CORREA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/1987, DJ 01-07-1988 PP-16903 EMENT VOL-01508-09 PP-01903). Concernente ao prazo prescricional continuou sendo aplicando o entendimento de que o mesmo seria trintenário. Confira-se: FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRINTENARIO. LEI ORGÂNICA DA PREVIDENCIA SOCIAL, ART. 144. A natureza da contribuição devida ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 100249 - RTJ 136/681. Nesse julgamento foi ressaltado seu fim estritamente social de proteção ao trabalhador, aplicando-se-lhe, quanto a prescrição, o prazo trintenário resultante do art. 144 da Lei Orgânica da Previdência Social. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 134328, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 02/02/1993, DJ 19-02-1993 PP-02038 EMENT VOL-01692-05 PP-00906). Ocorre que recentemente o Supremo Tribunal Federal apreciando o Recurso Extraordinário com Agravo ARE nº 709.212/DF, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, julgado em 13/11/2014, sob a sistemática da repercussão geral, superou o entendimento anterior acerca da prescrição trintenária do FGTS, conforme se verifica pela ementa do julgado: Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (ARE 709212, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015). Destarte no julgamento desse último Recurso Extraordinário ficou consignado que, em razão do disposto no art. 7º, XXIX, da CF/88, não há como se sustentar a prescrição trintenária, pois a regra constitucional possui plena eficácia. Portanto, tornou-se inócua qualquer discussão quanto ao prazo prescricional relacionado ao FGTS, devendo ser observado o que está expressamente previsto pela Carta Magna, isto é, a prescrição é quinquenal e não mais trintenária. Isto não é tudo. No julgamento do ARE nº 709.212/DF, por razões de segurança jurídica, porquanto se tratava da superação de um entendimento há muito tempo consolidado, baseado no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, o Pretório Excelso utilizando a técnica da modulação temporal atribuiu efeitos prospectivos à sua decisão (ex nunc). A modulação temporal consistiu: Para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do julgamento do ARE nº 709.212/DF, ou seja, 13/11/2014, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial ou 5 anos a partir da referida decisão. No caso concreto a apelante fora contratada como servidora temporária em 01/07/1998, sendo desligada em 01/07/2008, propondo sua ação de cobrança em 19/08/2008, portanto dentro do biênio subsequente ao término da contratação, consoante art. 7º, inciso XXIX, da CF/88. Destarte, nota-se, entretanto, que o prazo prescricional já estava em curso quando o STF julgou o ARE nº 709.212/DF, motivo pelo qual o prazo prescricional aplicável à espécie é de 05 anos. No que concerne ao direito de fundo a sentença de primeiro grau merece reforma. A matéria discutida nestes autos (FGTS - servidores temporários) foi apreciada pelos Tribunais Superiores em Recurso Repetitivo e Repercussão Geral, senão vejamos: STJ - REsp 1.110.848/RN (Tema 141), Relator Ministro Luiz Fux. STF - RE 596.478/RR (Tema 191), Relator p/ Acórdão Ministro Dias Toffoli; RE 705.140/RS (Tema 308) e RE 765.320/MG (Tema 916), os dois últimos de relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki. Em síntese, tais precedentes, notadamente aqueles julgados pela Suprema Corte, além de afirmarem a constitucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.030/1990, asseveram que a contratação temporária realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, ressalvado o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e o FGTS, confira-se: EMENTA Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068) Ementa: CONSTITUCIONAL E TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM CONCURSO. NULIDADE. EFEITOS JURÍDICOS ADMISSÍVEIS EM RELAÇÃO A EMPREGADOS: PAGAMENTO DE SALDO SALARIAL E LEVANTAMENTO DE FGTS (RE 596.478 - REPERCUSSÃO GERAL). INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS VERBAS, MESMO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. 1. Conforme reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 reprova severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, § 2º). 2. No que se refere a empregados, essas contratações ilegítimas não geram quaisquer efeitos jurídicos válidos, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. 3. Recurso extraordinário desprovido. (RE 705140, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 04-11-2014 PUBLIC 05-11-2014) Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDIMENTO DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. REQUISITOS DE VALIDADE (RE 658.026, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE DE 31/10/2014, TEMA 612). DESCUMPRIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS REFERENTES AO PERÍODO TRABALHADO E, NOS TERMOS DO ART. 19-A DA LEI 8.036/1990, AO LEVANTAMENTO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. 1. Reafirma-se, para fins de repercussão geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. 2. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (RE 765320 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 15/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 22-09-2016 PUBLIC 23-09-2016) Apreciando recurso extraordinário interposto pelo Estado do Pará - ARE nº 960.708, assim decidiu a 2ª Turma do STF, vejamos: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. CONTRARRAZÕES NÃO APRESENTADAS. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA: IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE 960708 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 26-08-2016 PUBLIC 29-08-2016) Destarte, a contratação temporária efetivada na espécie não observou o art. 37, IX, da CF/88, sendo, portanto, devido o FGTS nos moldes do art. 19-A da Lei 8.036/1990. Ante o exposto, na forma do art. 932, inciso V, alínea ¿b¿, do CPC/2015, conheço e dou parcial provimento ao recurso de apelação, para reformar a sentença de primeiro grau no sentido de reconhecer o direito ao FGTS, respeitada a prescrição quinquenal prevista no art. 7º, inciso XXIX, da CF/88 (ARE nº 709.212/DF). Condeno a Fundação apelada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação. Publique-se, intime-se. Belém/PA, 10 de agosto de 2017. Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Relatora
(2017.03414647-46, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-08-17, Publicado em 2017-08-17)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO - APELAÇÃO Nº 0001021-88.2010.8.14.0301 RELATORA: DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO APELANTE: MARCIA CRISTINE TORRES SOARES ADVOGADOS: SILVIA MARINA RIBEIRO DE MIRANDA MOURÃO (OAB/PA 5.627) e OUTROS APELADA: FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO ESTADO DO PARÁ PROCURADOR FUNDACIONAL: PAULO SÉRGIO FERREIRA DE SOUZA PROCURADORA DE JUSTIÇA: MARIZA MACHADO DA SILVA LIMA DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MODULAÇÃO TEMPORAL. RECURSO EXTRAÓRDINÁRIO 709.212/DF (TEMA 608). SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. ART. 19-A, DA LEI 8.036/1990. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 596.478/RR-RG (TEMA 191). RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 705.140/RS-RG (TEMA 308). RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 765.320/MG (TEMA 916). APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. SENTENÇA EM CONFRONTO COM ORIENTAÇÃO FIRMADA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES EM JULGAMENTO DE RECURSOS REPETITIVOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Vistos, etc. Recurso de Apelação interposto contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital que julgou improcedente a pretensão autoral no sentido de obter depósitos referente ao FGTS. Em síntese, a apelante alega que sendo nula a contratação temporária (01/07/1998 a 01/07/2008), impõe-se o pagamento do FGTS na forma do art. 19-A da Lei nº 8.036/90, pugnando pela reforma da sentença. Contrarrazões apresentadas (fls. 186/195). A Procuradoria de Justiça não emitiu parecer (fls. 199/202). Coube-me por redistribuição (fl. 210). É o relatório. Decido. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso. Por muito tempo restou sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal que em razão da natureza jurídica híbrida do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, ora de caráter tributário, ora de caráter previdenciário, o prazo prescricional seria trintenário na forma estabelecida pelo art. 144 da Lei da Previdência Social, vejamos: Art. 144. O direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos. Posteriormente, a Suprema Corte afastou definitivamente o caráter previdenciário do FGTS, passando a reconhece-lo como um direito social de proteção ao trabalhador, todavia, manteve o entendimento quanto ao prazo prescricional trintenário. Neste sentido: FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SUA NATUREZA JURÍDICA. CONSTITUIÇÃO, ART. 165, XIII. LEI N. 5.107, DE 13.9.1966. AS CONTRIBUIÇÕES PARA O FGTS NÃO SE CARACTERIZAM COMO CRÉDITO TRIBUTÁRIO OU CONTRIBUIÇÕES A TRIBUTO EQUIPARAVEIS. SUA SEDE ESTA NO ART. 165, XIII, DA CONSTITUIÇÃO. ASSEGURA-SE AO TRABALHADOR ESTABILIDADE, OU FUNDO DE GARANTIA EQUIVALENTE. DESSA GARANTIA, DE INDOLE SOCIAL, PROMANA, ASSIM, A EXIGIBILIDADE PELO TRABALHADOR DO PAGAMENTO DO FGTS, QUANDO DESPEDIDO, NA FORMA PREVISTA EM LEI. CUIDA-SE DE UM DIREITO DO TRABALHADOR. DA-LHE O ESTADO GARANTIA DESSE PAGAMENTO. A CONTRIBUIÇÃO PELO EMPREGADOR, NO CASO, DEFLUI DO FATO DE SER ELE O SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO, DE NATUREZA TRABALHISTA E SOCIAL, QUE ENCONTRA, NA REGRA CONSTITUCIONAL ALUDIDA, SUA FONTE. A ATUAÇÃO DO ESTADO, OU DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EM PROL DO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO DO FGTS, NÃO IMPLICA TORNA-LO TITULAR DO DIREITO A CONTRIBUIÇÃO, MAS, APENAS, DECORRE DO CUMPRIMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE OBRIGAÇÃO DE FISCALIZAR E TUTELAR A GARANTIA ASSEGURADA AO EMPREGADO OPTANTE PELO FGTS. NÃO EXIGE O ESTADO, QUANDO ACIONA O EMPREGADOR, VALORES A SEREM RECOLHIDOS AO ERARIO, COMO RECEITA PÚBLICA. NÃO HÁ, DAI, CONTRIBUIÇÃO DE NATUREZA FISCAL OU PARAFISCAL. OS DEPOSITOS DO FGTS PRESSUPOEM VINCULO JURÍDICO, COM DISCIPLINA NO DIREITO DO TRABALHO. NÃO SE APLICA AS CONTRIBUIÇÕES DO FGTS O DISPOSTO NOS ARTS. 173 E 174, DO CTN. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, POR OFENSA AO ART. 165, XIII, DA CONSTITUIÇÃO, E PROVIDO, PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA AÇÃO. (RE 100249, Relator(a): Min. OSCAR CORREA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/1987, DJ 01-07-1988 PP-16903 EMENT VOL-01508-09 PP-01903). Concernente ao prazo prescricional continuou sendo aplicando o entendimento de que o mesmo seria trintenário. Confira-se: FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRINTENARIO. LEI ORGÂNICA DA PREVIDENCIA SOCIAL, ART. 144. A natureza da contribuição devida ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 100249 - RTJ 136/681. Nesse julgamento foi ressaltado seu fim estritamente social de proteção ao trabalhador, aplicando-se-lhe, quanto a prescrição, o prazo trintenário resultante do art. 144 da Lei Orgânica da Previdência Social. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 134328, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 02/02/1993, DJ 19-02-1993 PP-02038 EMENT VOL-01692-05 PP-00906). Ocorre que recentemente o Supremo Tribunal Federal apreciando o Recurso Extraordinário com Agravo ARE nº 709.212/DF, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, julgado em 13/11/2014, sob a sistemática da repercussão geral, superou o entendimento anterior acerca da prescrição trintenária do FGTS, conforme se verifica pela ementa do julgado: Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (ARE 709212, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015). Destarte no julgamento desse último Recurso Extraordinário ficou consignado que, em razão do disposto no art. 7º, XXIX, da CF/88, não há como se sustentar a prescrição trintenária, pois a regra constitucional possui plena eficácia. Portanto, tornou-se inócua qualquer discussão quanto ao prazo prescricional relacionado ao FGTS, devendo ser observado o que está expressamente previsto pela Carta Magna, isto é, a prescrição é quinquenal e não mais trintenária. Isto não é tudo. No julgamento do ARE nº 709.212/DF, por razões de segurança jurídica, porquanto se tratava da superação de um entendimento há muito tempo consolidado, baseado no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, o Pretório Excelso utilizando a técnica da modulação temporal atribuiu efeitos prospectivos à sua decisão (ex nunc). A modulação temporal consistiu: Para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do julgamento do ARE nº 709.212/DF, ou seja, 13/11/2014, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial ou 5 anos a partir da referida decisão. No caso concreto a apelante fora contratada como servidora temporária em 01/07/1998, sendo desligada em 01/07/2008, propondo sua ação de cobrança em 19/08/2008, portanto dentro do biênio subsequente ao término da contratação, consoante art. 7º, inciso XXIX, da CF/88. Destarte, nota-se, entretanto, que o prazo prescricional já estava em curso quando o STF julgou o ARE nº 709.212/DF, motivo pelo qual o prazo prescricional aplicável à espécie é de 05 anos. No que concerne ao direito de fundo a sentença de primeiro grau merece reforma. A matéria discutida nestes autos (FGTS - servidores temporários) foi apreciada pelos Tribunais Superiores em Recurso Repetitivo e Repercussão Geral, senão vejamos: STJ - REsp 1.110.848/RN (Tema 141), Relator Ministro Luiz Fux. STF - RE 596.478/RR (Tema 191), Relator p/ Acórdão Ministro Dias Toffoli; RE 705.140/RS (Tema 308) e RE 765.320/MG (Tema 916), os dois últimos de relatoria do saudoso Ministro Teori Zavascki. Em síntese, tais precedentes, notadamente aqueles julgados pela Suprema Corte, além de afirmarem a constitucionalidade do art. 19-A da Lei nº 8.030/1990, asseveram que a contratação temporária realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, ressalvado o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e o FGTS, confira-se: EMENTA Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068) CONSTITUCIONAL E TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM CONCURSO. NULIDADE. EFEITOS JURÍDICOS ADMISSÍVEIS EM RELAÇÃO A EMPREGADOS: PAGAMENTO DE SALDO SALARIAL E LEVANTAMENTO DE FGTS (RE 596.478 - REPERCUSSÃO GERAL). INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS VERBAS, MESMO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. 1. Conforme reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 reprova severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, § 2º). 2. No que se refere a empregados, essas contratações ilegítimas não geram quaisquer efeitos jurídicos válidos, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. 3. Recurso extraordinário desprovido. (RE 705140, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 04-11-2014 PUBLIC 05-11-2014) ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDIMENTO DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. REQUISITOS DE VALIDADE (RE 658.026, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE DE 31/10/2014, TEMA 612). DESCUMPRIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS REFERENTES AO PERÍODO TRABALHADO E, NOS TERMOS DO ART. 19-A DA LEI 8.036/1990, AO LEVANTAMENTO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. 1. Reafirma-se, para fins de repercussão geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. 2. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (RE 765320 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 15/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 22-09-2016 PUBLIC 23-09-2016) Apreciando recurso extraordinário interposto pelo Estado do Pará - ARE nº 960.708, assim decidiu a 2ª Turma do STF, vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. CONTRARRAZÕES NÃO APRESENTADAS. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA: IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE 960708 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 26-08-2016 PUBLIC 29-08-2016) Destarte, a contratação temporária efetivada na espécie não observou o art. 37, IX, da CF/88, sendo, portanto, devido o FGTS nos moldes do art. 19-A da Lei 8.036/1990. Ante o exposto, na forma do art. 932, inciso V, alínea ¿b¿, do CPC/2015, conheço e dou parcial provimento ao recurso de apelação, para reformar a sentença de primeiro grau no sentido de reconhecer o direito ao FGTS, respeitada a prescrição quinquenal prevista no art. 7º, inciso XXIX, da CF/88 (ARE nº 709.212/DF). Condeno a Fundação apelada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação. Publique-se, intime-se. Belém/PA, 10 de agosto de 2017. Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Relatora
(2017.03414647-46, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-08-17, Publicado em 2017-08-17)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
17/08/2017
Data da Publicação
:
17/08/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO
Número do documento
:
2017.03414647-46
Tipo de processo
:
Apelação
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