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Jurisprudência


TJPA 0001068-07.2003.8.14.0000

Ementa
CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS MANDADO DE SEGURANÇA Nº. 2003.3.002403-6 RELATORA:Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTOCOMARCA:BELÉMIMPETRANTE:PEDRO GALDENSO DOS SANTOSADVOGADO:LUIZ ALBERTO DE ABDORAL LOPES E OUTROIMPETRADOS:SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁLITISCONSORTE NECESSÁRIO:ESTADO DO PARÁPROCURADORAELOISA MARIA ROCHA DA COSTA DECISÃO MONOCRÁTICA Recebidos os presentes autos judiciais de AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado por PEDRO GALDENSO DOS SANTOS contra o SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ, em razão de redistribuição em 13/04/2009, chamo o feito à ordem para determinar o quanto segue: Considerando que já há trânsito em julgado do acórdão proferido por este Egrégio Tribunal de Justiça, conforme consta das fls. 111, e que o presente processo encontra-se em fase de execução do julgado. Considerando que o impetrante já apresentou os cálculos atualizados do seu crédito, às fls. 113-114, e que o Estado do Pará, não se manifestou no prazo legal do art. 730 do CPC (fls. 124). Considerando que há determinação judicial, que consta das fls.120, para que o impetrado cumprisse a decisão de fls. 61-68, no prazo de 30 dias, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 300,00 (TREZENTOS REAIS), sem qualquer manifestação de vontade de sua parte no sentido de acatar a decisão judicial. Resta caracterizado o descumprimento de decisão judicial e a frustração da atividade jurisdicional. DA FUNDAMENTAÇÃO O impetrado, apesar de ter sido legalmente intimado da decisão trânsita em julgado que concedeu a segurança e determinou que fosse acrescido o percentual de 20% (vinte por cento), sobre o soldo, referente à Gratificação de Localidade Especial, totalizando um percentual de 40% (quarenta por cento), a partir da data da impetração, está descumprindo o acórdão de nº. 86.195, publicado no D.J. de 07/04/05, sem qualquer justificativa, o que, claramente, caracteriza ato de litigância de má-fé e atentatório à atividade jurisdicional. De fato, além de agir de má-fé nos autos, o impetrado pratica ato mais grave previsto no Código de Processo Civil, em seu art. 600, III, vez que sua conduta afronta o próprio exercício da atividade jurisdicional, entendida como função soberana do Estado de Direito, resultando em ato atentatório à dignidade da Justiça. Trata-se de desrespeito não somente à decisão proferida por este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, mas ao Poder Judiciário como um todo, tolhindo o seu mister maior que é o exercício da função jurisdicional. Evidente que o particular, no caso o impetrante, não pode fazer valer o seu direito com suas próprias forças, o que caracterizaria ato de justiça privada e autotutela, vedados pela legislação contemporânea, com parcas exceções, aquele depende da força de império do Estado para a realização prática de seu direito. Dessa forma, se o Estado vem a ser desrespeitado em seu mister pelo próprio Poder Público, no presente caso o impetrado, representando o Estado do Pará e a Secretaria de Administração estadual, as garantias constitucionais, previstas no art. 5º da Constituição Federal, estão fadadas ao descaso. Neste prisma, não é aceitável que tal atitude esteja sob os olhos complacentes da Justiça sem qualquer medida que possa coibir de forma enérgica tal situação. Assim sendo, urge a aplicação do art. 601 do CPC, com a imputação de uma multa pelo seu percentual máximo de 20% (VINTE POR CENTO) sobre o valor da condenação, que deve reverter ao credor, haja vista que este valor, demonstrado nos cálculos do impetrante, é reduzido, razão pela qual um percentual inferior não infligiria qualquer temor pelo seu descumprimento. Ressalte-se a não cumulação da aplicação da multa do art. 601 com a do art. 18, ambos do CPC, em virtude de configurar bis in idem decorrente da mesma natureza que envolve ambas as sanções. Registre-se, ainda, o descaso do impetrado em cumprir a determinação judicial, mesmo tendo sido aplicada uma multa no valor de R$ 300,00 (TREZENTOS REAIS), a título de astreintes, demonstra que o aludido valor não causou qualquer espécie no animus do devedor. Desse modo, decido pela majoração do valor da multa diária para o montante de R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS), com fulcro nos arts. 644 c/c 461, §6º, do CPC. Neste contexto, depreende-se do ensinamento de Izidoro Oliveira Paniago abaixo transcrito: Já a multa por litigância de má-fé prevista no caput do art. 18 do CPC, não tem lugar face à especificidade daquelas dos artigos 14, parágrafo único e 601 do CPC para o caso de não cumprimento da determinação de indicação dos bens, ambas com o mesmo caráter sancionador (em percentuais superiores inclusive), obstando nova multa em prol do exeqüente que implicaria bis in idem. Remanesce, porém, a possibilidade de cumulativamente às multas do CPC, art. 14, parágrafo único e art. 601, imputar ao executado o dever de indenizar, por perdas e danos, os prejuízos que o exeqüente sofreu (CPC, artigos 16 e 18, caput e §2º). Com efeito, ao passo que as multas têm caráter sancionador do ilícito praticado, a indenização prevista no art. 18 visa à reparação de prejuízos que o credor sofreu; as primeiras não excluem a segunda face à finalidade de cada qual, prevalecendo no caso a cumulação de medidas referendada inclusive tanto no art. 14, parágrafo único quanto no art. 601 do CPC.http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12337http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12337 Sendo este também o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, , tem-se o seguinte julgado: Processual civil. Multa por ato atentatório à dignidade da justiça e astreintes. Cumulação. Possibilidade. Naturezas distintas. Implementação da integralidade de pensão. Obrigação de fazer. Astreintes. Multa fixada pelo tribunal de origem. Dupla natureza. Nova multa. Bis in idem. A multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, prevista no art. 601 do CPC, cuja natureza é tipicamente sancionatória, é passível de ser aplicada em todas as modalidades de execuções, desde que haja a prática de ato previsto no art. 600 do CPC e reste configurado o elemento subjetivo no agir do executado. As astreintes do art. 644 do CPC, multa de caráter eminentemente coercitivo, e não sancionatório, visa compelir o devedor a cumprir sua obrigação de fazer ou não fazer, determinada em sentença, que se sujeita às regras do art. 461 do CPC. Não havendo impedimento legal, as multas previstas nos arts. 601 e 644 do Código de Processo Civil, por possuírem naturezas distintas, podem ser aplicadas cumulativamente, nas execuções de obrigações de fazer ou não fazer. No caso concreto, a maneira como foi aplicada a multa pelo Tribunal de origem tanto atinge o objetivo do art. 601, de punição pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça, como o do art. 644, de compelir a Autarquia Estadual à imediata implementação da integralidade da pensão. A pretensão da Recorrente de aplicação de nova multa, com base no art. 644 do Código de Processo Civil, não merece ser acolhida, sob pena de multa em bis in idem. Recurso especial conhecido e desprovido. (TJ 5ª T. REsp.647.175/RS Rel. Min. Laurita Vaz j. 29.11.04 p. 393.) (grifos nossos). O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão recente, posiciona-se no mesmo sentido: MULTA - ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA - ART. 600, II E III C.C. ART. 601 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - FIXAÇÃO EM 10% DO VALOR DO DÉBITO - APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 18 - NÃO CABIMENTO -REGRA DA ESPECIALIDADE - RECURSO PROVIDO EM PARTE (TJSP. 22ª Câm. de Dir. Priv. AI 7338880200. Des. Rel. Roberto Bedaque j. 13/05/09.) Por fim, ressalto que o descumprimento da decisão judicial ocorrida no presente caso, configura o instituto jurídico conhecido como contempt of court (desacato à ordem judicial), segundo farta doutrina. Vejamos no que consiste e quais as suas conseqüências: Ganha relevância a questão do desacato à ordem judicial, denominada no direito anglo-saxão como contempt of court e introduzida no ordenamento jurídico brasileiro no art. 14, do CPC, através da Lei 10.358/2001 e, também, dos seus pressupostos, como o descumprimento dos provimentos mandamentais e embaraços à efetivação dos provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final. A necessidade de aplicação do preceito se dá em face da crise de autoridade pela qual passa o Poder Judiciário que busca, na utilização de meios capazes, tornar eficazes as decisões emanadas. (...) Importa ressaltar que, para o processamento do contempt of court por descumprimento, é preciso demonstrar que uma ordem judicial, que imponha o cumprimento de obrigação positiva ou negativa específica, foi ou está na iminência de ser descumprida. Para tanto, exige-se uma interpretação estrita e precisa de seus termos, e quando a conduta exigida ou proibida não puder ser claramente identificada e delimitada a partir dos termos contidos na ordem judicial, o processo de contempt of court por descumprimento não pode prosperar. (...) No Brasil, com o advento da Lei 10358/2001, a reforma do art. 14 do CPC implantou um eficaz mecanismo visando a coibir o contempt of court, genericamente entendido como desacato à ordem judicial. (...) Não cumprir o decisório de uma sentença condenatória comum, como a que impõe um pagamento em dinheiro, significa somente permanecer em situação civil de inadimplemento, sujeitando-se a futura execução e, talvez, a algum agravamento pecuniário da obrigação. Não cumprir um provimento mandamental, no entanto, é desobedecer e toda desobediência a atos estatais comporta a reação da ordem jurídica e dos agentes do poder público (no caso, o Estado-Juiz), seja no sentido de punir o infrator, seja para coagi-lo legitimamente a cumprir. (...) A primeira questão que se coloca e que foi profundamente debatida por Luiz Fernando Bellinetti e Elmer da Silva Marques (2006, p. 72) destinatário da multa: esta deverá incidir sobre a própria Fazenda Pública, isto é, sobre a pessoa jurídica de direito público, ou deverá incidir sobre o servidor público, aqui incluídas as autoridades, inclusive as que são titulares de cargos eletivos? Ocorre que o cumprimento da ordem emitida não está, na maioria absoluta dos casos, afeito à discricionariedade de um único servidor público: este pode depender de atos alheios à sua vontade, como a atuação de um superior hierárquico, da aprovação de medidas pelo Poder Legislativo etc. As condutas desleais e desrespeitosas ao Poder Judiciário, quando cometidas pelo devedor ou seu patrono no curso da execução,incidem nas sanções cominadas pelo Código de Processo Civil aos atos atentatórios à dignidadeda Justiça, tipificados em seu art. 600. A primeira questão que se coloca e que foi profundamente debatida por LuizFernando Bellinetti e Elmer da Silva Marques (2006, p. 72) destinatário da multa: esta deverá incidir sobre a própria Fazenda Pública, isto é, sobre a pessoa jurídica de direito público, ou deveráincidir sobre o servidor público, aqui incluídas as autoridades, inclusive as que são titulares de cargos eletivos? Segundo Luiz Fernando Bellinetti (2006, p. 84) de ser resolvida da seguinte forma: quando se tratar de ordem a ser cumprida por uma única pessoa, ou, em outras palavras, que dependa da atuação de um único servidor público, a multa deve incidir sobre essa pessoa. Isto é mais facilmente detectável no mandado de segurança, que é movido contra autoridade pública específica, que esteja atuando de forma a praticar atos ilícitos. Se a multa recaísse única e exclusivamente sobre a pessoa jurídica de direito público, poderia incutir na autoridade ou servidor público o entendimento de que não seria responsável pelo pagamento da multa. Araken de Assis (2003, p.30) bem demonstrou o caráter psicológico da multa sobre os servidores públicos: [...] no caso de descumprimento à ordem judicial, travestida de provimento mandamental (art. 14, V, do CPC), o servidor e o agente públicos sujeitam-se à pena do art. 14, parágrafo único. A sanção se dirige ao 'destinatário precípuo da ordem'. Ora, tais pessoas, cujo comportamento se subordina ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF/88), se revelam suscetíveis à ameaça da multa. É pouco provável que desafiem o órgão judicial, arrostando a conseqüência de se verem apenados. Razões individuais, a exemplo da promoção iminente e o amor próprio, tornam o servidor apegado à rotina inflexível do cumprimento espontâneo. Depois, transitada em julgado a decisão, a inscrição da multa como dívida ativa do Estado ou União, e, em seguida, a execução da respectiva certidão, constituem atos de competência de outros servidores, nada propensos a deixar de praticar atos de ofício para eximir colegas desconhecidos, ainda mais sob fiscalização sempre aterrorizante do Ministério Público. Assim, a ameaça é real e efetiva, atingindo os objetivos da técnica da pressão psicológica. Segundo Luiz Guilherme Marinoni, caso a multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio poderá responder pelo não-cumprimento da decisão. Entretanto, não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que tinha capacidade para atender à decisão e não a cumpriu (MARINONI, 2004, p. 662). A obediência às decisões judiciais é imperativo para a mantença do Estado Democrático de Direito e a ordem pública e, ademais, se a prisão por descumprimento de ordem judicial recai sobre a autoridade pública que descumpriu a ordem, com maior razão a multa pecuniária também deverá recair sobre a autoridade. Vale, aqui, o conhecido adágio de que quem pode mais, pode menos.http://web.unifil.br/docs/juridica/04/Revista%20Juridica_04-7.pdfhttp://web.unifil.br/docs/juridica/04/Revista%20Juridica_04-7.pdf Após aprofundada exposição do instituto, ora lembrado, e de suas nuances, decido que a aplicação da referida multa diária, majorada neste ato, e a multa do atr. 601, do CPC, imputada pelo ato atentatório à dignidade da Justiça devem ser imputados ao Secretário de Administração do Estado do Pará, pois a inércia do citado administrador caracteriza, ainda, violação do art. 37 da Constituição Federal, mediante o desrespeito ao princípio da legalidade. Cumpre, por fim, esclarecer que a decisão de fls. 120 dos autos está disposta em dois momentos: no primeiro momento, direciona-se ao cumprimento da obrigação de fazer imposta no acórdão de fls. 61-68; no segundo momento, determina o cumprimento, por parte do impetrante, da emenda do pedido de execução, fazendo constar o pedido de intimação da Fazenda Pública para manifestação acerca dos cálculos apresentados, assim como sua atualização. Segundo o esclarecimento feito no item anterior, a presente decisão, por óbvio, será concluída diferenciando as duas obrigações existentes. DA CONCLUSÃO Ante o exposto, decido: A - Quanto ao cumprimento da obrigação de fazer: 1 Majorar o valor da multa diária imposta anteriormente de R$ 300,00 (TREZENTOS REAIS) para R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS). 2 O montante correspondente à multa diária anteriormente imposta deve continuar sendo da responsabilidade da Fazenda Pública, haja vista a falta de especificação na decisão de fls. 120 dos autos. A partir da presente decisão, a multa majorada, no item anterior, passa a ser da responsabilidade do impetrado na condição de administrador público, quanto ao seu adimplemento. 3 Imputar a multa prevista no art. 601 do CPC no percentual de 20% (VINTE POR CENTO) sobre o valor da condenação (fls. 113-114), por incidência do art. 600, III, do CPC, como reflexo do ato atentatório à dignidade da Justiça, sendo de responsabilidade do impetrado na condição de administrador público, quanto ao seu adimplemento. 4 Intime-se o impetrado para dar cumprimento à obrigação de fazer imposta pela decisão judicial de fls. 61-68, no prazo de 10 dias, sob pena de incidência da sanção do art. 601 do CPC, já aludida no item terceiro. B - Quanto ao cumprimento da obrigação de pagar quantia certa: 5 Intime-se o Estado do Pará para manifestar-se acerca dos cálculos apresentados às fls.113-116 dos autos, em conformidade com o art. 730 do CPC e art. 1º, §3º, da Resolução nº. 16/98 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. 6 - Em seguida, fazer os autos conclusos para decisão. C Encaminhe-se os autos à Secretaria para dar cumprimento às providências. Belém, 03 de junho de 2009. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Desembargadora (2009.02740539-21, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Julgado em 2009-06-08, Publicado em 2009-06-08)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 08/06/2009
Data da Publicação : 08/06/2009
Órgão Julgador : CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS
Relator(a) : LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO
Número do documento : 2009.02740539-21
Tipo de processo : Mandado de Segurança
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