main-banner

Jurisprudência


TJPA 0001090-23.2016.8.14.0000

Ementa
PODER JUDICIÁRIO      TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ      Gabinete da Desa. Luzia Nadja Guimarães Nascimento PROCESSO Nº 0001090-23.2016.8.14.0000 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO    COMARCA: BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM REPRESENTANTE: MARCELO AUGUSTO TEIXEIRA DE BRITO NOBRE (PROCURADOR) AGRAVADO: MARCIRIA DE OLIVEIRA SANDIM (IDOSA) REPRESENTANTE: CLIMÉRIO MACHADO MENDONÇA NETO (DEFENSOR) RELATOR: DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO DECISÃO MONOCRÁTICA          Recurso interposto contra decisão em ação ordinária que determinou ao Município de Belém a obrigação de assegurar o custeio do fornecimento de fraldas geriátricas e nutrição enteral para a idosa agravada, de 76 anos, portadora de Alzheimer, disfagia, hipertensão e desnutrição grave, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento, reproduzida em fls. 23 e seguintes.          Essencialmente o Município responsabilidade do Estado do Pará para o tratamento; falta de previsão orçamentária para cumprimento da medida; ofensa ao princípio da reserva do possível e impossibilidade de concessão de medida liminar que esgote a lide.          Pede o recebimento do recurso, o deferimento de efeito suspensivo e o posterior provimento do mesmo para reforma da decisão atacada.          É o essencial a relatar. Decido          Tempestivo e adequado nem por isso deve prosperar.          A Constituição vigente, afinada com evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, incorporou o direito à saúde como bem jurídico digno de tutela jurisdicional, consagrando-a como direito fundamental, e, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria.          Na ordem jurídico-constitucional, a saúde apresenta fundamentalidade formal e material. A fundamentalidade formal do direito à saúde consiste na sua expressão como parte integrante da Constituição escrita, sendo um direito fundamental do homem, uma vez que situa-se no ápice do ordenamento jurídico como norma de superior hierarquia. Já a fundamentalidade da saúde, em sentido material, encontra-se ligada à sua relevância como bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, pois não pode haver vida digna humana sem saúde.          Não há que se afastar a responsabilidade do Município neste momento, pois destinatários da norma contida na primeira parte do artigo 196 da Constituição Federal (¿A saúde é direito de todos e dever do Estado¿) são as pessoas jurídicas dos três níveis da Federação.          Em consequência, as prestações decorrentes do dispositivo podem ser exigidas de qualquer delas, nesse sentido, o RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 22.02.2000.          Não se pode olvidar, também, que, tendo em vista a idade da agravada, aplicável ao caso o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03), que determina expressamente aos órgãos públicos o dever de garantir envelhecimento em condições salutares (artigos 9º e 15, § 2º da referida lei).          A Constituição do Estado do Pará também dispõe, em seu artigo 263, §2º, que os Poderes Públicos, estadual e municipal, garantirão o bem estar biopsicossocial de suas populações e no artigo 265 que As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o sistema único de saúde a nível do Estado, a que se refere o artigo 198 da Constituição Federal, integrando a área de proteção social, sendo organizado de acordo com as diretrizes federais e mais as seguintes: I - integração do Estado e Municípios no funcionamento do sistema, inclusive na constituição de sistema de referência; II - municipalização dos recursos, serviços e ações, com descentralização e regionalização administrativa e orçamentária; (...).          No mesmo sentido a Lei nº 8.080/90, a LC nº 791/95 e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), que em seu art. 9º coloca a proteção à saúde do idoso dentre as funções do Estado (em latu senso).          Esses objetivos não podem ser preteridos, visto que a garantia do direito à saúde pressupõe análise individualizada e pormenorizada da necessidade em questão.          Nesse sentido julgou, à unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Agravo Regimental na Suspensão de Liminar nº 47, de Pernambuco, relatoria do Ministro Gilmar Mendes: ¿em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos¿.          Quanto a transferência da responsabilidade do tratamento ao Estado, observo que de acordo com o artigo 198, inciso I, da Constituição Federal, as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado de acordo com a diretriz da descentralização, com direção única em cada esfera de governo. O § 1º do mesmo dispositivo constitucional preconiza que o sistema único de saúde será financiado com recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.          O artigo 7º, inciso IX, alínea a, da Lei federal n.º 8.080/1990 estabelece que a diretriz da descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo, do Sistema Único de Saúde obedecerá ao princípio da ênfase na descentralização dos serviços para os Municípios. O inciso XI do mesmo preceptivo legal estatui que o SUS observará a exigência de conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população.          Observa-se, assim, que o Sistema Único de Saúde é organizado nos termos do chamado federalismo de cooperação, no qual existe junção de esforços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na garantia e concretização do direito fundamental à saúde. Ao mesmo tempo, o SUS rege-se pela obrigatoriedade de descentralização, o que faz com que os serviços de saúde devam ser realizados e administrados, de modo preferencial, pelos Estados e, principalmente, pelos Municípios.          Nesse contexto, verifica-se que a União restringe-se à função de coordenação e fiscalização do Sistema Único de Saúde. Na atual situação brasileira, contudo, constata-se que a maior parte dos recursos destinados ao custeio de ações e serviços de saúde tem origem federal. Os procedimentos de saúde são implementados sob a gestão de Estados e Municípios com base em verba proveniente, em sua maioria, do orçamento da seguridade social da União.          A situação se efetiva mediante a realização de transferências legais automáticas de recursos da União para Estados e Municípios. A Lei federal n.º 8.142/1990 preceitua, em seu artigo 2º, inciso IV, que parte dos recursos do chamado Fundo Nacional de Saúde, administrado pelo Ministério da Saúde, preordena-se à cobertura das ações e dos serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. O parágrafo único desse dispositivo dispõe que tal verba destina-se a investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.          As transferências de recursos da União se realizam de acordo com as condições de habilitação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios perante o Sistema Único de Saúde. O modelo atual das diversas modalidades de habilitação de tais entidades junto ao SUS começou a ser delineado através da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde - NOB-SUS n.º 01/96, elaborada pelo Ministério da Saúde. Posteriormente, para disciplinar o assunto, foram editadas a Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS-SUS n.º 01/2001 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS-SUS n.º 01/2002 em vigor.          De acordo com tais normas, existem duas modalidades de habilitação de Municípios perante o Sistema Único de Saúde: a Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada e a Gestão Plena do Sistema Municipal (item 53 da NOAS-SUS n.º 01/2002). Cada uma dessas condições de habilitação apresenta requisitos, prerrogativas e responsabilidades.          O Município de Belém, atualmente, encontra-se habilitado junto ao SUS na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal.          Em tal situação, nos termos da NOAS-SUS n.º 01/2002, item 55, a administração municipal tem por prerrogativa principal o recebimento direto, do Fundo Nacional de Saúde, do montante total dos recursos federais transferidos pela União para a cobertura de ações e serviços de saúde implementados no âmbito do Sistema Único de Saúde em seu território.          Por outro lado, a mesma administração municipal tem por responsabilidade o gerenciamento de todo o sistema municipal, incluindo a gestão, mediante comando único, sobre os prestadores de saúde vinculados ao SUS, independentemente de sua natureza jurídica ou nível de complexidade, o que abrange a obrigação de pronto pagamento pelos procedimentos realizados na esfera do sistema por entidades públicas e privadas.          Assim exposto, incabível os argumentos que apontam para a não responsabilidade do Município para prover o tratamento restando demonstrado ser caso de solidariedade passiva, onde cada devedor se considera como único e exclusivo obrigado pela totalidade, ficando ressalvada, em via própria, eventual pretensão distributiva, entre as entidades políticas, dos ônus correspondentes ao dispêndio de uma só delas.          Desta feita, conclui-se que compete solidariamente ao Município de Belém e ao Estado o dever de fornecimento de todos os recursos de saúde a idosa agravada assistida pelo Sistema Único de Saúde SUS, máxime porque, ambos, Estado e Município, possuem gestão plena do sistema.          Quanto a multa cominada entendo pela sua adequação (redução) em observância ao princípio da razoabilidade, considerando que o custo médio mensal do tratamento dificilmente ultrapassará o valor de R$850,00 (oitocentos e cinquenta reais) mostrando-se desproporcional a multa cominatória estabelecida em R$5.000,00 por dia.          Assim exposto, conheço e dou parcial provimento ao recurso para reduzir o valor da multa originalmente estabelecido em R$5.000,00/dia (cinco mil reais por dia de atraso) ao patamar de R$100,00/dia (cem reais por dia de atraso), limitados a R$12.000,00 (doze mil reais), mantendo todas as demais obrigações determinadas ao Município.      P.R.I.C.          Belém,    DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO   Relatora (2016.00441850-15, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-02-11, Publicado em 2016-02-11)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 11/02/2016
Data da Publicação : 11/02/2016
Órgão Julgador : 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a) : LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO
Número do documento : 2016.00441850-15
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
Mostrar discussão