TJPA 0001816-70.2009.8.14.0009
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BRAGANÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2013.3.017046-0 APELANTE: MUNICÍPIO DE BRAGANÇA APELADO: MARIA DO SOCORRO FIGUEIREDO CARDOSO RELATORA: DES. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO DE FORMA TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI N° 8.036/1990. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. - A discussão de mérito cinge-se à possibilidade de condenação ao pagamento dos depósitos de FGTS a servidor público contratado de forma temporária. - O STF assentou a constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990, com a redação dada pela Medida Provisória (MP) 2.164-41/2001, que prevê o referido pagamento. - O prazo prescricional das verbas alimentares decorrentes da relação de direito público é de 05 (cinco) anos, conforme pacífica jurisprudência do STJ. - Apelo conhecido e improvido. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos da Ação de Cobrança de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, movida por MARIA DO SOCORRO FIGUEIREDO CARDOSO, em face da sentença de fls. 265/269 que julgou procedente o pedido inicial, para condenar o réu ao pagamento dos depósitos de FGTS relativo a todo o período trabalhado. Em suas razões (fls. 272/276), a municipalidade alega carece o direito de ação em razão da ilegitimidade passiva e da impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento que os servidores públicos municipais são regidos por regime jurídico único que dispõe não ser devido o pagamento da verba de FGTS. Aduz no caso de reconhecimento do direito pleiteado, deve ser aplicada a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/32. Aduz que o contrato considerado nulo não produz efeitos jurídicos, devendo, portanto, a demanda ser julgada improcedente para que seja afastado qualquer condenação ao recolhimento das verbas proveniente do depósito de FGTS. O apelo foi recebido em ambos os efeitos (fls. 278). Não foram apresentadas contrarrazões. Vieram os autos a este E. Tribunal de Justiça, onde me coube a relatoria do feito. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame da matéria em apreço. O cerne da demanda gira em torno do cabimento da cobrança de crédito relativo a FGTS contra a Fazenda Pública quando da contratação de servidores temporários. No caso dos autos, as provas demonstram que a contratação da autora/apelada não se deu por concurso público, mas através de contrato temporário em 01/03/1993, pelo Município de Bragança, contudo, o contrato temporário foi renovado sucessivamente, até a sua extinção em 01/02/2008 (fls. 66 e 62) . Inicialmente, cumpre ressaltar que o ingresso no serviço público, segundo o art. 37, II, da Constituição Federal, deve ocorrer por meio de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Excepcionalmente, a Administração pode firmar contratos temporários, nos seguintes termos: IX - A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Ressalto que a contratação nos termos do inciso IX do art. 37 da Carta Magna, deve ser efetivamente temporária, pois do contrário a prorrogação sucessiva dos referidos contratos desvirtua a excepcionalidade do serviço, violando os princípios que devem reger a Administração Pública. Deste modo, em que pese o caráter excepcional da contratação temporária, as provas juntadas aos autos demonstram que o contrato de trabalho da apelante, foi sucessivamente renovado do ano de 1993 até o ano de 2008, ou seja, a contratação temporária, que por essência deveria ser precária ou efêmera, tornou-se, na prática, duradoura ou efetiva, pois perdurou por longos 15 (quinze) anos. Sem dúvida, o expediente adotado pelo apelado é censurável, pois viola os princípios constitucionais que devem governar a atuação administrativa, porquanto é fato inconteste que, regra geral, o acesso ao serviço público deve dar-se pela via do concurso público (art. 37, inc. II, da Constituição Federal). Destarte, considerando o desvirtuamento da contratação temporária, haja vista a permanência da apelante a título precário por 15 (quinze) anos no serviço público sem a prévia aprovação em concurso público, tem-se que o contrato temporário firmado está eivado de nulidade, merecendo, portanto, o amparo do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990. E mais, a própria prefeitura municipal de Bragança, reconheceu que a contratação da apelada estava em desacordo com as exigências contidas na Constituição Federal e declarou que o contrato temporário firmado com a mesma era NULO (fls. 64). Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE n. 596.478/RR, reconheceu a existência de repercussão geral da questão atinente à constitucionalidade do art. 19-A, da Lei n. 8.036/90, acrescido pela MP n. 2.164-41, que assegura, ao contratado pela Administração, cujo contrato tenha sido declarado nulo, o direito ao recebimento do FGTS. Senão vejamos: Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2.º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. A despeito da matéria, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário 596.478/RR, após reconhecer a repercussão geral do tema, reconheceu o direito aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho com a Administração Pública declarado nulo em função de inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público. EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO NULO. EFEITOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. ARTIGO 19-A DA LEI Nº 8.036/90. CONSTITUCIONALIDADE. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068). Deste modo, a despeito de tal irregularidade, não se pode negar ao trabalhador os direitos provenientes do labor realizado, pois aceitar isso seria prestigiar e favorecer aquele que deu causa à ilicitude, em prejuízo ao servidor que, de boa-fé, desempenhou fielmente seu trabalho. E mais, estar-se-ia diante do locupletamento ilícito por parte da Administração Pública caso o ente político deixe de promover a contraprestação pecuniária devida. Assim, entendeu-se que o contrato nulo produz efeitos até que seja decretada a sua nulidade, sendo portanto o dispositivo mencionado, regra de transição a qual deve ser aplicada de maneira a não prejudicar a parte que agiu de boa-fé ao ser contratada, e que prestou diligentemente serviços à administração pública, prestigiando-se o preceituado na Carta Magna referente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV/CRFB). Em sede argumentativa o apelante alega que o vínculo jurídico que rege os contratos temporários é de natureza administrativa, pois regidos por regime jurídico únicos dos servidores municipais. Todavia, a vinculação jurídico-administrativa atribuída pela Lei Municipal 3570/2002, não tem o condão de afastar o direito ao recolhimento do FGTS face a declaração de nulidade do contrato. Isto porque, se o contrato administrativo que rege as contratações temporárias é nulo devido a violação da regra constitucional que prevê a contratação através de concurso público, deixa de existir qualquer relação jurídica subjacente, já que eivada de nulidade. Deste modo, tendo em vista o lapso temporal em que a autora ficou contratada como temporária, aproximadamente 15 anos, verifica-se que houve o nítido descumprimento da referida lei complementar, implicando, portanto, na declaração de nulidade da contratação. Ratificando este posicionamento, acerca da possibilidade do servidor público contratado temporariamente pela administração pública, sob a égide do regime estatutário, receber FGTS após a declaração de nulidade do contrato, ante as sucessivas prorrogações deste, em função da inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público, já está sendo decidido monocraticamente pelo Supremo Tribunal Federal, conforme os julgados realizados no ARE 859082 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 24/08/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e no RE 897047, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 31/08/2015, publicado em DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e ARE 867655 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04/09/2015. Assim sendo, resta patente o direito que possui a autora ao pagamento dos depósitos de FGTS, ante a declarada constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990. A despeito do tema, seguindo a linha de entendimento do C. STF, colaciono os recentes julgados deste E. Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se o direito dos trabalhadores temporários, que tiverem seus contratos declarados nulos, ao recebimento da verba de FGTS: EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO. ART. 37, IX, DA CF/88. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI 8.036/90. RE Nº. 596.478/RR. DIREITO AO RECOLHIMENTO DO FGTS. CONTRATAÇÃO NULA. ART. 37, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. DECRETO Nº. 20.910/32. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. PERMANÊNCIA IRREGULAR NO SERVIÇO PÚBLICO. RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. FATOR DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). INSUBSISTÊNCIA. TEORIA DOS PRECEDENTES. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO SEGUIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 557, DO CPC.(2015.03608316-70, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-09-28, Publicado em 2015-09-28). EMENTA: APELAÇÃO EM AÇÃO DE COBRANÇA: A NULIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO OBSTA O PAGAMENTO DAS VERBAS SALARIAIS VENCIDAS E NÃO PAGAS - RECONHECIMENTO DO DIREITO AO FGTS - REPERCUSSÃO GERAL NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PRESCRIÇÃO NOS MOLDES DO ARE 709212 - PROVIMENTO MONOCRÁTICO - ART. 557, §1°, CPC - DECISÃO MONOCRÁTICA. (2015.03099847-55, Não Informado, Rel. MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES, Órgão Julgador 4ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-08-27, Publicado em 2015-08-27). EMENTA: PROCESSO CIVIL ? ADMINISTRATIVO. CONTRATO TEMPORÁRIO. DISPENSA. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. APELAÇÕES IMPROVIDAS 1- A contratação temporária é um ato discricionário da Administração Pública, que verifica a conveniência e a oportunidade, em obediência ao acima descrito. Do mesmo modo, a rescisão do contrato também é um ato discricionário, quando a Administração não vislumbra mais a necessidade de receber os serviços do contratado temporariamente. 2- O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários. (2015.02710683-55, 149.056, Rel. HELENA PERCILA DE AZEVEDO DORNELLES, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-27, Publicado em 2015-07-30). Por derradeiro, entendo que o prazo prescricional das verbas alimentares decorrentes da relação de direito público é de 05 (cinco) anos, conforme pacífica jurisprudência do STJ. Vejamos: ¿PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Na hipótese em que se discute o direito de servidor à verba alimentar decorrente da relação de direito público, a prescrição é a quinquenal estabelecida no art. 1º do Decreto 20.910/32. A prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002 não se aplica ao caso, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele disposto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em vínculo de Direito Público. Precedentes. 2. O argumento de que deve ser aplicado o prazo de prescrição trienal fixado no art. 206, § 3º, V, do CC/02 não foi suscitado nas razões do recurso especial. Inviável, em agravo regimental, inovar a lide, invocando questão até então não suscitada. 3. Agravo regimental não provido.¿ (AgRg no AREsp 231.633/AP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 06/11/2012). "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. COBRANÇA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. PREVALÊNCIA DO DECRETO 20.910/32. 1. O Decreto 20.910/32, por ser norma especial, prevalece sobre a lei geral. Desse modo, o prazo prescricional para a cobrança de débito relativo ao FGTS em face da Fazenda Pública é de cinco anos. Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula 107 do extinto TFR:"A ação de cobrança do crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n. 20.910, de 1932". Nesse sentido: REsp 559.103/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.2.2004. 2. Ressalte-se que esse mesmo entendimento foi adotado pela Primeira Seção/STJ, ao apreciar os EREsp 192.507/PR (Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.3.2003), em relação à cobrança de contribuição previdenciária contra a Fazenda Pública. 3. Recurso especial provido." (REsp 1107970/PE, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 10/12/2009). Destarte, faz-se necessário o reconhecimento da prescrição quinquenal, devendo o Apelante pagar os valores devidos a título de depósito do FGTS relativamente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente atualizado consoante determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Ante o exposto, CONHEÇO do presente recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, apenas para reconhecer que o prazo prescricional aplicável à demanda é o previsto no Decreto. 20.910/32, portanto, deverá o município apelante pagar os valores devidos a título de depósito do FGTS relativamente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente atualizado consoante determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Por outro lado, para efeito de reexame necessário, dele CONHEÇO a sentença objurgada para REFORMÁ-LA EM PARTE, nos termos da fundamentação lançada, com fulcro no art. 557, caput do CC c/c súmula 253 do STJ. Belém/PA, 10 de dezembro de 2015. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2015.04423102-15, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-13, Publicado em 2016-01-13)
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3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BRAGANÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2013.3.017046-0 APELANTE: MUNICÍPIO DE BRAGANÇA APELADO: MARIA DO SOCORRO FIGUEIREDO CARDOSO RELATORA: DES. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE APELAÇÃO CÍVEL. FGTS. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO DE FORMA TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI N° 8.036/1990. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. - A discussão de mérito cinge-se à possibilidade de condenação ao pagamento dos depósitos de FGTS a servidor público contratado de forma temporária. - O STF assentou a constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990, com a redação dada pela Medida Provisória (MP) 2.164-41/2001, que prevê o referido pagamento. - O prazo prescricional das verbas alimentares decorrentes da relação de direito público é de 05 (cinco) anos, conforme pacífica jurisprudência do STJ. - Apelo conhecido e improvido. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos da Ação de Cobrança de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, movida por MARIA DO SOCORRO FIGUEIREDO CARDOSO, em face da sentença de fls. 265/269 que julgou procedente o pedido inicial, para condenar o réu ao pagamento dos depósitos de FGTS relativo a todo o período trabalhado. Em suas razões (fls. 272/276), a municipalidade alega carece o direito de ação em razão da ilegitimidade passiva e da impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento que os servidores públicos municipais são regidos por regime jurídico único que dispõe não ser devido o pagamento da verba de FGTS. Aduz no caso de reconhecimento do direito pleiteado, deve ser aplicada a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/32. Aduz que o contrato considerado nulo não produz efeitos jurídicos, devendo, portanto, a demanda ser julgada improcedente para que seja afastado qualquer condenação ao recolhimento das verbas proveniente do depósito de FGTS. O apelo foi recebido em ambos os efeitos (fls. 278). Não foram apresentadas contrarrazões. Vieram os autos a este E. Tribunal de Justiça, onde me coube a relatoria do feito. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame da matéria em apreço. O cerne da demanda gira em torno do cabimento da cobrança de crédito relativo a FGTS contra a Fazenda Pública quando da contratação de servidores temporários. No caso dos autos, as provas demonstram que a contratação da autora/apelada não se deu por concurso público, mas através de contrato temporário em 01/03/1993, pelo Município de Bragança, contudo, o contrato temporário foi renovado sucessivamente, até a sua extinção em 01/02/2008 (fls. 66 e 62) . Inicialmente, cumpre ressaltar que o ingresso no serviço público, segundo o art. 37, II, da Constituição Federal, deve ocorrer por meio de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Excepcionalmente, a Administração pode firmar contratos temporários, nos seguintes termos: IX - A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Ressalto que a contratação nos termos do inciso IX do art. 37 da Carta Magna, deve ser efetivamente temporária, pois do contrário a prorrogação sucessiva dos referidos contratos desvirtua a excepcionalidade do serviço, violando os princípios que devem reger a Administração Pública. Deste modo, em que pese o caráter excepcional da contratação temporária, as provas juntadas aos autos demonstram que o contrato de trabalho da apelante, foi sucessivamente renovado do ano de 1993 até o ano de 2008, ou seja, a contratação temporária, que por essência deveria ser precária ou efêmera, tornou-se, na prática, duradoura ou efetiva, pois perdurou por longos 15 (quinze) anos. Sem dúvida, o expediente adotado pelo apelado é censurável, pois viola os princípios constitucionais que devem governar a atuação administrativa, porquanto é fato inconteste que, regra geral, o acesso ao serviço público deve dar-se pela via do concurso público (art. 37, inc. II, da Constituição Federal). Destarte, considerando o desvirtuamento da contratação temporária, haja vista a permanência da apelante a título precário por 15 (quinze) anos no serviço público sem a prévia aprovação em concurso público, tem-se que o contrato temporário firmado está eivado de nulidade, merecendo, portanto, o amparo do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990. E mais, a própria prefeitura municipal de Bragança, reconheceu que a contratação da apelada estava em desacordo com as exigências contidas na Constituição Federal e declarou que o contrato temporário firmado com a mesma era NULO (fls. 64). Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE n. 596.478/RR, reconheceu a existência de repercussão geral da questão atinente à constitucionalidade do art. 19-A, da Lei n. 8.036/90, acrescido pela MP n. 2.164-41, que assegura, ao contratado pela Administração, cujo contrato tenha sido declarado nulo, o direito ao recebimento do FGTS. Senão vejamos: Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2.º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. A despeito da matéria, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário 596.478/RR, após reconhecer a repercussão geral do tema, reconheceu o direito aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho com a Administração Pública declarado nulo em função de inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO NULO. EFEITOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. ARTIGO 19-A DA LEI Nº 8.036/90. CONSTITUCIONALIDADE. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068). Deste modo, a despeito de tal irregularidade, não se pode negar ao trabalhador os direitos provenientes do labor realizado, pois aceitar isso seria prestigiar e favorecer aquele que deu causa à ilicitude, em prejuízo ao servidor que, de boa-fé, desempenhou fielmente seu trabalho. E mais, estar-se-ia diante do locupletamento ilícito por parte da Administração Pública caso o ente político deixe de promover a contraprestação pecuniária devida. Assim, entendeu-se que o contrato nulo produz efeitos até que seja decretada a sua nulidade, sendo portanto o dispositivo mencionado, regra de transição a qual deve ser aplicada de maneira a não prejudicar a parte que agiu de boa-fé ao ser contratada, e que prestou diligentemente serviços à administração pública, prestigiando-se o preceituado na Carta Magna referente a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV/CRFB). Em sede argumentativa o apelante alega que o vínculo jurídico que rege os contratos temporários é de natureza administrativa, pois regidos por regime jurídico únicos dos servidores municipais. Todavia, a vinculação jurídico-administrativa atribuída pela Lei Municipal 3570/2002, não tem o condão de afastar o direito ao recolhimento do FGTS face a declaração de nulidade do contrato. Isto porque, se o contrato administrativo que rege as contratações temporárias é nulo devido a violação da regra constitucional que prevê a contratação através de concurso público, deixa de existir qualquer relação jurídica subjacente, já que eivada de nulidade. Deste modo, tendo em vista o lapso temporal em que a autora ficou contratada como temporária, aproximadamente 15 anos, verifica-se que houve o nítido descumprimento da referida lei complementar, implicando, portanto, na declaração de nulidade da contratação. Ratificando este posicionamento, acerca da possibilidade do servidor público contratado temporariamente pela administração pública, sob a égide do regime estatutário, receber FGTS após a declaração de nulidade do contrato, ante as sucessivas prorrogações deste, em função da inobservância da regra constitucional que estabelece prévia aprovação em concurso público, já está sendo decidido monocraticamente pelo Supremo Tribunal Federal, conforme os julgados realizados no ARE 859082 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 24/08/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e no RE 897047, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 31/08/2015, publicado em DJe-173 DIVULG 02/09/2015 PUBLIC 03/09/2015 e ARE 867655 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04/09/2015. Assim sendo, resta patente o direito que possui a autora ao pagamento dos depósitos de FGTS, ante a declarada constitucionalidade do art. 19-A da Lei n° 8.036/1990. A despeito do tema, seguindo a linha de entendimento do C. STF, colaciono os recentes julgados deste E. Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se o direito dos trabalhadores temporários, que tiverem seus contratos declarados nulos, ao recebimento da verba de FGTS: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO. ART. 37, IX, DA CF/88. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI 8.036/90. RE Nº. 596.478/RR. DIREITO AO RECOLHIMENTO DO FGTS. CONTRATAÇÃO NULA. ART. 37, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. DECRETO Nº. 20.910/32. AUSÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. PERMANÊNCIA IRREGULAR NO SERVIÇO PÚBLICO. RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. FATOR DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). INSUBSISTÊNCIA. TEORIA DOS PRECEDENTES. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NEGADO SEGUIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 557, DO CPC.(2015.03608316-70, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-09-28, Publicado em 2015-09-28). APELAÇÃO EM AÇÃO DE COBRANÇA: A NULIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO OBSTA O PAGAMENTO DAS VERBAS SALARIAIS VENCIDAS E NÃO PAGAS - RECONHECIMENTO DO DIREITO AO FGTS - REPERCUSSÃO GERAL NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PRESCRIÇÃO NOS MOLDES DO ARE 709212 - PROVIMENTO MONOCRÁTICO - ART. 557, §1°, CPC - DECISÃO MONOCRÁTICA. (2015.03099847-55, Não Informado, Rel. MARIA DE NAZARE SAAVEDRA GUIMARAES, Órgão Julgador 4ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-08-27, Publicado em 2015-08-27). PROCESSO CIVIL ? ADMINISTRATIVO. CONTRATO TEMPORÁRIO. DISPENSA. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. APELAÇÕES IMPROVIDAS 1- A contratação temporária é um ato discricionário da Administração Pública, que verifica a conveniência e a oportunidade, em obediência ao acima descrito. Do mesmo modo, a rescisão do contrato também é um ato discricionário, quando a Administração não vislumbra mais a necessidade de receber os serviços do contratado temporariamente. 2- O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários. (2015.02710683-55, 149.056, Rel. HELENA PERCILA DE AZEVEDO DORNELLES, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-27, Publicado em 2015-07-30). Por derradeiro, entendo que o prazo prescricional das verbas alimentares decorrentes da relação de direito público é de 05 (cinco) anos, conforme pacífica jurisprudência do STJ. Vejamos: ¿PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Na hipótese em que se discute o direito de servidor à verba alimentar decorrente da relação de direito público, a prescrição é a quinquenal estabelecida no art. 1º do Decreto 20.910/32. A prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002 não se aplica ao caso, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele disposto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em vínculo de Direito Público. Precedentes. 2. O argumento de que deve ser aplicado o prazo de prescrição trienal fixado no art. 206, § 3º, V, do CC/02 não foi suscitado nas razões do recurso especial. Inviável, em agravo regimental, inovar a lide, invocando questão até então não suscitada. 3. Agravo regimental não provido.¿ (AgRg no AREsp 231.633/AP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 06/11/2012). "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. COBRANÇA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. PREVALÊNCIA DO DECRETO 20.910/32. 1. O Decreto 20.910/32, por ser norma especial, prevalece sobre a lei geral. Desse modo, o prazo prescricional para a cobrança de débito relativo ao FGTS em face da Fazenda Pública é de cinco anos. Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula 107 do extinto TFR:"A ação de cobrança do crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n. 20.910, de 1932". Nesse sentido: REsp 559.103/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16.2.2004. 2. Ressalte-se que esse mesmo entendimento foi adotado pela Primeira Seção/STJ, ao apreciar os EREsp 192.507/PR (Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.3.2003), em relação à cobrança de contribuição previdenciária contra a Fazenda Pública. 3. Recurso especial provido." (REsp 1107970/PE, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 10/12/2009). Destarte, faz-se necessário o reconhecimento da prescrição quinquenal, devendo o Apelante pagar os valores devidos a título de depósito do FGTS relativamente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente atualizado consoante determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Ante o exposto, CONHEÇO do presente recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, apenas para reconhecer que o prazo prescricional aplicável à demanda é o previsto no Decreto. 20.910/32, portanto, deverá o município apelante pagar os valores devidos a título de depósito do FGTS relativamente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente atualizado consoante determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Por outro lado, para efeito de reexame necessário, dele CONHEÇO a sentença objurgada para REFORMÁ-LA EM PARTE, nos termos da fundamentação lançada, com fulcro no art. 557, caput do CC c/c súmula 253 do STJ. Belém/PA, 10 de dezembro de 2015. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2015.04423102-15, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-13, Publicado em 2016-01-13)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
13/01/2016
Data da Publicação
:
13/01/2016
Órgão Julgador
:
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento
:
2015.04423102-15
Tipo de processo
:
Apelação
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