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Jurisprudência


TJPA 0002372-08.2010.8.14.0028

Ementa
PROCESSO Nº 2014.3.010087-0 CONFLITO DE JURISDIÇÃO SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 5ª VARA PENAL DA COMARCA DE MARABÁ SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE VIOLENCIA DOMESTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PROCURADOR DE JUSTIÇA: MARCOS ANTONIO FERREIRA DAS NEVES RELATOR: DES. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR DECISÃO MONOCRÁTICA CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ESTUPRO DE VULNERÁVEL PADRASTO E ENTEADA - PRÁTICA DELITIVA NÃO ABRANGIDA PELA LEI 11.340/06 - CONDUTA IMPULSIONADA PELA CONDIÇÃO ETÁRIA DA VÍTIMA AFASTADA A COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLENCIA DOMESTICA CONTRA A MULHER. Não se encontra amparada pela Lei Maria da Penha toda e qualquer violência no âmbito doméstico perpetrada contra a mulher, mas apenas quando o sofrimento causado, ainda que em última análise, esteja relacionado ao gênero feminino. A vulnerabilidade em questão não é a do gênero, mas a relacionada à imaturidade física e psicológica da menor. A hipossuficiência e a fragilidade provenientes do gênero da vítima, não foram fatores determinantes para a prática do crime, mas sim a sua condição de pré-adolescente, da qual decorrem a natural imaturidade e incapacidade de resistir à ação criminosa. Conflito negativo de jurisdição improcedente. Cuidam os autos de Conflito Negativo de Jurisdição, tendo como suscitante o MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Penal da Comarca de Marabá e como suscitado o MM. Juízo de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Os autos foram originariamente distribuídos ao Juízo de Direito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, o qual declinou da competência em razão da matéria, tendo em vista entender que o delito não se trata de violência de gênero, quando o agressor se aproveita da condição de inferioridade, hipossuficiência ou vulnerabilidade da vítima. Os autos foram redistribuídos ao Juízo de Direito da 5ª Vara Penal da Comarca de Marabá, que suscitou o presente conflito negativo de jurisdição, com base nos arts.114, I e 115, III do CPP. Aduz que o caso se amolda às hipóteses previstas no art.5º da lei 11.340/06, sendo da competência da Vara de Violência Doméstica. Alega que o sentido da lei foi dar maior proteção à vítima mulher, não fazendo distinção se criança ou não, sendo incabível ao intérprete proceder à restrição não albergada na lei. Parecer ministerial pelo conhecimento e improcedência do presente conflito, opinando pela competência do Juízo de Direito da 5ª Vara Penal de Marabá. É o relatório do necessário. Decido. Conheço do Conflito Negativo de Jurisdição, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade. A questão ora em apreço consiste em verificar qual o juízo competente para processar e julgar o feito em que se verifica a ocorrência de um suposto estupro de vulnerável. O próprio legislador ordinário, no art.5º da lei 11.340/06, tratou de conceituar violência doméstica e familiar contra a mulher como "qualquer ação ou omissão baseada no gênero" e "que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". A mencionada lei representa um avanço social ao dispor de um conjunto de regras próprias dedicadas a punir com maior severidade aquele que pratica violência física, moral ou psicológica contra a mulher, exatamente pela vulnerabilidade a que está sujeita pelo gênero feminino. Sendo assim, data venia, não se encontra amparada pela norma toda violência no âmbito doméstico perpetrada contra a mulher, mas apenas quando o sofrimento causado, ainda que em última análise, esteja relacionado ao gênero feminino. No presente caso, cuida-se de um suposto crime de estupro cometido contra uma menina de 11 anos de idade pelo seu padrasto, no âmbito residencial destes. Entretanto, tenho que apesar de a vítima ser do gênero feminino e o crime ter ocorrido no âmbito doméstico, não se trata de aplicação da lei 11.340/06, tendo em vista que a vulnerabilidade em questão não é a do gênero, mas a relacionada à imaturidade física e psicológica da menor. Ora, da leitura da denúncia de fls.02-04, observo que o acusado, aproveitando-se da tenra idade da vítima, adentrava em seu quarto e tentava tirar seu short. Em outras ocasiões, aproveitando-se do momento em que a menor ia tomar banho, espiava-a pela fresta da porta empenada e ainda, chamava-lhe para mostrar a ela suas partes íntimas. Desta forma, entendo que a conduta do acusado fora impulsionada pela condição etária da vítima e não baseada no gênero feminino, como requer o art. 5º da mencionada lei. Eis o entendimento jurisprudencial: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA CRIMINAL COMUM. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROCEDÊNCIA DO CONFLITO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO PARA A ANÁLISE E JULGAMENTO DA CAUSA. DECISÃO UNÂNIME. 1. O artigo 5º da Lei 11.340/06 prevê como violência doméstica e familiar contra a mulher toda espécie de agressão, comissiva ou omissiva, baseada no gênero, vale dizer, na condição de hipossuficiência da mulher, suficiente a lhe causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. 2. Pela narrativa exposta na Denúncia (fls.2-4), não se constata, ao menos a princípio, que a fragilidade e a hipossuficiência proveniente do gênero da vítima, tenham sido os fatores determinantes para a prática do crime, mas sim a sua condição de adolescente, da qual decorrem a natural imaturidade e incapacidade de resistir à ação criminosa. Por tal razão deve ser afastada a aplicação diferenciada da Lei 11.340/06, restando a competência para julgamento do feito ao juízo comum/suscitado 4ª Vara Penal da Comarca de Marabá-Pa. 3. Conflito de Competência conhecido e provido. (TJPA - PROCESSO N°: 2013.3.024141-9 Julgamento: 13.11.2013 - Desª. VERA ARAÚJO DE SOUZA) (grifei) CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. DISCUSSÃO ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA APURAR A PRÁTICA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO POR TIO CONTRA SUA SOBRINHA. JUÍZO COMUM VERSUS JUÍZO ESPECIALIZADO. PRÁTICA DELITIVA NÃO ABRANGIDA PELA LEI 11.340/06. CONDUTA IMPULSIONADA PELA CONDIÇÃO ETÁRIA DA VÍTIMA. VIOLÊNCIA SEXUAL NÃO ATRELADA À VIOLÊNCIA DE GÊNERO ENTRE OFENSOR E OFENDIDA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. CONFLITO PROVIDO g.n. (TJSC. Conflito de Jurisdição n. 2012.002490-4, Relator: Des. Torres Marques. J. 7 de março de 2012) (grifei) CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. COMPETÊNCIA DA VARA COMUM VERSUS COMPETÊNCIA DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (MARIA DA PENHA). AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA FUNDADA EM DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. COMPETÊNCIA COMUM. A Lei 11.340/06 visa a combater a violência fundada em discriminação de gênero, qual seja, a perigosa e errônea percepção da realidade que coloca a mulher em posição de inferioridade e submissão em relação ao homem e o leva a acreditar que seu comportamento dominador, discriminatório e violento (física e/ou moralmente) é legítimo, quando na verdade é criminoso. 3 É exatamente visando a dar mais rápida e eficaz resposta à violência contra a mulher que a Lei Maria da Penha reclama especialização de unidades jurisdicionais que melhor compreendam e atuem sobre tal fenômeno criminógeno, não sendo, portanto, qualquer delito, ainda que cometido contra individuo do sexo feminino e dentro do ambiente familiar, que esteja na órbita de atuação da justiça especializada Hipótese em que o crime foi cometido contra jovem do sexo feminino, enteada do réu, não se identificando no fato a violência de gênero, nos moldes preconizados pela lei, razão pela qual não há deslocamento da competência, que é a ordinária, para as varas especializadas. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. POR MAIORIA g.n. (TJRS, Conflito de Jurisdição n. 70045333812, rel. Des. José Conrado Kurtz de Souza, j. 15/12/2011) (grifei) In casu, como dito alhures, há que se ressaltar que não se trata de hipótese em que a violência é praticada em função do gênero, mas de um suposto crime de estupro de vulnerável praticado pelo padrasto contra enteada de 11 anos de idade, prevalecendo a condição de ser criança, e não seu gênero feminino. Desta forma, comungo do entendimento esposado pelo douto Procurador de Justiça ao apontar que a competência para processar e julgar o presente feito é da 5ª Vara Penal de Marabá, tendo em vista não inexistir possibilidade de identificar que o delito tenha sido cometido em virtude da vulnerabilidade da vítima por causa de seu gênero. Ante o exposto, já tendo havido pronunciamento do pleno deste e. Tribunal, conheço e julgo improcedente o presente conflito negativo de jurisdição, devendo o processo ser julgado pelo MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Penal da Comarca de Marabá, para onde os autos devem ser encaminhados. Publique-se e Cumpra-se. Belém, 26 de agosto de 2014. Des. Leonam Gondim da Cruz Júnior Relator (2014.04597703-61, Não Informado, Rel. LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2014-08-26, Publicado em 2014-08-26)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 26/08/2014
Data da Publicação : 26/08/2014
Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO
Relator(a) : LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR
Número do documento : 2014.04597703-61
Tipo de processo : Conflito de Jurisdição
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