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Jurisprudência


TJPA 0003097-45.2014.8.14.0133

Ementa
SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003097-45.2014.8.14.0133 SENTENCIANTE: JUÍZO DA 1ª VARA CÍVEL E EMPRESARIAL DE MARITUBA SENTENCIADO/AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ SENTENCIADOS/RÉUS: ESTADO DO PARÁ E MUNICÍPIO DE MARITUBA RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS. PRECEDENTES. RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÃO QUE NÃO CABE NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. Em se tratando de direito à saúde, direito de índole fundamental, não pairam dúvidas quanto à legitimidade ministerial para sua defesa. 3. Solidariedade passiva dos entes públicos na prestação do direito à saúde. Efetividade. Precedentes. 4. A reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Precedentes. 5. Sentença confirmada em sede de reexame. DECISÃO MONOCRÁTICA            Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO de sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Cível e Empresarial de Marituba que, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E PEDIDO LIMINAR, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ em face do ESTADO DO PARÁ e MUNICÍPIO DE MARITUBA, julgou procedentes os pedidos, confirmando os termos da liminar, para reconhecer o direito da paciente ao pleno atendimento na área da saúde.               Na inicial, (fls. 03/20), foi relatado que a paciente foi diagnosticada com câncer na tireóide e necessita com urgência de cirurgia, estando cadastrado na Central de Leitos do Hospital Ophir Loyola.               Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que os Réus forneçam imediatamente o leito, cirurgia e o tratamento médico recomendado à paciente e no mérito, a confirmação da liminar.               Às fls. 55/68 foi deferida tutela antecipada determinado que os requeridos forneçam o leito, a realização da cirurgia e o tratamento médico recomendado à paciente.               Às fls. 84 o município réu informou o cumprimento da tutela antecipada.               Contestações apresentadas às fls. 87/104 e 113/121.               Adveio sentença que confirmou os termos da tutela antecipada deferida e julgou procedente os pedidos contidos na inicial.               Os autos foram encaminhados à este E. Tribunal para efeito de reexame necessário de sentença, onde me coube a relatoria do feito por distribuição.               Instado a se manifestar, o Ministério Público, no segundo grau, opinou pela extinção do processo, face a perda do objeto.                 É o relatório.               Decido.               Prima facie, destaco que as sentenças ilíquidas desfavoráveis aos entes públicos estão sujeitas ao reexame necessário, consoante entendimento contido na Súmula n.º 490, do STJ. Assim, conheço do reexame necessário.               DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.               Com efeito, cumpre ao Ministério Público defender interesses individuais indisponíveis, conforme dispositivo da nossa Constituição da República, a saber: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.               Em se tratando de direito à saúde, direito de índole fundamental, não pairam dúvidas quanto à legitimidade ministerial para sua defesa. Nesse sentido: LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada (1ª Turma, RE 407902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.05.2009, DJe 28.08.2009). PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO - GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. 1. Hipótese em que o Estado de Minas Gerais impugna a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública em favor de indivíduo determinado, postulando a disponibilização de tratamento médico fora do domicílio. 2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica - matéria própria da Defensoria Pública -, mas da qualidade de indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). 3. Ainda que a ação concreta do Parquet dirija-se à tutela da saúde de um único sujeito, a abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a coletividade. No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário, dorsal no sistema do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de uma sociedade solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana. 4. Recurso Especial não provido (REsp 830.904/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/11/2009).                 No que tange ao argumento de ilegitimidade passiva do Estado entendo que não merece prosperar. E digo isso, pois, a Constituição Federal, em seu art. 196, impôs ao Poder Público, sem distinção, o dever de assegurar ao cidadão o direito à saúde. Esse encargo foi reafirmado em texto expresso no art. 263, §2º da Constituição Estadual do Pará.               Além disso, o fato de existirem leis infraconstitucionais, portarias e regulamentações estabelecendo divisão de tarefas entre os entes públicos não lhes retira a obrigação solidária imposta pela norma constitucional.  Por outro lado, o SUS - Sistema único de Saúde não é de responsabilidade exclusiva de um único ente federativo (art. 198, inciso I, da CF), mas uma responsabilidade do Estado em todas as suas esferas de atuação, com divisão de trabalho por simples razões de gerência operacional.               No mais, o direito fundamental do indivíduo à saúde, que engloba o dever dos entes políticos ao fornecimento gratuito de medicamentos e outros recursos necessários ao seu tratamento, vem reiteradamente sendo reconhecido pelo Tribunais Superiores, conforme os julgados abaixo: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. O SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS EM FACE DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC) SE APLICA APENAS AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. É DEVER DO ESTADO GARANTIR O DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial firmou entendimento de que o comando legal que determina a suspensão do julgamento de processos em face de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C, do CPC, somente é dirigido aos Tribunais de segunda instância, e não abrange os recursos especiais já encaminhados ao STJ. 2. Não há que se falar em omissão no acórdão do Tribunal de origem, porquanto a demanda foi solucionada com a devida fundamentação, de forma clara e precisa, ainda que sob ótica diversa daquela almejada pelo Estado-agravante. Julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa ao art. 535, II do CPC. 3. Este Superior Tribunal de Justiça tem firmada a jurisprudência de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no Ag 1231616/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 06/04/2015) ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI N. 1.533/51. SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/STF. 1. Não merece prosperar o recurso quanto à afronta ao art. 1º da Lei 1.533/51. O fundamento da inexistência da demonstração do direito líquido e certo não é apropriado em recurso especial, visto que demandaria o reexame de provas. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes. 2. Qualquer um dos entes federativos - União, estados, Distrito Federal e municípios - tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de ação visando garantir o acesso a medicamentos para tratamento de saúde. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 609.204/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014).                       MÉRITO               A controvérsia dos autos diz respeito ao principal problema da ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a implementação prática dos direitos fundamentais.               Nesse contexto, e considerando que o direito a saúde integra a categoria dos direitos fundamentais de segunda geração, os quais podem ser lesados não somente pela atuação estatal, mas igualmente por eventuais omissões, o Poder Judiciário tem papel decisivo na correção de distorções causadas pela ausência de políticas públicas.                Objetiva-se, ao fim, mediante a atuação do Poder Judiciário, evitar que os direitos fundamentais sejam meras promessas constitucionais, caracterizando o que o Supremo Tribunal Federal já chamou de fenômeno da erosão da consciência constitucional: ¿O desprestígio da Constituição por inércia dos órgãos constituídos representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da lei fundamental do Estado. Essa constatação coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional. O Poder Público, quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório, infringe a própria integridade da Constituição, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão constitucional¿. (STF, STA 175-AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17/03/2010)               No contexto dos direitos fundamentais, cujo núcleo material remete à dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à saúde ganha especial relevo, sobretudo se considerado que não há mínimo existencial sem saúde.               Desse modo, a imposição da obrigação de custear o tratamento da paciente não acarretaria desequilíbrio financeiro e nem viola o princípio da reserva do possível.               Se, de um lado, os direitos sociais são efetivados na medida do possível, ou seja, dentro de uma reserva do possível, para significar sua dependência à existência de recursos econômicos. Por outro, o fato de dependerem da condição material da reserva do possível, não reduz a efetividade dos direitos a prestações materiais sociais a um simples apelo ao legislador, pois há verdadeira imposição constitucional de sua concretização.               É dizer, revestindo-se o direito à saúde de índole fundamental, não cabe ao agente público optar pela alocação de recursos antes de efetivamente concretizar o mínimo existencial. Segundo o STJ: ¿A tese da reserva do possível assenta-se na idéia romana de que a obrigação impossível não pode ser exigida (impossibilium nulla obligatio est). Por tal motivo, não se considera a insuficiência de recursos orçamentários como mera falácia. (¿) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. (...) Portanto, aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez, quando ela é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma não ser a reserva do possível oponível à realização do mínimo existencial. A real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social¿. (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.474 - SC, rel. Min. Humberto Martins, 20/04/2010).               Ademais, mencione-se que a tese da reserva do possível (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York) pressupõe a necessária prova, casuística, da inexistência de recursos suficientes para manter o tratamento do paciente, o que não ocorreu no caso em concreto, sem olvidar que também não provou o chamado efeito multiplicador que, aliás, não obsta a concessão da liminar para o tratamento médico em análise, pois, no caso concreto o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente. (RMS 24.197/PR, 1.ª T., Rel. Min. LUIZ FUX, DJU de 24/08/2010).               Deste modo, entendo que tem-se evidenciado o direito da paciente, merecendo confirmação a sentença ora submetida ao reexame.               Por todo o exposto, para efeito de reexame necessário, dele CONHEÇO e CONFIRMO a sentença objurgada, com fulcro no art. 557, caput do CC c/c súmula 253 do STJ.               Comunique-se ao juízo de origem.               Publique-se e intimem-se. Operada preclusão, arquive-se.               Belém, 26 de janeiro de 2016. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora (2016.00249022-88, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-02-04, Publicado em 2016-02-04)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 04/02/2016
Data da Publicação : 04/02/2016
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento : 2016.00249022-88
Tipo de processo : Remessa Necessária
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