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Jurisprudência


TJPA 0003814-11.2015.8.14.0040

Ementa
Decisão monocrática Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO (processo nº 0003814-11.2015.814.0040) interposto por MUNICÍPIO DE PARAUAPEBAS contra THIAGO VENÍCIUS JORGE DE SOUZA, representado por seu genitor JOSE ALBINO SOUZA, em razão de Sentença proferida pelo MM. Juízo de Direito da 3º Vara Cível e Empresarial da Comarca de Parauapebas, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, ajuizada pelo Apelado. A decisão recorrida foi proferida com o seguinte dispositivo (fls. 50/52): Ante o exposto, julgo procedente o pedido do autor e determino que o MUNICÍPIO DE PARAUAPEBAS viabilize a internação compulsória de THIAGO VENÍCIUS JORGE DE SOUZA, filho do autor, na Clínica Revitalle, pelo período de 06 meses, mediante o pagamento das despesas apresentadas pelo autor, conforme documentação de fls. 38-41, que totalizam o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais), a ser depositado na conta da própria clínica (Ag. 2747, CC 0022773-0, Banco Bradesco) ou entregue ao autor, que deverá comprovar nos autos a utilização do dinheiro, tudo no prazo de 72 horas, a contar da ciência desta decisão, sob pena de sequestro nas contas bancárias do Município. Por conseguinte, JULGO EXTINTO o processo com resolução do mérito, consoante o artigo 269, I do CPC. Sem custas e sem honorários. P.R.I. Após formalidades legais, arquive-se. Consta nos autos (fls.03/12) que o Apelado é portador de transtornos mentais e comportamentais, devidos ao uso de múltiplas drogas, CID 10 F20.0 e F.19.2, necessitando com urgência de tratamento médico, em regime de internação, em clínica especializada e, que o Apelado não possui condições financeiras de custeá-lo. Após a devida instrução o Juízo da 3ª Vara da Comarca de Parauapebas/PA julgou procedente o pedido determinando que o apelante viabilizasse a internação compulsória do apelado, pelo período de 06 (seis) meses, mediante pagamento de despesas totalizando o valor de R$18.500,000 (dezoito mil e quinhentos reais) a ser depositado na conta da Clínica Revitalle. Opostos Embargos de Declaração (fl. 52v.) pleiteando a concessão da antecipação da tutela, foi proferida decisão (fl. 61) acolhendo os embargos dando executoriedade imediata a sentença de fls.50-52. Em suas Razões Recursais (fls. 53-60), o Apelante aduziu que o apelado deveria ter sido encaminhado ao SUS ou ao CAPS- Centro de Tratamento Psicossocial e, alegou a inexistência de laudo médico ou provas de que o apelado é dependente químico que necessita de internação, além de argumentar quanto a ausência de requisitos para concessão de tutela antecipada. Afirmou que muito embora o Município não possua estabelecimento específico voltado para o tratamento de dependentes químicos, este não se nega a prestar o tratamento médico que é disponibilizado pelo SUS, e arguiu a necessidade de chamamento do Estado á lide. Declarou, também, que a razoabilidade da pretensão não restou devidamente demonstrada e que, por isso, o Município não pode ser condenado a custear o tratamento em clínica, integralmente, por tempo indeterminado. Pleiteou, por fim, a reforma da R. Sentença. Em Contrarrazões (fls.63-65), o Apelado assevera que as alegações de inexistência de laudo médico e ausência de encaminhamento do Requerente ao SUS não devem prosperar, uma vez que foram juntados aos Autos (fls. 18/48), laudos psiquiátricos ressaltando a necessidade de internação do apelado, e demonstrando a procura, do filho do Autor, ao sistema de saúde pública. Por fim, pleiteou pela manutenção da sentença. Distribuídos a minha relatoria (fls.67), os autos foram encaminhados ao Ministério Público de 2º grau (fls.69), que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls.71/73v). É o relatório do necessário. Decido. Apelação satisfaz os pressupostos de admissibilidade recursal e deve ser conhecida. O presente recurso comporta julgamento monocrático, com fulcro na interpretação conjunta do art. 932, VIII, do CPC/2015 c/c art. 133, XI, d, do Regimento Interno deste E. TJPA, abaixo transcritos, respectivamente: ¿Art. 932. Incumbe ao relator: (...) VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal¿. ¿Art. 133. Compete ao Relator: (...) XI - negar provimento ao recurso contrário: a) à súmula do STF, STJ ou do próprio Tribunal; b) ao acórdão proferido pelo STF ou STJ no julgamento de recursos repetitivos; c) ao entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; d) à jurisprudência dominante desta e. Corte ou de Cortes Superiores; (grifos nossos). A questão em analise reside no direito do apelado, portador de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas (CID 10 F20.0 e F.19.2), em receber tratamento médico, no regime de internação em clínica especializada para tratamento de dependentes químicos. Inicialmente, a Lei nº 10.216/01 permite o pedido de internação pleiteado por terceiro. No mesmo sentido em que o Decreto nº 24.559/34 já estabelecia a faculdade de formular tal pedido ao cônjuge, pai, filho ou parente até quarto grau, além do próprio paciente. O direito pleiteado pelo apelado em favor de seu filho decorre do disposto no artigo 196 da Constituição Federal que reconhece que ¿A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação¿. O direito à saúde, nos ensinamentos do Professor José Afonso da Silva deve ser entendido como o direito de todos e dever do Estado, que deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. (Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed Malheiros: São Paulo, pg. 808). Desse modo, incabível a inclusão da Estado do Pará na lide como litisconsorte necessário, ante a solidariedade entre os entes federados em matéria de saúde. Outrossim, não há afronta ao princípio da separação de poderes tampouco ao poder discricionário do Poder Executivo, porque o administrador pode escolher a forma de executar a lei, porém não pode quedar-se inerte ao dever de cumpri-la. Por conseguinte, a cogitação de óbices orçamentários seria impertinente. Em se tratando de política pública em execução, há o pressuposto de que esteja contemplada nas leis orçamentárias. Assim, conclui-se que a circunstância de a unidade do serviço de saúde não dispor do medicamento ou insumo não exonera a autoridade competente do dever legal de adotar providências, perante o Sistema de Saúde, para suprir a deficiência e propiciar o atendimento devido. Nem mesmo o alto custo pode justificar a omissão estatal, pois é justamente esse fator que determina a assistência à pessoa sem meios de adquirir o remédio ou obter o serviço. Destarte, sendo o bem maior a ser preservado a vida, contra este não há interpretação legal, orçamento, competência administrativa ou reclamo, que possa ser contraposto. As provas juntadas demonstram que Thiago Venicius Jorge de Souza padece de transtornos mentais e comportamentais decorrentes do consumo abusivo entorpecentes, caracterizando dependência (CID-10 F 20.0+ F 19.2), e que deve ser internado. É pacífico a jurisprudência no sentido de que não vulnera o devido processo legal a determinação judicial de internação compulsória do toxicômano, independentemente de prévia interdição. Aliás, é admissível a internação compulsória de toxicômano, cumprido o disposto na Lei nº 10.216/01, eis que o modelo assistencial em saúde mental concebido pela mencionada lei é aplicável ao usuário contumaz de drogas e álcool, mediante procedimento médico (internação psiquiátrica) que se dá contra a vontade daquele que se pretende beneficiar, ou seja, o paciente, e que, para isto, a decisão do psiquiatra (médico especialista em transtornos mentais) em indicar a internação, além de justificar a insuficiência dos recursos extra hospitalares para o tratamento, deve especificar a emergência do caso e apontar os riscos que poderiam ocorrer caso a medida não seja efetivada, como por exemplo, o risco de auto agressão, de agressão à ordem pública, incapacidade de auto cuidado, etc. Em tais condições, previstas nos artigos 4º e 6º da Lei nº 10.216/2001, é que se admite a internação involuntária. No presente caso, há documentos/laudos de psiquiatra forense que demonstra ser o paciente usuário contumaz e dependente de entorpecentes, necessitando de internação para tratamento (fls. 15 e 17). O fato de o tratamento pleiteado ter sido prescrito por médico competente e perito do Estado, segundo atestados acostados aos autos, é suficiente para consubstanciar a necessidade do tratamento do mal que acomete o paciente. Por óbvio, o médico que prescreveu o tratamento possui perfeita habilitação técnica e sabe da sua responsabilidade perante a saúde do paciente sob seus cuidados, devendo proceder com atenção ao tratamento que melhor gere efeito ao caso em análise. É indubitável que dentre as balizas do Estado Democrático de Direito está o princípio da dignidade da pessoa humana, protegendo o direito à vida e à saúde, assim, sua preservação deverá observar o princípio da razoabilidade, quando estes de alguma forma se confrontem com o sistema legalista vigente, se a finalidade a ser atingida for a garantia do bem-estar do indivíduo. A lei deve ser interpretada não de modo estático e sim considerada de acordo com a intenção do legislador, principalmente diante dos preceitos da Carta Magna, ressaltado o atendimento das necessidades básicas do cidadão. Com efeito, a não concessão de tratamento a pessoa que sofre de dependência química é ato administrativo que passa ao largo da razoabilidade e, assim sendo, deve ser tido como contrário à lei e anulável pelo Judiciário, porque se a saúde de um lado é direito público subjetivo do cidadão, por outro, é dever do Estado. Como bem salientou o Eminente Ministro Celso de Mello: ¿O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera constitucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal) políticas sociais e econômicas que visem garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição Federal.¿ (RE 271.286/RS). O bem social é o interesse público primário, por isso a vida e a saúde são merecedoras de especial proteção do ente e, para tanto, é certo que cabe a Administração Pública, diante de pacientes que não reúnam condições econômicas financeiras para arcar com o custeio do tratamento, suportar certas despesas, porque estas são de sua responsabilidade. Programas alternativos para tratamento de dependentes químicos não se aplicam ao caso dos autos, vez que o filho do apelado é a eles resistente. Sendo assim, mostra-se correta a sentença que determinou a internação compulsória do filho do apelado. Nesse sentido, transcrevo os julgados: recurso extraordinário, com fundamento na alínea ¿a¿ do permissivo constitucional, contra acórdão do Grupo IV da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele Estado, assim do: ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. INTERNAÇÃO DE DEPENDENTE QUÍMICO EM CLÍNICA PARTICULAR PARA DESINTOXICAÇÃO. DISPONIBILIDADE DE REDE ESTADUAL E CONVÊNIOS PARA RECUPERAÇÃO DE USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIA PSICOTRÓPICA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...)A Carta Constitucional estabeleceu que o Estado incumbe instituir políticas públicas de assistência integral à saúde, dentre elas programas de atendimento psicossocial aos dependentes químicos(...) (...). Deve, pois, ser determinada a internação do paciente em rede de saúde disponibilizada pelo ente estatal; VII - Recurso conhecido e parcialmente provido(...) (...). Alega a recorrente contrariedade aos artigos 5º e 196 da Constituição Federal. Pretende, em suma, que a internação do dependente químico seja realizada em clínica particular, ¿considerando que é dever do Estado prestar efetiva saúde à população e não tendo este fornecido o tratamento adequado e eficiente, impõe-se que o Poder Judiciário intervenha para suprir a falha na prestação desse serviço. (...) (...)). Ante o exposto, nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 6 de maio de 2014.Ministro Dias Toffoli. Relator. Documento assinado digitalmente (Processo RE 726149 SE Partes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, ESTADO DE SERGIPE, PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SERGIPE PublicaçãoDJe-088 DIVULG 09/05/2014 PUBLIC 12/05/2014 Julgamento6 de Maio de 2014 Relator Min. DIAS TOFFOLI) AÇÃO ORDINÁRIA - Dependente químico - Internação compulsória - Art. 196 da Constituição Federal - O direito à vida é amplo e explicitamente protegido pela Carta Magna - Responsabilidade solidária dos entes federativos - A internação está prevista na regra do artigo 6º da Lei 10.216/01, devendo resguardar a integridade física e psíquica do internando e de seus familiares Eventual problema orçamentário ou burocrático do Estado não se pode sobrepor às garantias e direitos fundamentais da pessoa humana - Recurso não provido.¿ (Apelação Civil nº0004670-80.2012.8.26.0028, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. LUIZ SÉRGIO FERNANDES DE SOUZA, j. 10.06.2013). AGRAVO DE INSTRUMENTO Internação compulsória de dependente químico e de crack em clínica especializada às expensas da Municipalidade Ausência de clínica da rede pública na cidade - Impossibilidade econômica do paciente em arcar com o tratamento - Decisão atacada que deferiu a antecipação da tutela Verossimilhança e perigo de dano irreparável - Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento nº 0001346-35.2013.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Público, Relª. Desª. MARIA LAURA TAVARES, j. 25.02.2013). Ante o exposto, com fulcro no art. 932, VIII, do CPC/2015 c/c art. 133, XI, d, do Regimento Interno deste E. TJPA, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo inalterada a decisão apelada, nos termos da fundamentação. P.R.I. Belém, 13 de novembro de 2017. ELVINA GEMAQUE TAVEIRA Desembargadora Relatora (2017.04922646-32, Não Informado, Rel. MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-12-19, Publicado em 2017-12-19)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 19/12/2017
Data da Publicação : 19/12/2017
Órgão Julgador : 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a) : MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA
Número do documento : 2017.04922646-32
Tipo de processo : Apelação
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