TJPA 0003937-61.2017.8.14.0000
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 0003937-61.2017.8.14.0000. SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO. AGRAVO INTENO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMARCA DE BENEVIDES. AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ. PROCURADORA DO ESTADO: THIAGO VASCONCELOS JESUS. AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARÁ. PROMOTORA PÚBLICA: ERIKA MENEZES DE OLIVEIRA. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, oposto por ESTADO DO PARÁ, inconformado com a decisão monocrática (fls. 97/100) exarada por esta Relatora que, nos autos de Agravo de Instrumento acima epigrafado, conheceu e negou provimento ao recurso. Alega o recorrente que a decisão merece reforma, alegando omissão e contradição quanto aos seguintes aspectos: a) juntada de documentos que comprovam a alegação estatal; b) não teria sido analisada a divisão de competências; c) não pronunciamento expresso acerca da ausência de interesse de agir - transporte social; d) a flagrante desproporcionalidade e necessidade de limitação temporal das astreintes Contrarrazões devidamente apresentadas às fls. 108/111. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade conheço do recurso. Inicialmente cabe frisar que o art. 1.022 do CPC/2015 estabelece que os embargos de declaração são cabíveis quando houver no Acórdão obscuridade, contradição ou omissão sobre ponto o qual devia pronunciar-se o Tribunal. O art. 1022 do CPC é absolutamente claro sobre o cabimento de embargos declaratórios, não sendo possível sua utilização para fins de rediscutir a controvérsia. (EDcl no REsp 511.093/BA, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2004, DJ 19/04/2004, p. 230). Sobre a questão o STJ, ao julgar os embargos de declaração no REsp 326.163/RJ, firmou posicionamento de que ¿Não há violação do artigo 535 do Código de Processo Civil quando o acórdão recorrido aprecia a questão de maneira fundamentada. O julgador não é obrigado a manifestar-se acerca de todos os argumentos apontados pelas partes, se já tiver motivos suficientes para fundamentar sua decisão. (...)¿ (EDcl no REsp 326.163/RJ, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, DJ de 27.08.2007). É extremamente relevante ressaltar que os presentes recursos não servem como pressuposto à interposição de outros, os chamados excepcionais, ainda mais quando não se verifica omissões no julgado. Dito isto, passo a analisar cada fundamento trazido pelo Estado do Pará: a) DA ALEGADA CONTRADIÇÃO EM RELAÇÃO A JUNTADA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVARIAM A ALEGAÇÃO ESTATAL. Aduz que estão juntados aos autos os Termos de Declarações prestados junto ao MP (fls. 38V, 39 e 45), bem como a Nota de Entrega (acostada à fl. 80), além de que também comprovou os valores repassados ao Município de Benevides pelo Fundo Nacional de Saúde (fl. 78). Pois bem, os Termos de Declarações prestados junto ao MP (fls. 38V, 39 e 45) demonstram que em 11/08/2016 de toda a série de dezoito medicamentos prescritos, o beneficiário apenas tinha a sua disposição cinco medicamentos e que mesmo estes não tinham garantia de fornecimento periódico, pois poderiam vir a faltar. O documento de fl. 80, Nota de Entrega, atesta que o beneficiário teve acesso a 10 medicamentos em 17/02/2017, ao passo que o documento de fl. 78 foi repassado ao município o valor de R$13.078.488,27 (treze milhões, setenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e oito reais a vinte e sete centavos). Os citados documentos estão longe de comprovar a tese estatal, não demonstrou em nenhum momento que os medicamentos de que o beneficiário faz uso estão sendo entregues e nem que há a devida periodicidade de seu fornecimento. A incerteza e a necessidade dos mesmos para a manutenção da vida de forma digna suplanta os discursos de gestão e pagamento. É uma necessidade tão vital que não pode ser postergada e negligenciada. b) DA ALEGADA DIVISÃO DE COMPETENCIAS. Alega o estado que dissertou sobre a divisão de competências constitucionais, no sentido de que a dispensação dos medicamentos requeridos, bem como o transporte social, seria do Município de Benevides. Requer expresso pronunciamento a respeito dos artigos 196/CF; 17 e 18 da Lei n. 8080/92 e Portarias GM/MS n. 3916/98, n. 176/99 e n. 373/02; e NOB-SUS/96. Pois bem, não é apenas esta relatora, mas é a orientação do Supremo Tribunal Federal sobre o direito à saúde ser dever do Estado, em seu sentido lato e por tal razão, deve ser garantido, indistintamente por todos os entes da federação, com fulcro nos artigos 6º, 23, II e 196, da Constituição Federal, independentemente de previsão do fornecimento do insumo pleiteado junto ao SUS ou mesmo qualquer acordo firmado entre os entes federativos. Senão vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (...) 4. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ¿APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE PÚBLICA. FORNECI-MENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS. DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO - ART. 196, CF. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ENTRE A UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. 1) O Estado do Rio Grande do Sul é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de fraldas geriátricas, uma vez que há obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios. 2) Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196 da Constituição Federal. É direito do cidadão exigir e dever do Estado (lato sensu) fornecer medicamentos e tratamentos indispensáveis à sobrevivência, quando o cidadão não puder prover o sustento próprio sem privações. Presença do interesse de agir pela urgência do tratamento pleiteado. 3) Redução da verba honorária, em atenção à complexidade da causa e à qualidade do ente sucumbente. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.¿ (fl. 139). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 724292 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013) De fato, a nossa Carta Magna fixou à União, aos Estados e aos Municípios, a competência para ações de saúde pública, devendo esses entes, cooperar, técnica e financeiramente, entre si, mediante descentralização de suas atividades, com direção única em cada esfera de governo (Lei Federal nº 8.080 de 19/09/1990, art. 7º, IX e XI) executando os serviços e prestando atendimento direto e imediato aos cidadãos (art. 30, VII da Constituição Federal). Portanto, se trata de obrigação constitucional de prestar assistência à saúde funda-se no princípio da cogestão, que significa dizer, uma participação simultânea dos entes estatais dos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária. Por consequência lógica, não se pode atribuir isoladamente ao Município ou ao SUS a responsabilidade por prover recursos necessários à saúde da população. Nesse sentido há julgado do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E INDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. No caso, aferir a adequação da via eleita, bem como a comprovação de direito líquido e certo e a necessidade de dilação probatória demandam a incursão no conjunto fático-probatória dos autos, providência vedada pela Súmula 7/STJ. 2. Conforme entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público detém legitimidade ativa para propor ação objetivando a proteção do direito à saúde de pessoa hipossuficiente, porquanto se trata de direito fundamental e indisponível, cuja relevância interessa a toda a sociedade. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, Julgado Em 16/12/2014, Dje 19/12/2014). Grifei. Deste modo, toda legislação ordinária, seja ela qual for, não pode ser superior aos ditames constitucionais. c) DA AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO EXPRESSO ACERCA DA AUSENCIA DE AGIR - TRANSPORTE SOCIAL. O Estado alega que resta devidamente demonstrado, nas razões do agravo de instrumento, que não há interesse de agir no que toca ao transporte social, pois ele estaria sendo disponibilizado pelo Município. Pois bem, o Termo de Declaração de fl. 39 é bastante claro acerca do assunto: ¿(...) Que sobre o transporte fornecido pelo município, informa que tomou conhecimento da existência do veículo disponível por meio da Sra. Carla funcionária do município; Que diante disso a depoente foi até a Secretaria de Saúde, onde seu esposo foi cadastrado para a utilização do ´carro social´ da prefeitura; Que os dias das viagens até Ananindeua para a realização da hemodiálise são fixos, sendo segunda, quarta e sexta-feira; que atualmente quem acompanha seu esposo é o filho do casal; que por cerca de 3 (três) vezes deixaram de leva-lo até Ananindeua para o tratamento; Que geralmente o motorista avisa a impossibilidade de transporte por meio telefônico até a noite anterior à viagem; Que a justificativa apresentada para a ausência do transporte são defeitos mecânicos; Que na ausência do veículo, o seu esposo tem que fazer suas viagens por conta própria, chegando a gastar cerca de R$150,00 (cento e cinquenta reais) com o taxi para o transporte (...)¿. De início, cumpre asseverar que o serviço não está sendo prestado, com regularidade que o caso patológico do beneficiário necessita. Nem se cogita, no caso, que há perda superveniente do objeto da ação, pois mesmo que o serviço estivesse sendo cumprido com regularidade, não está caracterizada a perda do objeto da ação, cujo objetivo maior é o efetivo tratamento do paciente, fato esse de caráter duradouro, não se tornando perfeito e acabado em um único ato. O cumprimento da obrigação está amparado em liminar concedida, cujo caráter é provisório. Ademais, vejo que o agravante contesta a ação refutando o direito do beneficiário e alegando o não cabimento de sua responsabilização na causa. Sabe-se que o interesse de agir do autor é uma das condições da ação, um de seus requisitos primordiais, conforme reza o art. 485, VI, Novo Código de Processo Civil, que, em síntese, consiste na necessidade de se obter um provimento judicial útil para o caso concreto levado a conhecimento do Poder Judiciário. Desse modo, não se pode deixar de reconhecer o legítimo interesse do beneficiário de ter seu transporte para Ananindeua receber o tratamento médico adequado ao seu problema de saúde, também se dar quanto à confirmação da liminar que lhe possibilitou tal direito. d) DAS ASTREINTES - DA ALEGADA FLAGRANTE DESPROPORCIONALIDADE E NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO TEMPORAL. Quanto à imposição de multa diária (astreintes) contra o Estado, observa-se que a finalidade deste instituto não é outra senão a de compelir o devedor a cumprir o preceito obrigacional descrito pela sentença, não havendo qualquer óbice jurídico de sua utilização contra a Fazenda Pública, ainda mais quando fixada dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, consoante já decidiu a Primeira Turma do STF, verbis: EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil e constitucional. Multa. Imposição contra o Poder Público. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que é possível a imposição de multa diária contra o Poder Público quando esse descumprir obrigação a ele imposta por força de decisão judicial. 2. Não há falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes quando o Poder Judiciário desempenha regularmente a função jurisdicional. 3. Agravo regimental não provido. (AI 732188 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31-07-2012 PUBLIC 01-08-2012).¿ No caso dos autos, o Juízo de Piso ao fixar a multa a estabeleceu de forma diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) e limitada a R$100.000,00 (cem mil reais). Portanto, ao contrário o que alega o Estado, dosou corretamente a mesma e fixou limite temporal, na medida em que fixou teto máximo. DISPOSITIVO: Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para sanar as omissões indicadas, porém mantenho a decisão monocrática em todos os seus termos. Belém, 5 de fevereiro de 2018. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora
(2018.00491954-52, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2018-02-22, Publicado em 2018-02-22)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 0003937-61.2017.8.14.0000. SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO. AGRAVO INTENO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMARCA DE BENEVIDES. AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ. PROCURADORA DO ESTADO: THIAGO VASCONCELOS JESUS. AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARÁ. PROMOTORA PÚBLICA: ERIKA MENEZES DE OLIVEIRA. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, oposto por ESTADO DO PARÁ, inconformado com a decisão monocrática (fls. 97/100) exarada por esta Relatora que, nos autos de Agravo de Instrumento acima epigrafado, conheceu e negou provimento ao recurso. Alega o recorrente que a decisão merece reforma, alegando omissão e contradição quanto aos seguintes aspectos: a) juntada de documentos que comprovam a alegação estatal; b) não teria sido analisada a divisão de competências; c) não pronunciamento expresso acerca da ausência de interesse de agir - transporte social; d) a flagrante desproporcionalidade e necessidade de limitação temporal das astreintes Contrarrazões devidamente apresentadas às fls. 108/111. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade conheço do recurso. Inicialmente cabe frisar que o art. 1.022 do CPC/2015 estabelece que os embargos de declaração são cabíveis quando houver no Acórdão obscuridade, contradição ou omissão sobre ponto o qual devia pronunciar-se o Tribunal. O art. 1022 do CPC é absolutamente claro sobre o cabimento de embargos declaratórios, não sendo possível sua utilização para fins de rediscutir a controvérsia. (EDcl no REsp 511.093/BA, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2004, DJ 19/04/2004, p. 230). Sobre a questão o STJ, ao julgar os embargos de declaração no REsp 326.163/RJ, firmou posicionamento de que ¿Não há violação do artigo 535 do Código de Processo Civil quando o acórdão recorrido aprecia a questão de maneira fundamentada. O julgador não é obrigado a manifestar-se acerca de todos os argumentos apontados pelas partes, se já tiver motivos suficientes para fundamentar sua decisão. (...)¿ (EDcl no REsp 326.163/RJ, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, DJ de 27.08.2007). É extremamente relevante ressaltar que os presentes recursos não servem como pressuposto à interposição de outros, os chamados excepcionais, ainda mais quando não se verifica omissões no julgado. Dito isto, passo a analisar cada fundamento trazido pelo Estado do Pará: a) DA ALEGADA CONTRADIÇÃO EM RELAÇÃO A JUNTADA DE DOCUMENTOS QUE COMPROVARIAM A ALEGAÇÃO ESTATAL. Aduz que estão juntados aos autos os Termos de Declarações prestados junto ao MP (fls. 38V, 39 e 45), bem como a Nota de Entrega (acostada à fl. 80), além de que também comprovou os valores repassados ao Município de Benevides pelo Fundo Nacional de Saúde (fl. 78). Pois bem, os Termos de Declarações prestados junto ao MP (fls. 38V, 39 e 45) demonstram que em 11/08/2016 de toda a série de dezoito medicamentos prescritos, o beneficiário apenas tinha a sua disposição cinco medicamentos e que mesmo estes não tinham garantia de fornecimento periódico, pois poderiam vir a faltar. O documento de fl. 80, Nota de Entrega, atesta que o beneficiário teve acesso a 10 medicamentos em 17/02/2017, ao passo que o documento de fl. 78 foi repassado ao município o valor de R$13.078.488,27 (treze milhões, setenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e oito reais a vinte e sete centavos). Os citados documentos estão longe de comprovar a tese estatal, não demonstrou em nenhum momento que os medicamentos de que o beneficiário faz uso estão sendo entregues e nem que há a devida periodicidade de seu fornecimento. A incerteza e a necessidade dos mesmos para a manutenção da vida de forma digna suplanta os discursos de gestão e pagamento. É uma necessidade tão vital que não pode ser postergada e negligenciada. b) DA ALEGADA DIVISÃO DE COMPETENCIAS. Alega o estado que dissertou sobre a divisão de competências constitucionais, no sentido de que a dispensação dos medicamentos requeridos, bem como o transporte social, seria do Município de Benevides. Requer expresso pronunciamento a respeito dos artigos 196/CF; 17 e 18 da Lei n. 8080/92 e Portarias GM/MS n. 3916/98, n. 176/99 e n. 373/02; e NOB-SUS/96. Pois bem, não é apenas esta relatora, mas é a orientação do Supremo Tribunal Federal sobre o direito à saúde ser dever do Estado, em seu sentido lato e por tal razão, deve ser garantido, indistintamente por todos os entes da federação, com fulcro nos artigos 6º, 23, II e 196, da Constituição Federal, independentemente de previsão do fornecimento do insumo pleiteado junto ao SUS ou mesmo qualquer acordo firmado entre os entes federativos. Senão vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (...) 4. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ¿APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE PÚBLICA. FORNECI-MENTO DE FRALDAS GERIÁTRICAS. DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO - ART. 196, CF. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA ENTRE A UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. 1) O Estado do Rio Grande do Sul é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que alguém pleiteia o fornecimento de fraldas geriátricas, uma vez que há obrigação solidária entre a União, Estados e Municípios. 2) Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196 da Constituição Federal. É direito do cidadão exigir e dever do Estado (lato sensu) fornecer medicamentos e tratamentos indispensáveis à sobrevivência, quando o cidadão não puder prover o sustento próprio sem privações. Presença do interesse de agir pela urgência do tratamento pleiteado. 3) Redução da verba honorária, em atenção à complexidade da causa e à qualidade do ente sucumbente. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.¿ (fl. 139). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 724292 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013) De fato, a nossa Carta Magna fixou à União, aos Estados e aos Municípios, a competência para ações de saúde pública, devendo esses entes, cooperar, técnica e financeiramente, entre si, mediante descentralização de suas atividades, com direção única em cada esfera de governo (Lei Federal nº 8.080 de 19/09/1990, art. 7º, IX e XI) executando os serviços e prestando atendimento direto e imediato aos cidadãos (art. 30, VII da Constituição Federal). Portanto, se trata de obrigação constitucional de prestar assistência à saúde funda-se no princípio da cogestão, que significa dizer, uma participação simultânea dos entes estatais dos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária. Por consequência lógica, não se pode atribuir isoladamente ao Município ou ao SUS a responsabilidade por prover recursos necessários à saúde da população. Nesse sentido há julgado do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E INDISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. No caso, aferir a adequação da via eleita, bem como a comprovação de direito líquido e certo e a necessidade de dilação probatória demandam a incursão no conjunto fático-probatória dos autos, providência vedada pela Súmula 7/STJ. 2. Conforme entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público detém legitimidade ativa para propor ação objetivando a proteção do direito à saúde de pessoa hipossuficiente, porquanto se trata de direito fundamental e indisponível, cuja relevância interessa a toda a sociedade. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, Julgado Em 16/12/2014, Dje 19/12/2014). Grifei. Deste modo, toda legislação ordinária, seja ela qual for, não pode ser superior aos ditames constitucionais. c) DA AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO EXPRESSO ACERCA DA AUSENCIA DE AGIR - TRANSPORTE SOCIAL. O Estado alega que resta devidamente demonstrado, nas razões do agravo de instrumento, que não há interesse de agir no que toca ao transporte social, pois ele estaria sendo disponibilizado pelo Município. Pois bem, o Termo de Declaração de fl. 39 é bastante claro acerca do assunto: ¿(...) Que sobre o transporte fornecido pelo município, informa que tomou conhecimento da existência do veículo disponível por meio da Sra. Carla funcionária do município; Que diante disso a depoente foi até a Secretaria de Saúde, onde seu esposo foi cadastrado para a utilização do ´carro social´ da prefeitura; Que os dias das viagens até Ananindeua para a realização da hemodiálise são fixos, sendo segunda, quarta e sexta-feira; que atualmente quem acompanha seu esposo é o filho do casal; que por cerca de 3 (três) vezes deixaram de leva-lo até Ananindeua para o tratamento; Que geralmente o motorista avisa a impossibilidade de transporte por meio telefônico até a noite anterior à viagem; Que a justificativa apresentada para a ausência do transporte são defeitos mecânicos; Que na ausência do veículo, o seu esposo tem que fazer suas viagens por conta própria, chegando a gastar cerca de R$150,00 (cento e cinquenta reais) com o taxi para o transporte (...)¿. De início, cumpre asseverar que o serviço não está sendo prestado, com regularidade que o caso patológico do beneficiário necessita. Nem se cogita, no caso, que há perda superveniente do objeto da ação, pois mesmo que o serviço estivesse sendo cumprido com regularidade, não está caracterizada a perda do objeto da ação, cujo objetivo maior é o efetivo tratamento do paciente, fato esse de caráter duradouro, não se tornando perfeito e acabado em um único ato. O cumprimento da obrigação está amparado em liminar concedida, cujo caráter é provisório. Ademais, vejo que o agravante contesta a ação refutando o direito do beneficiário e alegando o não cabimento de sua responsabilização na causa. Sabe-se que o interesse de agir do autor é uma das condições da ação, um de seus requisitos primordiais, conforme reza o art. 485, VI, Novo Código de Processo Civil, que, em síntese, consiste na necessidade de se obter um provimento judicial útil para o caso concreto levado a conhecimento do Poder Judiciário. Desse modo, não se pode deixar de reconhecer o legítimo interesse do beneficiário de ter seu transporte para Ananindeua receber o tratamento médico adequado ao seu problema de saúde, também se dar quanto à confirmação da liminar que lhe possibilitou tal direito. d) DAS ASTREINTES - DA ALEGADA FLAGRANTE DESPROPORCIONALIDADE E NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO TEMPORAL. Quanto à imposição de multa diária (astreintes) contra o Estado, observa-se que a finalidade deste instituto não é outra senão a de compelir o devedor a cumprir o preceito obrigacional descrito pela sentença, não havendo qualquer óbice jurídico de sua utilização contra a Fazenda Pública, ainda mais quando fixada dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, consoante já decidiu a Primeira Turma do STF, verbis: EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil e constitucional. Multa. Imposição contra o Poder Público. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que é possível a imposição de multa diária contra o Poder Público quando esse descumprir obrigação a ele imposta por força de decisão judicial. 2. Não há falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes quando o Poder Judiciário desempenha regularmente a função jurisdicional. 3. Agravo regimental não provido. (AI 732188 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31-07-2012 PUBLIC 01-08-2012).¿ No caso dos autos, o Juízo de Piso ao fixar a multa a estabeleceu de forma diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) e limitada a R$100.000,00 (cem mil reais). Portanto, ao contrário o que alega o Estado, dosou corretamente a mesma e fixou limite temporal, na medida em que fixou teto máximo. DISPOSITIVO: Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para sanar as omissões indicadas, porém mantenho a decisão monocrática em todos os seus termos. Belém, 5 de fevereiro de 2018. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora
(2018.00491954-52, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2018-02-22, Publicado em 2018-02-22)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
22/02/2018
Data da Publicação
:
22/02/2018
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
Número do documento
:
2018.00491954-52
Tipo de processo
:
Agravo de Instrumento
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