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Jurisprudência


TJPA 0004289-37.2014.8.14.0028

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 01. A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE É MEDIDA PELA INCIDÊNCIA DO ART. 148 COMBINADO COM O ART. 98 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PRESSUPÕE NECESSÁRIA E EXCEPCIONALMENTE, PARA PROCESSAR AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE DE MENOR, QUE O MENOR ESTEJA EM SITUAÇÃO IRREGULAR OU DE RISCO. 02. HIPÓTESE EM QUE O MENOR ESTÁ DE FATO SOB A GUARDA DOS AUTORES DA AÇÃO, TERCEIROS EM RELAÇÃO AO GRUPO FAMILIAR, E EM SEGURANÇA, NÃO AFASTA A CONDIÇÃO DE RISCO INERENTE À OMISSÃO DOS PAIS QUE LHE ABANDONARAM E MALTRATAVAM. 03. PADECE DE PROBLEMA DE SAÚDE QUE PODERÁ LHE CAUSAR COMPLICAÇÕES E GRANDE DESCONFORTO FÍSICO. FEZ-SE CONSTAR NO LAUDO DE FLS. 19 QUE A INFANTE TH IPOTAIHORE VALDENILSON COUTINHO GAVIÃO SECREÇÃO DE COR AMARELADA DE ODOR FÉTIDO, HIPEREMIA INTENSA, SENSIBILIDADE EXACERBADA AO EXAME (...) HIPEREMIA INTENSA DE MUCOSAS VAGINAS, SUGESTIVOS DE PÉSSIMA HIGIENE PESSOAL (TEXTO ORIGINAL), O QUE DENOTA QUE ESTEJA SENDO NEGLIGENCIADA POR SEU RESPONSÁVEL, JÁ QUE SE DEIXOU DE PROVER ADEQUADAMENTE AS NECESSIDADES BÁSICAS PARA O BEM ESTAR E BOM DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA, O QUE PODERÁ, A DEPENDER DO CASO, INCLUSIVE, CARACTERIZAR SITUAÇÃO DE MAUS TRATOS. ASSIM, PRESENTE HIPÓTESE PREVISTA PELO ART. 98 DO ECA HÁBIL A ATRAIR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO, QUAL SEJA O RISCO PESSOAL CONCRETO DECORRENTE DA OMISSÃO.04. EM RAZÃO DISSO, A COMPETÊNCIA PARA JULGAR É DO JUÍZO DE DIREITO DA 6ª VARA CÍVEL DE MARABÁ PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. DECISÃO MONOCRÁTICA INTELIGÊNCIA DO ART. 120, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA RELATÓRIO Trata-se de CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA tendo como suscitante o MM. JUÍZO DE DIREITO DA 6ª VARA CÍVEL DE MARABÁ e como suscitado JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DE MARABÁ, nos termos e fundamentos a seguir expostos: Tratam os autos de Ação de Guarda c/c Busca e Apreensão da criança TH IPOTAIHORE VALDENILSON COUTINHO GAVIÃO proposta por Jaciara de Jesus Coutinho, genitora da infante, a qual alega que foi realizado acordo junto a FUNAI através do qual se convencionou que a guarda da menor impúbere ficaria com a requerente e que o genitor, Sr. David Kakotyire Valdenilson de Souza, gozaria do direito de visita das 10h00min de sexta-feira até as 12h00min de segunda-feira. Ocorre que, segundo a exordial, o Sr. David Kakotyire Valdenilson de Souza, juntamente com seus genitores, ficou aos cuidados de TH IPOTAIHORE VALDENILSON COUTINHO GAVIÃO desde o dia 20 de março de 2014, não mais possibilitando o convívio daquela com a mãe, ora requerente. Noticiou-se, ainda, que os avós paternos da criança compareceram junto ao Conselho Tutelar de São João do Araguaia/PA, afirmando que a criança teria sido vítima de abuso sexual por parte do genitor da requerente. A ação foi originalmente distribuída ao Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Marabá, que, em decisão de fls. 17, declinou de sua competência e determinou a remessa dos presentes autos ao Juízo que entendeu competente, qual seja o da 6ª Vara Cível de Marabá, com competência privativa para os feitos da justiça da Infância e Juventude, Curatela e Interditos. Redistribuídos os autos, o Juízo da 6ª Vara Cível de Marabá prolatou decisão aduzindo, em suma, que apenas quando a criança ou o adolescente encontra-se em uma das situações de risco pessoal ou vulnerabilidade social previstas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente é que o processamento e julgamento do feito competirá à Vara especializada, nos termos do art. 148, parágrafo único, a do ECA, razão pela qual suscitou o presente Conflito Negativo de Competência. No E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará o processo foi distribuído à relatoria do Exmo. Sr. José Roberto P. M. Bezerra Júnior e em seguida remetido ao Ministério Público para a emissão de parecer, que opinou pela improcedência do presente Conflito Negativo, para ser declarada a competência do Juízo de Direito da 6ª Vara Cível De Marabá para processar e julgar o feito. Às fls. 34, o Exmo. Sr. José Roberto P. M. Bezerra Júnior, prolatou despacho, encaminhando os autos à secretaria, em face da Portaria nº 2609/2014. Após redistribuição dos autos (fls. 36), coube a mim a relatoria do feito em 24/10/2014. É o relatório. DECIDO. Antes de analisar o presente destaco que irei decidi-lo monocraticamente com fundamento no parágrafo único do art. 120 do Código de Processo Civil. Acerca da possibilidade de fazê-lo colaciona a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni: Havendo jurisprudência dominante do tribunal sobre a questão suscitada (ou ainda do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça), o relator poderá decidir de plano o conflito, monocraticamente, racionalizando-se por aí a atividade judiciária. (MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 3ª Ed. Rev. Atual. e Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pág. 175). O cerne do presente conflito gravita em torno de controvérsia surgida quanto à definição de competência jurisdicional para processar e julgar ação envolvendo guarda, busca e apreensão de menor de idade. Para melhor elucidação da celeuma, deve-se atentar às recomendações propostas pelo legislador quanto ao trato das questões que envolvem criança ou adolescentes, nos moldes do art. 6º da Lei nº 8.069/90 (ECA), o qual dispõe que, in verbis: Art. 06º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Vislumbra-se, portanto, que o legislador legou a obrigatoriedade de interpretar teleológica para a efetiva proteção dos impúberes. Os fins almejados pelo ECA possuem amparo constitucional (art. 227 da CFRB/88), sendo destinados aos menores de idade privilégios na prestação jurisdicional justificáveis pela própria condição que apresentam. O art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre as hipóteses de competência para o processamento e julgamento de ações no Juízo da Infância e da Juventude, in verbis: Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis; II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo; III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes; IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no Art. 209; V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis; VI - aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente; VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do Art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de: a) conhecer de pedidos de guarda e tutela; b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda; c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento; d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder; e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais; f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente; g) conhecer de ações de alimentos; h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito. O art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente a que se refere à norma supramencionada estabelece: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta. Em análise conjunta dos artigos transcritos alhures se averigua que a existência de situação de risco aos menores de idade é que fará sobrevir a competência da Vara Especializada para processar e julgar os pedidos de guarda e tutela, conforme, inclusive, bem explanado pelo Juízo de Direito da 6ª Vara Cível de Marabá às fls. 21/22. Sendo também este o posicionamento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, senão vejamos: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE DE MENOR. ESTATUTO DA CRIANÇA E DA JUVENTUDE. 01. A competência do juízo da infância e da juventude pressupõe, necessária e excepcionalmente, para processar ação de guarda e responsabilidade de menor, que o menor esteja em situação irregular ou de risco. Assim, quando a ação for baseada em qualquer outra situação, sem que presentes quaisquer desses requisitos, afasta-se a competência dessa vara especial. Inteligência do art. 98 do ECA. 02. conflito de competência conhecido e procedente, para declarar a competência do Juízo suscitado (Juízo de Direito da 19ª Vara cível da Comarca de Belém, Pa). (...) (Processo: CC 200630073168, Relator: GERALDO DE MORAES CORREA LIMA, Julgamento: 12/04/2007, Publicação: 16/04/2007) --------------------------------------------------------------------------------------------- CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA DE MENOR PROPOSTA POR PADRINHOS DO MENOR ABANDONADO PELA MÃE E VÍTIMA DE MAUS TRATOS PELOS PAIS. CONFIGURAÇÃO DE SITUAÇÃO IRREGULAR E DE RISCO. COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA CAPITAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO E NÃO PROVIDO UNÂNIME. 01. A competência do Juízo da Infância e Juventude é medida pela incidência do art. 148 combinado com o art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente e pressupõe necessária e excepcionalmente, para processar ação de guarda e responsabilidade de menor, que o menor esteja em situação irregular ou de risco. 02. Hipótese em que o menor está de fato sob a guarda dos autores da ação, terceiros em relação ao grupo familiar, e em segurança, não afasta a condição de risco inerente à omissão dos pais que lhe abandonaram e maltratavam. 03. Conflito de competência conhecido e improcedente, para declarar a competência do Juízo suscitante (Juízo de Direito da 1ª Vara da Infância de Juventude da CApital). Decisão unânime. CONFLITO DE COMPETÊNCIA: PROC. Nº 2009.3.010504-1. SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA CAPITAL. SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 8ª VARA DE FAMÍLIA DA CAPITAL. PROCURADOR DE JUSTIÇA: GERALDO DE MENDONÇA ROCHA. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. ACÓRDÃO: 83808 Embora as provas carreadas nos autos demonstrem que inexistiu a prática de conjunção carnal e/ou de atos libidinosos da conjunção carnal por quem quer que fosse, conforme consta no laudo de exame de corpo de delito de fls. 19, percebe-se, de acordo com o referido documento, que a criança, por omissão de seus responsáveis, não podendo se afirmar especificamente de quem, se da genitora, ou se do genitor ou dos avos paternos, já que a criança ficou com o Pai a partir do dia 20 de março e que a perícia foi realizada apenas no dia 22 de abril do ano corrente, padece de problema de saúde que poderá lhe causar complicações e grande desconforto físico. Fez-se constar no laudo de fls. 19 que a infante TH IPOTAIHORE VALDENILSON COUTINHO GAVIÃO secreção de cor amarelada de odor fétido, hiperemia intensa, sensibilidade exacerbada ao exame (...) hiperemia intensa de mucosas vaginas, sugestivos de péssima higiene pessoal (texto original), o que denota que esteja sendo negligenciada por seu responsável, já que se deixou de prover adequadamente as necessidades básicas para o bem estar e bom desenvolvimento da criança, o que poderá, a depender do caso, inclusive, caracterizar situação de maus tratos. Assim, presente hipótese prevista pelo art. 98 do ECA hábil a atrair a competência da Justiça Especializada para processar e julgar o feito, qual seja o risco pessoal concreto decorrente da omissão. Pelo exposto, com base no parágrafo único do artigo 120 do código de processo civil, e na esteira do parecer Ministerial, CONHEÇO do CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA, para DECLARAR, a competência do Juízo de Direito da 6ª Vara Cível de Marabá para o processamento e julgamento do feito. À Secretaria para as devidas providências, observando-se, nesse sentido, o disposto no art. 122, parágrafo único, da legislação processual. Belém (PA), 02 de dezembro de 2014. DESA. MARNEIDE MERABET RELATORA (2014.04658678-78, Não Informado, Rel. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2014-12-04, Publicado em 2014-12-04)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 04/12/2014
Data da Publicação : 04/12/2014
Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO
Relator(a) : MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET
Número do documento : 2014.04658678-78
Tipo de processo : Conflito de competência
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