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Jurisprudência


TJPA 0004292-32.2012.8.14.0005

Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA   Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por VIA MARCONI VEÍCULOS LTDA, devidamente representada por procurador habilitado nos autos, com base no art. 513 e ss. do CPC, contra sentença prolatada pelo douto juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Altamira (fls. 142/146) que, nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Nº 0004292-32.2012.814.0005 ajuizada por MARIA LÚCIA AZEVEDO NEVES, julgou procedente o pedido de indenização condenando a ré a pagar a importância de R$ 12.000,00 (doze mil reais) a título de danos morais com juros de 1% ao mês, a partir da citação e correção monetária, com adoção do INPC, a partir do arbitramento do valor estipulado na sentença até seu efetivo pagamento. Além disso, arbitrou honorários sucumbenciais no percentual de 15% sobre o valor da condenação.   Em sede de petição inicial a autora suscitou, em síntese, que em 29.10.2009 adquiriu da empresa recorrente um veículo seminovo, modelo SIENA HLX FLEX, marca FIAT, ano 2004, cor cinza, placa JUZ 5589, chassi 9BD17241C53140825. Após dois anos, aproximadamente, decidiu trocar de veículo, porém, em outra concessionária (SAN CAR VEÍCULOS) dando como entrada o veículo adquirido junto a recorrente e pagando em moeda corrente a diferença do carro novo. Aduziu que após alguns dias recebeu ligação do proprietário da empresa SAN CAR VEÍCULOS, o qual informou que a documentação informando que a transferência da documentação do carro havia sido indeferida após vistoria realizada pelo DETRAN, em decorrência de adulteração no motor que não seria o original, possuindo numeração diferente da que constava da documentação do veículo. Em suas razões recursais, às fls. 150/168, a apelante asseverou o seguinte em sede preliminar o seguinte: ilegitimidade ativa; ilegitimidade passiva. No mérito: a desídia do órgão estatal, tendo em vista a inobservância da atualização cadastral do veículo com o novo número do motor substituído e não da recorrente; que não ocasionou lesão à esfera patrimonial e moral da parte recorrida; e inexistência de dano moral. Alternativamente pleiteou a redução do dano moral para R$ 2.000,00; minoração dos honorários fixados pelo Juízo de piso; o prequestionamento das matérias ventiladas no recurso. A apelação foi recebida em seu duplo efeito (fl. 176). Não foi apresentada Contrarrazões (fls. 177/181).   Coube-me a relatoria do feito por distribuição (fl. 190).   Vieram-me conclusos os autos.   É o relatório.  DECIDO.  Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Primeiramente, quanto às preliminares suscitadas, entendo que não assiste razão à recorrente. A legitimidade ativa da requerente se constata quando da verificação da nota fiscal de fl. 15 dos autos, que atesta de forma notória que foi a adquirente do veículo em exame estando na posse deste, razão pela deve ser afastada a alegada legitimidade ativa. Quanto à arguição de ilegitimidade passiva, sob a justificativa de que o Detran foi o responsável pelos supostos prejuízos causados à requerente, também não deve ser acolhida, uma vez que a aferição de responsabilidade configura evidente análise de mérito da demanda, necessitando estudo das provas carreadas aos autos, o que não se coaduna com a natureza das preliminares, razão pela qual ser inviável o acolhimento desta preliminar.    DO MÉRITO.  Após folhear os autos, observo que se está diante de típico caso de vício de produto, especificamente a irregularidade do número do motor do veículo adquirido pela demandante da ora apelante. Considerando a legislação consumerista aplicável ao caso em tela, destaco que a troca do motor sem a devida regularização exigida pela legislação pátria, caracteriza vício oculto, cujo prazo decadencial inicia do momento que ficar evidenciado o defeito (art. 26, § 3º do CDC), o que no caso em tela se verificou a partir da ciência de que não seria possível realizar a transferência do veículo para terceiros em função de o DETRAN constatar que o motor contida no veículo não correspondia àquele constante nos registros do veículo, conforme se observa da leitura das fls. 19/20 dos autos. Nesse contexto, inviável se falar em decadência, pois é notório que após a ciência do vício, a requerente exigiu providências da requerida.  Adentrando propriamente ao mérito, como cerne da demanda cabe aferir a quem deve ser atribuída a responsabilidade pelos fatos narrados na exordial. No caso em tela, resta incontroverso que a requerente adquiriu o automóvel da requerida, conforme nota fiscal em anexo (fl. 15) que comprova a compra e venda realizada, ao passo que após a celebração do contrato recebeu a documentação do veículo em seu nome conforme se verifica do acervo probatório. Também é incontroverso que quando realizado o laudo de fl. 22, ficou constatado que a numeração do motor não era compatível com a constante na base de dados do DENATRAN, qual seja: 7U*0099827 do motor original. Além disso, em vários momentos da marcha processual a recorrente afirmou que foi a responsável pela realização da troca do motor, inclusive quando da oitiva do preposto em audiência.  Diante da realidade exposta, entendo que não assiste razão a recorrente. Isso porque na condição de empresa comercializadora de veículos, em consonância com os princípios da boa-fé e equidade (art. 51, IV da CDC), deveria tomar todas as medidas necessárias a resguardar o produto de eventuais vícios que pudessem atingir o bem, sendo incabível a hipótese de afastar sua responsabilidade atribuindo a terceiro que sequer faz parte do processo. Nesse sentido destaco que em momento algum a recorrente pleiteou a participação do DETRAN para integrar a lide.    Destaco, ainda, que quando da transferência da titularidade da propriedade do veículo a requerida poderia ter informado ao departamento de trânsito bem como à compradora a mencionada troca no motor, o que não aconteceu, afrontando direito básico do consumidor, qual seja: ¿a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem¿ (CDC, inciso III do artigo 6º). Nesse sentido destaco que a declaração de fl. 117 informando a numeração do motor do veículo, datada de 15.08.2012 teria relevante valor probatório se tivesse sido apresentada quando da vistoria realizada anteriormente ao recebimento do veículo pela autora, procedendo ao registro da substituição do motor junto ao órgão de trânsito, o que não ocorreu. Assim, vislumbro que a ré não desincumbiu da obrigação de apresentar fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito da demandante (art. 333, II do CPC), o que enseja o não provimento do recurso. Ato contínuo, destaco que se demonstrou evidente o constrangimento moral sofrido pela requerente, à medida que foi surpreendida com a notícia de que estaria com motor supostamente fraudado, impedindo que realizasse a venda do automóvel, estando sujeita a eventuais penalidades administrativas por ter circulado por anos com veículo irregular, assim como o constrangimento sofrido com o tratamento dado pela requerida quando tentou a resolução do imbróglio. Tal contexto certamente alterou o cotidiano da consumidora que tentou por diversas vezes resolver a questão, de modo que da realidade exposta não se pode concluir como mero dissabor sofrido, mas sim fato ensejado de indenização por danos morais, conforme requerido.  Relevante destacar que quando o consumidor adquire o produto em uma empresa que goza de reputação no mercado imagina que o bem entregue irá propiciar o uso e livre disposição, porém, no caso em exame, a troca do motor sem sua ciência gerou grande transtorno quando da sua transferência, caindo por terra a inicial imagem de cooperação e boa fé que tinha em relação à empresa recorrente. Nesse sentido destaco o seguinte julgado: ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA. VEÍCULO. MOTOR  SUBSTITUÍDO. LEGITIMIDADE ATIVA. INFORMAÇÃO OMITIDA. REGISTRO NÃO FORMALIZADO NO DETRAN. ILÍCITO CONFIGURADO. PROVA DOS DANOS MATERIAIS. DANO MORAL CARACTERIZADO. I - Possui legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos materiais e morais aquele que se diz lesado por ato imputado à parte adversa (Teoria da Asserção). II - Violado o dever de informação ao consumidor (CDC, inciso III, do artigo 6º), bem assim descumprida a obrigação de registrar a substituição do motor do veículo no órgão de trânsito, resta configurado o ilícito civil. (...) IV - A venda de veículo usado com motor substituído por concessionária renomada no mercado sem a devida informação ao consumidor adquirente enseja o dano moral por configurar desrespeito à pessoa, que nutre justa expectativa quanto à cooperação e a boa-fé no cumprimento e na transparência do negócio com ela celebrado. Na espécie, importante considerar o caráter dissuasório, aplicando-se a responsabilidade civil com o intento de evitar a reiteração da prática de condutas semelhantes. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO. APELACAO CIVEL. 259704-58.2012.8.09.0051. Rel. DES. ALAN S. DE SENA CONCEICAO. DJ 14/08/2014)¿. AÇÃO INDENIZATÓRIA - COMPRA E VENDA DE VEÍCULO - MOTOR COM NUMERAÇÃO ADULTERADA - IMPOSSIBILIDADE DE LICENCIAMENTO - NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO MOTOR OU SEU BLOCO - INAPLICÁVEL A NORMA DO ART. 445 DO CC - ART. 186 E 927 DO CC - CARACTERIZAÇÃO DE DANO MATERIAL E MORAL - DANO MATERIAL A SER ARBITRADO - COMPENSAÇÃO PELO DANO MORAL ELEITA EM R$ 3.000,00 - APELAÇÃO PROVIDA. I- Confirmado que a ré alienou veículo com vício oculto (motor com numeração adulterada), sendo necessária a substituição do bloco do motor para que seja regularizado, pertinente a condenação da ré a suportar os gastos necessários a tal procedimento; II- Não podendo o autor usufruir do veículo adquirido junto à ré, ante a impossibilidade de seu licenciamento, desinteressando-se esta em solucionar o impasse, de rigor o reconhecimento da ocorrência de dano imaterial; III- Atento aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, fixa-se a compensação pelo dano moral em R$ 3.000,00 (TJ-SP - APL: 00058561420118260404 SP 0005856-14.2011.8.26.0404, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 25/08/2015, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/08/2015)   Ademais, importante destacar que se está diante de responsabilidade objetiva, independente a existência de culpa (art. 18 do CDC): ¿Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.¿ Plenamente aplicável o dispositivo ao caso à medida que a troca do motor sem o registro da substituição junto ao órgão responsável tornou o bem impróprio ou inadequado ao uso. Por fim, à luz da realidade fático e do direito aplicado ao caso, entendo cabível e razoável a indenização estabelecida pelo Juízo de primeiro grau, considerando a conduta imputada, as consequências advindas e o porte econômico das partes. Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput do CPC, conheço da apelação e nego-lhe seguimento por ser manifestamente improcedente e contrária a jurisprudência pátria nos termos e limites da fundamentação lançada, inclusive para fins de prequestionamento, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita.      P.R.I. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria n°3731/2015-GP. Belém (PA), 23 de março de 2016.   Desembargadora DRª. EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora (2016.01094346-84, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-03-28, Publicado em 2016-03-28)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 28/03/2016
Data da Publicação : 28/03/2016
Órgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : EZILDA PASTANA MUTRAN
Número do documento : 2016.01094346-84
Tipo de processo : Apelação
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