TJPA 0004305-93.2013.8.14.0070
DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por B. V. FINANCEIRA S/A, devidamente representada por procurador habilitado nos autos, com base no art. 513 e ss. do CPC/1973, contra sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Abaetetuba-PA (fls. 108/109) que, nos autos da ação de declaração de inexistência de débito c/c reparação de danos morais proposta por BENEDITA DE VILHENA RIBEIRO, julgou procedente o pedido para determinar o cancelamento definitivo do contrato discutido, condenando a financeira a restituir a requerente o valor de R$ 1.629,73, correspondente ao dobro dos valores indevidamente descontados, danos morais com juros e correção no valor total de R$ 5.000,00. Além disso, condenou o requerido a pagar custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. A demanda foi proposta sob a alegação de descontos indevidos nos proventos de aposentadoria do requerente sem a existência de qualquer contrato de empréstimo ou similar que autorizasse o débito em conta dos valores questionados. Em suas razões recursais (fls. 133/155) a apelante suscitou o seguinte: pacta sunt servanda e a legalidade do contrato; princípio da razoabilidade e proporcionalidade; não cabimento da repetição de indébito; legalidade da utilização da taxa referencial (TR); multa diária excessiva; valor exorbitante dos honorários advocatícios. Ao final, requereu o total provimento do recurso interposto. A apelação foi recebida no efeito devolutivo (fl. 161). O requerido apresentou contrarrazões (fls. 178/181) refutando as razões da apelação, requerendo, ao final, o não provimento do recurso. Coube-me a relatoria do feito por distribuição. Vieram-me conclusos os autos. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente ressalto que, em aplicação ao art. 14 do Código de Processo Civil de 2015, o presente recurso será analisado sob a égide do CPC/1973, uma vez que ataca decisão publicada anteriormente à vigência do Novo Diploma Processual Civil. No caso em tela, entendo que o cerne da questão é analisar se restou caracterizado o desconto indevido sobre os ativos financeiros da parte requerente, bem como de quem seria a responsabilidade pelos danos decorrentes do ilícito. Em razão do tratamento pacificado da matéria junto às instâncias superiores e da suficiência de provas carreadas aos presentes autos, afigura-se possível a análise monocrática do mérito do presente recurso, consoante previsão específica do art. 557, do Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO CONSUMERISTA AO CASO EM TELA. Em um primeiro momento, ressalto o entendimento pacífico acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação pactuada entre as partes, haja vista que a instituição financeira é prestadora de serviços, nos termos do art. 3º da Lei 8.078/1990. Já a apelante enquadra-se na definição de consumidor, disposta no art. 2º do CDC, que expõe que ¿Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.¿ Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, visando dirimir qualquer dúvida, editou a Súmula nº. 297, que dispõe: ¿O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras¿. Dessa forma, ainda que persista o princípio da liberdade de contratação e pactuação das taxas e encargos incidentes, os contratos bancários não contam com força absoluta e obrigatória, principalmente se houver disposições que contrariam o ordenamento jurídico, como os princípios da boa-fé e equilíbrio das prestações. Os pactos, então, podem ser objeto de revisão sempre que verificada alguma abusividade que coloque o consumidor em situação de extrema desvantagem. Assim, passo a análise do caso concreto, observando os aspectos trazidos em sede recursal. DO CASO CONCRETO. A demanda foi proposta sob a alegação de descontos indevidos nos proventos de aposentadoria do requerente, sem a existência de qualquer contrato de empréstimo ou similar, não tendo sido autorizado qualquer débito em conta para quitação das obrigações supostamente avençadas. No caso em tela, entendo que a autora logrou êxito em demonstrar a existência de transferência indevida de seus ativos financeiros. Digo isso porque os comprovantes bancários em anexo, notadamente à fl. 21 dos autos, indicam a existência de débitos na conta corrente incidindo sobre seus proventos de aposentadoria. Ora, a partir do momento em que o requerente conduz aos autos o mínimo de acervo probatório capaz de fundamentar o pedido, como no presente caso, cabe ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II do CPC/73). In casu, bastaria que a instituição financeira trouxesse aos autos cópia do contrato celebrado com a autora, com sua respectiva assinatura ou qualquer outro instrumento que comprovasse a concordância da demandante em celebrar o acordo que deu origem aos descontos questionados em Juízo, o que não aconteceu no caso concreto. De todo modo, independentemente do fato que gerou a incidência dos descontos indevidos, a legislação consumerista, em seu art. 14, estabelece a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, independente da existência de culpa, conforme abaixo transcrito: ¿O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.¿ Nesse sentido, é notório na jurisprudência que diante da responsabilidade objetiva do fornecedor, este responderá pelos danos ocasionados, conforme o julgado abaixo do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: ¿AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. SÚMULA 479/STJ. INCLUSÃO EM CADASTROS DE DEVEDORES. DANO MORAL. RAZOABILIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. A instituição financeira nada mais é do que uma fornecedora de produtos e serviços, sendo certo que a sua responsabilidade é objetiva nos termos do art. 14, caput, da Lei 8.078/90, encontrando fundamento na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, todo aquele que se dispõe a fornecer em massa bens ou serviços deve assumir os riscos inerentes à sua atividade independentemente de culpa. (...) 4. No caso em exame, o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) e mantido pelo Tribunal de origem, não se encontra desarrazoado frente aos patamares estabelecidos por esta Corte Superior, estando em perfeita consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Descabida, portanto, a intervenção do STJ no que toca ao valor anteriormentefixado.Precedentes. 5. Agravo regimental não provido" (Quarta Turma, AgRg no AREsp 602968/SP, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 02/12/2014, DJe 10/12/2014). ¿ Acrescento que diante das peculiaridades do caso concreto, resta inaplicável qualquer das hipóteses previstas no art. 14, §3º do CDC (tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro), que afastariam a responsabilidade do prestador de serviço, uma vez que não logrou êxito em demonstrar a inexistência de defeito na prestação do serviço oferecido, bem como a culpa exclusiva do autor ou de terceiro. Por isso, restou claro que o apelante não obteve sucesso em suscitar fato impeditivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor, com fulcro no art. 333, inciso I do CPC/73, o que demonstra o acerto da decisão atacada. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. O recorrente aduz que a quantia fixada a título de danos morais se mostrou desproporcional e fora dos ditames de razoabilidade. Todavia, entendo que não merece reforma a decisão que condenou em danos morais em função dos descontos indevidos nos proventos de aposentadoria de Benedita de Vilhena Ribeiro. No tocante aos danos morais, é de ser confirmada a decisão, vez que evidenciados os prejuízos imateriais infligidos à parte autora, decorrentes da prática abusiva perpetrada por parte da ré, que comprometeu notoriamente os proventos de aposentadoria de pessoa detentora de limitadas condições financeiras, o que sem dúvidas transcende a ideia de mero aborrecimento, haja vista que dada a sua condição social, os descontos indevidos podem prejudicar a própria subsistência da recorrida e daqueles que dela dependem. No sentido de conceder julgar procedente o dano moral, é a jurisprudência: ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÂO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO PELO AUTOR. DESCONTO INDEVIDO REALIZADO EM SEU BENEFÍCIO PREVIDÊNCIÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. DANO MATERIAL DEMONSTRADO. REPETIÇÂO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRADO ÚNICO DO CDC. DANO MORAL IN RE IPSA. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM PATAMAR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. 1 - O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado, sob a sistemática de recursos repetitivos, tema: 466, no sentido de que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes praticados por terceiros ou por erros da própria instituição financeira, uma vez que tal reponsabilidade decorre de risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2 - Quanto ao dano material, compreendo que este restou devidamente comprovado nos autos, sendo demonstrado pela planilha de fls. 23 os descontos indevidamente realizados no benefício previdenciário do autor, fato que atraí a aplicação do art. 42, Parágrafo Único do Código de Defesa do Consumidor. 3 - Urge ressaltar, ainda, que por tratar o presente caso de responsabilidade objetiva da instituição financeira, conforme demonstrado alhures, inexiste a necessidade de que o consumidor lesado demonstre a ocorrência de má-fé por parte do prestador do serviço ao realizar a cobrança indevida. 4 - A Colenda Corte Superior também firmou o entendimento no sentido de que à indenização extrapatrimonial, quando decorrente de descontos indevidos em conta-corrente, por falha na prestação do serviço, quando não ficar provada a existência do contrato bancário, ensejam a indenização por dano moral, tratando-se na espécie, do chamado dano moral in re ipsa (PROCESSO N.: 2013.3.024427-3. 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. Data de Julgamento: 09/06/2016).¿ ¿RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTO INDEVIDO DE VALORES DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO (Recurso Cível Nº 71005651344, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Regis de Oliveira Montenegro Barbosa, Julgado em 12/11/2015).¿ Desse modo, considerado o fato gerador do dano, as condições econômicas da autora e do réu, entendo razoável e proporcional a condenação em danos morais aplicado no valor de R$ 5.000,00 pelo Juízo que prolatou a sentença atacada. DANO MATERIAL. LEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) No que se refere ao dano material, à medida que o recorrente não conseguiu desconstituir o direito alegado pela recorrida, correta a sua fixação com base nos proventos efetivamente descontados de forma indevida, a título de descontos por supostos empréstimos bancários, devendo ser pagos em dobro, caracterizada a repetição do indébito, nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC. Nesse sentido vem decidindo esta Egrégia Corte: ¿APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM CONTA BANCÁRIA. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. TESE RECURSAL DE INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO CREDITÍCIO. IMPROCEDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIZAÇÃO DO CONSUMIDOR. DESCONTOS ILEGAIS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. DANO ¿IN RE IPSA¿. ¿QUANTUM¿ FIXADO EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS. UNÂNIME. (APELAÇÃO CIVEL Nº. 2012.301.0499-9. 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RELATORA: Desª. MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO. DATA DE JULGAMENTO: 30/05/2016).¿ No que se refere à legalidade da utilização da taxa referencial (TR) verifico típico de razões dissociadas da decisão atacada. Isso porque na sentença vergastada não se analisou a suposta abusividade de cláusula contida em contrato celebrado pelas partes, mas sim a inexistência de contrato que amparasse os descontos sobre os proventos de aposentadoria da recorrida. Assim, à medida que o recorrente suscita como razão do recurso questão não discutida em Juízo, estar-se diante de razão recursal dissociada da decisão atacada, afrontando o disposto no art. 514, II do CPC/73, motivo pelo qual deixo de apreciá-la, no caso, a alegação de legalidade da utilização da taxa referencial (TR). DA MULTA FIXADA E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. No que se refere à multa diária, verifico que o magistrado de primeiro grau fixou a quantia de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento até o limite de R$ 30.000,00. No caso, considerando a natureza inibitória das astreintes, entendo que elas devem ser fixadas de forma razoável e proporcional, mas em patamar que possa compelir o réu a cumprir a obrigação, contribuindo com a própria ideia de efetividade do provimento jurisdicional. No caso em questão o magistrado agiu com razoabilidade ao fixar as astreintes, com o fim de dar efetividade à decisão judicial, razão pela qual mantenho no patamar fixado pelo julgador, até o limite de R$ 30.000,00. No que se refere aos honorários advocatícios, também entendo que a sentença não merece reforma. Ora, descabe a alegação de valor exorbitante quando a própria legislação processual civil de 1973 traz de forma a expressa a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência no percentual de 20% do valor da condenação (art. 20, §3º caput do CPC). Ademais, considerando que a deamandante se viu obrigada a recorrer ao poder judiciário para ver resolvida lide da qual não deu causa, bem como reconhecendo o zelo da defensoria pública no decorrer da demanda, agindo de forma diligente, além do local da prestação do serviço e natureza da causa, com fulcro no art. 20, §3º do CPC/73, entendo ser medida de justiça a manutenção dos honorários advocatícios fixados. Por fim, com base nos fundamentos fáticos e jurídicos aplicados à realidade fática, vislumbro que laborou com acerto o Juízo de primeiro grau, devendo ser mantida na íntegra a sentença vergastada. Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput do CPC/73, conheço da apelação e nego-lhe seguimento por ser manifestamente improcedente e contrária a jurisprudência pátria, mantendo na íntegra a decisão atacada, nos termos e limites da fundamentação lançada, inclusive para fins de prequestionamento, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. P.R.I. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria n°3731/2015-GP. Belém (PA), 28 de junho de 2016. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora
(2016.02590403-06, Não Informado, Rel. EDINEA OLIVEIRA TAVARES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2016-06-30, Publicado em 2016-06-30)
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DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por B. V. FINANCEIRA S/A, devidamente representada por procurador habilitado nos autos, com base no art. 513 e ss. do CPC/1973, contra sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Abaetetuba-PA (fls. 108/109) que, nos autos da ação de declaração de inexistência de débito c/c reparação de danos morais proposta por BENEDITA DE VILHENA RIBEIRO, julgou procedente o pedido para determinar o cancelamento definitivo do contrato discutido, condenando a financeira a restituir a requerente o valor de R$ 1.629,73, correspondente ao dobro dos valores indevidamente descontados, danos morais com juros e correção no valor total de R$ 5.000,00. Além disso, condenou o requerido a pagar custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da condenação. A demanda foi proposta sob a alegação de descontos indevidos nos proventos de aposentadoria do requerente sem a existência de qualquer contrato de empréstimo ou similar que autorizasse o débito em conta dos valores questionados. Em suas razões recursais (fls. 133/155) a apelante suscitou o seguinte: pacta sunt servanda e a legalidade do contrato; princípio da razoabilidade e proporcionalidade; não cabimento da repetição de indébito; legalidade da utilização da taxa referencial (TR); multa diária excessiva; valor exorbitante dos honorários advocatícios. Ao final, requereu o total provimento do recurso interposto. A apelação foi recebida no efeito devolutivo (fl. 161). O requerido apresentou contrarrazões (fls. 178/181) refutando as razões da apelação, requerendo, ao final, o não provimento do recurso. Coube-me a relatoria do feito por distribuição. Vieram-me conclusos os autos. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente ressalto que, em aplicação ao art. 14 do Código de Processo Civil de 2015, o presente recurso será analisado sob a égide do CPC/1973, uma vez que ataca decisão publicada anteriormente à vigência do Novo Diploma Processual Civil. No caso em tela, entendo que o cerne da questão é analisar se restou caracterizado o desconto indevido sobre os ativos financeiros da parte requerente, bem como de quem seria a responsabilidade pelos danos decorrentes do ilícito. Em razão do tratamento pacificado da matéria junto às instâncias superiores e da suficiência de provas carreadas aos presentes autos, afigura-se possível a análise monocrática do mérito do presente recurso, consoante previsão específica do art. 557, do Código de Processo Civil Brasileiro de 1973. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO CONSUMERISTA AO CASO EM TELA. Em um primeiro momento, ressalto o entendimento pacífico acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação pactuada entre as partes, haja vista que a instituição financeira é prestadora de serviços, nos termos do art. 3º da Lei 8.078/1990. Já a apelante enquadra-se na definição de consumidor, disposta no art. 2º do CDC, que expõe que ¿Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.¿ Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, visando dirimir qualquer dúvida, editou a Súmula nº. 297, que dispõe: ¿O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras¿. Dessa forma, ainda que persista o princípio da liberdade de contratação e pactuação das taxas e encargos incidentes, os contratos bancários não contam com força absoluta e obrigatória, principalmente se houver disposições que contrariam o ordenamento jurídico, como os princípios da boa-fé e equilíbrio das prestações. Os pactos, então, podem ser objeto de revisão sempre que verificada alguma abusividade que coloque o consumidor em situação de extrema desvantagem. Assim, passo a análise do caso concreto, observando os aspectos trazidos em sede recursal. DO CASO CONCRETO. A demanda foi proposta sob a alegação de descontos indevidos nos proventos de aposentadoria do requerente, sem a existência de qualquer contrato de empréstimo ou similar, não tendo sido autorizado qualquer débito em conta para quitação das obrigações supostamente avençadas. No caso em tela, entendo que a autora logrou êxito em demonstrar a existência de transferência indevida de seus ativos financeiros. Digo isso porque os comprovantes bancários em anexo, notadamente à fl. 21 dos autos, indicam a existência de débitos na conta corrente incidindo sobre seus proventos de aposentadoria. Ora, a partir do momento em que o requerente conduz aos autos o mínimo de acervo probatório capaz de fundamentar o pedido, como no presente caso, cabe ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II do CPC/73). In casu, bastaria que a instituição financeira trouxesse aos autos cópia do contrato celebrado com a autora, com sua respectiva assinatura ou qualquer outro instrumento que comprovasse a concordância da demandante em celebrar o acordo que deu origem aos descontos questionados em Juízo, o que não aconteceu no caso concreto. De todo modo, independentemente do fato que gerou a incidência dos descontos indevidos, a legislação consumerista, em seu art. 14, estabelece a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, independente da existência de culpa, conforme abaixo transcrito: ¿O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.¿ Nesse sentido, é notório na jurisprudência que diante da responsabilidade objetiva do fornecedor, este responderá pelos danos ocasionados, conforme o julgado abaixo do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: ¿AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. SÚMULA 479/STJ. INCLUSÃO EM CADASTROS DE DEVEDORES. DANO MORAL. RAZOABILIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. A instituição financeira nada mais é do que uma fornecedora de produtos e serviços, sendo certo que a sua responsabilidade é objetiva nos termos do art. 14, caput, da Lei 8.078/90, encontrando fundamento na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, todo aquele que se dispõe a fornecer em massa bens ou serviços deve assumir os riscos inerentes à sua atividade independentemente de culpa. (...) 4. No caso em exame, o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) e mantido pelo Tribunal de origem, não se encontra desarrazoado frente aos patamares estabelecidos por esta Corte Superior, estando em perfeita consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Descabida, portanto, a intervenção do STJ no que toca ao valor anteriormentefixado.Precedentes. 5. Agravo regimental não provido" (Quarta Turma, AgRg no AREsp 602968/SP, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 02/12/2014, DJe 10/12/2014). ¿ Acrescento que diante das peculiaridades do caso concreto, resta inaplicável qualquer das hipóteses previstas no art. 14, §3º do CDC (tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro), que afastariam a responsabilidade do prestador de serviço, uma vez que não logrou êxito em demonstrar a inexistência de defeito na prestação do serviço oferecido, bem como a culpa exclusiva do autor ou de terceiro. Por isso, restou claro que o apelante não obteve sucesso em suscitar fato impeditivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor, com fulcro no art. 333, inciso I do CPC/73, o que demonstra o acerto da decisão atacada. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. O recorrente aduz que a quantia fixada a título de danos morais se mostrou desproporcional e fora dos ditames de razoabilidade. Todavia, entendo que não merece reforma a decisão que condenou em danos morais em função dos descontos indevidos nos proventos de aposentadoria de Benedita de Vilhena Ribeiro. No tocante aos danos morais, é de ser confirmada a decisão, vez que evidenciados os prejuízos imateriais infligidos à parte autora, decorrentes da prática abusiva perpetrada por parte da ré, que comprometeu notoriamente os proventos de aposentadoria de pessoa detentora de limitadas condições financeiras, o que sem dúvidas transcende a ideia de mero aborrecimento, haja vista que dada a sua condição social, os descontos indevidos podem prejudicar a própria subsistência da recorrida e daqueles que dela dependem. No sentido de conceder julgar procedente o dano moral, é a jurisprudência: ¿APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÂO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO PELO AUTOR. DESCONTO INDEVIDO REALIZADO EM SEU BENEFÍCIO PREVIDÊNCIÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. DANO MATERIAL DEMONSTRADO. REPETIÇÂO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRADO ÚNICO DO CDC. DANO MORAL IN RE IPSA. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM PATAMAR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. 1 - O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado, sob a sistemática de recursos repetitivos, tema: 466, no sentido de que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes praticados por terceiros ou por erros da própria instituição financeira, uma vez que tal reponsabilidade decorre de risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2 - Quanto ao dano material, compreendo que este restou devidamente comprovado nos autos, sendo demonstrado pela planilha de fls. 23 os descontos indevidamente realizados no benefício previdenciário do autor, fato que atraí a aplicação do art. 42, Parágrafo Único do Código de Defesa do Consumidor. 3 - Urge ressaltar, ainda, que por tratar o presente caso de responsabilidade objetiva da instituição financeira, conforme demonstrado alhures, inexiste a necessidade de que o consumidor lesado demonstre a ocorrência de má-fé por parte do prestador do serviço ao realizar a cobrança indevida. 4 - A Colenda Corte Superior também firmou o entendimento no sentido de que à indenização extrapatrimonial, quando decorrente de descontos indevidos em conta-corrente, por falha na prestação do serviço, quando não ficar provada a existência do contrato bancário, ensejam a indenização por dano moral, tratando-se na espécie, do chamado dano moral in re ipsa (PROCESSO N.: 2013.3.024427-3. 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. Data de Julgamento: 09/06/2016).¿ ¿RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTO INDEVIDO DE VALORES DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO (Recurso Cível Nº 71005651344, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Regis de Oliveira Montenegro Barbosa, Julgado em 12/11/2015).¿ Desse modo, considerado o fato gerador do dano, as condições econômicas da autora e do réu, entendo razoável e proporcional a condenação em danos morais aplicado no valor de R$ 5.000,00 pelo Juízo que prolatou a sentença atacada. DANO MATERIAL. LEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) No que se refere ao dano material, à medida que o recorrente não conseguiu desconstituir o direito alegado pela recorrida, correta a sua fixação com base nos proventos efetivamente descontados de forma indevida, a título de descontos por supostos empréstimos bancários, devendo ser pagos em dobro, caracterizada a repetição do indébito, nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC. Nesse sentido vem decidindo esta Egrégia Corte: ¿APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS EM CONTA BANCÁRIA. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. TESE RECURSAL DE INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO CREDITÍCIO. IMPROCEDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIZAÇÃO DO CONSUMIDOR. DESCONTOS ILEGAIS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. DANO ¿IN RE IPSA¿. ¿QUANTUM¿ FIXADO EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS. UNÂNIME. (APELAÇÃO CIVEL Nº. 2012.301.0499-9. 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RELATORA: Desª. MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO. DATA DE JULGAMENTO: 30/05/2016).¿ No que se refere à legalidade da utilização da taxa referencial (TR) verifico típico de razões dissociadas da decisão atacada. Isso porque na sentença vergastada não se analisou a suposta abusividade de cláusula contida em contrato celebrado pelas partes, mas sim a inexistência de contrato que amparasse os descontos sobre os proventos de aposentadoria da recorrida. Assim, à medida que o recorrente suscita como razão do recurso questão não discutida em Juízo, estar-se diante de razão recursal dissociada da decisão atacada, afrontando o disposto no art. 514, II do CPC/73, motivo pelo qual deixo de apreciá-la, no caso, a alegação de legalidade da utilização da taxa referencial (TR). DA MULTA FIXADA E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. No que se refere à multa diária, verifico que o magistrado de primeiro grau fixou a quantia de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento até o limite de R$ 30.000,00. No caso, considerando a natureza inibitória das astreintes, entendo que elas devem ser fixadas de forma razoável e proporcional, mas em patamar que possa compelir o réu a cumprir a obrigação, contribuindo com a própria ideia de efetividade do provimento jurisdicional. No caso em questão o magistrado agiu com razoabilidade ao fixar as astreintes, com o fim de dar efetividade à decisão judicial, razão pela qual mantenho no patamar fixado pelo julgador, até o limite de R$ 30.000,00. No que se refere aos honorários advocatícios, também entendo que a sentença não merece reforma. Ora, descabe a alegação de valor exorbitante quando a própria legislação processual civil de 1973 traz de forma a expressa a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência no percentual de 20% do valor da condenação (art. 20, §3º caput do CPC). Ademais, considerando que a deamandante se viu obrigada a recorrer ao poder judiciário para ver resolvida lide da qual não deu causa, bem como reconhecendo o zelo da defensoria pública no decorrer da demanda, agindo de forma diligente, além do local da prestação do serviço e natureza da causa, com fulcro no art. 20, §3º do CPC/73, entendo ser medida de justiça a manutenção dos honorários advocatícios fixados. Por fim, com base nos fundamentos fáticos e jurídicos aplicados à realidade fática, vislumbro que laborou com acerto o Juízo de primeiro grau, devendo ser mantida na íntegra a sentença vergastada. Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput do CPC/73, conheço da apelação e nego-lhe seguimento por ser manifestamente improcedente e contrária a jurisprudência pátria, mantendo na íntegra a decisão atacada, nos termos e limites da fundamentação lançada, inclusive para fins de prequestionamento, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. P.R.I. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria n°3731/2015-GP. Belém (PA), 28 de junho de 2016. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora
(2016.02590403-06, Não Informado, Rel. EDINEA OLIVEIRA TAVARES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2016-06-30, Publicado em 2016-06-30)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
30/06/2016
Data da Publicação
:
30/06/2016
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a)
:
EDINEA OLIVEIRA TAVARES
Número do documento
:
2016.02590403-06
Tipo de processo
:
Apelação
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