TJPA 0004366-47.2013.8.14.0039
DECISÃO MONOCRÁTICA: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará SUSIPE, em irresignação à decisão prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Paragominas de deferir o pedido de antecipação de tutela elaborado no caderno processual da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos estéticos por Ednaldo Furtado Pantoja. Nas razões recursais (fls. 02 a 24), narra a agravante que o agravado é interno custodiado no Centro de Recuperação de Paragominas, portador de pseudoartrose no membro superior esquerdo e que, ao acionar a jurisdição, foi determinado a seu favor que aquela e o Estado do Pará fornecessem o tratamento médico específico, inclusive, se necessário, a realização de cirurgia, no prazo de quinze dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 até o limite de R$50.000,00. Defende, pois, a admissibilidade do recurso, o cabimento correlato e a necessidade de ser o mesmo processado na modalidade de instrumento. Roga pela concessão de efeito suspensivo. Suscita sua ilegitimidade passiva e a legitimidade do Município de Paragominas. Argui falta de interesse de agir do agravado. Discorre sobre o princípio da reserva do possível, a universalidade do atendimento, a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário e a violação de princípios constitucionais. Alega não ser possível a aplicação de multa cominatória recair sobre o patrimônio pessoal do gestor e a inviabilidade desta ser fixada em desfavor do Estado. Argumenta ocorrer periculum in mora inverso. Por fim, requer o recebimento do agravo na modalidade de instrumento, a concessão de efeito suspensivo, o conhecimento e provimento correspondentes, de modo a se cassar, definitivamente, a liminar combatida, além de se ordenar a remessa dos autos à Justiça Federal, a fim de se verificar se há interesse da União em ingressar no feito, ordenar-se o retorno à lide do Município de Paragominas e, por fim, excluir-se ela da demanda. Junta documentos (fls. 25 a 140). É o relatório do necessário. Passo a decidir. O agravo de instrumento encontra-se tempestivo, adequado e instruído conforme o disposto no art. 525 do Código de Processo Civil (CPC); por conseguinte, deve ser conhecido. Inicialmente, é imperioso enfatizar que as questões passíveis de serem apreciadas em sede de agravo de instrumento restringem-se as matérias que foram objeto da decisão recorrida. Logo, in casu, a análise a ser feita diz respeito à legitimidade dos integrantes do polo passivo da lide, a presença dos pressupostos para a tutela antecipada e a aplicação de astreintes. Pois bem. Arrazoa a agravante quanto à sua ilegitimidade no que tange a ser compelida a fornecer tratamento de saúde a um de seus custodiados. Entretanto, depreende-se da Lei nº 6.688/2004, que transforma a SUSIPE em Autarquia Estadual e dá outras providências, em seu art. 2º, inciso II, o seguinte: Art. 2º São funções básicas da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará - SUSIPE: (...) II - desenvolver ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças, além de serviços, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde - SUS, da população carcerária no Estado do Pará. Nesse diapasão, entendo não prosperar tal argumento. No que atine a ser ou não o Município de Paragominas legítimo para atuar no polo passivo da demanda, conquanto a jurisprudência pátria seja pacífica no sentido de que a responsabilidade referente à prestação de serviços de saúde dos entes federados seja solidária, podendo-se pleitear em face de um, de dois ou de todos, neste caso específico, em que o agravado se encontra sob custódia estatal, entendo que bem decidiu o juiz a quo, não havendo, portanto, o que se modificar a respeito. Referente à antecipação de tutela, o art. 273 do CPC apresenta como condições indispensáveis não somente a prova inequívoca como a verossimilhança da alegação. Ademais, exige outras duas situações, sendo que alternativas: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Sobre essa norma, ensina Elpídio Donizetti (Curso Didático de Direito Processual Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 255): Por prova inequívoca entende-se a prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido de antecipação, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Pouco importa se, posteriormente, no julgamento final, após o contraditório, a convicção seja outra. Para a concessão da tutela antecipada, não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se com a verossimilhança delas, isto é, a aparência da verdade. A verossimilhança guarda relação com a plausibilidade do direito invocado, com o fumus boni iuris. Entretanto, na antecipação da tutela, exatamente porque se antecipam os efeitos da decisão de mérito, exige-se mais do que a fumaça: exige-se a verossimilhança, a aparência do direito. Além da prova inequívoca, apta a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, para a concessão da tutela antecipada é indispensável que haja possibilidade de dano de difícil reparação, caso os efeitos da decisão só sejam produzidos ao final, na sentença. É o periculum in mora. Tal requisito pode restar demonstrado a partir das provas que instruíram a inicial, por meio de justificação ou no curso do processo. Entretanto, ainda que inexistente o periculum in mora, a tutela antecipada pode ser concedida se ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. A controvérsia envolve, especificamente, o direito fundamental à saúde. Da documentação constante nos autos constata-se que o agravado padece de pseudoartrose e necessita de tratamento correspondente. No que concerne à aparência do direito invocado, e levando em consideração as arguições da agravante, imperioso transcrever o conteúdo do art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da SL 47 AgR / PE, em 17/03/2010, sob a relatoria do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, firmou parâmetros para a solução judicial de lides concernentes à concretização do direito fundamental à saúde, fazendo ressalvas às peculiaridades de cada uma, evidentemente, destacando situações como a que ora se aprecia. Por oportuno, concessa venia, utilizo-me das palavras presentes em excertos do voto condutor, com alguns destaques, para tratar do direito em apreço: A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir sem como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial. As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da norma constitucional do direto à saúde decorrem, especialmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar mínimo existencial e reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen). Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung desPrivatsrechts, Jus, 1989, p. 161). Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de providências estatais com vistas à criação e à conformação de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação. Ressalto, nessa perspectiva, as contribuições de Stephen Holmes e Cass Sunstein para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, dando significativo relevo ao tema da reserva do possível, especialmente ao evidenciar a escassez dos recursos e a necessidade de se fazerem escolhas alocativas, concluindo, a partir da perspectiva das finanças públicas, que levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez (HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liverty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999). Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos e prestações em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento contrário a sua judicialização. A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos. Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiram critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas as quais pressupõem escolhas trágicas pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e a eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc. Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as conseqüências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001). Por outro lado, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o mínimo existencial de cada um dos direitos exigência lógica do principio da dignidade da pessoa humana não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. O fato é que o denominado problema da judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática, que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. (...) De toda forma, parece sensato concluir que, ao fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos. (...) Ainda que essas questões tormentosas permitam entrever os desafios impostos ao Poder Público e à sociedade na concretização do direito à saúde, é preciso destacar de que forma a nossa Constituição estabelece os limites e as possibilidades de implementação deste direito. O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Examinemos cada um desses elementos. (1)direito de todos: É possível identificar, na redação do referido artigo constitucional, tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da Constituição. (...) Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas que promovam, protejam e recuperem a saúde. (...) Assim, a garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso. (2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). (...) A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, dão legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato do Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles. (...) O Sistema Único de Saúde está baseado no financiamento público e na cobertura universal das ações de saúde. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a manutenção do sistema, é necessário que se atente para a estabilidade dos gastos com a saúde e, consequentemente, para a captação de recursos. (...) (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas: A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada. (4) políticas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos: Tais políticas visam à redução do risco de doença e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimensão preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram, inclusive, indicadas como prioritárias pelo artigo 198, inciso II, da Constituição. (5) políticas que visem o acesso universal e igualitário: O constituinte estabeleceu, ainda, um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde. (...) (6) ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde: O estudo do direito à saúde no Brasil leva a concluir que os problemas de eficácia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à implementação e à manutenção das políticas públicas de saúde já existentes o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da federação do que à falta de legislação específica. Em outros termos, o problema não é da inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados. A Constituição brasileira não só prevê expressamente a existência de direitos fundamentais sociais (artigo 6º), especificando seu conteúdo e forma de prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215, 217, entre outros), como não faz distinção entre os direitos e deveres individuais e coletivos (capítulo I do Título II) e os direitos sociais (capítulo II do Título II), ao estabelecer que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5º, §1º, CF/88). Vê-se, pois, que os direitos fundamentais sociais foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988 como autênticos direitos fundamentais. Não há dúvida deixa-se claro de que as demandas que buscam a efetivação de prestações de saúde devem ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto constitucional e de suas peculiaridades. (...) Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública-Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros poderes. Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação. (...) O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. (…) não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. (...) em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovadaa ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. (...) Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde. Esse é mais um dado incontestável, colhido na Audiência Pública Saúde. Vê-se, destarte, a amplitude atribuída à aludida norma constitucional (art. 196), no sentido de assegurar a destinação de recursos públicos a uma situação individualizada quanto a tratamento de saúde. Outrossim, destaque-se que não restou demonstrada a motivação para o não fornecimento do tratamento pleiteado, não se juntou provas quanto ao comprometimento financeiro da entidade. Conclui-se, pois, que o direito invocado se faz aparente. Atinente ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, esse é previsível em face da exposição da vida e da dignidade humana, cujo bem em litígio encontra-se diretamente relacionado. Nesse diapasão, acertada foi a antecipação da tutela pelo juízo a quo. Agora, quanto à aplicação de multa diária, não obstante os tribunais pátrios não vislumbrem óbice algum quando voltada ao Poder Público considerando a finalidade de forçá-lo ao adimplemento, dentro do prazo estipulado, da obrigação de fazer , entendem que aquela não pode incidir sobre o patrimônio pessoal do seu agente; afinal, este nem mesmo integra a lide. Ilustrativamente: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO PARA DESDROGADIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIDA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. SOBREPÕEM-SE ÀS NORMAS PROTETIVAS DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. PERMITIDA. RECURSO IMPROVIDO. VOTAÇÃO UNÂNIME. I Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde, não havendo como cogitar de ilegitimidade passiva ou de obrigação exclusiva de um deles. II a Constituição Federal assegura o direito à vida, e o direito à saúde como garantias fundamentais, sendo que tais normas prescindem de outras na sua aplicação, consoante se vê da disposição do parágrafo 1º, do art. 5.º, de que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. III Há de se referir à inexistência de ilegalidade na concessão da antecipação da tutela, uma vez que esta é permitida nas hipóteses em que o seu indeferimento pode resultar em dano de difícil reparação à parte demandante. No caso, o interessado é dependente químico e portador de patologia psiquiátrica, situação que urge a concessão antecipada da tutela. IV A jurisprudência do STJ comunga do mesmo entendimento, no sentido de ser cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, nos casos em que se envolva o direito à saúde, para obrigá-la a fornecer o tratamento médico adequado que assegure o direito à vida, podendo, inclusive, ser fixada multa cominatória para tal fim, pois os direitos à saúde e à vida se sobrepõem a qualquer outro direito inerente à Fazenda Pública. V Recurso improvido. (Negritei) (TJ/PA, 4ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 200830025430, Acórdão nº: 123252, Relatora: Desa. Eliana Rita Daher Abufaiad, Publicação: 20/08/2013). EMENTA: AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERICULUM IN MORA INVERSO. INVASÃO DO JUDICIÁRIO NOS CRITÉRIOS DE OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DO ADMINISTRADOR. NÃO OCORRÊNCIA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PREVALÊNCIA DO BEM DA VIDA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OITIVA DO ENTE MUNICIPAL PARA O DEFERIMENTO DE LIMINAR. INDEFERIDO. TESE MITIGAÇÃO DO STJ. RECONSIDERAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MAIOR COMPLEXIDADE PARA CUMPRIMENTO PELO PODER PÚBLICO. DILAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA LIMINAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Negritei) (TJ/PA, 5ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 201230237641, Acórdão nº: 114626, Relator: Des. Constantino Augusto Guerreiro, Publicação: 30/11/2012). EMENTA: Agravo de Instrumento. Constitucional. Direito à vida e à saúde. Direito de segunda geração. Fornecimento de medicamentos. Obrigação estatal. - Preliminares: incompetência absoluta do Juízo Estadual e ilegitimidade passiva do Estado. Rejeitadas. Unânime. - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, artigo 196). - Os artigos 23, II e 198, §2º da Lei Maior impõem aos entes federativos a solidariedade na responsabilidade da prestação dos serviços na área de saúde, além da garantia de orçamento para sua concretização. - O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Precedentes do STF. - À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão dos medicamentos como instrumento de efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. (AgRg no REsp 855.787/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 27/11/2006). - É pacífico o entendimento da admissibilidade do uso da tutela antecipada para assegurar o fornecimento de medicamentos àquelas pessoas que deles necessitam. O Supremo Tribunal Federal, na ADC 04, ao ter declarado a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, o fez de forma restritiva, a abranger tão somente as exceções previstas naquele artigo. - É possível a aplicação da multa cominatória ao ente político e não à pessoa do Administrador Público. Precedentes do TJE/PA e do STJ. - Agravo de instrumento parcialmente provido. (Negritei) (TJ/PA, 2ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 201030208214, Acórdão nº: 105565, Relatora: Desa. Helena Percila de Azevedo Dornelles: 21/03/2012). EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. 5. Recurso especial provido. (Negritei) (STJ, REsp 747371 / DF, Quinta Turma, Relator: Ministro Jorge Mussi, DJe 26/04/2010). Assim sendo, razão assiste à agravante no que diz respeito às astreintes não poderem recair sobre o patrimônio pessoal do representante do Poder Público. À vista do exposto, com fulcro no art. 557, do CPC, concedo parcial provimento ao presente recurso, no sentido de modificar a decisão agravada tão somente para não incidir sobre os bens próprios do gestor público a multa aplicada para compelir a agravante ao seu cumprimento. Publique-se e intime-se a Defensoria Pública pessoalmente. Comunique-se ao juízo de primeiro grau. Belém, 16 de outubro de 2013. Des. Leonam Gondim da Cruz Junior, Relator.
(2013.04210008-68, Não Informado, Rel. LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2013-10-24, Publicado em 2013-10-24)
Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará SUSIPE, em irresignação à decisão prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Paragominas de deferir o pedido de antecipação de tutela elaborado no caderno processual da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos estéticos por Ednaldo Furtado Pantoja. Nas razões recursais (fls. 02 a 24), narra a agravante que o agravado é interno custodiado no Centro de Recuperação de Paragominas, portador de pseudoartrose no membro superior esquerdo e que, ao acionar a jurisdição, foi determinado a seu favor que aquela e o Estado do Pará fornecessem o tratamento médico específico, inclusive, se necessário, a realização de cirurgia, no prazo de quinze dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 até o limite de R$50.000,00. Defende, pois, a admissibilidade do recurso, o cabimento correlato e a necessidade de ser o mesmo processado na modalidade de instrumento. Roga pela concessão de efeito suspensivo. Suscita sua ilegitimidade passiva e a legitimidade do Município de Paragominas. Argui falta de interesse de agir do agravado. Discorre sobre o princípio da reserva do possível, a universalidade do atendimento, a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário e a violação de princípios constitucionais. Alega não ser possível a aplicação de multa cominatória recair sobre o patrimônio pessoal do gestor e a inviabilidade desta ser fixada em desfavor do Estado. Argumenta ocorrer periculum in mora inverso. Por fim, requer o recebimento do agravo na modalidade de instrumento, a concessão de efeito suspensivo, o conhecimento e provimento correspondentes, de modo a se cassar, definitivamente, a liminar combatida, além de se ordenar a remessa dos autos à Justiça Federal, a fim de se verificar se há interesse da União em ingressar no feito, ordenar-se o retorno à lide do Município de Paragominas e, por fim, excluir-se ela da demanda. Junta documentos (fls. 25 a 140). É o relatório do necessário. Passo a decidir. O agravo de instrumento encontra-se tempestivo, adequado e instruído conforme o disposto no art. 525 do Código de Processo Civil (CPC); por conseguinte, deve ser conhecido. Inicialmente, é imperioso enfatizar que as questões passíveis de serem apreciadas em sede de agravo de instrumento restringem-se as matérias que foram objeto da decisão recorrida. Logo, in casu, a análise a ser feita diz respeito à legitimidade dos integrantes do polo passivo da lide, a presença dos pressupostos para a tutela antecipada e a aplicação de astreintes. Pois bem. Arrazoa a agravante quanto à sua ilegitimidade no que tange a ser compelida a fornecer tratamento de saúde a um de seus custodiados. Entretanto, depreende-se da Lei nº 6.688/2004, que transforma a SUSIPE em Autarquia Estadual e dá outras providências, em seu art. 2º, inciso II, o seguinte: Art. 2º São funções básicas da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará - SUSIPE: (...) II - desenvolver ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças, além de serviços, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde - SUS, da população carcerária no Estado do Pará. Nesse diapasão, entendo não prosperar tal argumento. No que atine a ser ou não o Município de Paragominas legítimo para atuar no polo passivo da demanda, conquanto a jurisprudência pátria seja pacífica no sentido de que a responsabilidade referente à prestação de serviços de saúde dos entes federados seja solidária, podendo-se pleitear em face de um, de dois ou de todos, neste caso específico, em que o agravado se encontra sob custódia estatal, entendo que bem decidiu o juiz a quo, não havendo, portanto, o que se modificar a respeito. Referente à antecipação de tutela, o art. 273 do CPC apresenta como condições indispensáveis não somente a prova inequívoca como a verossimilhança da alegação. Ademais, exige outras duas situações, sendo que alternativas: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Sobre essa norma, ensina Elpídio Donizetti (Curso Didático de Direito Processual Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 255): Por prova inequívoca entende-se a prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido de antecipação, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Pouco importa se, posteriormente, no julgamento final, após o contraditório, a convicção seja outra. Para a concessão da tutela antecipada, não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se com a verossimilhança delas, isto é, a aparência da verdade. A verossimilhança guarda relação com a plausibilidade do direito invocado, com o fumus boni iuris. Entretanto, na antecipação da tutela, exatamente porque se antecipam os efeitos da decisão de mérito, exige-se mais do que a fumaça: exige-se a verossimilhança, a aparência do direito. Além da prova inequívoca, apta a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, para a concessão da tutela antecipada é indispensável que haja possibilidade de dano de difícil reparação, caso os efeitos da decisão só sejam produzidos ao final, na sentença. É o periculum in mora. Tal requisito pode restar demonstrado a partir das provas que instruíram a inicial, por meio de justificação ou no curso do processo. Entretanto, ainda que inexistente o periculum in mora, a tutela antecipada pode ser concedida se ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. A controvérsia envolve, especificamente, o direito fundamental à saúde. Da documentação constante nos autos constata-se que o agravado padece de pseudoartrose e necessita de tratamento correspondente. No que concerne à aparência do direito invocado, e levando em consideração as arguições da agravante, imperioso transcrever o conteúdo do art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da SL 47 AgR / PE, em 17/03/2010, sob a relatoria do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, firmou parâmetros para a solução judicial de lides concernentes à concretização do direito fundamental à saúde, fazendo ressalvas às peculiaridades de cada uma, evidentemente, destacando situações como a que ora se aprecia. Por oportuno, concessa venia, utilizo-me das palavras presentes em excertos do voto condutor, com alguns destaques, para tratar do direito em apreço: A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir sem como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial. As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da norma constitucional do direto à saúde decorrem, especialmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar mínimo existencial e reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen). Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Claus-Wilhelm Canaris, Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung desPrivatsrechts, Jus, 1989, p. 161). Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de providências estatais com vistas à criação e à conformação de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação. Ressalto, nessa perspectiva, as contribuições de Stephen Holmes e Cass Sunstein para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, dando significativo relevo ao tema da reserva do possível, especialmente ao evidenciar a escassez dos recursos e a necessidade de se fazerem escolhas alocativas, concluindo, a partir da perspectiva das finanças públicas, que levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez (HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liverty Depends on Taxes. W. W. Norton & Company: Nova Iorque, 1999). Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos e prestações em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento contrário a sua judicialização. A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos. Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiram critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas as quais pressupõem escolhas trágicas pautadas por critérios de macrojustiça. É dizer, a escolha da destinação de recursos para uma política e não para outra leva em consideração fatores como o número de cidadãos atingidos pela política eleita, a efetividade e a eficácia do serviço a ser prestado, a maximização dos resultados etc. Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as conseqüências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001). Por outro lado, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o mínimo existencial de cada um dos direitos exigência lógica do principio da dignidade da pessoa humana não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial. O fato é que o denominado problema da judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática, que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. (...) De toda forma, parece sensato concluir que, ao fim e ao cabo, problemas concretos deverão ser resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos. (...) Ainda que essas questões tormentosas permitam entrever os desafios impostos ao Poder Público e à sociedade na concretização do direito à saúde, é preciso destacar de que forma a nossa Constituição estabelece os limites e as possibilidades de implementação deste direito. O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Examinemos cada um desses elementos. (1)direito de todos: É possível identificar, na redação do referido artigo constitucional, tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da Constituição. (...) Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas que promovam, protejam e recuperem a saúde. (...) Assim, a garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de forma clara e concreta, caso a caso. (2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). (...) A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, dão legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato do Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles. (...) O Sistema Único de Saúde está baseado no financiamento público e na cobertura universal das ações de saúde. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a manutenção do sistema, é necessário que se atente para a estabilidade dos gastos com a saúde e, consequentemente, para a captação de recursos. (...) (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas: A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada. (4) políticas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos: Tais políticas visam à redução do risco de doença e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimensão preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram, inclusive, indicadas como prioritárias pelo artigo 198, inciso II, da Constituição. (5) políticas que visem o acesso universal e igualitário: O constituinte estabeleceu, ainda, um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde. (...) (6) ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde: O estudo do direito à saúde no Brasil leva a concluir que os problemas de eficácia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à implementação e à manutenção das políticas públicas de saúde já existentes o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da federação do que à falta de legislação específica. Em outros termos, o problema não é da inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados. A Constituição brasileira não só prevê expressamente a existência de direitos fundamentais sociais (artigo 6º), especificando seu conteúdo e forma de prestação (artigos 196, 201, 203, 205, 215, 217, entre outros), como não faz distinção entre os direitos e deveres individuais e coletivos (capítulo I do Título II) e os direitos sociais (capítulo II do Título II), ao estabelecer que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5º, §1º, CF/88). Vê-se, pois, que os direitos fundamentais sociais foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988 como autênticos direitos fundamentais. Não há dúvida deixa-se claro de que as demandas que buscam a efetivação de prestações de saúde devem ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto constitucional e de suas peculiaridades. (...) Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública-Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros poderes. Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação. (...) O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. (…) não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. (...) em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovadaa ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. (...) Portanto, independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde. Esse é mais um dado incontestável, colhido na Audiência Pública Saúde. Vê-se, destarte, a amplitude atribuída à aludida norma constitucional (art. 196), no sentido de assegurar a destinação de recursos públicos a uma situação individualizada quanto a tratamento de saúde. Outrossim, destaque-se que não restou demonstrada a motivação para o não fornecimento do tratamento pleiteado, não se juntou provas quanto ao comprometimento financeiro da entidade. Conclui-se, pois, que o direito invocado se faz aparente. Atinente ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, esse é previsível em face da exposição da vida e da dignidade humana, cujo bem em litígio encontra-se diretamente relacionado. Nesse diapasão, acertada foi a antecipação da tutela pelo juízo a quo. Agora, quanto à aplicação de multa diária, não obstante os tribunais pátrios não vislumbrem óbice algum quando voltada ao Poder Público considerando a finalidade de forçá-lo ao adimplemento, dentro do prazo estipulado, da obrigação de fazer , entendem que aquela não pode incidir sobre o patrimônio pessoal do seu agente; afinal, este nem mesmo integra a lide. Ilustrativamente: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO PARA DESDROGADIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIDA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. SOBREPÕEM-SE ÀS NORMAS PROTETIVAS DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. PERMITIDA. RECURSO IMPROVIDO. VOTAÇÃO UNÂNIME. I Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde, não havendo como cogitar de ilegitimidade passiva ou de obrigação exclusiva de um deles. II a Constituição Federal assegura o direito à vida, e o direito à saúde como garantias fundamentais, sendo que tais normas prescindem de outras na sua aplicação, consoante se vê da disposição do parágrafo 1º, do art. 5.º, de que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. III Há de se referir à inexistência de ilegalidade na concessão da antecipação da tutela, uma vez que esta é permitida nas hipóteses em que o seu indeferimento pode resultar em dano de difícil reparação à parte demandante. No caso, o interessado é dependente químico e portador de patologia psiquiátrica, situação que urge a concessão antecipada da tutela. IV A jurisprudência do STJ comunga do mesmo entendimento, no sentido de ser cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, nos casos em que se envolva o direito à saúde, para obrigá-la a fornecer o tratamento médico adequado que assegure o direito à vida, podendo, inclusive, ser fixada multa cominatória para tal fim, pois os direitos à saúde e à vida se sobrepõem a qualquer outro direito inerente à Fazenda Pública. V Recurso improvido. (Negritei) (TJ/PA, 4ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 200830025430, Acórdão nº: 123252, Relatora: Desa. Eliana Rita Daher Abufaiad, Publicação: 20/08/2013). AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERICULUM IN MORA INVERSO. INVASÃO DO JUDICIÁRIO NOS CRITÉRIOS DE OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DO ADMINISTRADOR. NÃO OCORRÊNCIA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PREVALÊNCIA DO BEM DA VIDA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA À FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE OITIVA DO ENTE MUNICIPAL PARA O DEFERIMENTO DE LIMINAR. INDEFERIDO. TESE MITIGAÇÃO DO STJ. RECONSIDERAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MAIOR COMPLEXIDADE PARA CUMPRIMENTO PELO PODER PÚBLICO. DILAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA LIMINAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Negritei) (TJ/PA, 5ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 201230237641, Acórdão nº: 114626, Relator: Des. Constantino Augusto Guerreiro, Publicação: 30/11/2012). Agravo de Instrumento. Constitucional. Direito à vida e à saúde. Direito de segunda geração. Fornecimento de medicamentos. Obrigação estatal. - Preliminares: incompetência absoluta do Juízo Estadual e ilegitimidade passiva do Estado. Rejeitadas. Unânime. - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, artigo 196). - Os artigos 23, II e 198, §2º da Lei Maior impõem aos entes federativos a solidariedade na responsabilidade da prestação dos serviços na área de saúde, além da garantia de orçamento para sua concretização. - O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Precedentes do STF. - À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão dos medicamentos como instrumento de efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. (AgRg no REsp 855.787/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 27/11/2006). - É pacífico o entendimento da admissibilidade do uso da tutela antecipada para assegurar o fornecimento de medicamentos àquelas pessoas que deles necessitam. O Supremo Tribunal Federal, na ADC 04, ao ter declarado a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, o fez de forma restritiva, a abranger tão somente as exceções previstas naquele artigo. - É possível a aplicação da multa cominatória ao ente político e não à pessoa do Administrador Público. Precedentes do TJE/PA e do STJ. - Agravo de instrumento parcialmente provido. (Negritei) (TJ/PA, 2ª Câmara Cível Isolada, Agravo de Instrumento, Processo nº: 201030208214, Acórdão nº: 105565, Relatora: Desa. Helena Percila de Azevedo Dornelles: 21/03/2012). PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. 5. Recurso especial provido. (Negritei) (STJ, REsp 747371 / DF, Quinta Turma, Relator: Ministro Jorge Mussi, DJe 26/04/2010). Assim sendo, razão assiste à agravante no que diz respeito às astreintes não poderem recair sobre o patrimônio pessoal do representante do Poder Público. À vista do exposto, com fulcro no art. 557, do CPC, concedo parcial provimento ao presente recurso, no sentido de modificar a decisão agravada tão somente para não incidir sobre os bens próprios do gestor público a multa aplicada para compelir a agravante ao seu cumprimento. Publique-se e intime-se a Defensoria Pública pessoalmente. Comunique-se ao juízo de primeiro grau. Belém, 16 de outubro de 2013. Des. Leonam Gondim da Cruz Junior, Relator.
(2013.04210008-68, Não Informado, Rel. LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2013-10-24, Publicado em 2013-10-24)
Data do Julgamento
:
24/10/2013
Data da Publicação
:
24/10/2013
Órgão Julgador
:
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR
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