TJPA 0004383-69.2013.8.14.0076
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DESEMBARGADOR CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO. REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL N.º 2014.3.008040-2. COMARCA: ACARÁ/PA. SENTENCIANTE: JUÍZO DA VARA ÚNICA DE ACARÁ. SENTENCIADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE ACARÁ. PROCURADOR MUNICIPAL: WAGNER T. VIEIRA - OAB/PA Nº 14.262. SENTENCIADO/APELADO: MARIA DAS GRAÇAS SANTOS NOGUEIRA. ADVOGADO: LUANA MIRANDA HAGE - OAB/PA Nº 14.143. PROCURADOR DE JUSTIÇA: MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO VELASCO DOS SANTOS. RELATOR: Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DA ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. ART. 19 DO ADCT. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE EXERCÍCIO DE CARGO POR 05 ANOS ININTERRUPTOS. DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A INEXISTÊNCIA DE CONTINUIDADE DO SERVIÇO. O DIREITO A ESTABILIDADE ANÔMALA DECORRE DO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, E NÃO DE SEU RECONHECIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA DE ATO COATOR PRATICADO COM ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. SENTENÇA REFORMADA. APLICAÇÃO DO ART. 133, XII, ALÍNEA ¿D¿, DO REGIMENTO INTERNO DO TJPA. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDOS E PROVIDOS. Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL interposto pelo MUNICÍPIO DE ACARÁ, nos autos do Mandado de Segurança nº 0004383-69.2013.814.0076 impetrado por MARIA DAS GRAÇAS SANTOS NOGUEIRA, diante de seu inconformismo com a sentença prolatada pelo juízo da Vara Única de Acará, que concedeu a segurança pleiteada, reconhecendo a aquisição da estabilidade extraordinária pela Autora, bem como expedindo mandado proibitório ao Réu, para que este se abstivesse de editar ato administrativo que demita a Impetrante, sem que incorra no art. 41, §1º, I, II e III da CF/88. Razões às fls. 120/133, tendo o Apelante aduzido, em síntese, a ausência de direito líquido e certo da Autora, assim como não poderia o Ente Municipal ser proibido de instaurar procedimento administrativo a fim de apurar a legalidade do decreto nº 151/2012/GAB/PMA, o qual teria concedido a estabilidade extraordinária para a Impetrante, razões pelas quais requer que seja julgado totalmente improcedente o mandamus. Contrarrazões apresentadas às fls. 138/144, tendo o Apelado requerido, em suma, a manutenção in totum da sentença ora guerreada. Às fls. 153/161, o ilustre representante do Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do apelo interposto, aduzindo que mesmo que a documentação trazida pela Impetrante fosse verdadeira, imperioso seria reconhecer a nulidade absoluta do cerne do direito da Autora em razão da menoridade impúbere ao tempo de sua suposta admissão como professora, eis que contava com apenas 11 anos de idade. É o relatório. Decido monocraticamente. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Ab initio, destaco que dois são os pedidos da impetrante que serão analisados por ocasião do presente Reexame e do recurso de apelação: a) A proibição de que a Autoridade Coatora proceda à demissão da Impetrante sem observância do art. 41, §1º, I, II e III e; b) Que fosse reconhecida a situação de que a Impetrante faz jus à estabilidade extraordinária disposta no art. 19 do ADCT. Consoante a sentença de fls. 104/107-verso, verifico que o juízo a quo reconheceu que a Impetrante preencheu todos os requisitos constitucionais para a declaração pelo Poder Executivo de sua estabilidade extraordinária, bem como somente repisou o regramento do art. 41, §1º, I, II e III da CF/88, tal seja de que o servidor estável somente poderá ser demitido em virtude de decisão judicial, processo administrativo em que lhe seja garantida a ampla defesa, ou mediante procedimento de avaliação periódica, sendo estabelecida, ainda, uma astreinte de R$-5.000,00 (cinco mil reais) por dia em caso de descumprimento. Consoante o presente reexame e o apelo interposto pela Fazenda Pública, passo, pois, a enfrentar as razões de mérito da demanda. Sem delongas, entendo que a Impetrante não possui direito líquido e certo de obter os mandamentos jurisdicionais que requereu perante o juízo de primeiro grau, senão vejamos. O art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT assim dispõe: ¿Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.¿ Como se vê, o direito a denominada Estabilidade Extraordinária decorre diretamente do próprio mandamento constitucional, uma vez que a Carta Magna é bem clara ao afirmar, ao final do art. 19 do ADCT, que: ¿são considerados estáveis no serviço público¿. Logo, o decreto nº 151/2012/GAB/PMA de fls. 57 - integrado pelo Edital de fls. 61/65 - nada mais se trata do que um ato administrativo formal reconhecendo o direito de estabilidade à Impetrante, contudo, o mesmo não teve o condão de conferir direitos à Autora, pois, como dito, a benesse derivou diretamente do próprio texto constitucional Isso posto, a análise do pleito da Impetrante concernente ao reconhecimento do direito a estabilidade extraordinária não pode ficar resumida ao fato de que o próprio Réu, por meio do Decreto nº 151/2012/GAB/PMA, reconheceu tal direito à Autora, pois o que é relevante para o deslinde da causa é verificar se a Impetrante realmente cumpriu os requisitos dispostos no art. 19 do ADCT. Para tanto, faz-se imprescindível a análise dos documentos de fls. 14/19 (os quais dizem respeito a seis portarias). Acerca das portarias, verifico que as mesmas referem-se a contratação da Impetrante para exercer a função de professora, na Escola Municipal ¿Menino Jesus¿, situada no município de Acará. Nos termos do documento de fls. 14 (Portaria nº 874/1983), a Autora foi contratada para cobrir necessidade de serviço pelo período de março à dezembro de 1983. Por conseguinte, a par das fls. 15 (Portaria nº 920/84), infere-se que houve novamente a contratação da Impetrante para exercer a mesma função e no mesmo município, contudo, o período de ajuste laboral compreendeu o interregno de março a dezembro de 1984. Ademais, todas as outra Portarias - nº 1.041/85 (fls. 16), nº 1.133/86 (fls. 17), nº 1.183/87 (fls. 18) e nº 1.248/88 (fls. 19) - possuem o mesmo ajuste das duas anteriormente mencionadas, sendo mudado, apenas, o período laboral, que sempre compreendeu os meses de março a dezembro dos respectivos anos de edição dos atos normativos. Desse modo, resta clarividente o fato de que o exercício da função de professora pela Impetrante, no município de Acará, não ocorreu de forma continuada (ininterrupta), eis que sempre houve a quebra da continuidade laboral nos meses de janeiro e fevereiro dos anos de 1983 a 1988, razão pela qual não foi preenchido o requisito constitucional da continuidade, insculpido no art. 19 do ADCT. Além disso, as declarações de fls. 28/29 são completamente irrelevantes para o deslinde da causa, pois o teor meritório delas diz respeito aos períodos de 03/03/1993 à 31/12/1996 e 01/01/1997 à 31/12/2004, interregnos estes que são posteriores a promulgação da Constituição Federal de 1988, pelo que não se adequam aos requisitos exigidos pelo art. 19 do ADCT. Nesse sentido, confira-se o entendimento do Tribunal da cidadania: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE EXCEPCIONAL PARA SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NÃO CONCURSADOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO A EMPREGADOS DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado contra ato imputado de ilegal, consistente no Decreto 1.397/2008, que declarou a nulidade do Decreto 403/2007, que teria reconhecido a estabilidade funcional à impetrante. 2. Não há ilegalidade quanto à edição do Decreto 1.397/2008, que declarou a nulidade do Decreto 403/2007, porquanto verificado que a impetrante não preenchia os requisitos para a concessão de estabilidade extraordinária, já que cabe à administração rever seus atos administrativos quando verificada irregularidade. A propósito: Súmula 346: "A Administração Pública pode anular seus próprios atos; "Súmula 473: "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". 3. No caso, a recorrente foi contratada pela Codemiat em 16.10.1980, onde permaneceu até a incorporação do órgão, em 20.2.1998, pela Metamat, tendo as duas natureza jurídica de empresa de sociedade de economia mista. 4. Não há previsão constitucional para a concessão da estabilidade extraordinária requerida, pois durante o ano de 1980 até o ano de 1998, ao prestar seus serviços às referidas empresas estatais, não preencheu os requisitos do artigo 19 do ADCT, de pelo menos 05 (cinco) anos de efetivo serviço público continuados na administração direta, fundação ou autarquia na data da promulgação da Carta de 88, para aquisição da estabilidade excepcional, não sendo destinatária, portanto, da referida norma constitucional transitória. 5. Recurso Ordinário não provido. (STJ - RMS 51257 / MT, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, publicado no DJe em 06/10/2016) ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA NO SERVIÇO PÚBLICO (ART. 19 DO ADCT). PRELIMINAR DE DECISÃO EXTRA/ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. MAGISTÉRIO. MÉRITO CONSTITUCIONAL DEBATIDO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA (ART. 515, § 1º, DO CPC). ANÁLISE DA QUESTÃO PELO STJ. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PREENCHIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 3. No mérito, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o destinatário do artigo 19 do ADCT da Constituição, no tocante ao requisito do exercício, na data da promulgação da Carta Magna, há pelo menos cinco anos continuados, é aquele que esteja vinculado a uma das pessoas jurídicas de direito público ali relacionadas na qualidade de servidor público, embora não admitido na forma regulada no art. 37 da parte permanente da Constituição, sem hiatos quanto a essa relação jurídica, ainda que a títulos diversos, desde que se sucedam sem solução de continuidade (RE 154.258/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 5/9/1996). (STJ - AgRg no RMS 19052 / MG, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, publicado no DJe em 07/12/2015) No mesmo diapasão também já decidiu este TJPA, a saber: APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME DE SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. LEI MUNICIPAL. SERVIDORES ESTABILIZADOS PELO ART. 19 DA ADCT. VANTAGEM PESSOAL GARANTIDA A SERVIDOR EFETIVO. ESTABILIDADE E EFETIVIDADE. DISTINÇÃO. 1. O §1º do art. 4º da Lei Municipal n°1.560/97 impõe como requisito indispensável para a incorporação de quintos pelo efetivo exercício de DAS a titularidade de cargo efetivo. 2. No caso concreto, a Recorrente, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, contava com menos de cinco anos continuados de exercício, e os demais impetrantes contavam mais de cinco, tendo sido, pois, beneficiados com a estabilidade de que trata o art. 19 do ADCT - estabilidade extraordinária, o que não implica efetividade. Estabilidade e efetividade são conceitos distintos. 4. Recurso de Apelação conhecido, porém, desprovido. 5. Reexame necessário provido para reformar a sentença e denegar a segurança por ausência de direito líquido e certo.¿ (TJPA - Acórdão nº 82.067, Relatora DAHIL PARAENSE DE SOUZA, publicado no DJe em 17/11/2009) Sendo assim, não tendo a Impetrante demonstrado a existência de seu direito líquido e certo, o qual nada mais é do que aquele que resulta de fato certo, comprovável de plano, e que independe de maior instrução probatória ou que derive dos próprios fatos suscitados no mandamus, rechaço o entendimento do juízo a quo no tocante ao direito da Autora à estabilidade extraordinária, bem como consigno que não houve a prática e nem ameaça de ato coator por parte do Ente Municipal, visto que o ¿tsunami de ilegalidade¿ alegado pela Autora não foi objeto de prova pré-constituída, assim como de que as demissões ocorridas no município, conforme alegado pelo próprio representante judicial deste, ocorreram com observância do art. 41, §1º, II, da CF/88. Ademais, pelos documentos trazidos pela Impetrante, conclui-se que ela possuía 11 anos de idade ao tempo da edição do primeiro ato administrativo (fls. 14) de contratação, fato este que, no meu entender, é completamente desprovido de verossimilhança, sendo inconcebível admitir que uma criança na referida idade possuísse aptidão, técnica, qualificação e habilidade para exercer uma função tão importante na formação de outras crianças e jovens, tal seja a de professor. In casu, resta evidente o fumus boni iuris eloquente acerca da(s) fraude(s) utilizada(s) para criar(em) situação de fato que se enquadrasse na benesse do art. 19 do ADCT. Por via de consequência, resta desprovido de sustentação jurídica o pleito da Impetrante de expedição de mandado proibitório, com aplicação de multa pecuniária em caso de descumprimento, na hipótese do Impetrado resolver demitir ou exonerar a Autora. ASSIM, ante o exposto, apoiando-me na dicção do art. 133, XII, alínea ¿d¿, do Regimento Interno do TJPA, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao Reexame Necessário e ao recurso de Apelação, para reformar integralmente a sentença e denegar, in totum, a segurança requerida pela Impetrante ante a inexistência de direito líquido e certo, pelo que extingo o processo com resolução do mérito1, com fulcro no artigo 487, I, do CPC. Renumere-se corretamente os autos a partir das fls. 156. P.R.I. Oficie-se no que couber. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao juízo a quo. Belém/PA, 1º de fevereiro de 2017. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO Desembargador - Relator 1 José Henrique Mouta Araújo: A denegação da segurança e a nova Lei 12.016/2009: reflexões necessárias. ¿Em alguns casos, o decisum é no sentido de que inexiste violação a qualquer direito do impetrante, considerando a legalidade da conduta impugnada judicialmente. Assim, nos casos de inexistência de ato violador à direito líquido e certo, já não se estará diante de condição da ação, mas do próprio mérito do mandado de segurança. Assim, nesses casos de inexistência de violação à direito líquido e certo, estar-se-á diante de decisão de mérito típica, prevista no art. 269, I, do CPC, sendo inclusive acobertada pela coisa julgada material.¿ ______________________________________________________________________________Gabinete Desembargador - CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
(2017.00431456-11, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2017-04-03, Publicado em 2017-04-03)
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ GABINETE DESEMBARGADOR CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO. REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL N.º 2014.3.008040-2. COMARCA: ACARÁ/PA. SENTENCIANTE: JUÍZO DA VARA ÚNICA DE ACARÁ. SENTENCIADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE ACARÁ. PROCURADOR MUNICIPAL: WAGNER T. VIEIRA - OAB/PA Nº 14.262. SENTENCIADO/APELADO: MARIA DAS GRAÇAS SANTOS NOGUEIRA. ADVOGADO: LUANA MIRANDA HAGE - OAB/PA Nº 14.143. PROCURADOR DE JUSTIÇA: MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO VELASCO DOS SANTOS. RELATOR: Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DA ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. ART. 19 DO ADCT. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE EXERCÍCIO DE CARGO POR 05 ANOS ININTERRUPTOS. DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A INEXISTÊNCIA DE CONTINUIDADE DO SERVIÇO. O DIREITO A ESTABILIDADE ANÔMALA DECORRE DO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, E NÃO DE SEU RECONHECIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA DE ATO COATOR PRATICADO COM ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. SENTENÇA REFORMADA. APLICAÇÃO DO ART. 133, XII, ALÍNEA ¿D¿, DO REGIMENTO INTERNO DO TJPA. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDOS E PROVIDOS. Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL interposto pelo MUNICÍPIO DE ACARÁ, nos autos do Mandado de Segurança nº 0004383-69.2013.814.0076 impetrado por MARIA DAS GRAÇAS SANTOS NOGUEIRA, diante de seu inconformismo com a sentença prolatada pelo juízo da Vara Única de Acará, que concedeu a segurança pleiteada, reconhecendo a aquisição da estabilidade extraordinária pela Autora, bem como expedindo mandado proibitório ao Réu, para que este se abstivesse de editar ato administrativo que demita a Impetrante, sem que incorra no art. 41, §1º, I, II e III da CF/88. Razões às fls. 120/133, tendo o Apelante aduzido, em síntese, a ausência de direito líquido e certo da Autora, assim como não poderia o Ente Municipal ser proibido de instaurar procedimento administrativo a fim de apurar a legalidade do decreto nº 151/2012/GAB/PMA, o qual teria concedido a estabilidade extraordinária para a Impetrante, razões pelas quais requer que seja julgado totalmente improcedente o mandamus. Contrarrazões apresentadas às fls. 138/144, tendo o Apelado requerido, em suma, a manutenção in totum da sentença ora guerreada. Às fls. 153/161, o ilustre representante do Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do apelo interposto, aduzindo que mesmo que a documentação trazida pela Impetrante fosse verdadeira, imperioso seria reconhecer a nulidade absoluta do cerne do direito da Autora em razão da menoridade impúbere ao tempo de sua suposta admissão como professora, eis que contava com apenas 11 anos de idade. É o relatório. Decido monocraticamente. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Ab initio, destaco que dois são os pedidos da impetrante que serão analisados por ocasião do presente Reexame e do recurso de apelação: a) A proibição de que a Autoridade Coatora proceda à demissão da Impetrante sem observância do art. 41, §1º, I, II e III e; b) Que fosse reconhecida a situação de que a Impetrante faz jus à estabilidade extraordinária disposta no art. 19 do ADCT. Consoante a sentença de fls. 104/107-verso, verifico que o juízo a quo reconheceu que a Impetrante preencheu todos os requisitos constitucionais para a declaração pelo Poder Executivo de sua estabilidade extraordinária, bem como somente repisou o regramento do art. 41, §1º, I, II e III da CF/88, tal seja de que o servidor estável somente poderá ser demitido em virtude de decisão judicial, processo administrativo em que lhe seja garantida a ampla defesa, ou mediante procedimento de avaliação periódica, sendo estabelecida, ainda, uma astreinte de R$-5.000,00 (cinco mil reais) por dia em caso de descumprimento. Consoante o presente reexame e o apelo interposto pela Fazenda Pública, passo, pois, a enfrentar as razões de mérito da demanda. Sem delongas, entendo que a Impetrante não possui direito líquido e certo de obter os mandamentos jurisdicionais que requereu perante o juízo de primeiro grau, senão vejamos. O art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT assim dispõe: ¿Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.¿ Como se vê, o direito a denominada Estabilidade Extraordinária decorre diretamente do próprio mandamento constitucional, uma vez que a Carta Magna é bem clara ao afirmar, ao final do art. 19 do ADCT, que: ¿são considerados estáveis no serviço público¿. Logo, o decreto nº 151/2012/GAB/PMA de fls. 57 - integrado pelo Edital de fls. 61/65 - nada mais se trata do que um ato administrativo formal reconhecendo o direito de estabilidade à Impetrante, contudo, o mesmo não teve o condão de conferir direitos à Autora, pois, como dito, a benesse derivou diretamente do próprio texto constitucional Isso posto, a análise do pleito da Impetrante concernente ao reconhecimento do direito a estabilidade extraordinária não pode ficar resumida ao fato de que o próprio Réu, por meio do Decreto nº 151/2012/GAB/PMA, reconheceu tal direito à Autora, pois o que é relevante para o deslinde da causa é verificar se a Impetrante realmente cumpriu os requisitos dispostos no art. 19 do ADCT. Para tanto, faz-se imprescindível a análise dos documentos de fls. 14/19 (os quais dizem respeito a seis portarias). Acerca das portarias, verifico que as mesmas referem-se a contratação da Impetrante para exercer a função de professora, na Escola Municipal ¿Menino Jesus¿, situada no município de Acará. Nos termos do documento de fls. 14 (Portaria nº 874/1983), a Autora foi contratada para cobrir necessidade de serviço pelo período de março à dezembro de 1983. Por conseguinte, a par das fls. 15 (Portaria nº 920/84), infere-se que houve novamente a contratação da Impetrante para exercer a mesma função e no mesmo município, contudo, o período de ajuste laboral compreendeu o interregno de março a dezembro de 1984. Ademais, todas as outra Portarias - nº 1.041/85 (fls. 16), nº 1.133/86 (fls. 17), nº 1.183/87 (fls. 18) e nº 1.248/88 (fls. 19) - possuem o mesmo ajuste das duas anteriormente mencionadas, sendo mudado, apenas, o período laboral, que sempre compreendeu os meses de março a dezembro dos respectivos anos de edição dos atos normativos. Desse modo, resta clarividente o fato de que o exercício da função de professora pela Impetrante, no município de Acará, não ocorreu de forma continuada (ininterrupta), eis que sempre houve a quebra da continuidade laboral nos meses de janeiro e fevereiro dos anos de 1983 a 1988, razão pela qual não foi preenchido o requisito constitucional da continuidade, insculpido no art. 19 do ADCT. Além disso, as declarações de fls. 28/29 são completamente irrelevantes para o deslinde da causa, pois o teor meritório delas diz respeito aos períodos de 03/03/1993 à 31/12/1996 e 01/01/1997 à 31/12/2004, interregnos estes que são posteriores a promulgação da Constituição Federal de 1988, pelo que não se adequam aos requisitos exigidos pelo art. 19 do ADCT. Nesse sentido, confira-se o entendimento do Tribunal da cidadania: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE EXCEPCIONAL PARA SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS NÃO CONCURSADOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO A EMPREGADOS DE EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado contra ato imputado de ilegal, consistente no Decreto 1.397/2008, que declarou a nulidade do Decreto 403/2007, que teria reconhecido a estabilidade funcional à impetrante. 2. Não há ilegalidade quanto à edição do Decreto 1.397/2008, que declarou a nulidade do Decreto 403/2007, porquanto verificado que a impetrante não preenchia os requisitos para a concessão de estabilidade extraordinária, já que cabe à administração rever seus atos administrativos quando verificada irregularidade. A propósito: Súmula 346: "A Administração Pública pode anular seus próprios atos; "Súmula 473: "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". 3. No caso, a recorrente foi contratada pela Codemiat em 16.10.1980, onde permaneceu até a incorporação do órgão, em 20.2.1998, pela Metamat, tendo as duas natureza jurídica de empresa de sociedade de economia mista. 4. Não há previsão constitucional para a concessão da estabilidade extraordinária requerida, pois durante o ano de 1980 até o ano de 1998, ao prestar seus serviços às referidas empresas estatais, não preencheu os requisitos do artigo 19 do ADCT, de pelo menos 05 (cinco) anos de efetivo serviço público continuados na administração direta, fundação ou autarquia na data da promulgação da Carta de 88, para aquisição da estabilidade excepcional, não sendo destinatária, portanto, da referida norma constitucional transitória. 5. Recurso Ordinário não provido. (STJ - RMS 51257 / MT, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, publicado no DJe em 06/10/2016) ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA NO SERVIÇO PÚBLICO (ART. 19 DO ADCT). PRELIMINAR DE DECISÃO EXTRA/ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. MAGISTÉRIO. MÉRITO CONSTITUCIONAL DEBATIDO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA (ART. 515, § 1º, DO CPC). ANÁLISE DA QUESTÃO PELO STJ. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PREENCHIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 3. No mérito, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o destinatário do artigo 19 do ADCT da Constituição, no tocante ao requisito do exercício, na data da promulgação da Carta Magna, há pelo menos cinco anos continuados, é aquele que esteja vinculado a uma das pessoas jurídicas de direito público ali relacionadas na qualidade de servidor público, embora não admitido na forma regulada no art. 37 da parte permanente da Constituição, sem hiatos quanto a essa relação jurídica, ainda que a títulos diversos, desde que se sucedam sem solução de continuidade (RE 154.258/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 5/9/1996). (STJ - AgRg no RMS 19052 / MG, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, publicado no DJe em 07/12/2015) No mesmo diapasão também já decidiu este TJPA, a saber: APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME DE SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À INCORPORAÇÃO DE QUINTOS. LEI MUNICIPAL. SERVIDORES ESTABILIZADOS PELO ART. 19 DA ADCT. VANTAGEM PESSOAL GARANTIDA A SERVIDOR EFETIVO. ESTABILIDADE E EFETIVIDADE. DISTINÇÃO. 1. O §1º do art. 4º da Lei Municipal n°1.560/97 impõe como requisito indispensável para a incorporação de quintos pelo efetivo exercício de DAS a titularidade de cargo efetivo. 2. No caso concreto, a Recorrente, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, contava com menos de cinco anos continuados de exercício, e os demais impetrantes contavam mais de cinco, tendo sido, pois, beneficiados com a estabilidade de que trata o art. 19 do ADCT - estabilidade extraordinária, o que não implica efetividade. Estabilidade e efetividade são conceitos distintos. 4. Recurso de Apelação conhecido, porém, desprovido. 5. Reexame necessário provido para reformar a sentença e denegar a segurança por ausência de direito líquido e certo.¿ (TJPA - Acórdão nº 82.067, Relatora DAHIL PARAENSE DE SOUZA, publicado no DJe em 17/11/2009) Sendo assim, não tendo a Impetrante demonstrado a existência de seu direito líquido e certo, o qual nada mais é do que aquele que resulta de fato certo, comprovável de plano, e que independe de maior instrução probatória ou que derive dos próprios fatos suscitados no mandamus, rechaço o entendimento do juízo a quo no tocante ao direito da Autora à estabilidade extraordinária, bem como consigno que não houve a prática e nem ameaça de ato coator por parte do Ente Municipal, visto que o ¿tsunami de ilegalidade¿ alegado pela Autora não foi objeto de prova pré-constituída, assim como de que as demissões ocorridas no município, conforme alegado pelo próprio representante judicial deste, ocorreram com observância do art. 41, §1º, II, da CF/88. Ademais, pelos documentos trazidos pela Impetrante, conclui-se que ela possuía 11 anos de idade ao tempo da edição do primeiro ato administrativo (fls. 14) de contratação, fato este que, no meu entender, é completamente desprovido de verossimilhança, sendo inconcebível admitir que uma criança na referida idade possuísse aptidão, técnica, qualificação e habilidade para exercer uma função tão importante na formação de outras crianças e jovens, tal seja a de professor. In casu, resta evidente o fumus boni iuris eloquente acerca da(s) fraude(s) utilizada(s) para criar(em) situação de fato que se enquadrasse na benesse do art. 19 do ADCT. Por via de consequência, resta desprovido de sustentação jurídica o pleito da Impetrante de expedição de mandado proibitório, com aplicação de multa pecuniária em caso de descumprimento, na hipótese do Impetrado resolver demitir ou exonerar a Autora. ASSIM, ante o exposto, apoiando-me na dicção do art. 133, XII, alínea ¿d¿, do Regimento Interno do TJPA, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao Reexame Necessário e ao recurso de Apelação, para reformar integralmente a sentença e denegar, in totum, a segurança requerida pela Impetrante ante a inexistência de direito líquido e certo, pelo que extingo o processo com resolução do mérito1, com fulcro no artigo 487, I, do CPC. Renumere-se corretamente os autos a partir das fls. 156. P.R.I. Oficie-se no que couber. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao juízo a quo. Belém/PA, 1º de fevereiro de 2017. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO Desembargador - Relator 1 José Henrique Mouta Araújo: A denegação da segurança e a nova Lei 12.016/2009: reflexões necessárias. ¿Em alguns casos, o decisum é no sentido de que inexiste violação a qualquer direito do impetrante, considerando a legalidade da conduta impugnada judicialmente. Assim, nos casos de inexistência de ato violador à direito líquido e certo, já não se estará diante de condição da ação, mas do próprio mérito do mandado de segurança. Assim, nesses casos de inexistência de violação à direito líquido e certo, estar-se-á diante de decisão de mérito típica, prevista no art. 269, I, do CPC, sendo inclusive acobertada pela coisa julgada material.¿ ______________________________________________________________________________Gabinete Desembargador - CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
(2017.00431456-11, Não Informado, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2017-04-03, Publicado em 2017-04-03)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
03/04/2017
Data da Publicação
:
03/04/2017
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO
Número do documento
:
2017.00431456-11
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
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