TJPA 0004427-88.2013.8.14.0076
PROCESSO Nº. 2014.3.013862-3 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME DE SENTENÇA. COMARCA DE ORIGEM: ACARÁ. SENTENCIADO / APELANTE: MUNICÍPIO DE ACARÁ. ADVOGADOS: FERNANDO CARLOS PEREIRA CARNEIRO e OUTROS. SENTENCIADA / APELADA: JOANA DE NAZARÉ MATIAS DE OLIVEIRA. ADVOGADOS: SIDENEU OLIVEIRA DA CONCEIÇÃO FILHO e OUTROS. RELATORA: DESEMBARGADORA ODETE DA SILVA CARVALHO. DECISÃO MONOCRÁTICA: Tratam os presentes autos de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo MUNICÍPIO DE ACARÁ contra sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara Única da Comarca daquele Município, nos autos da ação de mandado de segurança (proc. n.º0004427-88.2013.814.0076), impetrado por JOANA DE NAZARÉ MATIAS DE OLIVEIRA, ora apelada. Relata que foi ajuizada a presente ação com o intuito de obter a reintegração ao serviço público, sob o argumento de que a impetrante teria ingressado na Administração Pública no ano de 1983 e que o Processo Administrativo que resultou na sua demissão estaria eivado de nulidade. O MM. Juízo a quo proferiu sentença favorável à impetrante, ora apelada, para conceder a segurança e declarar nulo o ato administrativo de demissão e, por conseguinte, determinar a reintegração ao cargo na Prefeitura Municipal de Acará. Inconformado, o ente municipal interpôs o presente recurso de apelação, através do qual aduz, preliminarmente, que a decisão merece reforma, porquanto, a autora não comprovou seu direito líquido e certo por prova pré-constituída, uma vez que as portarias de nomeação datadas de 1983 seriam falsas, de acordo com a análise de perícia técnica especializada realizada pelo CENTRO DE PERÍCIAS CIENTÍFICAS RENATO CHAVES INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA REGIONAL ABAETETUBA. No mérito, sustenta que não houve abuso ou ilegalidade no ato da Administração Pública, uma vez que lhe foi assegurado o direito de defesa e contraditório, por meio de processo administrativo prévio, instaurado com a finalidade de apurar individualmente a legalidade de processos de estabilização de servidores, com base no art. 19 do ADCT, sendo que, após a defesa e juntada de documentos, restou configurada a irregularidade e ilegalidade da documentação apresentada. Sob estes fundamentos, requer o conhecimento e provimento do recurso, para reforma da sentença. A apelação foi recebida somente no efeito devolutivo, conforme despacho de fl.255. Às fls.260-300, a apelada apresentou contrarrazões ao recurso, pugnando pelo seu improvimento. Após regular distribuição (fl.315), coube-me a relatoria do presente feito. O Ministério Público exarou parecer, às fls.319-329, manifestando-se pelo conhecimento do recurso e seu provimento, para reformar a sentença denegando-se a segurança em razão da necessidade de dilação probatória, incompatível com o rito do mandado de segurança. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo a proferir decisão. DA PRELIMINAR SUSCITADA PELO APELANTE ACERCA DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. Desde logo, vislumbra-se a procedência da questão preliminar suscitada, pela qual, o Município defende que não restou provado, por prova pré-constituída, o direito líquido e certo supostamente violado, na medida em que a impetrante juntou aos autos, como prova do seu ingresso no serviço público, portarias datadas de 1983, que foram consideradas falsas por perícia técnica do Instituto de Perícias Científicas Renato Chaves. Neste sentido, cumpre ressaltar que o Mandado de Segurança é ação constitucionalmente prevista no artigo 5º, inc. LXIX, da CF/88, para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Segundo os ensinamentos do saudoso jurista, Hely Lopes Meirelles, em seu Direito Administrativo Brasileiro, p.682, a conceituação acerca do termo direito líquido e certo é a seguinte: Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado para ser amparado por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. p. 682. SP: Malheiros, 2002). Corroborando com a assertiva acima, o Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em seu Mandado de Segurança, Ed. Forense, p. 46-47, afirma também que: O direito líquido e certo no Mandado de Segurança diz respeito à desnecessidade de dilação probatória para elucidação dos fatos em que se fundamenta o pedido. Trata-se de pressuposto processual objetivo (adequação do procedimento), que não subtrai do autor o direito à jurisdição sobre o litígio, mas apenas invalida a sua tutela através da via do Mandado de Segurança. No caso vertente, a impetrante/recorrida ajuizou a demanda sob o fundamento de que seria servidora pública municipal, desde 1983, motivo pelo qual, seria detentora de estabilidade nos termos do art. 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT e o MM. Juízo a quo, considerando que a mesma já preenchia os requisitos necessários para a estabilidade extraordinária, declarou a nulidade do ato de demissão por este motivo. Ocorre que, conforme Laudo pericial n.º76/2013, juntado às fls.239242, o Perito Criminal, Joaquim Batista Freitas de Araújo, concluiu que as Portarias de 1983 à 1992, que nomearam a Sra. Joana de Nazaré Matias de Oliveira, ora recorrida, são falsas, em razão de a assinatura apresentada no documento ser diferente da assinatura padrão fornecida, e por, identificar que a assinatura foi impressa junto ao documento. Ora, havendo dúvida quanto à validade do documento que supostamente nomeou a impetrante para exercer cargo público no ano de 1983, entendo que o direito líquido e certo à estabilidade extraordinária, conforme reconhecido pelo Juízo a quo, não se demonstra por prova inequívoca e pré-constituída nos autos, razão pela qual, é evidente a necessidade de dilação probatória, a fim de que o ingresso da mesma no serviço público possa ser provado por outros meios. Neste sentido, cabe destacar o posicionamento adotado pelo Excelentíssimo Desembargador Constantino Augusto Guerreiro, membro desta Egrégia Câmara, no julgamento monocrático do Agravo de Instrumento n.º 2013.3.028705-9, conforme os seguintes termos: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. ART. 19 DO ADCT. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA MANDAMENTAL. ANULAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE SEUS PRÓPRIOS ATOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO QUANDO A ANULAÇÃO AFETAR INTERESSES INDIVIDUAIS. NECESSIDADE DE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REQUISITOS DO STF ATENDIDOS PELO GESTOR MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CARÊNCIA DA AÇÃO. APLICAÇÃO DO EFEITO TRANSLATIVO. EXTINÇÃO DA AÇÃO MANDAMENTAL NO PRIMEIRO GRAU. APLICAÇÃO DO ART. 557, §1º-A DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (201330287059, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 10/12/2013, Publicado em 13/12/2013) Assim, diante das presentes considerações, tenho que a ausência de prova inequívoca, ou seja, aquela sobre a qual se tem juízo de certeza indene de dúvidas, acerca do direito líquido e certo à estabilidade extraordinária pelo art. 19 do ADCT, supostamente violado, impede o julgamento de mérito e a concessão da segurança, ante a falta de pressuposto processual necessário ao regular andamento do feito, atraindo a observância ao disposto no art. 6º, §5º, da Lei n.º12.016/09, verbis: Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. (...) § 5o Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Tal entendimento encontra amplo respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é pacífica quanto à necessidade de dilação probatória, quando há necessidade de contraprova pericial ou outros meios, para comprovação do suposto direito líquido e certo, consoante se observa dos seguintes precedentes: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CONCORRÊNCIA. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. MOLÉSTIA. INEXISTÊNCIA. LISTA. LEGISLAÇÃO. SUBMISSÃO. PERÍCIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EXCLUSÃO. CERTAME. PRETENSÃO MANDAMENTAL. PREVALECIMENTO. LAUDO PARTICULAR. CONFRONTO PROBATÓRIO. NECESSIDADE. PRODUÇÃO. PERÍCIA JUDICIAL. INVIABILIDADE. PROCESSO MANDAMENTAL. INEXISTÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Constitui o mandado de segurança espécie processual destinada à proteção de direito líquido e certo não amparável por habeas corpus ou habeas data, entendendo-se como tal aquele apreensível da compulsação dos articulados iniciais e da prova previamente coligida pela parte autora, sobretudo porque, quanto a este último aspecto, é inexistente fase procedimental de dilação probatória. 2. Tratando-se de caso concreto em que o impetrante, na condição de candidato a concurso público pela concorrência especial destinada a portadores de necessidades especiais, pretende contrapor-se à sua eliminação decorrente de resultado do laudo pericial administrativo que afastou a sua alegada debilidade, é forçoso reconhecer não ser a via mandamental adequada para tanto, à míngua justamente de dilação probatória, necessária, no caso concreto, tendo em vista que o impetrante apresenta o seu próprio laudo pericial particular, situação essa em que salutar seria a produção de uma avaliação judicial feita por perito equidistante das partes. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 45.517/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 12/08/2014) DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INVIABILIDADE. ANÁLISE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não há que se declarar a nulidade do processo administrativo se este transcorreu de forma escorreita, com a regular notificação do recorrente acerca da infração a ele imputada, seguida da publicação da portaria de instauração do PAD, bem como realização de incidente de insanidade mental, garantido o contraditório e ampla defesa, tendo sido constituído defensor, que apresentou quesitos ao perito, além de comparecer ao ato de oitiva do processado e depoimentos, apresentando defesa prévia e alegações finais. 2. A ausência de nomeação de assistente técnico no momento da perícia não tem o condão de macular, por si só, o processo disciplinar, levando em conta a efetiva participação da defesa do processado na produção da prova, inclusive mediante a formulação de quesitos, sem que fosse apontado prejuízo concreto eventualmente sofrido. 3. Para contrariar as provas colhidas no inquérito administrativo, de modo a concluir pela inexistência de autoria ou de materialidade, seria necessária dilação probatória, o que não é cabível no rito mandamental. 4. Realizada a prova pericial no âmbito administrativo, constatando a ausência de inimputabilidade a ensejar a excludente de culpabilidade alegada pelo recorrente, não se deve condicionar a validade desta prova à mesma conclusão no processo criminal, haja vista a independência entre as instâncias. 5. A conduta imputada ao recorrente - ter se utilizado de arma da corporação para atirar em sua esposa, provocando-lhe a morte - configura infrações administrativas que reclamam a penalidade de demissão, o que impede esta Corte de Justiça de alterar a modalidade da sanção imposta. Ademais, o resultado não se mostra desarrazoado ou desproporcional. 6. Recurso em mandado de segurança a que se nega provimento. (RMS 44.244/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 27/05/2014) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRELIMINAR. NULIDADE DO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CAUSAS INTERRUPTIVAS. PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTATUTÁRIA DO ENTE FEDERATIVO. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LAUDOS MÉDICOS APRESENTADOS PELO IMPETRANTE. CONCLUSÃO DA PERÍCIA MÉDICA DO TRIBUNAL. CONTRAPOSIÇÃO. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA INVIÁVEL NA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. (...) 4. Restando evidente a contraposição entre os laudos médicos apresentados pelo Impetrante e as conclusões da Junta Médica do Tribunal, inexiste direito líquido e certo do Impetrante de ser aposentado por incapacidade, na medida em que o exame do mérito demandaria a produção de novas provas, inviável de ser realizada na presente via do mandado de segurança, que não admite a dilação probatória. 5. Recurso ordinário desprovido. (RMS 29.264/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 01/02/2012) Neste sentido, importante ressaltar que é possível a aplicação do disposto no art. 557, §1º-A, do CPC, que assim prevê: Art. 557. (...) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9756.htm Tal autorização para o relator decidir monocraticamente também é estendida aos casos de reexame de sentença, por força do teor da súmula 253 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê textualmente: O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário. Cumpre ressaltar, por fim, que resta facultada a repropositura da mesma ação ou de outra de rito ordinário, desde que superados os óbices que levaram a sua extinção (ex vi da decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 2010.3.015266-9. Relatora Desa. Luzia Nadja Guimarães Nascimento. Julgado em 02.12.2010. Publicado em 06.12.2010). Ante o exposto, acompanhando o parecer do Ministério Público, e com base no disposto no art. 557, §1º-A, do CPC, e súmula 253 do STJ, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para acolher a preliminar suscitada e reformar a sentença, denegando-se a segurança, ante a falta de pressuposto processual necessário ao regular andamento do feito, consubstanciado na ausência de prova inequívoca e pré-constituída acerca da data de ingresso no serviço público, a fim de comprovar o direito à estabilidade constitucional extraordinária alegada, evidenciando a necessidade de dilação probatória, nos termos da fundamentação. Transcorrido o prazo recursal sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e, após dar baixa na distribuição de 2º Grau, remetam-se os autos ao Juízo de origem para os devidos fins. Dê-se ciência ao Ministério Público. Publique-se. Intime-se. Belém, 16 de outubro de 2014. Desembargadora Odete da Silva Carvalho Relatora
(2014.04631512-96, Não Informado, Rel. ODETE DA SILVA CARVALHO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2014-10-21, Publicado em 2014-10-21)
Ementa
PROCESSO Nº. 2014.3.013862-3 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME DE SENTENÇA. COMARCA DE ORIGEM: ACARÁ. SENTENCIADO / APELANTE: MUNICÍPIO DE ACARÁ. ADVOGADOS: FERNANDO CARLOS PEREIRA CARNEIRO e OUTROS. SENTENCIADA / APELADA: JOANA DE NAZARÉ MATIAS DE OLIVEIRA. ADVOGADOS: SIDENEU OLIVEIRA DA CONCEIÇÃO FILHO e OUTROS. RELATORA: DESEMBARGADORA ODETE DA SILVA CARVALHO. DECISÃO MONOCRÁTICA: Tratam os presentes autos de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL interposta pelo MUNICÍPIO DE ACARÁ contra sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara Única da Comarca daquele Município, nos autos da ação de mandado de segurança (proc. n.º0004427-88.2013.814.0076), impetrado por JOANA DE NAZARÉ MATIAS DE OLIVEIRA, ora apelada. Relata que foi ajuizada a presente ação com o intuito de obter a reintegração ao serviço público, sob o argumento de que a impetrante teria ingressado na Administração Pública no ano de 1983 e que o Processo Administrativo que resultou na sua demissão estaria eivado de nulidade. O MM. Juízo a quo proferiu sentença favorável à impetrante, ora apelada, para conceder a segurança e declarar nulo o ato administrativo de demissão e, por conseguinte, determinar a reintegração ao cargo na Prefeitura Municipal de Acará. Inconformado, o ente municipal interpôs o presente recurso de apelação, através do qual aduz, preliminarmente, que a decisão merece reforma, porquanto, a autora não comprovou seu direito líquido e certo por prova pré-constituída, uma vez que as portarias de nomeação datadas de 1983 seriam falsas, de acordo com a análise de perícia técnica especializada realizada pelo CENTRO DE PERÍCIAS CIENTÍFICAS RENATO CHAVES INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA REGIONAL ABAETETUBA. No mérito, sustenta que não houve abuso ou ilegalidade no ato da Administração Pública, uma vez que lhe foi assegurado o direito de defesa e contraditório, por meio de processo administrativo prévio, instaurado com a finalidade de apurar individualmente a legalidade de processos de estabilização de servidores, com base no art. 19 do ADCT, sendo que, após a defesa e juntada de documentos, restou configurada a irregularidade e ilegalidade da documentação apresentada. Sob estes fundamentos, requer o conhecimento e provimento do recurso, para reforma da sentença. A apelação foi recebida somente no efeito devolutivo, conforme despacho de fl.255. Às fls.260-300, a apelada apresentou contrarrazões ao recurso, pugnando pelo seu improvimento. Após regular distribuição (fl.315), coube-me a relatoria do presente feito. O Ministério Público exarou parecer, às fls.319-329, manifestando-se pelo conhecimento do recurso e seu provimento, para reformar a sentença denegando-se a segurança em razão da necessidade de dilação probatória, incompatível com o rito do mandado de segurança. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo a proferir decisão. DA PRELIMINAR SUSCITADA PELO APELANTE ACERCA DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. Desde logo, vislumbra-se a procedência da questão preliminar suscitada, pela qual, o Município defende que não restou provado, por prova pré-constituída, o direito líquido e certo supostamente violado, na medida em que a impetrante juntou aos autos, como prova do seu ingresso no serviço público, portarias datadas de 1983, que foram consideradas falsas por perícia técnica do Instituto de Perícias Científicas Renato Chaves. Neste sentido, cumpre ressaltar que o Mandado de Segurança é ação constitucionalmente prevista no artigo 5º, inc. LXIX, da CF/88, para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Segundo os ensinamentos do saudoso jurista, Hely Lopes Meirelles, em seu Direito Administrativo Brasileiro, p.682, a conceituação acerca do termo direito líquido e certo é a seguinte: Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado para ser amparado por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. p. 682. SP: Malheiros, 2002). Corroborando com a assertiva acima, o Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em seu Mandado de Segurança, Ed. Forense, p. 46-47, afirma também que: O direito líquido e certo no Mandado de Segurança diz respeito à desnecessidade de dilação probatória para elucidação dos fatos em que se fundamenta o pedido. Trata-se de pressuposto processual objetivo (adequação do procedimento), que não subtrai do autor o direito à jurisdição sobre o litígio, mas apenas invalida a sua tutela através da via do Mandado de Segurança. No caso vertente, a impetrante/recorrida ajuizou a demanda sob o fundamento de que seria servidora pública municipal, desde 1983, motivo pelo qual, seria detentora de estabilidade nos termos do art. 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT e o MM. Juízo a quo, considerando que a mesma já preenchia os requisitos necessários para a estabilidade extraordinária, declarou a nulidade do ato de demissão por este motivo. Ocorre que, conforme Laudo pericial n.º76/2013, juntado às fls.239242, o Perito Criminal, Joaquim Batista Freitas de Araújo, concluiu que as Portarias de 1983 à 1992, que nomearam a Sra. Joana de Nazaré Matias de Oliveira, ora recorrida, são falsas, em razão de a assinatura apresentada no documento ser diferente da assinatura padrão fornecida, e por, identificar que a assinatura foi impressa junto ao documento. Ora, havendo dúvida quanto à validade do documento que supostamente nomeou a impetrante para exercer cargo público no ano de 1983, entendo que o direito líquido e certo à estabilidade extraordinária, conforme reconhecido pelo Juízo a quo, não se demonstra por prova inequívoca e pré-constituída nos autos, razão pela qual, é evidente a necessidade de dilação probatória, a fim de que o ingresso da mesma no serviço público possa ser provado por outros meios. Neste sentido, cabe destacar o posicionamento adotado pelo Excelentíssimo Desembargador Constantino Augusto Guerreiro, membro desta Egrégia Câmara, no julgamento monocrático do Agravo de Instrumento n.º 2013.3.028705-9, conforme os seguintes termos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. ART. 19 DO ADCT. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA MANDAMENTAL. ANULAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE SEUS PRÓPRIOS ATOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO QUANDO A ANULAÇÃO AFETAR INTERESSES INDIVIDUAIS. NECESSIDADE DE SER PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REQUISITOS DO STF ATENDIDOS PELO GESTOR MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CARÊNCIA DA AÇÃO. APLICAÇÃO DO EFEITO TRANSLATIVO. EXTINÇÃO DA AÇÃO MANDAMENTAL NO PRIMEIRO GRAU. APLICAÇÃO DO ART. 557, §1º-A DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (201330287059, Rel. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 10/12/2013, Publicado em 13/12/2013) Assim, diante das presentes considerações, tenho que a ausência de prova inequívoca, ou seja, aquela sobre a qual se tem juízo de certeza indene de dúvidas, acerca do direito líquido e certo à estabilidade extraordinária pelo art. 19 do ADCT, supostamente violado, impede o julgamento de mérito e a concessão da segurança, ante a falta de pressuposto processual necessário ao regular andamento do feito, atraindo a observância ao disposto no art. 6º, §5º, da Lei n.º12.016/09, verbis: Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. (...) § 5o Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. Tal entendimento encontra amplo respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é pacífica quanto à necessidade de dilação probatória, quando há necessidade de contraprova pericial ou outros meios, para comprovação do suposto direito líquido e certo, consoante se observa dos seguintes precedentes: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CONCORRÊNCIA. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. MOLÉSTIA. INEXISTÊNCIA. LISTA. LEGISLAÇÃO. SUBMISSÃO. PERÍCIA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EXCLUSÃO. CERTAME. PRETENSÃO MANDAMENTAL. PREVALECIMENTO. LAUDO PARTICULAR. CONFRONTO PROBATÓRIO. NECESSIDADE. PRODUÇÃO. PERÍCIA JUDICIAL. INVIABILIDADE. PROCESSO MANDAMENTAL. INEXISTÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Constitui o mandado de segurança espécie processual destinada à proteção de direito líquido e certo não amparável por habeas corpus ou habeas data, entendendo-se como tal aquele apreensível da compulsação dos articulados iniciais e da prova previamente coligida pela parte autora, sobretudo porque, quanto a este último aspecto, é inexistente fase procedimental de dilação probatória. 2. Tratando-se de caso concreto em que o impetrante, na condição de candidato a concurso público pela concorrência especial destinada a portadores de necessidades especiais, pretende contrapor-se à sua eliminação decorrente de resultado do laudo pericial administrativo que afastou a sua alegada debilidade, é forçoso reconhecer não ser a via mandamental adequada para tanto, à míngua justamente de dilação probatória, necessária, no caso concreto, tendo em vista que o impetrante apresenta o seu próprio laudo pericial particular, situação essa em que salutar seria a produção de uma avaliação judicial feita por perito equidistante das partes. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 45.517/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 12/08/2014) DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO CONSTANTE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INVIABILIDADE. ANÁLISE DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não há que se declarar a nulidade do processo administrativo se este transcorreu de forma escorreita, com a regular notificação do recorrente acerca da infração a ele imputada, seguida da publicação da portaria de instauração do PAD, bem como realização de incidente de insanidade mental, garantido o contraditório e ampla defesa, tendo sido constituído defensor, que apresentou quesitos ao perito, além de comparecer ao ato de oitiva do processado e depoimentos, apresentando defesa prévia e alegações finais. 2. A ausência de nomeação de assistente técnico no momento da perícia não tem o condão de macular, por si só, o processo disciplinar, levando em conta a efetiva participação da defesa do processado na produção da prova, inclusive mediante a formulação de quesitos, sem que fosse apontado prejuízo concreto eventualmente sofrido. 3. Para contrariar as provas colhidas no inquérito administrativo, de modo a concluir pela inexistência de autoria ou de materialidade, seria necessária dilação probatória, o que não é cabível no rito mandamental. 4. Realizada a prova pericial no âmbito administrativo, constatando a ausência de inimputabilidade a ensejar a excludente de culpabilidade alegada pelo recorrente, não se deve condicionar a validade desta prova à mesma conclusão no processo criminal, haja vista a independência entre as instâncias. 5. A conduta imputada ao recorrente - ter se utilizado de arma da corporação para atirar em sua esposa, provocando-lhe a morte - configura infrações administrativas que reclamam a penalidade de demissão, o que impede esta Corte de Justiça de alterar a modalidade da sanção imposta. Ademais, o resultado não se mostra desarrazoado ou desproporcional. 6. Recurso em mandado de segurança a que se nega provimento. (RMS 44.244/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 27/05/2014) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRELIMINAR. NULIDADE DO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CAUSAS INTERRUPTIVAS. PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTATUTÁRIA DO ENTE FEDERATIVO. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LAUDOS MÉDICOS APRESENTADOS PELO IMPETRANTE. CONCLUSÃO DA PERÍCIA MÉDICA DO TRIBUNAL. CONTRAPOSIÇÃO. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA INVIÁVEL NA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. (...) 4. Restando evidente a contraposição entre os laudos médicos apresentados pelo Impetrante e as conclusões da Junta Médica do Tribunal, inexiste direito líquido e certo do Impetrante de ser aposentado por incapacidade, na medida em que o exame do mérito demandaria a produção de novas provas, inviável de ser realizada na presente via do mandado de segurança, que não admite a dilação probatória. 5. Recurso ordinário desprovido. (RMS 29.264/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 01/02/2012) Neste sentido, importante ressaltar que é possível a aplicação do disposto no art. 557, §1º-A, do CPC, que assim prevê: Art. 557. (...) § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9756.htm Tal autorização para o relator decidir monocraticamente também é estendida aos casos de reexame de sentença, por força do teor da súmula 253 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê textualmente: O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário. Cumpre ressaltar, por fim, que resta facultada a repropositura da mesma ação ou de outra de rito ordinário, desde que superados os óbices que levaram a sua extinção (ex vi da decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 2010.3.015266-9. Relatora Desa. Luzia Nadja Guimarães Nascimento. Julgado em 02.12.2010. Publicado em 06.12.2010). Ante o exposto, acompanhando o parecer do Ministério Público, e com base no disposto no art. 557, §1º-A, do CPC, e súmula 253 do STJ, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para acolher a preliminar suscitada e reformar a sentença, denegando-se a segurança, ante a falta de pressuposto processual necessário ao regular andamento do feito, consubstanciado na ausência de prova inequívoca e pré-constituída acerca da data de ingresso no serviço público, a fim de comprovar o direito à estabilidade constitucional extraordinária alegada, evidenciando a necessidade de dilação probatória, nos termos da fundamentação. Transcorrido o prazo recursal sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e, após dar baixa na distribuição de 2º Grau, remetam-se os autos ao Juízo de origem para os devidos fins. Dê-se ciência ao Ministério Público. Publique-se. Intime-se. Belém, 16 de outubro de 2014. Desembargadora Odete da Silva Carvalho Relatora
(2014.04631512-96, Não Informado, Rel. ODETE DA SILVA CARVALHO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2014-10-21, Publicado em 2014-10-21)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
21/10/2014
Data da Publicação
:
21/10/2014
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
ODETE DA SILVA CARVALHO
Número do documento
:
2014.04631512-96
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
Mostrar discussão