TJPA 0004605-16.2010.8.14.0301
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DA CAPITAL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 20133027810-7 APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NULIDADE DA SENTENÇA. CONTESTAÇÃO NÃO JUNTADA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - APRECIAÇÃO DA MATÉRIA ALEGADA. NÃO DECRETAÇÃO DE REVELIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - PRELIMINAR REJEITADA -PRELIMINARES. REJEITADAS. MÉRITO. SENTENÇA QUE, CONFIRMANDO A LIMINAR DEFERIDA, DETERMINOU QUE O ESTADO DO PARÁ E O MUNICÍPIO DE BELÉM FORNEÇAM O MEDICAMENTO ADEQUADO AO TARTAMENTO DAS MENORES. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO COLENDO STJ - POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DANO INVERSO - DECISÃO MONOCRÁTICA - SEGUIMENTO NEGADO. 1. Preliminar de nulidade da sentença, por alegada não juntada da peça contestatória. Rejeitada. Ainda que a contestação não tenha sido juntada antes da prolação da sentença, a matéria nela alegada pelo requerido foi apreciada na sentença, e, portanto, não lhe causou prejuízo, até porque não foi decretada a revelia do Estado. 2. Preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, igualmente não merece acolhimento. Rejeitada. O Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde púbica, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, dada a existência da solidariedade entre os mesmos, daí não havendo em falar em incompetência da Justiça Comum. 3.Mérito. Com fundamento no caput do art. 557, do Código de Processo Civil, nega-se seguimento ao recurso interposto, manifestamente em confronto com a jurisprudência já pacificada nos Colendos STJ e STF. In casu ficou plenamente demonstrada as gravidades das doenças e as necessidades de tratamentos específicos, para o qual as partes não possuem meios financeiros, pelo que se impõe a obrigatoriedade do ente público em assegurar o bem-estar do cidadão, garantido pela Constituição Federal, tanto em seu preâmbulo, como no art. 196, sendo fundamento da República a dignidade da pessoa. (Precedentes). 2 - Decisão Monocrática, SEGUIMENTO NEGADO. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES: Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo ESTADO DO PARÁ, contra a sentença proferida pelo MM. Juízo de Direto da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém (fls. 177/182) que, nos autos da Ação Civil Pública, com preceito cominatório de obrigação de fazer, e pedido liminar, proposta pelo Ministério Público do Estado do Pará, julgou procedente o pedido inicial, no sentido de condenar o ente estatal e o MUNICÍPIO DE BELÉM forneçam imediatamente o fornecimento do medicamento Sildenafil (comumente chamado de Viagra) de forma integral à criança N. G. F. S. e a adolescente B. Y. P. S., aplicando a multa de R$7.000,00 (sete mil reais) para cada dia de atraso no adimplemento da ordem. Consta dos autos que o Parquet ajuizou a presente ação, pugnando pela concessão de liminar, para que os réus fornecessem as menores N. G. F. e a B. Y. P. DA S., que são portadoras de uma doença específica chamada cardiopatia congênita (hipertensão pulmonar), dependendo do remédio SILDENAFIL (viagra), para tratamento, uma vez que as elas são de família hipossuficiente economicamente. O pedido de liminar foi deferido às fls. 34/36. E, tendo sido manejado recurso de agravo de instrumento contra essa decisão pelo Município de Belém, coube-me a relatoria, e através do v. acórdão nº 92.289, neguei provimento ao referido recurso, tendo a decisão transitado em julgado em 10.12.2010. (autos apenso) Às fls. 76/91, o Município de Belém apresentou contestação. Sendo certificado à fl. 140 a ausência de vinculação de petição do Estado do Pará. Após trâmite regular do feito sobreveio a sentença, tendo o Estado do Pará manejado recurso de apelação e o Município de Belém oposto embargos de declaração, os quais restaram rejeitados por decisão de fls. 291/299. Nas razões recursais de fls.194/228, o apelante levanta a preliminar de nulidade da sentença, porque a contestação apresentada pelo Estado do Pará, interposta tempestivamente, não teria sido juntada aso autos, em observância da instrumentalidade do processo. Sustenta, ainda, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Estadual, porquanto seria solidária entre o Estado, a União e o Município para fornecer o medicamento pretendido, uma vez que não consta em listas oficiais do Ministério da Saúde. No mérito, discorre sobre o modelo brasileiro de saúde pública, diante da Constituição Federal de 1988, sustentando que o artigo 196 da CF/88 possui eficácia limitada, cujos limites são determinados pela política nacional de saúde pública, sob pena de violação ao princípio da conformidade funcional, defendendo ainda a tese da universalidade do atendimento de saúde pública, a fim de evitar o beneficiamento de uma única pessoa em detrimento de todos os cidadãos. Insurge-se, também, com relação à astreinte aplicada. A apelação foi recebida no efeito devolutivo, em despacho de fls. 306/307. Contrarrazões às fls. 319/325, refutando as razões do apelo e pugnando pela manutenção da sentença impugnada. Regularmente distribuído coube-me a relatoria. É o breve relato, síntese do necessário. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Apelação Cível, acrescentando que a lide permite a ser apreciada monocraticamente nos termos do artigo 557, caput, do CPC. Versam os autos de recurso de apelação cível interposto contra sentença prolatada pelo Juízo de Direto da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém (fls. 177/183) que, nos autos da Ação Civil Pública, com preceito cominatório de obrigação de fazer, e pedido liminar, proposta pelo Ministério Público do Estado do Pará, julgou procedente o pedido inicial, no sentido de condenar o ente estatal e municipal a promoverem imediatamente o fornecimento do medicamento Sildenafil (comumente chamado Viagra) às menores N. G. F. dos S. e B. Y. P. da S. Cumpre esclarecer, inicialmente, que razão não assiste ao apelante quanto à preliminar de nulidade da sentença, por alegada não juntada da peça contestatória. Isso porque, como pode se observar dos autos, o Estado do Pará, manifestou-se em Memoriais Finais antes do feito ser sentenciado, inclusive citando sua contestação como se estivesse presente nos autos, porquanto, ainda que a contestação não tenha sido juntada antes da prolação da sentença, a matéria nela alegada pelo requerido foi apreciada pelo Magistrado a quo, e, portanto, não lhe causou prejuízo, até porque não foi decretada a revelia do Estado. Quanto à outra preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, igualmente não merece acolhimento. Com efeito, a jurisprudência do STF - Supremo Tribunal Federal, é firme no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. Desse modo a pessoa jurídica de direito público ora demandada ¿Estado do Pará¿, é parte legítima para figurar no polo passivo de ações voltadas a esse fim, independentemente de eventual inserção dos demais entes federativos como litisconsortes passivos da demanda. Com efeito, compete aos entes federados, solidariamente, o fornecimento dos medicamentos, equipamentos (materiais) e tratamentos médicos necessários à proteção da vida e da saúde do indivíduo, independentemente da esfera governamental, observado ao disposto nos artigos 23, II, e 196 da Constituição Federal: ¿Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;¿ ¿Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.¿ É cediço que a Constituição Federal atribuiu à União, aos Estados e aos Municípios, competência para ações de saúde pública, devendo cooperar técnica e financeiramente entre si, por meio de descentralização de suas atividades, com direção única em cada esfera do governo, nos termos da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (artigo 7º, IX e XI), executando os serviços e prestando atendimento direto e imediato aos cidadãos (art. 30, VII da CF). Desse modo, a obrigação constitucional de prestar assistência à saúde funda-se no princípio da cogestão, ou seja, uma participação simultânea dos entes estatais dos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária entre si. Por conseguinte, os serviços públicos de Saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo, cabendo ao Estado, em sentido amplo, garantir a todos a Saúde, não havendo, por conseguinte, se falar somente em responsabilidade do ente federal no que concerne ao fornecimento do medicamento objeto da ação ordinária. O Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde púbica, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, dada a existência da solidariedade entre os mesmos, daí não havendo em falar em incompetência da Justiça Comum. Tal entendimento se amolda à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, in verbis: ¿E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, ¿CAPUT¿, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO - CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.¿ (ARE 799400 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG 19-08-2014 PUBLIC 20-08-2014) Também a jurisprudência deste Tribunal : ¿EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRATAMENTO DE SAÚDE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE; AUSÊNCIA DO INTERESSE PROCESSUAL E INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. REJEITADAS. MÉRITO. NÃO INCIDÊNCIA DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PRECEDENTES DO STJ. EXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E À VIDA. DEVER CONSTITUCIONAL, COM BASE NOS ARTS. 5º, 6º E 196 DA CF/88. SEGURANÇA CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1) O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses entes têm legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde; 2) Não incidência da Teoria da Reserva do Possível, posto que a questão enfrentada versa sobre proteção à saúde, a dignidade da pessoa humana e à vida, situando-se esta acima de qualquer outro bem jurídico. Precedentes do STJ. 3) Segurança concedida. Decisão unânime. ¿ (2015.02326686-74, 147.934, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Julgado em 2015-06-30, Publicado em 2015-07-02) Ademais, com o princípio da demanda cabe ao cidadão a escolha de indicar contra qual dos entes federados prefere litigar, estes compreendidos pelo art. 196 da CF/88, aos quais foi atribuída competência para ações de saúde pública, devendo haver cooperação técnica e financeira entre si, mediante descentralização de suas atividades, conforme o que dispõe a Lei Federal nº 8.080/90. Com efeito, o cidadão possuiu a faculdade de postular contra qualquer dos entes públicos, conforme sua conveniência. Forte em tais considerações, rejeito a preliminar. Mérito. Como sabido, o artigo 196 da CF/88 impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. Nesse cenário, cabe lembrar, que há muito a Corte Superior - STJ assentou que apesar do caráter meramente programático atribuído ao artigo 196 da Constituição Federal, a União Estados e Municípios, não podem se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. Nessa linha, veja-se trecho da ementa da decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, no RE 271.286: ¿O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República.¿ Nesse mesmo sentido: ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; e AI 824.946-ED, Rel. Min. Dias Toffoli. Salientam, que é pacífico o entendimento daquele Tribunal que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. Veja-se também, (SL 47-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 30.4.2010): ¿Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento¿ Insta consignar ainda, que o Supremo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida. Por oportuno, confira-se a ementa do RE 716.777-AgR, julgado sob relatoria do Ministro Celso de Mello: ¿PACIENTE PORTADORA DE DOENÇA ONCOLÓGICA NEOPLASIA MALIGNA DE BAÇO PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS DIREITO À VIDA E À SAÚDE NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) PRECEDENTES (STF) RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.¿ Em remate, frisa-se: O Supremo Tribunal Federal tem assentado, que cumpre aos entes federativos o papel de destinar recursos orçamentários que garantam a implementação de políticas públicas de saúde. (RE 607.381-AgR, julgado sob a relatoria do Ministro Luiz Fux).. A propósito confira-se a jurisprudência pátria, em caso semelhante: ¿SAÚDE. DOENÇA GRAVE (HIPERTENSÃO PULMONAR SECUNDÁRIA). MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO (SILDENAFIL - VIAGRA HIPOSSUFICIENTE - FORNECIMENTO OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO INDEPENDENTEMENTE DAS ESFERAS ESTATAIS - ARTS. 5o, 6o, 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 219 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - PRECEDENTES - RECURSOS IMPROVIDOS. Tratando-se de pessoa hipossuficiente e acometida de patologia grave, é dever do Estado o fornecimento de medicamento para uma vida digna e minimamente saudável, em obediência ao regramento geral do art 196 da Constituição Federal, de sorte que não hâ ingerência do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo quando determina o fornecimento de medicamento destinado a acompanhamento de doença grave a reclamar cuidado de urgência.¿ (CR 5783085500 SP, Relator Ronaldo Frigini, Órgão Julgador 7ª Câmara de Direito Público, julgado em 31/10/2008, publicado em 21/11/2008) No que diz respeito às astreintes, a jurisprudência do STJ já se pacificou no sentido de que é perfeitamente possível a imposição de multa à Fazenda Pública pelo descumprimento de decisão judicial que a obriga a fazer, não-fazer ou entregar coisa, não assistindo razão ao agravante. Nessa linha de entendimento, cito o julgado abaixo: ¿PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA AOS ARTS. 461 E 461-A DO CPC NÃO CONFIGURADA. FIXAÇÃO DE ASTREINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. VEDAÇÃO. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem manteve a decisão que determinou a expedição de TDAs pelo Incra, sob pena de aplicação de multa diária. 2. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, é cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). 3. Ressalte-se que a apresentação tardia de novos fundamentos para viabilizar o acolhimento do Recurso Especial representa inovação, vedada no âmbito do Agravo Regimental. 4. Agravo Regimental não provido.¿. (STJ - AgRg no AREsp: 267358 CE 2012/0258630-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2013). ¿AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA - COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE E DA RECUSA DO ÓRGÃO PÚBLICO EM FORNECER MEDICAMENTO A PACIENTE GESTANTE COM TROMBOFILIA (ENOXAPARINA - CLEXANE OU VERSA) - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA - NÃO CONHECIMENTO DA PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - DIREITO À SAÚDE GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE - RISCO DE INEFICÁCIA CASO SEJA CONCEDIDO APENAS AO FINAL DA AÇÃO - PRESENÇA DOS REQUISITOS DA MEDIDA LIMINAR - INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTO CAPAZ DE INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA - INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRORROGAÇÃO PARA ENTREGA DO MEDICAMENTO - POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE ASTREINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - RECURSO DESPROVIDO. I - A escolha do mandado de segurança em lugar da ação de obrigação de fazer, para obter medicamento, negado pelo impetrado, destinado a combater doença grave que põe em risco a vida da gestante e seu bebê, não configura cerceamento de defesa. II - Não se conhece de preliminar de inadequação da via eleita (mandado de segurança), que diz respeito a suposta necessidade de dilação probatória que será objeto de análise quando do julgamento do mérito do writ. III - Demonstrada pela impetrante a relevância da fundamentação apresentada na inicial (paciente em gravidez de alto risco e portadora de trombofilia), bem como comprovado, de plano, que o direito a ser tutelado é perecível (fornecimento de medicamento específico recomendado pelo médico, sem o qual há o risco de abortamento), mantém-se a decisão recorrida que deferiu a liminar, objetivando com isso evitar a ineficácia a ordem que vier a ser concedida, em razão da possível irreparabilidade da lesão, sobretudo diante da norma estabelecida no artigo 196 da Constituição Federal, que impõe ao Estado a obrigação de garantir a saúde da população. IV - Indefere-se o pedido de prorrogação do prazo para entrega do fármaco para 30 (trinta) dias, uma vez que a paciente necessita do remédio com urgência, sobretudo porque já se esvaíram 15 (quinze) dias desde a intimação da concessão da liminar, tempo suficiente para o agravante agilizar a compra do remédio, que dispensa licitação. V - É plenamente viável a imposição de astreintes em caso de descumprimento da ordem judicial contra a Fazenda Pública para fornecimento de medicação em sede de tutela de urgência, sendo razoável a fixação do valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia.¿. (TJ-MS - AGR: 14075659820158120000 MS 1407565-98.2015.8.12.0000, Relator: Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, Data de Julgamento: 03/08/2015, 1ª Seção Cível, Data de Publicação: 04/08/2015). Em relação ao valor da multa fixada, para caso de descumprimento da obrigação, sabe-se que a astreintes tem caráter sancionatório-coercitivo, e a função de compelir o devedor a cumprir a obrigação. Ademais, não há na legislação nenhum óbice quanto à imposição de medida inibitória em face da Fazenda Pública, que poderá ser determinada pelo juiz a fim de que a parte não deixe de cumprir a obrigação na forma específica. Nesse sentido, destaca-se o escólio de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (in," Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante". São Paulo: RT, 8ª ed., 2004, p. 858):"Imposição da multa. Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz". Portanto, entendo que o juízo arbitrou a multa usando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se o bem em questão, que é a vida. Em digressão final, verificado que a matéria em exame já se encontra pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores e desta Corte de Justiça, decido monocraticamente, por uma questão de lógica jurídica, pertinência da matéria de direito tratada, e impertinência recursal com relação os acórdãos paradigmáticos e principalmente em nome do princípio da segurança jurídica, obstar o seguimento do presente recurso de apelação, razão pela qual, com fundamento no caput do art. 557, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso de apelação, por se mostrar em confronto com a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores STJ e STF. Quanto ao reexame necessário, mantenho a sentença em todos os seus termos. É o meu voto. Belém (Pa), de fevereiro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.00736556-52, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-03-03, Publicado em 2016-03-03)
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SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DA CAPITAL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 20133027810-7 APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NULIDADE DA SENTENÇA. CONTESTAÇÃO NÃO JUNTADA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - APRECIAÇÃO DA MATÉRIA ALEGADA. NÃO DECRETAÇÃO DE REVELIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - PRELIMINAR REJEITADA -PRELIMINARES. REJEITADAS. MÉRITO. SENTENÇA QUE, CONFIRMANDO A LIMINAR DEFERIDA, DETERMINOU QUE O ESTADO DO PARÁ E O MUNICÍPIO DE BELÉM FORNEÇAM O MEDICAMENTO ADEQUADO AO TARTAMENTO DAS MENORES. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO COLENDO STJ - POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DANO INVERSO - DECISÃO MONOCRÁTICA - SEGUIMENTO NEGADO. 1. Preliminar de nulidade da sentença, por alegada não juntada da peça contestatória. Rejeitada. Ainda que a contestação não tenha sido juntada antes da prolação da sentença, a matéria nela alegada pelo requerido foi apreciada na sentença, e, portanto, não lhe causou prejuízo, até porque não foi decretada a revelia do Estado. 2. Preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, igualmente não merece acolhimento. Rejeitada. O Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde púbica, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, dada a existência da solidariedade entre os mesmos, daí não havendo em falar em incompetência da Justiça Comum. 3.Mérito. Com fundamento no caput do art. 557, do Código de Processo Civil, nega-se seguimento ao recurso interposto, manifestamente em confronto com a jurisprudência já pacificada nos Colendos STJ e STF. In casu ficou plenamente demonstrada as gravidades das doenças e as necessidades de tratamentos específicos, para o qual as partes não possuem meios financeiros, pelo que se impõe a obrigatoriedade do ente público em assegurar o bem-estar do cidadão, garantido pela Constituição Federal, tanto em seu preâmbulo, como no art. 196, sendo fundamento da República a dignidade da pessoa. (Precedentes). 2 - Decisão Monocrática, SEGUIMENTO NEGADO. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES: Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo ESTADO DO PARÁ, contra a sentença proferida pelo MM. Juízo de Direto da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém (fls. 177/182) que, nos autos da Ação Civil Pública, com preceito cominatório de obrigação de fazer, e pedido liminar, proposta pelo Ministério Público do Estado do Pará, julgou procedente o pedido inicial, no sentido de condenar o ente estatal e o MUNICÍPIO DE BELÉM forneçam imediatamente o fornecimento do medicamento Sildenafil (comumente chamado de Viagra) de forma integral à criança N. G. F. S. e a adolescente B. Y. P. S., aplicando a multa de R$7.000,00 (sete mil reais) para cada dia de atraso no adimplemento da ordem. Consta dos autos que o Parquet ajuizou a presente ação, pugnando pela concessão de liminar, para que os réus fornecessem as menores N. G. F. e a B. Y. P. DA S., que são portadoras de uma doença específica chamada cardiopatia congênita (hipertensão pulmonar), dependendo do remédio SILDENAFIL (viagra), para tratamento, uma vez que as elas são de família hipossuficiente economicamente. O pedido de liminar foi deferido às fls. 34/36. E, tendo sido manejado recurso de agravo de instrumento contra essa decisão pelo Município de Belém, coube-me a relatoria, e através do v. acórdão nº 92.289, neguei provimento ao referido recurso, tendo a decisão transitado em julgado em 10.12.2010. (autos apenso) Às fls. 76/91, o Município de Belém apresentou contestação. Sendo certificado à fl. 140 a ausência de vinculação de petição do Estado do Pará. Após trâmite regular do feito sobreveio a sentença, tendo o Estado do Pará manejado recurso de apelação e o Município de Belém oposto embargos de declaração, os quais restaram rejeitados por decisão de fls. 291/299. Nas razões recursais de fls.194/228, o apelante levanta a preliminar de nulidade da sentença, porque a contestação apresentada pelo Estado do Pará, interposta tempestivamente, não teria sido juntada aso autos, em observância da instrumentalidade do processo. Sustenta, ainda, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Estadual, porquanto seria solidária entre o Estado, a União e o Município para fornecer o medicamento pretendido, uma vez que não consta em listas oficiais do Ministério da Saúde. No mérito, discorre sobre o modelo brasileiro de saúde pública, diante da Constituição Federal de 1988, sustentando que o artigo 196 da CF/88 possui eficácia limitada, cujos limites são determinados pela política nacional de saúde pública, sob pena de violação ao princípio da conformidade funcional, defendendo ainda a tese da universalidade do atendimento de saúde pública, a fim de evitar o beneficiamento de uma única pessoa em detrimento de todos os cidadãos. Insurge-se, também, com relação à astreinte aplicada. A apelação foi recebida no efeito devolutivo, em despacho de fls. 306/307. Contrarrazões às fls. 319/325, refutando as razões do apelo e pugnando pela manutenção da sentença impugnada. Regularmente distribuído coube-me a relatoria. É o breve relato, síntese do necessário. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Apelação Cível, acrescentando que a lide permite a ser apreciada monocraticamente nos termos do artigo 557, caput, do CPC. Versam os autos de recurso de apelação cível interposto contra sentença prolatada pelo Juízo de Direto da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém (fls. 177/183) que, nos autos da Ação Civil Pública, com preceito cominatório de obrigação de fazer, e pedido liminar, proposta pelo Ministério Público do Estado do Pará, julgou procedente o pedido inicial, no sentido de condenar o ente estatal e municipal a promoverem imediatamente o fornecimento do medicamento Sildenafil (comumente chamado Viagra) às menores N. G. F. dos S. e B. Y. P. da S. Cumpre esclarecer, inicialmente, que razão não assiste ao apelante quanto à preliminar de nulidade da sentença, por alegada não juntada da peça contestatória. Isso porque, como pode se observar dos autos, o Estado do Pará, manifestou-se em Memoriais Finais antes do feito ser sentenciado, inclusive citando sua contestação como se estivesse presente nos autos, porquanto, ainda que a contestação não tenha sido juntada antes da prolação da sentença, a matéria nela alegada pelo requerido foi apreciada pelo Magistrado a quo, e, portanto, não lhe causou prejuízo, até porque não foi decretada a revelia do Estado. Quanto à outra preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, igualmente não merece acolhimento. Com efeito, a jurisprudência do STF - Supremo Tribunal Federal, é firme no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. Desse modo a pessoa jurídica de direito público ora demandada ¿Estado do Pará¿, é parte legítima para figurar no polo passivo de ações voltadas a esse fim, independentemente de eventual inserção dos demais entes federativos como litisconsortes passivos da demanda. Com efeito, compete aos entes federados, solidariamente, o fornecimento dos medicamentos, equipamentos (materiais) e tratamentos médicos necessários à proteção da vida e da saúde do indivíduo, independentemente da esfera governamental, observado ao disposto nos artigos 23, II, e 196 da Constituição Federal: ¿Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;¿ ¿Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.¿ É cediço que a Constituição Federal atribuiu à União, aos Estados e aos Municípios, competência para ações de saúde pública, devendo cooperar técnica e financeiramente entre si, por meio de descentralização de suas atividades, com direção única em cada esfera do governo, nos termos da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (artigo 7º, IX e XI), executando os serviços e prestando atendimento direto e imediato aos cidadãos (art. 30, VII da CF). Desse modo, a obrigação constitucional de prestar assistência à saúde funda-se no princípio da cogestão, ou seja, uma participação simultânea dos entes estatais dos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária entre si. Por conseguinte, os serviços públicos de Saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo, cabendo ao Estado, em sentido amplo, garantir a todos a Saúde, não havendo, por conseguinte, se falar somente em responsabilidade do ente federal no que concerne ao fornecimento do medicamento objeto da ação ordinária. O Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde púbica, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, dada a existência da solidariedade entre os mesmos, daí não havendo em falar em incompetência da Justiça Comum. Tal entendimento se amolda à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, in verbis: ¿E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, ¿CAPUT¿, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO - CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.¿ (ARE 799400 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG 19-08-2014 PUBLIC 20-08-2014) Também a jurisprudência deste Tribunal : ¿ ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRATAMENTO DE SAÚDE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE; AUSÊNCIA DO INTERESSE PROCESSUAL E INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. REJEITADAS. MÉRITO. NÃO INCIDÊNCIA DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PRECEDENTES DO STJ. EXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E À VIDA. DEVER CONSTITUCIONAL, COM BASE NOS ARTS. 5º, 6º E 196 DA CF/88. SEGURANÇA CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1) O funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses entes têm legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde; 2) Não incidência da Teoria da Reserva do Possível, posto que a questão enfrentada versa sobre proteção à saúde, a dignidade da pessoa humana e à vida, situando-se esta acima de qualquer outro bem jurídico. Precedentes do STJ. 3) Segurança concedida. Decisão unânime. ¿ (2015.02326686-74, 147.934, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, Julgado em 2015-06-30, Publicado em 2015-07-02) Ademais, com o princípio da demanda cabe ao cidadão a escolha de indicar contra qual dos entes federados prefere litigar, estes compreendidos pelo art. 196 da CF/88, aos quais foi atribuída competência para ações de saúde pública, devendo haver cooperação técnica e financeira entre si, mediante descentralização de suas atividades, conforme o que dispõe a Lei Federal nº 8.080/90. Com efeito, o cidadão possuiu a faculdade de postular contra qualquer dos entes públicos, conforme sua conveniência. Forte em tais considerações, rejeito a preliminar. Mérito. Como sabido, o artigo 196 da CF/88 impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. Nesse cenário, cabe lembrar, que há muito a Corte Superior - STJ assentou que apesar do caráter meramente programático atribuído ao artigo 196 da Constituição Federal, a União Estados e Municípios, não podem se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. Nessa linha, veja-se trecho da ementa da decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, no RE 271.286: ¿O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República.¿ Nesse mesmo sentido: ARE 744.170-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; e AI 824.946-ED, Rel. Min. Dias Toffoli. Salientam, que é pacífico o entendimento daquele Tribunal que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. Veja-se também, (SL 47-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 30.4.2010): ¿Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento¿ Insta consignar ainda, que o Supremo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida. Por oportuno, confira-se a ementa do RE 716.777-AgR, julgado sob relatoria do Ministro Celso de Mello: ¿PACIENTE PORTADORA DE DOENÇA ONCOLÓGICA NEOPLASIA MALIGNA DE BAÇO PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS DIREITO À VIDA E À SAÚDE NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) PRECEDENTES (STF) RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.¿ Em remate, frisa-se: O Supremo Tribunal Federal tem assentado, que cumpre aos entes federativos o papel de destinar recursos orçamentários que garantam a implementação de políticas públicas de saúde. (RE 607.381-AgR, julgado sob a relatoria do Ministro Luiz Fux).. A propósito confira-se a jurisprudência pátria, em caso semelhante: ¿SAÚDE. DOENÇA GRAVE (HIPERTENSÃO PULMONAR SECUNDÁRIA). MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO (SILDENAFIL - VIAGRA HIPOSSUFICIENTE - FORNECIMENTO OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO INDEPENDENTEMENTE DAS ESFERAS ESTATAIS - ARTS. 5o, 6o, 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 219 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - PRECEDENTES - RECURSOS IMPROVIDOS. Tratando-se de pessoa hipossuficiente e acometida de patologia grave, é dever do Estado o fornecimento de medicamento para uma vida digna e minimamente saudável, em obediência ao regramento geral do art 196 da Constituição Federal, de sorte que não hâ ingerência do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo quando determina o fornecimento de medicamento destinado a acompanhamento de doença grave a reclamar cuidado de urgência.¿ (CR 5783085500 SP, Relator Ronaldo Frigini, Órgão Julgador 7ª Câmara de Direito Público, julgado em 31/10/2008, publicado em 21/11/2008) No que diz respeito às astreintes, a jurisprudência do STJ já se pacificou no sentido de que é perfeitamente possível a imposição de multa à Fazenda Pública pelo descumprimento de decisão judicial que a obriga a fazer, não-fazer ou entregar coisa, não assistindo razão ao agravante. Nessa linha de entendimento, cito o julgado abaixo: ¿PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA AOS ARTS. 461 E 461-A DO CPC NÃO CONFIGURADA. FIXAÇÃO DE ASTREINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. VEDAÇÃO. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem manteve a decisão que determinou a expedição de TDAs pelo Incra, sob pena de aplicação de multa diária. 2. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, é cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer ou entregar coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). 3. Ressalte-se que a apresentação tardia de novos fundamentos para viabilizar o acolhimento do Recurso Especial representa inovação, vedada no âmbito do Agravo Regimental. 4. Agravo Regimental não provido.¿. (STJ - AgRg no AREsp: 267358 CE 2012/0258630-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2013). ¿AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA - COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE E DA RECUSA DO ÓRGÃO PÚBLICO EM FORNECER MEDICAMENTO A PACIENTE GESTANTE COM TROMBOFILIA (ENOXAPARINA - CLEXANE OU VERSA) - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA - NÃO CONHECIMENTO DA PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - DIREITO À SAÚDE GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE - RISCO DE INEFICÁCIA CASO SEJA CONCEDIDO APENAS AO FINAL DA AÇÃO - PRESENÇA DOS REQUISITOS DA MEDIDA LIMINAR - INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTO CAPAZ DE INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA - INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRORROGAÇÃO PARA ENTREGA DO MEDICAMENTO - POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE ASTREINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - RECURSO DESPROVIDO. I - A escolha do mandado de segurança em lugar da ação de obrigação de fazer, para obter medicamento, negado pelo impetrado, destinado a combater doença grave que põe em risco a vida da gestante e seu bebê, não configura cerceamento de defesa. II - Não se conhece de preliminar de inadequação da via eleita (mandado de segurança), que diz respeito a suposta necessidade de dilação probatória que será objeto de análise quando do julgamento do mérito do writ. III - Demonstrada pela impetrante a relevância da fundamentação apresentada na inicial (paciente em gravidez de alto risco e portadora de trombofilia), bem como comprovado, de plano, que o direito a ser tutelado é perecível (fornecimento de medicamento específico recomendado pelo médico, sem o qual há o risco de abortamento), mantém-se a decisão recorrida que deferiu a liminar, objetivando com isso evitar a ineficácia a ordem que vier a ser concedida, em razão da possível irreparabilidade da lesão, sobretudo diante da norma estabelecida no artigo 196 da Constituição Federal, que impõe ao Estado a obrigação de garantir a saúde da população. IV - Indefere-se o pedido de prorrogação do prazo para entrega do fármaco para 30 (trinta) dias, uma vez que a paciente necessita do remédio com urgência, sobretudo porque já se esvaíram 15 (quinze) dias desde a intimação da concessão da liminar, tempo suficiente para o agravante agilizar a compra do remédio, que dispensa licitação. V - É plenamente viável a imposição de astreintes em caso de descumprimento da ordem judicial contra a Fazenda Pública para fornecimento de medicação em sede de tutela de urgência, sendo razoável a fixação do valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia.¿. (TJ-MS - AGR: 14075659820158120000 MS 1407565-98.2015.8.12.0000, Relator: Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, Data de Julgamento: 03/08/2015, 1ª Seção Cível, Data de Publicação: 04/08/2015). Em relação ao valor da multa fixada, para caso de descumprimento da obrigação, sabe-se que a astreintes tem caráter sancionatório-coercitivo, e a função de compelir o devedor a cumprir a obrigação. Ademais, não há na legislação nenhum óbice quanto à imposição de medida inibitória em face da Fazenda Pública, que poderá ser determinada pelo juiz a fim de que a parte não deixe de cumprir a obrigação na forma específica. Nesse sentido, destaca-se o escólio de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (in," Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante". São Paulo: RT, 8ª ed., 2004, p. 858):"Imposição da multa. Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz". Portanto, entendo que o juízo arbitrou a multa usando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se o bem em questão, que é a vida. Em digressão final, verificado que a matéria em exame já se encontra pacificada no âmbito dos Tribunais Superiores e desta Corte de Justiça, decido monocraticamente, por uma questão de lógica jurídica, pertinência da matéria de direito tratada, e impertinência recursal com relação os acórdãos paradigmáticos e principalmente em nome do princípio da segurança jurídica, obstar o seguimento do presente recurso de apelação, razão pela qual, com fundamento no caput do art. 557, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso de apelação, por se mostrar em confronto com a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores STJ e STF. Quanto ao reexame necessário, mantenho a sentença em todos os seus termos. É o meu voto. Belém (Pa), de fevereiro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.00736556-52, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-03-03, Publicado em 2016-03-03)
Data do Julgamento
:
03/03/2016
Data da Publicação
:
03/03/2016
Órgão Julgador
:
1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LEONARDO DE NORONHA TAVARES
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