TJPA 0005184-95.2014.8.14.0125
SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO COMARCA DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0005184-95.2014.8.14.0125 APELANTE: SEBASTIANA PAULA DE SOUSA CRUZ APELADO: BANCO DO BRASIL S/A RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. JULGAMENTO CITRA PETITA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. 1. Em se tratando de julgamento citra petita, impõe-se a anulação da sentença, em razão da vedação da aplicação da Teoria da Causa Madura, com o retorno dos autos ao juízo de primeiro para a inteira prestação jurisdicional, sob pena de supressão de instância. 2. Recurso de apelação cível conhecido e provido. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto por SEBASTIANA PAULA DE SOUSA CRUZ em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única de São Geraldo do Araguaia, nos autos de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais, ajuizada em desfavor do BANCO DO BRASIL S/A. Consta da inicial que o Banco havia realizado descontos mensais na conta corrente da autora, no importe de R$ 329,49 (trezentos e vinte e nove reais e quarenta e nove centavos) a R$ 300,00 (trezentos reais), referente a um empréstimo consignado, sem que ela houvesse contratado. Relatou, ainda, que o Banco já havia descontado outro valor mensal do seu contracheque, em razão de contrato de empréstimo consignado que não contratou, o qual fora anulado por sentença transitado em julgado, não havendo restituição dos referidos descontos. Afirmou ter sofrido abalo moral, em virtude do seu nome ter sido negativado. Sobreveio a r. sentença, às fls. 52/53, que julgou extinto o feito sem resolução de mérito, ante a ocorrência de coisa julgada, fundamentando que os pedidos e a causa de pedir são idênticos aos de outro processo que tramitou na mesma comarca, no qual a sentença declarou nulo o contrato realizado entre as partes, mas não reconheceu a existência de danos materiais ou morais, em virtude da ausência de provas. Irresignada a autora interpôs o presente recurso de apelação, às fls. 56/66. Asseverou que não contratou com o Banco apelado nenhum dos dois empréstimos. Alegou que, no processo nº 0005745-56.2013.8.14.0125, não obteve o ressarcimento dos valores descontados, pois não foi oportunizada inversão do ônus probandi, uma vez que a Prefeitura Municipal de São Geraldo, na época, não estava disponibilizando os holerites de pagamento aos funcionários. Com relação ao segundo contrato, afirmou que resta devidamente comprovado e individualizado, que se trata de outro contrato que está sendo discutido e que, apesar disso, o Magistrado a quo não verificou que o objeto desta ação se refere a contrato distinto, e extinguiu o processo sem resolução de mérito, em razão de coisa julgada por entender se tratar do mesmo contrato. Narrou que as parcelas mensais descontadas no contracheque da apelante, referente a dívida não contratada, ocasionaram-lhe angustia, nervosismo e insônia, alterando a qualidade de vida da mesma e de seus dependentes, razão pela qual entende devida a indenização por dano moral. Requereu o pagamento de repetição de indébito referente aos dois contratos, por terem sido descontados valores indevidos e não se tratar de um erro justificável. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso. Encaminhados a esta E. Corte de Justiça e após regular distribuição, coube-me a relatoria do feito (fl. 70). Sem contrarrazões. É o relatório. DECIDO. Em primeiro lugar, frise-se que a decisão objurgada e o correspondente recurso foram produzidos sob a égide do CPC/73, esquadrinhado, portanto, sob os contornos daquele diploma processual. Desse modo, o direito do recorrente haverá de ser apreciado sob as balizas da Lei vigente à época da abertura do prazo recursal, sem prejuízo daquilo que for de aplicação imediata. Recebo o recurso de apelação, eis que preenchidos os requisitos de admissibilidade. Das razões recursais, extrai-se que o inconformismo da autora, ora apelante, gira em torno da ausência de análise dos pedidos em relação ao segundo contrato de empréstimo consignado, supostamente ilícito, mesmo tendo informado ao juízo sentenciante que se tratavam de dois contratos distintos, postulando, dessa maneira, a anulação da sentença. Pois bem. Entendo que razão assiste à apelante. Isto porque, diante da exposição das principais questões acerca da demanda, infere-se que, de fato, o juízo singular deixou de se manifestar acerca dos pedidos de dano moral e repetição de indébito referentes ao segundo contrato supostamente ilícito, mesmo tendo sido provocado para tanto, quando do pedido da inicial. Impende destacar que, embora o juízo tenha asseverado que se trata de causa pedir e pedidos idênticos, entendo que não há como interpretar que se trate do mesmo objeto ou que tenha analisado todos os pedidos, ainda que de forma implícita, uma vez que há dois contratos distintos dentro da lide, com suas respectivas peculiaridades. Desta forma, verifico que no presente caso houve omissão por parte do juízo singular quando deixou de apreciar os pedidos em relação ao segundo contrato, mesmo havendo pedido da parte a respeito, violando, dessa maneira, o princípio da correlação, congruência ou adstrição (arts. 2º1, 1282 e 4593 do CPC/73), o que traduz error in procedendo, em razão de julgamento citra petita. E no caso de julgamento citra petita, não há outra solução a não ser anular a sentença, inclusive de ofício, para que o magistrado de piso cumpra integralmente a sua prestação jurisdicional. Vejamos: ¿AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DIALETICIDADE. CONHECIMENTO. SENTENÇA CITRA PETITA. RECONHECIMENTO DO VÍCIO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. 1. Afigura-se dispensável que o órgão julgador examine uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Basta-lhe que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. 2. O acórdão recorrido entendeu estar hígido o recurso de apelação e o agravo retido (art. 514, II, e 499 do CPC) mediante o confronto do que ficou decidido na sentença com o que foi requerido pelos autores, extraindo daí a dialeticidade da apelação e o interesse recursal das partes. Tal conclusão não se desfaz sem afronta à Súmula 7/STJ. 3. A nulidade da sentença decorrente de julgamento citra petita pode ser reconhecida de ofício em grau de apelação ou agravo retido. Precedentes. 4. Agravo regimental improvido¿. (AgRg no AREsp 164.686/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 21/05/2014). ¿PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA CITRA PETITA. CASSAÇÃO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. POSSIBILIDADE. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESNECESSIDADE. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. A nulidade da sentença citra petita pode ser decretada de ofício pelo Tribunal de origem, sendo desnecessária a prévia oposição dos Embargos de Declaração. 2. Ainda que a violação da legislação federal ocorra no julgamento da Apelação, é necessário protocolar os Embargos de Declaração para fins de prequestionamento. 3. Agravo Regimental não provido¿. (AgRg no REsp 437.877/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 09/03/2009). ¿PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE NULIDADE PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 282/STF. SENTENÇA CITRA PETITA. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. PRECEDENTE. NÃO-COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. As questões referentes à violação dos arts. 2º, 128, 245, 460 e 535, todos do Código de Processo Civil, não foram debatidas no acórdão recorrido e tampouco foram opostos embargos declaratórios para o devido suprimento da matéria. Incidência da Súmula 282 do STF. 2. O entendimento consolidado nesta Corte de Justiça é firme no sentido de que, em caso de sentença citra petita, o Tribunal, de ofício, pode anulá-la, determinando que uma outra seja proferida. 3. A ausência do acórdão paradigma, que sequer foi colacionado aos autos, inviabiliza o conhecimento do especial, da mesma forma que a ausência da realização do cotejo analítico, nos moldes determinados pelos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ. Precedentes. 4. Recurso especial a que se nega provimento¿. (REsp 233.882/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 292). Com efeito, cumpre esclarecer, que não rejeito o entendimento da Corte Superior acerca da aplicação da Teoria da Causa Madura, diante de sentença de mérito, todavia tal aplicação deve-se restringir às questões excepcionais, unicamente de direito e que não dependam de dilação probatória, o que não é caso, pois para verificar se houve descontos ilícitos que motivariam a repetição de indébito e o dano moral, necessariamente, deve-se cotejar os fatos ocorridos nos autos para aferição de numerário adequado. Nesse contexto, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a qual se pauta no sentido de que, quando houver reconhecimento de nulidade em sentença de mérito, por motivo de julgamento extra ou citra petita, é vedada a aplicação do Princípio da Causa Madura, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC/73, deixo de utilizá-la no presente caso, impondo-se o retorno dos autos à origem, a fim de que não haja supressão de instância. Nesse sentido: ¿ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO CITRA PETITA. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC/73. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO, NOS MOLDES LEGAIS E REGIMENTAIS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 18/10/2016, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. II. Na inicial, trata-se de Ação Ordinária, ajuizada por Unisys Brasil Ltda. em face do Município de São Luís/MA, em face do descumprimento de contrato de fornecimento de produtos e serviços de informática, firmado pela autora com o ente público. A sentença condenou o réu ao pagamento dos valores requeridos na inicial. O acórdão do Tribunal de origem reformou o decisum de 1º Grau, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, para que este se manifeste sobre todos os pedidos formulados pela parte, na inicial. III. Conforme a jurisprudência do STJ, "a sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a 'completar' a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s). In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil" (STJ, REsp 756.844/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJU de 17/10/2005). Em igual sentido: "Declarada, na hipótese, a nulidade da sentença em decorrência de julgamento ultra petita, impõe-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, vedada a aplicação do princípio da causa madura, contido no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil" (STJ, REsp 915.805/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1º/07/2009). Assim, afigura-se acertada a decisão ora agravada, que, com fundamento na Súmula 568 do STJ, obstou o processamento do Recurso Especial, no ponto. IV. Para a caracterização da divergência, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/73 e do art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ - no caso, quanto à possibilidade da aplicação do art. 515, § 3º, do CPC/73 aos feitos extintos, com julgamento de mérito -, exige-se, além da transcrição de acórdãos tidos por discordantes, a realização do cotejo analítico do dissídio jurisprudencial invocado, com a necessária demonstração de similitude fática entre o aresto impugnado e os acórdãos paradigmas, assim como a presença de soluções jurídicas diversas para a situação, exigência não atendida, no caso, porquanto não se comprovou a similitude fática entre os casos confrontados. V. Agravo interno improvido.¿ (AgInt no AREsp 999.161/MA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 09/06/2017) ¿PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. JULGAMENTO DO MÉRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. INAPLICABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. SUPRESSÃO PELO JUIZ SINGULAR E NÃO PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. A sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a 'completar' a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s). In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil. Recurso provido.¿ (REsp 756.844/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 348) Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para anular a sentença ora combatida e determinar a baixa dos autos ao primeiro grau, a fim de que o juízo singular esgote a prestação jurisdicional, decidindo fundamentadamente sobre todos os pedidos deduzidos pela parte autora, em conformidade com a jurisprudência do STJ. Este é o meu voto. Belém (PA), 19 de janeiro de 2018. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2018.00189555-08, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-01-23, Publicado em 2018-01-23)
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SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO COMARCA DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0005184-95.2014.8.14.0125 APELANTE: SEBASTIANA PAULA DE SOUSA CRUZ APELADO: BANCO DO BRASIL S/A RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. JULGAMENTO CITRA PETITA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. 1. Em se tratando de julgamento citra petita, impõe-se a anulação da sentença, em razão da vedação da aplicação da Teoria da Causa Madura, com o retorno dos autos ao juízo de primeiro para a inteira prestação jurisdicional, sob pena de supressão de instância. 2. Recurso de apelação cível conhecido e provido. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto por SEBASTIANA PAULA DE SOUSA CRUZ em face da sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única de São Geraldo do Araguaia, nos autos de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Morais, ajuizada em desfavor do BANCO DO BRASIL S/A. Consta da inicial que o Banco havia realizado descontos mensais na conta corrente da autora, no importe de R$ 329,49 (trezentos e vinte e nove reais e quarenta e nove centavos) a R$ 300,00 (trezentos reais), referente a um empréstimo consignado, sem que ela houvesse contratado. Relatou, ainda, que o Banco já havia descontado outro valor mensal do seu contracheque, em razão de contrato de empréstimo consignado que não contratou, o qual fora anulado por sentença transitado em julgado, não havendo restituição dos referidos descontos. Afirmou ter sofrido abalo moral, em virtude do seu nome ter sido negativado. Sobreveio a r. sentença, às fls. 52/53, que julgou extinto o feito sem resolução de mérito, ante a ocorrência de coisa julgada, fundamentando que os pedidos e a causa de pedir são idênticos aos de outro processo que tramitou na mesma comarca, no qual a sentença declarou nulo o contrato realizado entre as partes, mas não reconheceu a existência de danos materiais ou morais, em virtude da ausência de provas. Irresignada a autora interpôs o presente recurso de apelação, às fls. 56/66. Asseverou que não contratou com o Banco apelado nenhum dos dois empréstimos. Alegou que, no processo nº 0005745-56.2013.8.14.0125, não obteve o ressarcimento dos valores descontados, pois não foi oportunizada inversão do ônus probandi, uma vez que a Prefeitura Municipal de São Geraldo, na época, não estava disponibilizando os holerites de pagamento aos funcionários. Com relação ao segundo contrato, afirmou que resta devidamente comprovado e individualizado, que se trata de outro contrato que está sendo discutido e que, apesar disso, o Magistrado a quo não verificou que o objeto desta ação se refere a contrato distinto, e extinguiu o processo sem resolução de mérito, em razão de coisa julgada por entender se tratar do mesmo contrato. Narrou que as parcelas mensais descontadas no contracheque da apelante, referente a dívida não contratada, ocasionaram-lhe angustia, nervosismo e insônia, alterando a qualidade de vida da mesma e de seus dependentes, razão pela qual entende devida a indenização por dano moral. Requereu o pagamento de repetição de indébito referente aos dois contratos, por terem sido descontados valores indevidos e não se tratar de um erro justificável. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso. Encaminhados a esta E. Corte de Justiça e após regular distribuição, coube-me a relatoria do feito (fl. 70). Sem contrarrazões. É o relatório. DECIDO. Em primeiro lugar, frise-se que a decisão objurgada e o correspondente recurso foram produzidos sob a égide do CPC/73, esquadrinhado, portanto, sob os contornos daquele diploma processual. Desse modo, o direito do recorrente haverá de ser apreciado sob as balizas da Lei vigente à época da abertura do prazo recursal, sem prejuízo daquilo que for de aplicação imediata. Recebo o recurso de apelação, eis que preenchidos os requisitos de admissibilidade. Das razões recursais, extrai-se que o inconformismo da autora, ora apelante, gira em torno da ausência de análise dos pedidos em relação ao segundo contrato de empréstimo consignado, supostamente ilícito, mesmo tendo informado ao juízo sentenciante que se tratavam de dois contratos distintos, postulando, dessa maneira, a anulação da sentença. Pois bem. Entendo que razão assiste à apelante. Isto porque, diante da exposição das principais questões acerca da demanda, infere-se que, de fato, o juízo singular deixou de se manifestar acerca dos pedidos de dano moral e repetição de indébito referentes ao segundo contrato supostamente ilícito, mesmo tendo sido provocado para tanto, quando do pedido da inicial. Impende destacar que, embora o juízo tenha asseverado que se trata de causa pedir e pedidos idênticos, entendo que não há como interpretar que se trate do mesmo objeto ou que tenha analisado todos os pedidos, ainda que de forma implícita, uma vez que há dois contratos distintos dentro da lide, com suas respectivas peculiaridades. Desta forma, verifico que no presente caso houve omissão por parte do juízo singular quando deixou de apreciar os pedidos em relação ao segundo contrato, mesmo havendo pedido da parte a respeito, violando, dessa maneira, o princípio da correlação, congruência ou adstrição (arts. 2º1, 1282 e 4593 do CPC/73), o que traduz error in procedendo, em razão de julgamento citra petita. E no caso de julgamento citra petita, não há outra solução a não ser anular a sentença, inclusive de ofício, para que o magistrado de piso cumpra integralmente a sua prestação jurisdicional. Vejamos: ¿AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DIALETICIDADE. CONHECIMENTO. SENTENÇA CITRA PETITA. RECONHECIMENTO DO VÍCIO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. 1. Afigura-se dispensável que o órgão julgador examine uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Basta-lhe que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. 2. O acórdão recorrido entendeu estar hígido o recurso de apelação e o agravo retido (art. 514, II, e 499 do CPC) mediante o confronto do que ficou decidido na sentença com o que foi requerido pelos autores, extraindo daí a dialeticidade da apelação e o interesse recursal das partes. Tal conclusão não se desfaz sem afronta à Súmula 7/STJ. 3. A nulidade da sentença decorrente de julgamento citra petita pode ser reconhecida de ofício em grau de apelação ou agravo retido. Precedentes. 4. Agravo regimental improvido¿. (AgRg no AREsp 164.686/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 21/05/2014). ¿PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA CITRA PETITA. CASSAÇÃO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. POSSIBILIDADE. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESNECESSIDADE. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. A nulidade da sentença citra petita pode ser decretada de ofício pelo Tribunal de origem, sendo desnecessária a prévia oposição dos Embargos de Declaração. 2. Ainda que a violação da legislação federal ocorra no julgamento da Apelação, é necessário protocolar os Embargos de Declaração para fins de prequestionamento. 3. Agravo Regimental não provido¿. (AgRg no REsp 437.877/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2008, DJe 09/03/2009). ¿PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DE NULIDADE PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 282/STF. SENTENÇA CITRA PETITA. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. PRECEDENTE. NÃO-COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. As questões referentes à violação dos arts. 2º, 128, 245, 460 e 535, todos do Código de Processo Civil, não foram debatidas no acórdão recorrido e tampouco foram opostos embargos declaratórios para o devido suprimento da matéria. Incidência da Súmula 282 do STF. 2. O entendimento consolidado nesta Corte de Justiça é firme no sentido de que, em caso de sentença citra petita, o Tribunal, de ofício, pode anulá-la, determinando que uma outra seja proferida. 3. A ausência do acórdão paradigma, que sequer foi colacionado aos autos, inviabiliza o conhecimento do especial, da mesma forma que a ausência da realização do cotejo analítico, nos moldes determinados pelos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ. Precedentes. 4. Recurso especial a que se nega provimento¿. (REsp 233.882/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 292). Com efeito, cumpre esclarecer, que não rejeito o entendimento da Corte Superior acerca da aplicação da Teoria da Causa Madura, diante de sentença de mérito, todavia tal aplicação deve-se restringir às questões excepcionais, unicamente de direito e que não dependam de dilação probatória, o que não é caso, pois para verificar se houve descontos ilícitos que motivariam a repetição de indébito e o dano moral, necessariamente, deve-se cotejar os fatos ocorridos nos autos para aferição de numerário adequado. Nesse contexto, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a qual se pauta no sentido de que, quando houver reconhecimento de nulidade em sentença de mérito, por motivo de julgamento extra ou citra petita, é vedada a aplicação do Princípio da Causa Madura, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC/73, deixo de utilizá-la no presente caso, impondo-se o retorno dos autos à origem, a fim de que não haja supressão de instância. Nesse sentido: ¿ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO CITRA PETITA. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC/73. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO, NOS MOLDES LEGAIS E REGIMENTAIS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 18/10/2016, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. II. Na inicial, trata-se de Ação Ordinária, ajuizada por Unisys Brasil Ltda. em face do Município de São Luís/MA, em face do descumprimento de contrato de fornecimento de produtos e serviços de informática, firmado pela autora com o ente público. A sentença condenou o réu ao pagamento dos valores requeridos na inicial. O acórdão do Tribunal de origem reformou o decisum de 1º Grau, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, para que este se manifeste sobre todos os pedidos formulados pela parte, na inicial. III. Conforme a jurisprudência do STJ, "a sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a 'completar' a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s). In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil" (STJ, REsp 756.844/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJU de 17/10/2005). Em igual sentido: "Declarada, na hipótese, a nulidade da sentença em decorrência de julgamento ultra petita, impõe-se o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, vedada a aplicação do princípio da causa madura, contido no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil" (STJ, REsp 915.805/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1º/07/2009). Assim, afigura-se acertada a decisão ora agravada, que, com fundamento na Súmula 568 do STJ, obstou o processamento do Recurso Especial, no ponto. IV. Para a caracterização da divergência, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/73 e do art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ - no caso, quanto à possibilidade da aplicação do art. 515, § 3º, do CPC/73 aos feitos extintos, com julgamento de mérito -, exige-se, além da transcrição de acórdãos tidos por discordantes, a realização do cotejo analítico do dissídio jurisprudencial invocado, com a necessária demonstração de similitude fática entre o aresto impugnado e os acórdãos paradigmas, assim como a presença de soluções jurídicas diversas para a situação, exigência não atendida, no caso, porquanto não se comprovou a similitude fática entre os casos confrontados. V. Agravo interno improvido.¿ (AgInt no AREsp 999.161/MA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 09/06/2017) ¿PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. JULGAMENTO DO MÉRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. INAPLICABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. SUPRESSÃO PELO JUIZ SINGULAR E NÃO PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. A sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a 'completar' a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s). In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil. Recurso provido.¿ (REsp 756.844/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 348) Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para anular a sentença ora combatida e determinar a baixa dos autos ao primeiro grau, a fim de que o juízo singular esgote a prestação jurisdicional, decidindo fundamentadamente sobre todos os pedidos deduzidos pela parte autora, em conformidade com a jurisprudência do STJ. Este é o meu voto. Belém (PA), 19 de janeiro de 2018. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2018.00189555-08, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-01-23, Publicado em 2018-01-23)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
23/01/2018
Data da Publicação
:
23/01/2018
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a)
:
LEONARDO DE NORONHA TAVARES
Número do documento
:
2018.00189555-08
Tipo de processo
:
Apelação
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