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Jurisprudência


TJPA 0005654-90.2000.8.14.0301

Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA   Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por BANCO DO ESTADO DO PARÁ - BANPARÁ, devidamente representado por procurador habilitado nos autos, com base no art. 513 e ss. do CPC, contra sentença prolatada pelo douto juízo da 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém (fls. 169/179) que, nos autos da ação de reparação de danos patrimoniais e morais nº 0005654-90.2000.814.0301 ajuizada por FRANCISCO MENDES DA SILVA, julgou procedentes os pedidos, no seguinte sentido: condenou o réu ao ressarcimento do valor de R$ 176,40, pago a mais no contrato de empréstimo consignado de nº 19960250093; ressarcimento do valor de R$ 271,52, cobrados a título de juros por pagamento fora do vencimento no contrato de nº 970407102747; ressarcimento dos juros cobrados no valor de R$ 5.040,00 quanto ao contrato nº 72.543; condenou o requerido ao pagamento de danos morais no valor de R$ 2.000,00; lucros cessantes no valor de R$ 5.030,00; honorários advocatícios à razão de 20% sobre o valor da condenação.   Em sua petição inicial o autor relatou que firmou diversos contratos de empréstimo com o banco requerido, aderindo, por último, ao sistema multicred (contrato nº 72.543) e que foi vítima da realização de descontos indevidos em sua conta corrente, razão pela qual requereu: a devolução dos valores debitados equivocadamente; a apresentação dos contratos de empréstimo celebrados e extratos de suas movimentações bancárias. Em contestação, o requerido refutou as alegações do requerente, atribuindo à Secretaria de Estado de Administração a equivocada informação do valor líquido a ser creditado na conta corrente do autor. Ao final requereu a improcedência da ação. Em suas razões recursais o apelante suscitou o seguinte: a nulidade da sentença por violação do devido processo legal; a não observância, pelo magistrado de piso, das provas apresentadas pelo apelante; inexistência de dano material; a inexistência de vício de consentimento. Ao final, requereu o total provimento do recurso interposto. A apelação foi recebida em seu duplo efeito (fl. 203). Foi apresentada Contrarrazões (fls. 204/209) requerendo o não provimento do recurso.   Coube-me a relatoria do feito por distribuição (fl. 210).   Vieram-me conclusos os autos.   É o relatório. DECIDO.  Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Em um primeiro momento, ressalto o entendimento pacífico acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação pactuada entre as partes, haja vista que a instituição financeira é prestadora de serviços, nos termos do art. 3º da Lei 8.078/1990 que dispõe o seguinte: ¿Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.¿ Já o apelante enquadra-se na definição de consumidor, disposta no art. 2º do CDC, que expõe que ¿Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.¿ Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, visando dirimir qualquer dúvida, editou a Súmula nº. 297, que dispõe: ¿O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras¿. Dessa forma, ainda que persista o princípio da liberdade de contratação e pactuação das taxas e encargos incidentes, os contratos bancários não contam com força absoluta e obrigatória, principalmente se houver disposições que contrariam o ordenamento jurídico, como os princípios da boa-fé e equilíbrio das prestações. Os pactos, então, podem ser objeto de revisão sempre que verificada alguma abusividade que coloque o consumidor em situação de extrema desvantagem. Assim, passo a análise do caso concreto, observando os aspectos trazidos em sede recursal. DO MÉRITO. DA NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CERCEAMENTO DE DEFESA. O apelante requer a nulidade da sentença com base na suposta imprescindibilidade da produção de prova pericial, sob pena de violação ao contraditório e ampla defesa. Não merece ser acolhido o pedido. O recorrente, somente nessa fase processual, suscita a necessidade de realização de prova pericial, após a prolatação de sentença que lhe foi desfavorável, deixando de requerer expressamente tanto em sua peça contestatória, quanto após ser intimado do despacho que determinou que as partes especificassem as provas a serem produzidas (fl. 164), estando claramente precluído seu direito a tal requerimento. Além disso, como destinatário final das provas, o juiz tem a possibilidade de aferir, no caso concreto, a necessidade de produção ou não de determinado elemento probatório para a formação de seu convencimento motivado. Ademais, art. 330, I do CPC de 1973, permite o julgamento antecipado da lide quando a questão for de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de prova em audiência, como de fato entendeu o magistrado a quo. Assim, não acolho a alegação de nulidade da sentença em função de suposta afronta ao devido processo legal. Ainda no mérito, entendo que o cerne da questão é aferir se restaram demonstrados os descontos indevidos na conta corrente do autor, o que daria ensejo aos pedidos contidos na inicial.   Da leitura do feito se observa que o autor celebrou os seguintes contratos de empréstimos: contrato n. 199604250015; contrato n. 19960250093; contrato n. 970407102747; contrato n. 72.543. DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE NÚMERO 19960250093. No que se refere ao contrato de empréstimo sob consignação n. 19960250093, o valor total da operação era R$ 3.422,14, com parcelas de R$ 510,00, a ser quitado no prazo de 10 meses, devendo a primeira parcela ser paga em 11/96 e a última 08/97.  O autor alega que quitou mensalmente o valor de R$ 510,00, entre novembro/96 e março/97 e que em abril de 1997, quitou o remanescente do débito de uma só vez, ou seja, R$ 2.550,00, referente aos de abril, maio, junho, julho e agosto/97, todavia, nos meses subsequentes ao pagamento, o réu teria continuado a realizar o desconto mensal de R$ 510,00, conforme contra-cheques de maio e junho de 1997, quando na verdade deveria debitar o valor de R$ 451,20, referente ao subsequente contrato celebrado (contrato n. 970407102747). Por isso, requereu o ressarcimento do valor de R$ 176,40 pago a mais do que deveria. Ao folhear os autos, entendo que o requerente não faz jus ao pedido. Isso porque o Banpará conseguiu demonstrar que constatado o equívoco no desconto do valor de R$ 510,00, efetuou o ressarcimento das parcelas reclamadas, o que se verifica da leitura dos extratos de (fls. 13/14; 94/96), constando o valor R$ 510,00 sobre a nomeclatura ¿lançamento avisado¿. Alias, observa-se que o requerente, em sua réplica, em momento algum rebateu a alegação apresentada pelo demandado, quanto a esse ponto. Desse modo, entendo que deve ser reformada a sentença no que se refere à condenação na quantia de R$ 176,40, supostamente pago a mais no contrato de empréstimo consignado n. 19960250093, uma vez que a instituição financeira logrou êxito em demonstrar fato impeditivo do direito alegado, ou seja, a devolução da quantia debitada indevidamente. DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE NÚMERO 970407102747. No que se refere ao contrato de empréstimo celebrado em abril de 1997, sob o n. 970407102747, esse totalizava a quantia de R$ 3.700,00, com parcelas de R$ 451,20, a ser quitado no prazo de 12 meses, com primeiro pagamento em 04/97 e o último em 03/98. Segundo o autor, sem justificativa plausível, o banco não mais debitava os valores referentes às parcelas do contrato celebrado na data em que recebia seus vencimentos, mas passou a estabelecer uma data fixa, qual seja o dia 25 de cada mês, todavia, nem sempre o cliente recebia seus proventos na mesma data do débito em conta, o que gerava a incidência de encargos em função de supostos atrasos. Somado a isso, descreve que o banco começou a atrasar os pagamentos dos vencimentos do autor, o que, por consequência, gerava mais encargos sobre seus empréstimos. Pois bem. Dá leitura do contrato de fl. 16, observa-se que não existia, de forma expressa, uma data específica para o pagamento (via débito em conta corrente) das parcelas mensais decorrentes do empréstimo. Além disso, o extrato de consulta de dados do contrato (fl. 17) demonstra que, de fato, não existia uma data especifica para a realização do débito sobre a conta do requerente. Isso implica concluir que se o débito oriundo do empréstimo fosse realizado em data na qual não existisse crédito na conta do cliente ou esse fosse insuficiente, consequentemente, encargos moratórios passariam a incidir sobre o contrato pactuado. A meu sentir, a ausência de previsibilidade quanto a data dos descontos na conta do recorrido é claramente atentatório ao instituto da transparência nas relações de consumo (art. 4º, caput do CDC), bem como contrário à boa-fé (art. 4º, III do CDC) e à proibição e repressão aos abusos praticados no mercado contra o consumidor, nos termos do art. 4º, VI do CDC. Inclusive, da leitura do documento de fl. 17, se constata que praticamente todos os débitos, ao longo do contrato, foram realizados em valor superior à parcela de R$ 451,20, portanto, com a incidência de encargos moratórios, o que corrobora as alegações do requerente. Nesse ponto, entendo que o banco requerido não logrou êxito em demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Por isso, verifico que agiu com acerto o magistrado a quo ao fixar o ressarcimento do valor de R$ 271,52, cobrados a título de juros por pagamento supostamente fora do vencimento, quanto ao contrato n. 970407102747. DO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO MULTICRED NÚMERO 72.543. No que se refere ao contrato multicred, à fl.18 se verifica que foi concedido crédito de R$ 5.992,00, a ser pago em parcelas mensais no valor de R$ 428,00. O contrato denominado MULTICRED é uma linha de crédito rotativo, disponibilizada aos clientes pessoa física, que recebem seu salário no Banco, com multifuncionalidades, podendo ser utilizado para sacar o valor em dinheiro, como rotativo e cartão de débito para compras de bens e serviços em estabelecimentos credenciados. Além disso, o crédito disponível vai reduzindo na medida em que o tomador/correntista o utiliza e aumenta na medida em que é feito o pagamento do principal já utilizado. Anotando que o referido montante é liberado de forma automática quando o cliente não tem saldo disponível em sua conta-corrente, pagando os encargos sobre o recurso utilizado. No caso em tela, resta claro que ao longo do contrato celebrado, o requerente sempre lançou mão de saques em sua conta corrente, conforme se verifica dos extratos colacionados, porém, em que pese a tentativa de esclarecer as peculiaridades do empréstimo denominado MULTICRED, entendo que, invertido o ônus da prova, o requerido não se desincumbiu do dever de demonstrar a regularidade dos juros incidentes sobre a conta corrente do cliente, não atendendo ao disposto no art. 333, II do CPC/1973. O apelante poderia ter apresentado planilha de cálculo apta a corroborar a legalidade na cobrança dos encargos utilizados ou mesmo requerido de forma expressa, ao longo do processo de conhecimento, a realização de perícia contábil, mas não o fez, precluindo esse direito, nesse momento processual. Ademais, sabe-se que a jurisprudência pátria tem estabelecido como limite de desconto em conta o percentual máximo de 30% dos vencimentos dos clientes, sob pena de configuração de abusividade. Nesse sentido destaco o seguinte precedente desta corte: APELAÇÃO N. 2011.3.005.195-1. REL. MARIA DO CÉO MACIEL COUTINHO. Assim, considerando que o BANPARÁ não conseguiu demonstrar a legalidade da cobrança dos juros aplicados sobre os créditos do autor ou algum equívoco na quantia requerida, considerado o disposto no art. 333, II do CPC, entendo plausível o reconhecimento da alegada abusividade, mantendo o valor da condenação, ao ressarcimento dos juros cobrados no valor de R$ 5.040,00. DA CONDENAÇÃO EM LUCROS CESSANTES NO VALOR DE R$ 5.030,00.    Quanto a esse ponto, merece reforma a decisão atacada. O Juízo monocrático condenou o recorrente em lucros cessantes no importe de R$ 5.030,00, contudo em momento algum de sua petição inicial o autor realizou pedido de condenação em lucros cessantes. A sentença prolatada fere claramente o princípio da congruência, que assevera que o magistrado deve se vincular ao pedido do réu. No presente caso, é notória a caracterização de julgamento extra petita, razão pela qual deve ser reformada a sentença quanto à fixação da condenação em lucros cessantes. Por ser matéria de ordem pública, a sentença extra petita pode ser apreciada a qualquer tempo: Nesse sentido: ¿CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE HOME CARE. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. CULPA PELA EXTINÇÃO DA AVENÇA. IRRELEVÂNCIA. OPÇÃO DA PARTE PELA RESILIÇÃO UNILATERAL DA AVENÇA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE AVISO PRÉVIO. LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. PROPORCIONALIDADE AO PERÍODO FALTANTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. SENTENÇA, EM PARTE, REFORMADA. 1.As preliminares de cerceamento de defesa e de julgamento extra petita suscitadas pela parte não configuram inovação recursal, haja vista constituírem matéria de ordem pública, podendo ser levantadas a qualquer momento, inclusive, de ofício pelo próprio julgador. (...). Mantidos os demais termos da r. sentença, inclusive quanto à sucumbência.(TJ-DF - APC: 20140110742128, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 28/01/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/02/2015 . Pág.: 180).¿ DOS DANOS MORAIS. Após analisar os autos entendo que houve lesão à honra do recorrido, sendo claro o constrangimento e aflição decorrentes do temor de não conseguir arcar com os encargos oriundos do empréstimo. Destaco também a falta de assistência por parte da instituição financeira, pois restou demonstrado que por diversas vezes o cliente notificou a instituição financeira para que esclarecesse cobranças debitadas de sua conta bancária. Diante disso, entendo que deve ser mantida a condenação em R$ 2.000,00 a título de danos morais. Ante o exposto, com fulcro no art. 557,§1º-A do CPC, conheço da apelação e dou-lhe parcial provimento, inclusive para fins de prequestionamento, reformando a sentença vergastada no que se refere à condenação na quantia de R$ R$ 176,40. Deixo de condenar em lucros cessantes o banco recorrente, em função da sentença ter se configurado extra petita quanto a este ponto. Mantenho os demais termos da sentença atacada, nos limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. Custas pelo recorrente, nos termos do art. 21, parágrafo único do CPC/1973. P.R.I. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria n°3731/2015-GP. Belém (PA), 08 de abril de 2016.   Desembargadora DRª. EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora (2016.01334631-36, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2016-04-13, Publicado em 2016-04-13)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 13/04/2016
Data da Publicação : 13/04/2016
Órgão Julgador : 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a) : MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento : 2016.01334631-36
Tipo de processo : Apelação
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