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Jurisprudência


TJPA 0006402-30.2014.8.14.0006

Ementa
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE ANANINDEUA/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0006402-30.2014.8.14.0006 APELANTE: ALINE LAMAGNA DO NEASCIMENTO NOBRE APELADO: BANCO YAMAHA MOTOR DO BRASIL RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E MANUTENÇÃO DE POSSE DE VEÍCULO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA EX OFFÍCIO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 285-A, DO CPC. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES DO STJ. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. INTELIGÊNCIA DO ART. 557, § 1º-A, DO CPC/73. 1. Possível a revisão contratual, com base no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal e dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos negócios jurídicos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços (Enunciado nº. 297 da Súmula do STJ). 2. Não cabe a aplicação do art. 285-A do CPC/73 ao caso concreto, pois a demanda revisional versa sobre questões fáticas. 3. A consolidação da jurisprudência acerca de determinadas matérias ventiladas na ação revisional não permite concluir que a demanda trata de questão unicamente de direito. Necessidade de amplo conhecimento dos fatos alegados. 4. No caso, ausente o contrato de financiamento nos autos, resta impossível a aferição imediata das ilegalidades suscitadas, fato este que corrobora a necessidade de dilação probatória. 5. Ex offIcio reconhecida a ocorrência de cerceamento de defesa para anular a sentença, a fim de que o processo tenha regular tramitação. 7.SENTENÇA DESCONSTITUIDA DE OFÍCIO. RECURSO DE APELAÇÃO PREJUDICADO. DECISÃO MONOCRÁTICA. DECISÃO MONOCRÁTICA          O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR):            Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por ALINE LAMAGNA DO NASCIMENTO NOBRE em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 10ª Vara Cível de Ananindeua que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Cláusulas Contratuais c/c Consignação em Pagamento e Manutenção de Posse de Veículo, com pedido de antecipação de tutela, julgou improcedente a ação, com fulcro no art. 269, I, c/c o art. 285-A do CPC/1973.            Na origem, o requerente interpôs ação para rever contrato de financiamento do veículo, marca Yamaha Modelo Factor Ano 2011/2011 Placa OFL6010, em 48 (quarenta e oito) parcelas de R$236,76 (duzentos e trinta e seis reais e setenta e seis centavos).             Informou que tentou negociar as cláusulas do contrato, que entende serem abusivas, mas não obteve êxito; e que após, verificou que a instituição financeira teria acrescido juros e encargos acima do legalmente permitido.            Asseverou que havia a incidência dos juros remuneratórios em percentual superior a 12% (doze por cento) ao ano, o que importava em vantagem desarrazoada em seu desfavor; bem como questionou a comissão de permanência e a capitalização mensal de juros. Nesse sentido postulou a limitação dos juros remuneratórios a 12% a.a., juros moratórios em 1% a.m.           Requereu a consignação em juízo de parcela que entendia ser justa; sustação do pagamento de parcela pactuada; não inscrição de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito; manutenção na posse do veículo, e a inversão do ônus da prova. Juntou documentos.           Após regular trâmite processual, sobreveio sentença, que aplicou o art. 285-A do CPC/1973, julgando improcedente o pedido, alegando acerca da impossibilidade de modificação unilateral do contrato; e que o Superior Tribunal de Justiça já possui entendimento pacífico a respeito dos juros remuneratórios, da comissão de permanência e da capitalização mensal.           Irresignado a requerente interpôs o presente recurso de apelação repisando os mesmos argumentos já declinados.            Ao final, requereu o provimento do recurso com a reforma da sentença ora atacada.            Contrarrazões às fls. 45/75.              Ascenderam os autos a esta instância, onde após regular distribuição, coube-me a relatoria.    É o relatório.             Decido.            Trata-se de ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, onde a parte autora alegou a existência de juros abusivos e cobrança de taxas não permitidas pelos Tribunais, solicitando a inversão do ônus da prova.            A respeitável sentença monocrática apreciou o feito, na forma do artigo 285-A, do CPC, aduzindo a impossibilidade de modificação unilateral do contrato e que a matéria questionada já teria sido abordada em outras ações, e nesse sentido reiterou trechos da sentença proferida no Processo nº 0004904-64.2012.814.0006, julgando improcedente o pedido da parte autora.            Contudo, em que pese à sentença judicial possua lógica e coerência nos argumentos lançados, cabe anotar que é perfeitamente possível a revisão de contratos bancários, com base no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo 3º) - seguindo esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça -, uma vez que essa Lei é aplicável aos negócios jurídicos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. Aliás, sem qualquer relevo eventual discussão sobre a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor, em face de já ser cediço em jurisprudência deste Tribunal de Justiça o cabimento da revisão com base na lei especial citada, porquanto se trata de relação de consumo.            Ademais, o Código de Defesa do Consumidor é incidente nos contratos formalizados com instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional, na forma do enunciado nº. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ¿O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.¿            Trata-se, portanto, de um direito fundamental garantido na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXV, da parte autora revisar os pactos que firmou com a requerida, quando entende que as cláusulas contratuais demonstram-se onerosas ou excessivas.            Feitas essas considerações impõem-reconhecer ex officio a ocorrência de cerceamento de defesa pela aplicabilidade equivocada do art. 285-A, do CPC/73.            Como já dito, a sentença foi prolatada com fundamento no art. 285-A do CPC/73, que tem a seguinte redação: ¿Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.¿            O objetivo da norma acima transcrita é proporcionar maior celeridade processual, nos casos de demandas repetitivas, desde que implementados os requisitos elencados. Embora a jurisprudência venha, em regra, se assentando no sentido de que a matéria em questão seja de direito, o que possibilitaria o julgamento nos moldes do referido dispositivos, verifica-se, no caso concreto, a impossibilidade de julgamento de plano, considerando o estado em que se encontra o processo.            Na espécie, entendo que a contenda ora apresentada não se trata de matéria unicamente de direito, mas também envolve questão essencialmente fática, já que a causa de pedir reside na alegação de juros abusivos e cobrança de encargos ilegais e ilegítimos, fatos este que estão a exigir a realização de instrução probatória, para que haja uma análise atenta e ampla da circunstância fática singular que foi apresentada.            In casu, não há como identificar as supostas abusividades e ilegalidades alegadas pela parte autora, posto que na presente demanda não consta o contrato de financiamento pactuado pelas partes, o qual permitiria uma análise perfunctória pelo juiz de base acerca das alegações da apelante em sua petição inicial, motivo este que vem a corroborar a necessidade de instrução e clareamento amplo das circunstâncias fáticas da demanda. Sendo assim, faz-se necessária a devolução dos autos à origem, para que seja determinada a juntada do contrato de financiamento ao processo pela parte que melhor detiver condições para fazê-la, para que assim possa o julgador tomar o conhecimento preciso acerca dos encargos e tarifas que foram cobradas da autora.            Sendo assim, verifico que não foram preenchidos os requisitos do art. 285-A, do CPC/73 para julgamento antecipado do feito.            No sentido do que fora exposto, destaco que o C. STJ já teve oportunidade de se manifestar em caso semelhante ao que ora se apresenta. Na oportunidade, o Min. Luiz Felipe Salomão entendeu que a ação não se tratava de matéria unicamente de direito, pelo que manteve o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, a saber: ¿DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 557, § 1º, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ART. 285-A DO CPC. IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE. NECESSIDADE DA CONFORMIDADE DO ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS SUPERIORES. EXEGESE TELEOLÓGICA. PEDIDO DE REVISÃO DE INSTRUMENTOS BANCÁRIOS. DEMANDA QUE ENVOLVE QUESTÃO FÁTICA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não há falar em afronta ao art. 557 do CPC em virtude de o recurso ter sido decidido monocraticamente pelo relator quando, em sede de agravo interno, este é reapreciado pelo órgão colegiado do Tribunal de origem. 2. As matérias de ordem pública não estão sujeitas ao regime de preclusão e podem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Assim, tendo o Tribunal de origem concluído que a manutenção da sentença viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e, por tal razão, anular ex officio a decisão do juízo de piso, não conduz em ofensa aos arts. 128, 460 e 514 do Código de Processo Civil. 3. A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. 4. A demanda de revisão de contratos bancários, em regra, também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a possibilidade de aplicação do art. 285-A da legislação processual civil. 5. O simples fato de existir jurisprudência consolidada do STJ acerca de determinadas matérias não gera a conclusão de que a questão suscitada é unicamente de direito para, em seguida, invocar o art. 285-A do CPC, pois a subsunção à norma e à interpretação dos julgados dos tribunais superiores necessitam do amplo conhecimento do arcabouço fático. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1201357 / AC, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, publicado no DJe em 29/09/2015)                         Acerca do julgado do C. STJ acima referido, colaciono abaixo trecho do voto do Eminente Relator que ora interessa: ¿No caso em julgamento, resta saber se a demanda tratada se amolda ao conceito de "matéria controvertida unicamente de direito". De antemão, nos moldes trazidos na petição inicial, compreendo que a presente ação de revisão de contratos bancários também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a improcedência liminar dos pedidos formulados pela parte autora com base no art. 285-A da legislação processual civil. Com efeito, irretocável o acórdão impugnado quando assevera 'que a controvérsia posta neste recurso não reside em matéria exclusivamente de direito, mas, também (e essencialmente) abrange matéria de fato, já que o cerne da questão atém-se à alegada presença de juros abusivos a exigir a instrução do feito e análise pormenorizada dos fatos' (fl. 197). Isso porque a prova da onerosidade excessiva, necessária à procedência do pedido de revisão e do descumprimento contratual, muitas vezes atravessa a simples análise de cláusulas do instrumento negocial, pois há situações em que a taxa de juros contratada é muito superior àquela efetivamente cobrada pela instituição bancária. Em outras palavras, deve ser feito o cotejo entre 'o que deveria' e 'o que está sendo efetivamente cobrado' pelo banco para se chegar à correta solução da lide, evitando, assim, a perpetuação de verdadeiro descumprimento contratual... Não se pode olvidar também a possibilidade de exigência de encargos financeiros não contratados ou cobrados em desacordo com a lei ou atos normativos expedidos pelo Banco Central do Brasil (BACEN), o que afronta, de forma inarredável, os direitos dos clientes. De outra banda, em diversas situações semelhantes a esta, a verificação da conformidade dos encargos com a lei passa pela busca da taxa média de juros praticada pelo mercado no momento da celebração do negócio jurídico, evidenciando mais ainda que o pedido não se refere a questão unicamente de direito. Acrescente-se a circunstância de que não houve a juntada do contrato aos autos para permitir a aferição das ilegalidades suscitadas e, em contrapartida, decidir a controvérsia instaurada, fato que apenas corrobora a necessidade de dilação probatória com o eventual deferimento do pedido incidental de exibição de documentos... Dessa forma, entendo que não merece prosperar a alegação do recorrente, pois o acórdão impugnado deu a correta solução para demanda ao anular a sentença proferida em desarmonia com o art. 285-A do CPC, pois a questão também envolve matéria fática.¿                         Para corroborar, cito precedente do Tribunal da Cidadania que destaca a necessidade de juntada do contrato de financiamento nos autos para que se possa avaliar a capitalização dos juros, a saber: ¿AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. JUNTADA DO AJUSTE. NECESSIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. A ausência da juntada do contrato de financiamento aos autos impede a análise da questão relativa à incidência da capitalização mensal dos juros e da comissão de permanência.¿ (AgRg no AREsp 671847 / BA, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, publicado no DJe 14/03/2016)            Desse modo, resta completamente incoerente a constatação pelo juiz de base que a parte autora não provou as alegadas abusividades, porquanto não foi dada a oportunidade de regularizar a aludida ausência, tampouco foi apreciado o pedido de inversão do ônus da prova.            Nesse contexto, vale lembrar que o consumidor possui o direito de informação acerca do negócio jurídico realizado com o fornecedor (art. 6º, III, CDC), bem como de facilitação da sua defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova conforme o caso (art. 6º, VIII, do CDC).            Destarte, entendo haver necessidade de instrução processual para que o contrato a ser revisado seja juntado aos autos, e assim ser analisada a ocorrência ou não das abusividades alegadas.             Ante o exposto, a teor do art. 557, §1º- A, do CPC, com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, reconheço de ofício a ocorrência de cerceamento de defesa para desconstituir a sentença a quo e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para regular processamento do feito, restando prejudicado o julgamento do recurso de apelação. Belém (PA), 30 de novembro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR (2016.04813705-14, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2017-01-27, Publicado em 2017-01-27)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 27/01/2017
Data da Publicação : 27/01/2017
Órgão Julgador : 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : LEONARDO DE NORONHA TAVARES
Número do documento : 2016.04813705-14
Tipo de processo : Apelação
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