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Jurisprudência


TJPA 0009334-94.2008.8.14.0301

Ementa
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA APELAÇÃO CIVEL N° 2013.3.009615-3 COMARCA DE ORIGEM: BELÉM APELANTE: E. A. C. F. APELANTE: M. F. L. APELANTE: M. R. DE F. APELANTE: M. F. J. APELANTE: M. F. F. APELANTE: M. G. DE F. J. ADVOGADO: JESSICA COSTA DAMASCENO E OUTROS APELADO: G. C. S. ADVOGADO: MICHEL FERRO E SILVA E OUTROS RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. VÍNCULO BIOLÓGICO COMPROVADO. IDENTIDADE GENÉTICA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Na linha dos precedentes do C. STJ, a existência de relação socioafetiva com o pai registral não impede o reconhecimento dos vínculos biológicos quando a investigação de paternidade é demandada por iniciativa do próprio filho, uma vez que a pretensão deduzida fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de filiação, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 2. Diante da prova irrefutável do vínculo biológico consubstanciada através de perícia genética - DNA, deve ser mantida a sentença, com todos os reflexos decorrentes do reconhecimento do vínculo biológico. 3. Precedentes do STJ. 4. Recurso conhecido e desprovido. DECISÃO MONOCRÁTICA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Trata-se de Apelação Cível interposta por E. A. C. F. e Outros, objetivando a reforma da sentença proferida pelo MM. Juízo da 6ª Vara de Família da Comarca de Belém, que, nos autos da Ação de Investigação de Paternidade, processo nº 0009334-94.2008.8.14.0301, julgou procedente o pedido para reconhecer a paternidade de Gabriel Conceição Sales, atribuída à Mário Gomes de Freitas. (Cf. fls. 125/127v) Em breve síntese, o Apelado ingressou com a Ação de Investigação de Paternidade, aduzindo que sua genitora manteve relacionamento de namoro com o investigado pelo período de três (03) anos, advindo desta união, o nascimento do Requerente em 24 de abril de 1975. Aduz que um ano após seu nascimento, sua genitora contraiu matrimônio com o sr. Levy Rodrigues de Sales, que reconheceu sua paternidade em 24 de abril de 1978 e lhe proveu sustento e afeto até a data de seu falecimento, em 03/07/1999. Por fim, sustenta que somente após completar 21 anos, o Requerente tomou conhecimento dos fatos, e ao procurar seu pai biológico, este assumiu a paternidade, negando-se, contudo, a reconhecê-lo como filho, em razão de já ter constituído família. Pugna pela procedência da ação com o reconhecimento de sua paternidade, atribuída ao Requerido. (Cf. fls. 02/08) Instado a se manifestar, o Requerido apresentou contestação, sustentando que jamais teve qualquer relacionamento com a genitora do Requerente e, diante da negativa da paternidade requerida, pugna pela realização de exame de DNA, e no final pela improcedência da ação. (Cf. fls. 29/31) Em audiência preliminar, foi coletado o material genético das partes, para realização do exame de DNA, cujo laudo apresentado atestou a impossibilidade de exclusão da paternidade do autor, atribuída ao Requerido, com probabilidade superior à 99,999%. (Cf. fls. 34 e fls. 36/38) O Requerente apresentou manifestação ao Laudo às fls. 45/46. Em audiência de instrução e julgamento, o Autor aditou a inicial, passando a natureza da ação ser de investigação de paternidade c/c nulidade de registro civil, sendo o requerido citado no ato. (Cf. fl. 56) O investigado apresentou contestação, sustentando a inexistência de relação afetiva entre as partes, de modo que o registro do requerente foi procedido por seus genitores de livre vontade, sem qualquer vício de consentimento, configurando-se ¿adoção à brasileira¿. Pugna ao final pela total improcedência da ação. (Cf. fls. 58/65) Houve réplica à contestação às fls. 70/72. O Ministério Público apresentou manifestação, pronunciando-se pela improcedência da ação. (Cf. fls. 74/78) Em despacho, o magistrado singular saneou o processo, e, após a realização da Audiência de Instrução e Julgamento, as partes apresentaram suas razões finais. (Cf. fl. 79, fls. 108/110, fls. 111 e fls. 112/118) Após manifestação do Ministério Público, o MM. Juízo ¿a quo¿ prolatou sentença julgando procedente o pedido para reconhecer a paternidade de Gabriel Conceição Sales, atribuída à Mário Gomes de Freitas. (Cf. fls. 120/124 e fls. 125/127v) O Requerido opôs Embargos de Declaração, que deixou de ser acolhido pelo Juízo singular por entender que inexistiu contradição, omissão ou obscuridade no julgado. (Cf. fls. 129/131 e fl. 132) Em seguida, os filhos do Requerido informaram o óbito de seu genitor e, posteriormente, interpuseram recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença para que a ação seja julgada totalmente improcedente. (Cf. fls. 133/134 e fls. 150/177) O recurso de apelação foi recebido em seu duplo efeito, tendo os Recorridos apresentado suas contrarrazões. (Cf. fl. 180 e fls. 182/188) Foram os autos encaminhados ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará e, após distribuição do feito, o processo foi remetido ao Ministério Público que se pronunciou pelo desprovimento do recurso. (Cf. fls. 193/200) Coube-me relatar o feito por redistribuição. É o relatório. Procedo de forma monocrática por se tratar de matéria cristalizada no âmbito da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça e deste TJPA. Preliminarmente, cabe ressaltar que o art. 507 prevê que se, durante o prazo para a interposição do recurso, sobrevier o falecimento da parte, o prazo será restituído em proveito dos herdeiros, contra quem começará a correr novamente depois da intimação. Pois bem. Analisando os autos, observo que os Recorrentes colacionaram aos autos a certidão de óbito de fl. 149, demonstrando que a parte Requerida faleceu logo após a sentença, restando evidenciado a sua filiação através dos documentos de fls. 136, 137, 140, 142, 144 e 148. Nesse sentido, vislumbro preenchido o pressuposto intrínseco da legitimidade recursal, na medida em que os Recorrentes se desincumbiram do ônus de demonstrar a sua condição de herdeiros necessários do investigado, ora falecido. Acerca da matéria, cito ainda a seguinte jurisprudência AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGADO FALECIDO NO CURSO DO PROCESSO. REDIRECIONAMENTO DA AÇÃO CONTRA OS SUCESSORES DO INVESTIGADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO. RECEBIMENTO DOS RECURSOS DE APELAÇÃO INTERPOSTOS POR HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS, EM NOME PRÓPRIO, E NÃO EM REPRESENTAÇÃO AO ESPÓLIO. REABERTURA DO PRAZO RECURSAL PARA QUE SEJA OPORTUNIZADO AOS DEMAIS HERDEIROS RECORRER EM NOME PRÓPRIO, QUERENDO. 1. Falecendo o investigado no curso do processo, os legitimados para figurar no polo passivo da ação de investigação de paternidade são os herdeiros, pessoalmente, e não o espólio. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. 2. No caso, embora os herdeiros tenham sido devidamente citados e tenham integrado o processo após o óbito do investigado - ao menos ao que consta do instrumento -, o espólio deste também passou a peticionar nos autos, por meio dos advogados constituídos pelo próprio espólio, representado por seu inventariante, aparentemente sem que houvesse insurgência de nenhum dos litigantes a respeito. Todavia, esta circunstância acabou por gerar um tumulto processual no tocante ao recebimento de recurso de apelação interposto pelo espólio, que coincidiu com a troca de inventariante e, consequentemente, dos causídicos do espólio. 3. Considerando que o espólio é parte ilegítima passiva e que, ao que parece, não houve esclarecimento prévio aos contendores acerca disso, impõe-se o recebimento dos recursos de apelação interpostos pela atual e pelo antigo inventariante, que também são herdeiros - entretanto, em nome próprio, e não em representação ao espólio. Igualmente, a fim de evitar futura alegação de cerceamento de defesa, é de ser reaberto o prazo recursal da sentença para que os demandados sejam cientificados de que a legitimidade passiva compete aos herdeiros, pessoalmente, facultando-lhes recorrer em nome próprio. DERAM PROVIMENTO EM PARTE. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70059282079, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 17/07/2014) (TJ-RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 17/07/2014, Oitava Câmara Cível) Desse modo, rejeito a preliminar suscitada pelo Recorrido, para reconhecer a legitimidade recursal dos Apelantes e passo, então, a analisar o mérito do Apelo. Com efeito, entendo que não assiste razão ao Apelante. Inicialmente, cabe ressaltar que as ações de investigação de paternidade versam sobre direito de personalidade relativo ao parentesco, tratando-se, pois, de direitos indisponíveis, com profundas consequências na vida de ambas as partes envolvidas. Nesse sentido, não se pode retirar do filho, a quem foi imposta a paternidade dissociada da realidade, a prerrogativa de conhecer não só a sua origem, como também de ter valorizada a sua condição de herdeiro necessário, tornando-se, pois, assegurado ao filho o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de buscar a sua verdade biológica. Na hipótese dos autos, verifico que o exame de DNA aponta o investigado como pai biológico do Apelado, com probabilidade superior à 99,999%, não havendo, nos autos, qualquer irregularidade ou registros de irresignação em relação ao laudo genético apresentado. (Cf. fls. 36/38) Por outro lado, insta destacar que a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. Com efeito, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. Assim, no contexto da chamada 'adoção à brasileira', quando é o filho quem busca a paternidade biológica, não se lhe pode negar esse direito com fundamento na filiação socioafetiva desenvolvida com o pai registral, sobretudo quando este não contesta o pedido. Nesse sentido, vejamos o entendimento jurisprudencial do C. STJ, senão vejamos: FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART. 1.593 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 6. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1401719 MG 2012/0022035-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/10/2013) AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME DE DNA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA Nº 7/STJ. EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO DA ANCESTRALIDADE BIOLÓGICA. DIREITO DA PERSONALIDADE. 1. Inviável, em sede de recurso especial, modificar o acórdão recorrido que entendeu desnecessária a realização de novo exame de DNA, tendo em vista que a análise do tema demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, procedimento vedado, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 2. É consectário do princípio da dignidade humana o reconhecimento da ancestralidade biológica como direito da personalidade, podendo a ação de investigação de paternidade e de nulidade de registro ser julgada procedente mesmo que tenha sido construída uma relação socioafetiva entre o filho e o pai registral. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 236958 CE 2012/0205541-6, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/02/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/03/2014) Desse modo, na linha dos precedentes do C. STJ, a existência de relação socioafetiva com o pai registral não impede o reconhecimento dos vínculos biológicos quando a investigação de paternidade é demandada por iniciativa do próprio filho, uma vez que a pretensão deduzida fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de filiação, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Assim, diante da prova irrefutável do vínculo biológico consubstanciada através de perícia genética - DNA (Cf. fls. 36/38), deve ser mantida a sentença de piso, com todos os reflexos decorrentes do reconhecimento do vínculo biológico. À vista do exposto, CONHEÇO da Apelação ora manejada, porém NEGO PROVIMENTO, para manter a sentença vergastada em todos os seus termos. P.R.I. Belém, (PA), 11 de dezembro de 2015. Desa. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES Desembargadora Relatora (2015.04691002-57, Não Informado, Rel. EDINEA OLIVEIRA TAVARES, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-19, Publicado em 2016-01-19)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 19/01/2016
Data da Publicação : 19/01/2016
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : EDINEA OLIVEIRA TAVARES
Número do documento : 2015.04691002-57
Tipo de processo : Apelação
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