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Jurisprudência


TJPA 0009653-93.2013.8.14.0005

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 0009683-93.2013.814.0005 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA RECURSO: APELAÇÃO COMARCA: ALTAMIRA (1ª VARA CÍVEL E INFÂNCIA E JUVENTUDE) APELANTE: JOSÉ DO SOCORRO GOMES DOS SANTOS (ADVOGADOS: CARLOS AUGUSTO SILVA SPYNIEWKI E OMAR ELIAS GEHA) APELADO: CONSÓRCIO NORTE ENERGIA (ADVOGADO: ARLEN PINTO MOREIRA E MARCELO AUGUSTO TEIXEIRA DE BRITO NOBRE) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA          Cuida-se de apelação cível interposta por JOSÉ DO SOCORRO GOMES DOS SANTOS , por intermédio dos advogados Carlos Augusto Silva Spyniewki e Omar Elias Geha, em face da decisão proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível e Infância e Juventude da Comarca de Altamira nos autos da Ação de Indenização por Danos c/c Pedido de Antecipação de Tutela ajuizada em desfavor do Consórcio Norte Energia.          Por meio da decisão apelada, o Juízo a quo extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, bem como determinou que fosse oficiado aos Ministérios Públicos Estadual e Federal a fim de que, ¿ambos, em conjunto, ou, separadamente, a depender da amplitude do suposto dano (local ou regional), tomem as medidas que entenderem pertinentes.¿          Irresignado, o apelante interpôs o presente apelo, deduzindo a nulidade da sentença em decorrência de violação aos incisos LIV, LV e XXXV do artigo 5º da CF/1988 e aos artigos 130, 284, 330 e 332 do Código de Processo Civil.          Alega que houve desrespeito ao princípio do devido processo legal, ao argumento de que o magistrado sentenciante deveria, obrigatoriamente, promover todos os atos de instrução probatória a fim de definir, de forma concreta e segura, as supostas máculas provocadas pela parte adversa.          Sustenta que os danos ambientais acarretados pela construção de quaisquer Usinas Hidrelétricas são de grande notoriedade, significando incontestável o impacto sofrido por todos os pescadores da região envolvida, sendo objetiva a responsabilidade legal do réu, diante da Teoria do Risco.          Salienta ser inaplicável a multa fixada em sede de embargos de declaração.          Pelo exposto, requer o conhecimento e provimento do presente apelo, com a finalidade de reformar a diretiva apelada, com o consequente retorno dos autos ao Juízo a quo, para a realização da instrução probatória, bem como afastar a multa aplicada nos embargos declaratórios.          O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo e, na mesma oportunidade, o recorrido foi instado a se manifestar, conforme decisão de fl. 357.          Em contrarrazões, o recorrido sustém que o apelante não apresentou impugnação específica no que concerne aos fundamentos da sentença guerreada, razão porque o apelo não merece ser conhecido segundo seu modo de ver. Ultrapassada essa questão, rechaça os argumentos deduzidos no apelo, requerendo a manutenção da sentença vergastada.           Remetido os autos a essa superior instância, coube-me a relatoria do feito, momento em que determinei sua remessa ao parecer do custos legis.          Manifestando-se naquela condição, o Procurador de Justiça Mario Nonato Falangola opina pelo acolhimento da preliminar deduzida pelo recorrido e, caso não seja este o entendimento desta Corte de Justiça, no mérito pelo provimento parcial do recurso, exclusivamente para afastar a multa fixada no bojo dos embargos de declaração.          É o relatório. VOTO          Passo a decidir monocraticamente, na forma como estabelece o artigo 932, inciso III, do Código de Processo Civil.          Em que pese a tempestividade do recurso e seu cabimento, verifico que o apelante deixou de impugnar os fundamentos da decisão recorrida, contrariando, desse modo, o princípio da dialeticidade, como passo a demonstrar.          Para melhor análise da situação trazida nos presentes autos, fundamental a reprodução da diretiva apelada, nos pontos de interesse ao deslinde da questão, verbis: ¿Inicialmente, destaca-se que, somente na 1ª Vara da Infância e Juventude, estimam-se tramitando 1.550 ações, tendo o mesmo nomen iuris, causa de pedir, pedido e polo passivo (certidão em anexo a presente sentença). Repito, de forma mais cristalina, são ações genéricas, com a mudança do polo ativo, mas que em seu bojo constam as mesmas palavras, mesmas vírgulas, mesmos pedidos, inclusive, com quantificação da indenização semelhante para todos. Nas demais varas com competência cível, a quando de minha chegada à Comarca de Altamira (em 07/2013), deparei-me com a seguinte situação: a) a priori, tais ações eram distribuídas para as três varas com competência cível na Comarca; b) a 1ª Vara da Infância e Juventude, a qual atualmente respondo, foi a primeira a despachar positivamente, razão pela qual, no entender dos Juízes que me antecederam, tonou-se preventa para processar e julgar as citadas ações; c) em suma: ainda existem processos, da mesma natureza, que, cotidianamente, são encaminhados à 1ª Vara da Infância e Juventude através do declínio de competência; d) em razão deste entendimento firmado antes de minha chegada, hoje, as novas iniciais ingressadas, já são direcionadas à 1ª Vara da Infância e Juventude (certidão do setor de protocolo em anexo). Face ao ingresso dessa quantidade de ações, o Fórum da Comarca de Altamira, como um todo, vem passando por um período de adaptação. Por vezes, o setor de protocolo necessita designar dois ou mais servidores para somente receber e distribuir as iniciais protocolizadas. A secretaria deste Juízo, por seu turno, praticamente paralisa seus trabalhos internos, para fazer autuação, enumeração e encaminhamento, um a um, através do sistema LIBRA, dos processos ao Gabinete. No gabinete, somente a título de exemplificação, a quando do recebimento das iniciais, por vezes, é detectado que a parte autora não apresentou a devida contrafé e, em consequência, determinada a emenda da inicial para suprir a omissão. Com o não cumprimento do despacho, diversas iniciais são extintas sem resolução do mérito e novas são ingressadas, retomando o ciclo (certidão em anexo exemplificando o ocorrido). Em linhas gerais, esta é a realidade que se apresenta. 2.1 DA PERTINÊNCIA SUBJETIVA COM O DIREITO PLEITEADO. Antes de chegar à conclusão de como decidir, ponderei e estudei com afinco a problemática. Fiz, inicialmente, uma análise por amostragem de diversas iniciais. Daí comecei a verificar certas nuances que impossibilitavam o seguimento do processo. Em meu entender, da forma como foram propostas, configuram-se ações sem utilidade. Um processo natimorto. Explico. Os presentes processos são de natureza multitudinária. Tratam-se, como dito acima, de ações genéricas, em busca de ressarcimento para um suposto dano de natureza individual. E quando afirmo genéricas, enfatizo quanto ao conteúdo, causa de pedir, pedido e quantificação do dano. Ou seja, não interessa o lucro auferido por um pescador em determinado mês. Não interessa a quantidade de peixe retirado do rio por um pescador no mês. Não interessa a espécie de peixe capturada. Para o autor, todos os pescadores, ribeirinhos do Rio Xingu (Comarca de Senador José Porfírio, Altamira, Vitória do Xingu, Porto de Moz etc.), sofreram o mesmo impacto com a construção da Hidrelétrica. Daí já exsurge o principal problema detectado por este Juízo: o autor busca o ressarcimento por suposto dano sem ao menos individualizar a petição inicial. Mais adiante pormenorizarei. Por ora, no presente tópico, limitarei a explicitar alguns problemas relacionados à pertinência subjetiva de quem alega ser autor de um direito. Preocupei-me, desde o início, na forma correta de se identificar um pescador artesanal. Para tanto, fui atrás da legislação correlata e constatei que para ser considerado pescador artesanal o indivíduo deveria possuir uma carteira emitida pelo Ministério da Pesca, devidamente validada por um prazo estabelecido na legislação. Ou seja, a responsabilidade pelo licenciamento da atividade pesqueira artesanal é do governo federal, através do Ministério da Pesca. Somente pode ser considerado pescador, para todos os efeitos, aquele que efetivamente percorreu os procedimentos para obtenção da licença, materializada, ao final, com a carteira de pescador artesanal. A título de ilustração, vejamos a informação contida no site do Ministério da Pesca: (...) Ocorre que, na análise por amostragem que proferi, encontrei diversas iniciais despidas de Carteira Pescador e, em seu lugar, são colocadas carteiras de associações de pescadores e uma declaração de próprio punho (certidão em anexo exemplificando o revelado por este juízo). Ora, a carteira associativa assegura direitos e deveres entre os associados, numa espécie de mútua cooperação para a consecução dos fins da associação, mas, de forma alguma, comprova a efetiva prática da atividade pesqueira. Não tenho, portanto, como considerá-la para determinar a pertinência subjetiva do autor com o direito invocado. Também não comungo do entendimento de que a instrução probatória poderá comprovar a legitimidade ativa para o processo. Nenhuma prova testemunhal suprirá a necessidade de obtenção da carteira de pescador. A importância da carteira não está no documento em si, mas nos deveres que dele advêm. E um deles se dá a quando da renovação desta licença, ou seja, para ver revigorada, o indivíduo necessitará apresentar relatório indicando a quantidade de peixe, a espécie, o preço médio de venda etc.; nos doze meses que antecederam a expiração do prazo de validade. Vejamos o que diz o artigo 9º Instrução Normativa MPA Nº 6 DE 29/06/2012. Art. 9º Para a manutenção da Licença de Pescador Profissional, o interessado deverá apresentar no prazo de até 60 (sessenta) dias, contados da data do seu aniversário, junto a Unidade Administrativa do MPA localizada no Estado de sua residência, os seguintes documentos: (Redação dada pela Instrução Normativa MPA Nº 15 DE 11/08/2014). I - No caso de se tratar de Pescador Profissional Artesanal: a) Relatório de Exercício da Atividade Pesqueira na Categoria de Pescador Profissional Artesanal que poderá ser preenchido diretamente no sítio do Ministério da Pesca e Aquicultura, conforme publicado pela Portaria SEMOC/MPA, nº 47, de 7 de julho de 2014, e disponível em www.mpa.gov.br; Colaciona-se o relatório a ser preenchido pelo pescador artesanal para ter a renovação de licença: (...) O preenchimento deste documento comprova, efetivamente, o exercício da pesca em determinado ano. Nele o autor declara a quantidade, espécie e até o valor médio do preço que o peixe foi vendido. Há um controle de entrada e saída da quantidade de peixe efetivamente comercializado, o que, inclusive, consubstancia também, uma efetiva proteção ao meio ambiente, com a manutenção da fauna aquática de forma equilibrada. Isto é: este documento COMPROVA A ATIVIDADE DA PESCA EM DETERMINADO ANO. Pois bem, tudo até então ponderado revela que a efetiva comprovação da atividade de pescador artesanal, somente pode ser aferida através da regular apresentação da Carteira emitida pelo Ministério da Pesca. Reforço, nenhuma instrução probatória terá o condão de suprir tal necessidade. Ou já se traz no momento de ingresso da inicial o citado documento (Carteira de Pescador expedida pelo Ministério da Pesca e Agricultura), ou, o processo deverá ser extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade da parte. Outra consequência de suma relevância e na mesma linha de raciocínio é a validade da carteira de pescador. Sem ser efetivada a devida renovação, a carteira perde prazo de validade. É dever de todo pescador profissional artesanal, até 60 dias após a data de seu aniversário, solicitar a renovação da licença, com apresentação do relatório anual acima colacionado, demonstrando que no ano pretérito efetivamente exerceu atividade pesqueira. Em todos os modelos de carteira de pescador há na parte da frente, a data de validade e, no verso, as renovações com o novo prazo de validade. Ocorre que, compulsando as iniciais, encontrei diversos processos com carteiras vencidas, sem indicação de qualquer tipo de renovação e novo prazo de validade. De outra forma: carteiras já expiradas a quando do ingresso da ação. A consequência natural disso, dentro da linha de raciocínio acima expendida, é a consideração de que determinada pessoa não mais exerce a atividade. Pode ter exercido em determinado período, mas não comprovou, perante o Ministério Pesca e Agricultura, a continuidade da atividade. Não é mais, portanto, pescador, para todos os efeitos legais. Nessa análise por amostragem que realizei, encontrei um percentual muito elevado com carteiras vencidas. Somente a título de exemplificação segue certidão, com enumeração de alguns processos, onde foi encontrada carteira de pescador com prazo de validade vencido (certidão em anexo exemplificando o alegado por este Juízo). Trago também à tona, recente notícia (08/2014) extraída no site do Ministério da Pesca e Agricultura revelando a importância do procedimento renovatório de licença e demonstrando a facilidade de realizá-lo: (...) Levando em conta a amplitude da causa (ações repetitivas, de natureza multitudinária), o controle por parte do escritório responsável pelo ingresso dessas ações deveria ser bem maior. O mínimo era uma verificação prévia e atenta de quem realmente exerce a atividade, com a juntada dos documentos corretos. E o controle poderia ser realizado de forma criteriosa, até porque um único escritório de advocacia, com sede na cidade de Coritiba, vem ingressando com ações desta natureza, daí que facilmente poderia existir um único controle em seus arquivos administrativos. Reforçando a falta de controle no ingresso das ações, apesar de não originar nenhuma consequência de ordem processual, mas meramente administrativa junto à Ordem dos Advogados Brasil, diversas petições foram ingressadas sem a indicação da devida oab suplementar da Seção Pará. Ou seja, não se sabe a partir de que momento a atuação dos causídicos subscritores superou as 5 ações permitidas na legislação para ingresso em outro Estado sem a necessidade da oab suplementar. Revelei esses obstáculos que impedem a análise do mérito nessas ações somente para robustecer a principal tese argumentativa defendida por este Juízo na sentença (analisada adiante). O autor poderá ingressar com uma nova ação, mas desde que corrija especificamente os erros apontados na sentença. Deverá fazer uma análise criteriosa de quem realmente é pescador, trazendo carteiras de pescadores válidas na data do ingresso da ação, colocando indicação da OAB suplementar e, principalmente, individualizando a petição inicial para cada pescador considerado em sua singularidade. A preocupação com uma prestação jurisdicional célere e que materialize o principal escopo da jurisdição (pacificação social) deve partir de todos: juízes, promotores, defensores públicos, advogados particulares e da sociedade em geral. Trazer para o judiciário ações genéricas, com os problemas acima apontados, em nada contribui com a pacificação social, ao revés, instaura a conjuntura acima delineada. 2.2. FALTA DE INTERESSE AGIR NA MODADELIDADE UTILIDADE A abstração dos fatos narrados na inicial, conforme ao norte apontado, não considerando determinado pescador singular na prática de sua atividade, impossibilita o processamento do feito, pois torna impraticável a atribuição de um nexo de causalidade e dano a uma suposta ação da ré. Pormenorizo. Todas as ações apresentam os mesmos pedidos. Transcrevo ipsi literis: a) a condenação das requeridas a indenizarem o autor pelos danos emergentes causados, em valor não inferior a R$ 35.798 (trinta e cinco mil setecentos e noventa oito e quarenta centavos), corrigidos desde a data do evento danoso; b) a condenação das requeridas a indenizarem o autor pelos lucros cessantes decorrentes de fato por período não inferior a cinco anos a R$ 81.360 (oitenta e um mil, trezentos e sessenta reais). Em suma, segundo a linha de entendimento da exordial, todos os pescadores supostamente atingidos pela Construção da Usina de Belo Monte, sofreram, no mínimo, o mesmo dano. Pedido extremamente genérico para o processo de natureza individual. Mais uma vez repito, para reforçar, desta vez com outras palavras: muito embora cada pescador aufira certamente um lucro individualizado, realize a captura, em quantidade, também singularizada, o autor faz pedido genérico, no sentido que todos os pescadores da região suportaram um mesmo prejuízo. Um total contrasenso no meu sentir. Como a ação é de índole individual é ônus da parte, de forma singular, apresentar a quando ingresso da inicial a demonstração de que vem suportando determinado prejuízo. E aqui poderia mais uma vez vir o argumento que a instrução processual poderia suprir essa lacuna, individualizando o prejuízo suportado por cada pescador. Mais uma vez hei de não concordar. Fazendo um juízo de prospecção, não consigo imaginar como uma prova testemunhal poderá aquilatar (do ponto de vista quantitativo) o real desfalque patrimonial sofrido por cada pescador após a construção da usina de Belo Monte. Óbvio que o deslinde dessa questão perpassa pelas provas documentais. É através das provas documentais juntadas com a inicial que este Juízo poderá mensurar o abalo na ordem material de cada trabalhador. Mais uma vez o encontro de tal prova (documental) esbarra na forma que foram ingressadas tais ações. Em todas as ações ingressadas, não há um documento sequer indicando compra e venda de pescado, preço médio da venda, quantidade de peixes capturados em determinado período, espécie, local etc. O que há em todas as exordiais, no que tange a prova documental, é uma procuração com documentos pessoais. Muito embora se possa produzir documentos no interregno da instrução processual, essa autorização se restringe a documentos novos, ou seja, documentos que provariam fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapor aos que foram produzidos nos autos. A regra, na seara processualística, é a produção da prova documental na inicial, pelo autor; e na contestação, pelo réu (artigo 396 do CPC). Portanto, além de nenhuma prova testemunha ter o condão de apontar a real subtração produzida na ordem material de um pescador, todas as iniciais foram ingressadas sem documentos que comprovem efetiva captura de peixe por determinado pescador, ou o preço que foi comercializado, espécie, local etc. A ação não é de origem individual? Dessarte, não posso presumir que todos sofreram o mesmo dano! Mas qual documento poderia ser apresentado? A resposta é fácil e possível em uma rede organizada, como é a pesca artesanal, licenciada pelo Ministério da Pesca. Eis o documento que deverá ser ingressado por cada pescador a quando do ingresso da ação: (...) O Relatório do Exercício da Atividade de Pesca já demonstrado ao norte é documento suficiente para mensurar, de maneira individualizada, a atuação de um pescador em determinado local. Preciso chamar atenção para todos os dados constantes nesse documento: IDENTIFICAÇÃO DO PESCADOR, PERÍODO QUE REALIZOU A ATIVIDADE DE PESCA, MUNICÍPIO ONDE PESCA, quantidade DE PESCA NO ANO, QUANTIDADE DE PESCA NO MÊS, MESES QUE EFETIVAMENTE PESCOU, ESPÉCIES QUE PESCOU, PREÇO MÉDIO DA VENDA e mais, cada pescador, conforme se vê, fica com um comprovante que efetivamente apresentou o citado documento ao Ministério da Pesca. Em suma, tal documento é apto a demonstrar, de forma individualizada, a quantidade de peixe subtraído por um pescador do rio Xingu em determinado período, assim como o preço médio que foi repassado o produto. Mas, repito, em nenhuma das iniciais, há carreado o citado documento. Também não há, em nenhuma exordial, o comprovante de entrega do documento, o que possibilitaria este Juízo, por exemplo, oficiar ao Ministério da Pesca pedindo que fosse disponibilizado o relatório de atividade de cada pescador para juntada ao processo. Também não prosperaria a tese defensiva no sentido de trazer tal documento durante a instrução processual, pois não se trata de documento novo. O documento comprova, de forma individualizada, a atividade de pesca em períodos pretéritos ao ingresso da prefacial. Não é documento novo, portanto. Daí a incongruência em pleitear, genericamente, a quantificação do dano. Há a possibilidade de individualização do dano a quando do ingresso da inicial. O cálculo afirmando que todo pescador da região possui renda, antes da construção da hidrelétrica, em torno de 60% do salário mínimo, é totalmente descabido à hipótese. O cálculo precisa ser individualizado. Portanto, demonstrada a possibilidade de individualização de um suposto dano, não merece o recebimento ações de conteúdo genérico e repetitivo. As ações genéricas, justamente pela abstração nos fatos apontados, não TÊM êxito em ligar uma possível ação da ré com o dano. Faltam elementos básicos de uma demanda considerada em sua singularidade: local onde cada pescador exerce a pesca, espécie de peixe capturada, preço médio na venda daquela espécie, renda auferida etc. Daí também a impossibilidade de se fixar um nexo de causalidade. Fazendo mais uma vez um juízo de prospecção, perguntei-me, diversas vezes, antes de decidir acerca, onde iria desaguar o presente processo. O fim de todo processo, em síntese, é a pacificação social, o retorno ao status quo atingido por uma determinada ação de outrem. Até que ponto este Juízo conseguiria uma pacificação social da forma como estas ações foram propostas? Por mais que se comprovasse com uma prova técnica a diminuição dos peixes da região, após a construção da hidrelétrica (ação). Perguntava-me. Essa diminuição atingiu indistintamente todos os pescadores da região? Todos teriam suportado o mesmo dano? No meu entender, diante de tudo que foi ponderado, nunca teríamos êxito de quantificação individual do suposto dano, razão pela qual nunca chegaríamos a mitigar os supostos prejuízos e restabelecer a paz social. Mais uma vez assevero: o autor traz argumentos de índole coletiva para uma demanda individual. Tanto é que sequer individualiza o ingresso de cada ação. Traz sempre os mesmos documentos, mesmos fundamentos, mesmo pedido, inclusive, no pertinente à quantificação. A multiplicidade dessas ações com a mesma causa de pedir já revela que a problemática seria melhor resolvida no âmbito de uma ação coletiva. Mas assim não optou o escritório advocacia responsável pelo ingresso dessas ações. Sou conhecedor de todo arcabouço construído na seara do direito coletivo, dando conta acerca da independência, a priori, entre demandas individuais e coletivas. Porém, para o ingresso daquela, forçosa é a individualização e pontuação precisa da ação, nexo causalidade e dano. O direito de acesso à jurisdição não deve ser desenfreado, ao revés, deve ser adequado e razoável, sem perder de vista o principal escopo dessa função estatal. É mais adequado o ingresso de uma ação coletiva in casu e o próprio escritório de advocacia poderia representar uma associação legalmente constituída. O direito processual está a serviço do direito material. Não o contrário. O restabelecimento célere e adequado de um direito material violado deve ser perseguido não somente pelo Judiciário, mas por todos os atuantes ativamente nesta função estatal: promotores públicos, procuradores, advogados, defensores etc. Óbvio que uma única demanda, ingressada no âmbito coletivo, resolveria de forma mais célere e adequada o caso. Inclusive, com o ingresso de uma única ação, estar-se-ia preservando o meio ambiente, com a redução da quantidade de papel utilizado na produção das petições iniciais. O que resolveria, também, o descontrole evidenciado por esse juízo em item precedente, relacionado ao ingresso de iniciais sem a devida contrafé, que, em consequência, são extintas sem julgamento do mérito e, posteriormente, ocorrendo o ingresso de novas ações. Somente a título de reforço argumentativo, o próprio STJ já estimula o ingresso de ação de natureza coletiva em detrimento da individual, afirmando, inclusive, que é de rigor evitar o ingresso de ações de natureza multitudinária. Vejamos: (...) Mas não estou aqui negando o acesso à jurisdição de forma individualizada. Muito pelo contrário, estou confirmando-o, porém, para que seja exercido de forma adequada, o autor necessita corrigir todos os óbices apontados. De outro modo, na forma proposta, tais exordiais, no meu sentir, revelaram-se sem utilidade: um processo natimorto. Desta feita, cada nova ação ingressada, deverá necessariamente apresentar: a) Carteira de pescador emitida pelo Ministério da Pesca e Agricultura e dentro do prazo de validade a quando do ingresso da ação, sendo que nenhum outro documento pode ser aceito para comprovar a profissão de pescador artesanal; b) relatório geral da atividade pesqueira em anos pretéritos, inclusive comparando o antes e depois do início da construção da barragem ou comprovante de entrega do citado documento; c) a individualização das petições iniciais, traçando o Requerente de um processo de acordo com suas características pessoais e profissionais, e, para tanto, trazendo à tona o local preciso onde exerce a profissão, a renda deste trabalhador antes e depois da construção da usina, espécie de peixe capturada, cálculo matemático individualizado demonstrando o suposto dano e outros atributos pertinentes à ação. 3. DISPOSITIVO. Pelo exposto, arrimado no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, EXTINGO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO o presente processo. Face às peculiaridades da presente demanda, tomo as seguintes medidas: a) nos termos do artigo 7º, da lei 7347/85, e condizente com os fundamentos da presente sentença, OFICIE-SE o Ministério Público do Estado do Pará e o Ministério Público Federal para que ambos, em conjunto, ou, separadamente, a depender da amplitude do suposto dano (local ou regional), tomem as medidas que entenderem pertinentes. O ofício deverá ir acompanhado de cópia da presente sentença. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se.¿          O cotejo da decisão recorrida com as razões recursais não deixa margem para dúvidas de que o apelado deixou de combater o cerne do que fora deliberado pelo magistrado, isto é, as razões pelas quais entendeu ser o caso de julgamento sem resolução do mérito.          Está claro que o sentenciante motivou sua decisão no sentido de que, da forma como proposta a demanda, o autor trouxe argumentos de cunho coletivo a uma ação individual, desconsiderando a suposta ação da empresa recorrida, o nexo de causalidade e o dano suportado pelo recorrente, elementos sem os quais não há como se aferir minimamente a quantificação do que se pleiteia.          Seguindo essa direção, o Juízo a quo firmou seu convencimento no sentido de não restar demonstrado a legitimidade da parte e o interesse de agir, situações que o apelado não combateu em seu recurso.          Esse também foi o posicionamento do Ministério Público de 2º Grau, conforme se extrai dos seguintes trechos de seu judicioso parecer, verbis: ¿Assim, é forçoso que o recorrente questione, argumentada e especificamente, os fundamentos que conduziram o magistrado na prolação da sentença. É a chamada 'regra da dialeticidade', inerente da regularidade formal dos recursos, imprescindível às garantias da ampla defesa e do contraditório, sem os quais a parte recorrida não terá os elementos concretos para expor a sua defesa, subtraindo, de outro lado, do órgão julgador, os fundamentos da insurgência e, com isso, a possibilidade de se aferir o acerto ou desacerto da decisão recorrida. Analisando a sentença impugnada, vê-se que a ação foi extinta sem resolução de mérito, arrimada no art. 267, VI do CPC, por falta de interesse processual, na modalidade utilidade. Resumindo, o D. Juiz entendeu que havia necessidade de individualizar a petição inicial, haja vista que, como proposta, de forma genérica (em mais de 1.500 processos), configurava-se inútil, pois impraticável a atribuição de um nexo de causalidade e dano a uma suposta ação da ré. As razões recursais, por sua vez, dispõem sobre preliminares de nulidade da sentença por ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do acesso à jurisdição e após, adentra no mérito da demanda e aduz a notoriedade dos danos ambientais, materiais e morais reflexos dos danos ambientais, causados pela construção da Usina Hidrelétrica. Dessa forma, vê-se no pleito a falta de impugnação específica com relação ao tema decidido pela sentença de primeira instância, cujos fundamentos não são sequer tratados na peça de apelação.¿            Ressalvo, todavia, a fim de que não se alegue qualquer tipo de cerceamento de defesa futuramente, que a despeito de o artigo 932, parágrafo único, do NCPC, estabelecer a intimação do recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, tal hipótese não se aplica à última parte do inciso III do mesmo dispositivo legal, sob pena de indevidamente possibilitar que o recorrente ingresse com novo recurso.          Esse é, inclusive, o entendimento da doutrina abalizada: ¿Segundo, o art. 932, parágrafo único, do Novo CPC não tem aplicação obrigatória. Variadas razões impõe o seu afastamento no caso concreto, em tema que merece maior aprofundamento. A disposição só tem aplicação quando o vício for sanável ou a irregularidade corrigível. Assim, por exemplo, tendo deixado o recorrente de impugnar especificamente as razões decisórias, não cabe regularização em razão do princípio da complementariedade, que estabelece a preclusão consumativa no ato de interposição do recurso. O mesmo se diga de um recurso intempestivo, quando o recorrente não terá como sanear o vício e por essa razão, não haverá motivo para aplicação do art. 932, parágrafo único, do Novo CPC.¿ (NEVES, Daniel Amorim Assunpção. Novo CPC Comentado artigo por artigo. p. 1518) ¿O inciso III do art. 932 do CPC permite que o relator não conheça recurso inadmissível ou prejudicado. (...) Esse inciso III ainda traz uma regra importante: autoriza o relator a não conhecer recurso 'que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida'. Esse recurso também é inadmissível, por defeito de regularidade formal, mas o legislador resolveu tornar expressa essa hipótese de inadmissibilidade, generalizando-a para qualquer recurso. Consagra-se o entendimento jurisprudencial bem consolidado. Agora, não há mais dúvida: uma das exigências da regularidade formal dos recursos, própria de um processo cooperativo, é o ônus de impugnação específica da decisão recorrida. Não pode o recorrente limitar-se a reproduzir os termos da petição inicial, da contestação etc.: o recorrente tem de, em seu recurso, dialogar com a decisão recorrida, enfrentando-a nos pontos que lhe interessam ser revistos. (...) O parágrafo único do art. 932 do CPC traz regra que concretiza dois princípios do processo civil brasileiro: primazia da decisão de mérito (art. 4º, CPC) e cooperação (art. 6º, CPC). (...) Há quatro observações importantes sobre o dispositivo. (...) c) A regra não permite complementação das razões recursais nem a formulação de pedido recursal que não fora formulado originariamente. Nesses casos, a boa-fé processual impede que se permita esse tipo de fracionamento da elaboração recursal.¿ (JR. Fredier Didier. CUNHA. Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. p. 53/54.)          Espancando dúvidas acerca do assunto, o E. Superior Tribunal de Justiça divulgou no dia 17/03/2016, dentre outros, o Enunciado n.º 05, nos seguintes termos: ¿Nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art. 932, parágrafo único, c/c o art. 1.029, § 3º, do novo CPC.¿ (grifei).          Por outro lado, nem se diga que a exigência de impugnação específica é uma inovação do Novo CPC, uma vez que a jurisprudência consolidada de nossa Corte Superior há muito já era nessa direção, como demonstram, exemplificativamente, os seguintes julgados: ¿PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ART. 6º DA RESOLUÇÃO STJ 12/2009. RECURSO INCABÍVEL. FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DO FUNDAMENTO DA DECISÃO, REFERENTE À NEGATIVA DE SEGUIMENTO À RECLAMAÇÃO. INCIDÊNCIA ANALÓGICA DAS SÚMULAS 182/STJ E 283/STF. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. I. De acordo com o art. 6º da Resolução STJ 12/2009, que regulamenta o processamento de Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do STJ, "as decisões proferidas pelo relator são irrecorríveis". Precedentes do STJ (AgRg na Rcl 15.689/AP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/06/2014; AgRg na Rcl 19.562/MA, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 19/09/2014; AgRg na Rcl 6.489/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 21/06/2012). II. De qualquer sorte, mesmo que pudesse ser superado tal óbice, o Agravo Regimental não mereceria ser conhecido, por um segundo fundamento. III. Com efeito, em atenção ao princípio da dialeticidade, o Agravo Regimental deve impugnar, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, sob pena de seu não conhecimento. IV. Na decisão agravada, consta que a Reclamação, a que se refere a Resolução STJ 12/2009, possui certos requisitos objetivos de admissibilidade, dentre eles a necessidade de demonstração de contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte quanto à matéria, entendendo-se por jurisprudência consolidada os precedentes exarados no julgamento de Recursos Especiais em Controvérsias Repetitivas (art. 543-C do CPC) ou os enunciados de súmula da jurisprudência da Corte (Rcl 6.721/MT e Rcl 3.812/ES), o que não ocorreu, na hipótese, ensejando conclusão pela inadequação da via eleita e pela negativa de seguimento à Reclamação. V. Ao interpor este Agravo Regimental, a reclamante deixou de impugnar, especificamente, o supracitado fundamento da decisão, referente à negativa de seguimento à presente Reclamação, suficiente, por si só, para a manutenção da decisão agravada. Portanto, incidem, na espécie, por analogia, as Súmulas 182/STJ ("É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada") e 283/STF ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles"). VI. Levando-se em consideração a inadmissibilidade do presente Agravo Regimental, o seu não conhecimento impede qualquer pronunciamento do STJ sobre o respectivo mérito recursal. VII. Agravo Regimental não conhecido.¿ (STJ - AgRg na Rcl 23177 / SC, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 06/04/2015). (grifei) .............................................................................................................................................. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO. REVISÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA MATÉRIA. NECESSIDADE. INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS. MEDIDA VEDADA NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. Admitem-se como agravo regimental embargos de declaração opostos a decisão monocrática proferida pelo relator, em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. A ausência de impugnação específica de matéria na apelação impede seu exame pelo Tribunal a quo. 3. Não há por que se conceber possa a prestação jurisdicional, sem provocação da parte apelante, perfilhar pronunciamento incongruente com as razões do recurso, desbordando-se dos limites do efeito devolutivo, aferido pela extensão da impugnação, em desarmonia com o estatuído no caput do art. 515 do CPC. 4. A inauguração de debate sobre questão jurídica não apreciada na instância ordinária, tampouco arguida no recurso especial, por se constituir inovação de fundamentos, é medida vedada na instância extraordinária, notadamente em virtude do indispensável requisito de prequestionamento. 5. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. 6. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.¿ (STJ - EDcl no REsp 856509/ES, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 03/05/2010) (grifei).          Ante o exposto, com fulcro no artigo 932, III, do CPC, não conheço do presente recurso, nos termos da fundamentação.          Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem.          Publique-se. Intime-se.          Belém, 15 de abril de 2016.             Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO             Relator (2016.01437230-20, Não Informado, Rel. MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2017-12-07, Publicado em 2017-12-07)

Data do Julgamento : 07/12/2017
Data da Publicação : 07/12/2017
Órgão Julgador : 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a) : MARIA DO CEO MACIEL COUTINHO
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