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Jurisprudência


TJPA 0009696-74.2015.8.14.0000

Ementa
Processo nº 0009696-74.2015.814.0000 5ª Câmara Cível Isolada Agravo de Instrumento Comarca de Origem: São Geraldo do Araguaia Agravante: Estado do Pará Procurador do Estado: Diego Leão Castelo Branco Agravado: Ministério Público do Pará Interessado: Município de São Geraldo do Araguaia Relator: Juiz Convocado José Roberto Pinheiro Maia Bezerra Júnior DECISÃO MONOCRÁTICA          Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo Estado do Pará, com fulcro nos arts. 522, 527, III e 558, do CPC, contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Única de São Geraldo do Araguaia, na Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada (nº 0000546-82.2015.814.0125), ajuizada pelo Agravado, em favor de RAIMUNDA SULINO ALVES, em desfavor do ora agravante e do MUNICÍPIO DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA, que assim determinou in verbis: À luz de todo o exposto, defiro a liminar pleiteada para que os réus, no prazo de 15 (quinze) dias, disponibilizem tratamento especializado à paciente Raimunda Sulino Alves, encaminhando-a (em ambulância com condições de uso e trafegabilidade) para consulta médica no Hospital Ophir Loyola, em Belém/PA, ou outro centro especializado, realizando a consulta com médico especialista e o tratamento por este indicado, para todo e qualquer problema de saúde que a mesma apresente, em especial as sessões de hemodiálise e o tratamento de câncer, fornecendo-lhe todos os exames, cirurgias, medicamentos, insumos, transporte e outros serviços pertinentes ao caso; bem como, caso necessário, que seja encaminhada a atendimento na rede particular, às custas dos réus; outrossim, que sejam ainda obrigados a arcar com todas as despesas (principalmente, alimentação, passagem e hospedagem) do acompanhante da idosa, durante todo o período necessário ao tratamento, sob pena de multa diária e pessoal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a cada um dos gestores (Governador do Estado do Pará e Prefeito Municipal de São Geraldo do Araguaia/PA), nos termos do parágrafo 4º, do artigo 461, do Código de Processo Civil.          Narra que o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública com pedido liminar em face do ESTADO DO PARÁ, ora Agravante, e do MUNICÍPIO DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA, objetivando garantir à paciente Raimunda Sulino Alves, o tratamento com hemodiálise e radioterapia, vez que a mesma havia sido diagnosticada com câncer de colo de útero.          Argumenta que a decisão agravada determinou a imposição: ¿de multa a ser suportada pessoalmente por agente público, única questão atacada pelo Estado do Pará por meio do presente agravo de instrumento¿ (fl. 04), o que seria totalmente descabido.          Sustenta não ser possível estender a sanção coercitiva à pessoa que não é parte do processo, com base em entendimento do Superior Tribunal de Justiça, aduzindo, ainda, que tal multa não é autorizada pelo art. 461, § 4º, do CPC, o que contraria os princípios do contraditório e da ampla defesa, sem falar no princípio da impessoalidade dos atos administrativos.          Nesse passo, entende ser ilegítima a ameaça de bloqueio do valor determinado no decisum nas contas pessoais do agente público, aduzindo, ainda, com base no princípio da eventualidade, ser exorbitante o quantum fixado na decisão guerreada, quando considerado que a quantia deve ser suportada pela pessoa física do agente político, pelo que requer a redução do montante de modo proporcional e razoável.          Assim, pugna o Agravante o conhecimento do Recurso, para a concessão de efeito suspensivo, com o fim de sustar imediatamente os efeitos da decisão agravada; no mérito, pleiteia o total provimento do Instrumento.          Decido.          Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a apreciá-lo.          No caso em exame, observa-se que o Juízo a quo deferiu a medida em caráter liminar, por entender estarem presentes todos os requisitos para a antecipação da tutela, com base nos documentos juntados na ação originária, asseverando que a requerente demonstrou ser portadora de câncer de colo do útero e diabetes, necessitando, assim, de tratamento em hospital de referência em oncologia.          Inicialmente, registro que a regra constitucional do art. 196, da Carta Magna, atribui ao Estado (lato sensu) a proteção à saúde de todos, senão vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.          Independentemente da esfera institucional, compete aos Entes Públicos, isolada ou conjuntamente, dar efetividade à prerrogativa constitucional atinente ao direito à saúde.          Esse é o entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, assim já decidiu em sede de repercussão geral: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 ). (Grifei).          Mister destacar, ainda, que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.          Na esteira do entendimento consolidado do Pretório Excelso, cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.          Corroborando o exposto, o eminente Ministro aposentado do STF Joaquim Barbosa bem ponderou que: Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo (AI 550530 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 15-08-2012 PUBLIC 16-08-2012). (Grifei).          Fixadas essas premissas constitucionais que tangenciam a matéria e revelam sua importância, o Agravante impugnou a cominação de astreintes no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser suportado pelo representante legal do Estado do Pará (Governador), na medida em que seria pessoa estranha à relação processual, bem como a contrariedade de tal cominação em face da jurisprudência consolidada.          Com efeito, assiste razão ao Agravante, na medida em que a jurisprudência se alinha no sentido da impossibilidade de cominação de multa por descumprimento de ordem judicial em face de agente público, admitindo-se a cominação tão somente em desfavor da pessoa jurídica que integra o conceito de Fazenda Pública, in verbis: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1 - O Tribunal de origem, apesar de instado a fazê-lo por meio dos competentes embargos de declaração, não se pronunciou sobre as teses versadas no presente recurso. Nesse contexto, caberia à parte recorrente, nas razões do apelo especial, indicar ofensa ao art. 535 do CPC, alegando a existência de possível omissão, providência da qual não se desincumbiu. Incide, pois, o óbice da Súmula 211/STJ. 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1433805 SE 2013/0221482-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 16/06/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2014). (Grifei). ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 16/05/2013). (Grifei). PROCESSUAL CIVIL. ASTREINTES. ART. 461, § 4º, DO CPC. REDIRECIONAMENTO A QUEM NÃO FOI PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Na origem, foi ajuizada Ação Civil Pública para compelir o Estado de Sergipe ao fornecimento de alimentação a presos provisórios recolhidos em Delegacias, tendo sido deferida antecipação de tutela com fixação de multa diária ao Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, tutela essa confirmada na sentença e na Apelação Cível, que foi provida apenas para redirecionar as astreintes ao Secretário de Segurança Pública. 2. Na esteira do entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a aplicação da sanção prevista no art. 461, § 4º do CPC à Fazenda Pública para assegurar o cumprimento da obrigação, não sendo possível, todavia, estendê-la ao agente político que não participara do processo e, portanto, não exercitara seu constitucional direito de ampla defesa. Precedentes. 3. In casu, a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado de Sergipe - e não contra o Secretário de Estado -, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. 4. Recurso Especial provido. (STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 1315719 / SE, RECURSO ESPECIAL 2012/0058150-5, rel. Min. Herman Benjamin, 27/08/2013. Quanto ao montante fixado, o STJ entende que o valor atribuído à multa diária por descumprimento de ordem judicial deve ser razoável e proporcional ao valor da obrigação principal, admitindo-se, todavia, redução do montante que afeiçoar-se despropositado. (AgRg no AREsp 363280 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0204806-2, rel. Min. João Otávio de Noronha, 19/11/2013). (Grifei).          Diante disso, é necessário reafirmar a índole fundamental do direito objeto da controvérsia e a urgência efetiva de compelir o Ente Estatal a optar pelo cumprimento da decisão judicial.          É pacífico, pois, como se mostrou, o entendimento do STJ que admite a imposição da multa cominatória prevista no art. 461, §4º, do CPC à Fazenda Pública, não sendo possível, contudo, estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu constitucional direito de ampla defesa.          Ademais, as medidas coercitivas previstas no art. 461, do Código de Processo Civil possuem aplicação restrita à pessoa jurídica de direito público ré, não atingindo seus representantes legais.          À luz desses fundamentos, impõe-se o provimento da irresignação para afastar a imposição da multa ao representante legal do Requerido (Governador), cujo pagamento, na hipótese de descumprimento, deverá ser feito pela Fazenda Pública Estadual.          Quanto aos demais pleitos formulados, entendo que os mesmos estão prejudicados em razão do acolhimento da tese de não aplicação das astreintes à pessoa física do Governador, e sim ao Ente Político Estado do Pará, na hipótese de descumprimento da determinação judicial.          Ante o exposto, com base no art. 557, §1º-A, do CPC e de tudo mais que nos autos consta, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO AO PRESENTE AGRAVO DE INSTRUMENTO para excluir da decisão recorrida a parte em que comina multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao representante legal do Requerido (Governador), por descumprimento da ordem judicial, devendo as astreintes serem impostas ao Estado do Pará (Pessoa Jurídica de Direito Público), tudo nos moldes e limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita.          Publique-se. Registre-se. Intime-se.          Oficie-se ao Juízo a quo, comunicando-lhe a presente decisão.          Com o trânsito em julgado, retornem-se os autos ao Juízo de piso.          Belém, 03 de junho de 2015. JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JÚNIOR Juiz Convocado - Relator (2015.01952598-48, Não Informado, Rel. JOSE ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR - JUIZ CONVOCADO - JUIZ CONVOCADO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-06-09, Publicado em 2015-06-09)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 09/06/2015
Data da Publicação : 09/06/2015
Órgão Julgador : 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a) : JOSE ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR - JUIZ CONVOCADO - JUIZ CONVOCADO
Número do documento : 2015.01952598-48
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
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