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Jurisprudência


TJPA 0010098-70.2013.8.14.0051

Ementa
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA PROCESSO Nº 0010098-70.2013.8.14.0051 COMARCA DE ORIGEM: Santarém SUSCITANTE: Juízo de Direito da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém SUSCITADO: Juízo de Direito da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA: Dr. Marcos Antônio Ferreira das Neves RELATORA: Desa. Vania Fortes Bitar               Vistos, etc...               Trata-se de Conflito Negativo de Competência em que figura como suscitante o Juiz de Direito da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém, e, como suscitado, o Juiz de Direito da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da mesma Comarca.               Consta na denúncia, a imputação das condutas descritas nos arts. 217-A e 129, §9º, duas vezes, ambos do CP, contra o acusado ADALBERTO PEREIRA MELO, pois no dia 28 de agosto de 2013, a senhora V. S. foi até à Delegacia de Polícia e afirmou que sua filha A. J., de 07 (sete) anos, tinha sido violentada sexualmente pelo padrasto, ressaltando que tomou conhecimento dos fatos a partir do relato da própria vítima, a qual estava com muito medo, pois tinha sido ameaçada de morte, relatando, ainda, que o citado acusado é contumaz na prática de agressões físicas contra a filha, E. V. M., de apenas 06 (seis) anos de idade e a enteada, tendo inclusive, em certa ocasião, cortado o cabelo da própria filha e batido a cabeça da mesma na parede, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial de fls. 40, do IPL anexo.               A supracitada denúncia foi devidamente recebida no dia 19 de fevereiro de 2014 pelo Juiz da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Santarém, conforme consta às fls. 07 (frente e verso), porém, em Decisão Interlocutória datada de 29 de setembro do mesmo ano, acostada às fls. 40/42, o referido magistrado declinou da sua competência para processar e julgar o feito, por entender que os crimes foram cometidos não pela situação de inferioridade ou vulnerabilidade das vítimas, em face à sua condição de gênero, mas sim pela sua imaturidade e incapacidade de resistência, oriundas da sua condição de crianças, e assim sendo, determinou a redistribuição dos autos a uma das Varas Penais da Comarca.               Redistribuídos os autos ao Juiz da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém, este entendeu, em decisão de fls. 49/53, que além do agressor ser enteado da vítima do abuso sexual e pai da vítima das lesões corporais, com as quais coabitava, o fato das ofendidas serem crianças não lhes tira a condição de gênero, razão pela qual suscitou o presente conflito negativo de competência, determinando a remessa dos autos a este Egrégio Tribunal.               Nesta Superior Instância, o Procurador Geral de Justiça Marcos Antônio Ferreira das Neves manifestou-se pela competência do Juízo suscitante, qual seja, o da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém, entendendo que o crime foi cometido, possivelmente, em virtude da imaturidade e impossibilidade de resistência, oriundas da condição de crianças, das vítimas, para processar e julgar o feito.               É o relatório. Passo a decidir.               O fulcro da questão que envolve o presente Conflito de Competência diz respeito à definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar as condutas ilícitas em tese imputadas a ADALBERTO PEREIRA MELO, que teria supostamente abusado sexualmente de sua enteada de apenas 07 (sete) anos de idade, A.J., bem como lesionado fisicamente sua própria filha, E. V. M., de 06 (seis) anos, pois o Juiz de Direito da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Santarém entendeu que os fatos descritos na respectiva Denúncia, onde consta a capitulação provisória descrita nos arts. 217-A e 129, §9º, por duas vezes, ambos do CP, não configura violência doméstica e familiar contra a mulher, por se tratarem as vítimas de crianças, ressaltando que o crime foi cometido não pela hipossuficiência oriunda da condição de mulher das vítimas, mas sim em virtude da sua imaturidade de diminuída capacidade de resistência, oriunda da sua condição de crianças, restando, portanto, afastada a competência do referido Juizado Especial, enquanto que o Juiz de Direito da 4ª Vara Penal da referida Comarca entendeu que as condutas ali referidas configuram violência doméstica e familiar contra a mulher.               Antes de mais nada, faz-se necessário a exposição de alguns fatos para melhor subsidiar a solução deste conflito, senão vejamos:               Como cediço, a Lei 11.340/2006 foi criada com a finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação doméstica e familiar, conforme previsto em seu art. 5º, verbis: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo Único - As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.               Do dispositivo legal supratranscrito, observa-se que o fundamento para que a Lei ¿Maria da Penha¿ seja aplicada é que a agressão, in casu, o abuso sexual e as lesões corporais, tenham sido praticados em virtude da condição de gênero, ou seja, em desfavor do gênero feminino da vítima, em situação de convivência doméstica.               Na hipótese dos autos, ainda que as vítimas sejam do gênero feminino, tal condição, por si só, não é suficiente para vincular a competência da Vara do Juizado Especializado, pois o crime de estupro praticado contra a menor A.J. e as lesões corporais praticados contra a outra menor E.V.M. não encontram-se relacionados às questões de gênero, em âmbito familiar, uma vez que a sua hipossuficiência, dela oriunda, frente ao agressor não consiste em fator determinante para a prática criminosa.               Dos autos não se pode aferir que a violência sexual e física sofridas pelas vítimas tenham ocorrido por suas condições de mulher, mas sim que o crime somente foi praticado em virtude das suas condições de menores de idade, das quais decorre naturalmente a imaturidade e impossibilidade, ou diminuída capacidade, de resistência à ação delituosa, eis que, segundo consta na exordial acusatória, o acusado supostamente praticava os abusos sexuais contra a referida primeira vítima lhe ameaçando de morte caso contasse para alguém.               Logo, in casu, constata-se que as condutas do acusado foram impulsionadas pela tenra idade das vítimas, situação essa que se adequa à competência da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém.               Nesse sentido, tem-se posicionado reiteradamente este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, verbis: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA CRIMINAL COMUM. CRIME DE ESTUPRO. PAI QUE SUPOSTAMENTE ABUSAVA DAS FILHAS MENORES. LEI MARIA DA PENHA. JUÍZO ESPECIALIZADO. IMPOSSIBILIDADE. CRIME COMETIDO PELA CONDIÇÃO DE CRIANÇA DAS VÍTIMAS. PROCEDÊNCIA DO CONFLITO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA PENAL DA COMARCA DE MARABÁ/PA PARA ANÁLISE E JULGAMENTO DO FEITO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Pela narrativa da denúncia, não se constata, a princípio, que a fragilidade e a hipossuficiência proveniente do gênero das vítimas, tenham sido os fatores determinantes à prática do crime, mas sim a condição de criança e adolescente das mesmas, da qual decorrem a natural imaturidade e incapacidade de resistir à ação criminosa. Por tal razão, deve ser afastada a aplicação diferenciada da Lei nº 11.340/2006, com a fixação da competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Penal da Comarca de Marabá/PA para apreciar e julgar o feito. 2. Conflito conhecido e provido, à unanimidade. (201430244941, 141100, Rel. VANIA LUCIA CARVALHO DA SILVEIRA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 26/11/2014, Publicado em 28/11/2014) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E 4.ª VARA PENAL DA COMARCA DA MARABÁ. CRIME DE ESTUPRO PRATICADO CONTRA PESSOA MENOR DE IDADE. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. INAPLICABILIDFADE DA LEI MARIA DA PENHA. DELITO AFETO A VARA COMUM. 1. Afasta-se a competência da vara especializada quando constatado que o crime ocorreu sem motivação de gênero, ou seja, não se encontrando presentes elementos que demonstrem a ocorrência de violência doméstica, mas sim a condição de adolescente da vítima da qual decorre a impossibilidade de reação à ação delituosa (Precedentes). 2. Conflito de jurisdição dirimido para determinar a competência do Juízo da 4.ª Vara Penal de Marabá para o exercício da atividade jurisdicional. 3. Decisão unânime. (201430136974, 138397, Rel. MILTON AUGUSTO DE BRITO NOBRE, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 24/09/2014, Publicado em 30/09/2014) CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OS ELEMENTOS NARRADOS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA NÃO DETÉM QUALQUER RELAÇÃO COM O ART. 5º, DA LEI 11.340/2006, APTOS A DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, POIS RESTA CLARO APENAS QUE ESTE SE DEU CONTRA VÍTIMA MULHER, MENOR DE QUATORZE ANOS, EM DECORRÊNCIA DA SUA INEXPERIÊNCIA E INGENUIDADE, POR CAUSA DE SUA TERNA IDADE. COMPETÊNCIA DO MM JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DE MARABÁ. UNANIMIDADE. (201430136966, 139130, Rel. MARIA EDWIGES MIRANDA LOBATO, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 15/10/2014, Publicado em 17/10/2014) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ESTUPRO DE VULNERÁVEL HIPOTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ART. 5º DA LEI 11.340/06 AUSENCIA DE VIOLENCIA FUNDADA NA VULNERABILIDADE DA VÍTIMA. COMPETENCIA DA VARA COMUM. 1. Para atrair a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar da Mulher, imperioso identificar se o crime fora motivado pela vulnerabilidade ou hipossuficiência da vítima em relação ao ofensor, em decorrência do gênero. In casu, o crime em tese não detém qualquer destes elementos que demonstre a ocorrência de violência doméstica, mas sim em decorrência da idade da vítima (1 ano e 9 meses), o que evidencia a sua incapacidade para se defender. 2. Portanto, a conduta do denunciado fora impulsionada pela condição etária da vítima e não atrelada à violência de gênero entre ofensor (padrasto) e ofendida (enteada). COMPETENCIA DA 4ª VARA CRIMINAL DE MARABÁ. DECISAO UNANIME. (201430102579, 135800, Rel. MARIA DE NAZARE SILVA GOUVEIA DOS SANTOS, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 10/07/2014, Publicado em 14/07/2014) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTIGO 217-A, CP. SUSCITANTE JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA COMARCA DE MARABÁ. SUSCITADO JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA PENAL DA COMARCA DE MARABÁ. COMPETÊNCIA DECLARADA PARA O JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA PENAL DA COMARCA DE MARABÁ. 1. O artigo 5° da Lei 11.340/2006, prevê como violência doméstica e familiar contra a mulher toda espécie de agressão, comissiva ou omissiva, baseada no gênero, vale dizer, na condição de hipossuficiência da mulher, suficiente a lhe causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. 2. Dos autos, não se constatou que a fragilidade e a hipossuficiência proveniente do gênero da vítima, tenham sido os fatores determinantes para a prática do crime, mas sim sua condição de adolescente menor de 14 (quatorze) anos na época dos fatos, da qual decorrem imaturidade e incapacidade de resistir à ação criminosa, por estes motivos, deve ser afastada a aplicação diferenciada da Lei 11.340/06, restando a competência para julgamento do juízo ao comum da 4ª Vara Penal da Comarca de Marabá.  3. Precedentes deste Egrégio Tribunal. 3. Conheço do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Marabá. (201430058219, 134411, Rel. MARIA DE NAZARE SILVA GOUVEIA DOS SANTOS, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 28/05/2014, Publicado em 10/06/2014) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA ADOLESCENTE. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO DEMONSTRADA. LEI 11.340/06. NÃO INCIDÊNCIA. COMPETÊNCIA. VARA CRIMINAL. 1. A Lei 11.340/06 tem por escopo salvaguardar, coibir e reprimir as agressões (física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) sofridas pela mulher no âmbito doméstico, familiar ou de afeto íntimo, vez que nessas hipóteses a mesma se encontra em situação de vulnerabilidade, fragilidade e hipossuficiência, em relação ao agente, conforme interpretação conjunta dos artigos 5º e 7º da referida Norma. 2. In casu, a análise perfunctória dos autos permite constatar, ao menos em tese, que os fatos delineados na denúncia, bem como os depoimentos prestados pelo suposto autor do delito, pela vítima adolescente e por sua genitora, todos na fase de inquérito policial, não se amoldam à esfera de incidência da Lei Maria da Penha, pois, ainda que haja ou tenha havido um relacionamento amoroso entre o agressor e a vítima menor, o suposto delito não decorreu da situação de vulnerabilidade da ofendida em razão de seu gênero feminino, nos moldes preconizados pela Lei 11.340/06, visto que o agente não se valeu para praticar, em tese, o ato delituoso da inferioridade, submissão e hipossuficiência da mulher, no seio de um relacionamento socioafetivo, mas sim da condição de imaturidade, de fragilidade e de inexperiência da vítima adolescente, o que obsta, portanto, a aplicação da Lei Especial na hipótese, por não restar caracterizada a violência de gênero no âmbito doméstico ou de afeto íntimo. 3. Competência do Juízo Suscitado. Decisão unânime. (201330271185, 132357, Rel. BRIGIDA GONCALVES DOS SANTOS, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 16/04/2014, Publicado em 24/04/2014)               Assim, sendo evidenciado nos autos que a vulnerabilidade das vítimas está vinculada a sua imaturidade e impossibilidade (ou diminuída capacidade) de resistência, oriundas das suas condições de menores de idade, a competência para julgar o presente feito é do Juízo de Direito da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém.               Por todo o exposto, considerando as reiteradas decisões deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, e, visando a celeridade processual, dou por competente o Juízo da 4ª Vara Penal da Comarca de Santarém, ora Suscitante, para processar e julgar o presente feito.               P.R.I.C. Belém/PA, 30 de março de 2015. Desa.VANIA FORTES BITAR           Relatora (2015.01371326-95, Não Informado, Rel. VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2015-04-27, Publicado em 2015-04-27)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 27/04/2015
Data da Publicação : 27/04/2015
Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO
Relator(a) : VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA
Número do documento : 2015.01371326-95
Tipo de processo : Conflito de Jurisdição
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