TJPA 0011397-11.2013.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00113971120138140301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: REEXAME NECESSÁRIO/APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (1ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM) SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ (PROCURADOR DO ESTADO: ADRIANA MOREIRA BESSA SIZO - OAB/PA Nº 11.082) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (PROMOTOR DE JUSTIÇA: JOSÉ MARIA COSTA LIMA JÚNIOR) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de reexame necessário e apelação cível interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos da ação civil pública em favor da menor C.C.S. M., contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém cuja parte dispositiva assim estabelece: ¿JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na inicial, motivo porque ratifico os termos da liminar, embora a cirúrgica já tenha ocorrido, vez que foi determinado o fornecimento de (...)cadeira de rodas personalizada com sistema de adequação postural e seating (cadeira de rodas Chassi Canguru AX20 personalizada com mesa plástica de atividade (ergotrol) e restringidores) conforme prescrição, em anexo, (...). A demanda foi proposta objetivando a disponibilização imediata de cadeira de rodas com sistema de adequação postural e seating à menor assistida que apresenta paralisia cerebral, sequela de anóxia neonatal, conforme prescrição médica, tendo em vista que a criança deambula e não senta sem apoio, sendo dependente quanto à locomoção e na realização de atividades diárias, bem como no controle postural decorrente do dano cerebral irreversível, com quadro de tetraplegia espástica com comprometimento atetóide. A liminar foi deferida por meio da decisão de fls. 39/40 para que o Estado do Pará disponibilizasse imediatamente a referida cadeira de rodas, bem como todos os atos necessários para recuperar a saúde da criança em questão (internações, exames e medicamentos), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a incidir, em caso de descumprimento, na pessoa do Sr. Secretário Estadual de Saúde. A decisão interlocutória foi objeto de agravo de instrumento, ao qual foi dado parcial provimento monocráticamente, apenas para afastar a multa aplicada à pessoa do Secretário de Saúde do Estado, devendo a mesma ser imposta em desfavor da Fazenda Pública (Proc. nº 20133006696-6). Inconformado com a sentença de procedência, o Estado do Pará alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sustentando para tanto que é responsabilidade do Município de Belém fornecer a cadeira de rodas à menor, nos termos do artigo 18 da Lei nº 8080/90 que estabelece que compete ao ente municipal executar a política de insumos e equipamentos para saúde, sendo a competência dos Estados apenas suplementar. Aduz que nos termos do artigo 17 da Lei nº 8.080/90 que regula o Sistema Único de Saúde - SUS a competência para executar o tratamento objeto desta demanda é do Município de Belém que opera em gestão plena do referido sistema e recebe verbas federais e estaduais derivadas do Fundo Nacional de Saúde para tanto, razão pela qual deveria o apelante ser excluído da demanda, devendo ser declarada sua ilegitimidade passiva, com a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC/73, vigente à época. No mérito, incialmente faz breves comentários sobre o modelo brasileiro de saúde pública, aduzindo que o desconhecimento do funcionamento das normas que regulam o Sistema Único de Saúde - SUS conduz à uma equivocada aplicação do artigo 196 da CF/88 que não possui a amplitude que lhe vem sendo tão amplamente atribuída. Alega a existência de ofensa ao princípio da Reserva do Possível em face da impossibilidade de atendimento do pleito, eis que não há previsão orçamentária para tanto e violação às normas constitucionais orçamentárias (artigos 166 e 167 da CF/88), além do fato de que não pode o Poder Judiciário substituir o Legislativo e determinar a inclusão ou alteração no orçamento para se incluir tais despesas, devendo, portanto, ser julgada improcedente a demanda. Sustenta que merece reforma a sentença apelada na parte em que, ratificando a decisão liminar, arbitrou multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a ser suportada pelo Secretário do Estado de Saúde em caso de descumprimento, uma vez que, além da liminar já ter sido cumprida com a aquisição da cadeira de rodas pela SESPA, inexiste dispositivo legal que ampare a cominação de multa diária na pessoa do gestor público, que sequer integra a relação processual que deu origem à obrigação de fazer, ensejando ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme entendimento dos Tribunais Superiores e desta Corte de Justiça. Ao final, requer seja conhecida e provida a apelação para reforma por completo da sentença recorrida, desobrigando o Estado do Pará à fornecer a cadeira de rodas requerida na exordial, retirando a multa pessoal aplicada ao Secretário de Saúde. Recebido o recurso apenas no efeito devolutivo, conforme despacho de fls. 148/149. Contrarrazões às fls. 152/157 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, coube-me a relatoria do feito, quando determinei à remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que se manifestou às fls. 166/173 pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, modificando a sentença apenas no que concerne à condenação da astreinte ao gestor público. É o relatório. Decido. Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e da remessa necessária e da análise de ambos entendo que a sentença reexaminada não merece reparos. Inicialmente, oportuno destacar o teor do Enunciado nº 311 do FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis que estabelece: ¿A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 do CPC de 1973¿, entendimento este aplicável ao caso em tela, uma vez que a decisão foi proferida sob a vigência da norma processual civil anterior. Assim, entendo que o caso em análise se amolda ao disposto no art. 475, I, do CPC/1973, vigente à época da publicação da sentença, por se tratar de sentença ilíquida, razão pela qual conheço da remessa necessária e passo à análise da decisão de piso. Compulsando os autos, verifico que comportam julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932, VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, d, do Regimento Interno deste Tribunal. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Estado do Pará, ora apelante, ao fornecimento de cadeira de rodas personalizada com adequação postural e seating (Chassi Canguru Ax20 personalizada com mesa plástica de atividade (ergotrol) e restringidores), alegando, preliminarmente sua ilegitimidade passiva em face da responsabilidade do ente municipal e, no mérito, violação às normas orçamentárias e ao princípio da reserva do possível e, por fim, a impossibilidade de determinação de astreintes na pessoa do gestor público. Contudo, constato que prosperam apenas em parte as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada deste Tribunal e das Cortes Superiores de Justiça. Senão vejamos: PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARÁ. Diz o recorrente que a sentença merece ser reformada, com sua exclusão do polo passivo da demanda em razão de sua ilegitimidade passiva, pois a competência para responder a presente ação seria do Município de Belém. Tal alegação do apelo vai de encontro ao entendimento consolidado da Jurisprudência Pátria, pois ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Na hipótese dos autos, o fornecimento do tratamento de saúde é fundamental à qualidade de vida da menor substituída que possui paralisia cerebral necessitando da cadeira de rodas descrita na exordial a fim de se prevenir problemas posturais que além de lhe causarem muita dor, necessitarão de constante cuidado médico afetando toda a dinâmica de sua família, sendo que a resistência por parte do Estado do Pará apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal, sob pena de causar manifesto prejuízo ao direito à saúde da criança. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 ) Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis, não merecendo qualquer censura a decisão apelada e reexaminada. Assim, ante os argumentos acima expostos, sobretudo a Jurisprudência das Cortes Superiores refuto a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Pará. MÉRITO. DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. UNIVERSALIDADE DO ATENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. Nesse ponto, sustenta o apelante que a procedência do pedido de fornecimento de cadeira de rodas à criança, ofende o princípio da reserva do possível, causando um desequilíbrio no sistema de saúde. Por conseguinte, assevera que a despesa com o tratamento destinado à criança assistida, sem a devida previsão orçamentária, resulta em infração direta a preceitos constitucionais e que a norma constitucional apresenta caráter principiológico, porém não prosperam seus argumentos. In casu, deve ser atendido o princípio maior, que é o da garantia à vida da menor, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. O direito à saúde, além de direito fundamental, não pode ser indissociável do direito à vida, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Somado a isso, ressalte-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente, ainda mais no caso em comento em que se trata de criança com necessidades especiais. Desta feita, a alegação de que a previsão constitucional do artigo 196 não detém o alcance que vem sendo atribuído nas diversas demandas judiciais postas em análise pelo Poder Judiciário, não há como ser acolhida, uma vez que este dispositivo consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário aos hipossuficientes. Ademais, não se pode deixar de ressaltar que hoje é patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativo; esta reclama efetividade real de suas normas não se sustentando, portanto, a assertiva de que o artigo 196 da Carta Magna não garante nem fundamenta o deferimento do pedido à parte interessada. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015) Nessa direção, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível e levando em consideração a prioridade absoluta que se deve dar à criança e ao adolescente, não pode o Estado, alegando insuficiência orçamentária, desobrigar-se de assegurar esses direitos tão essenciais, sob a justificativa de estar ofendendo o princípio da reserva do possível, ou seja, sempre deve ser assegurado a todos os cidadãos o mínimo existencial possível. Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012) Tratando-se, na espécie de direito à saúde, direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. Além disso, não prospera a assertiva de violação ao princípio da separação dos poderes em razão da determinação judicial combatida, tendo em vista que em se tratando no caso de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, tal princípio não pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação. Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 279/STF. 1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. 2. O acórdão recorrido também está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmada no julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. 3. A controvérsia relativa à hipossuficiência da parte ora agravada demandaria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. ARE 894085 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016) ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) No caso em tela, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto o Judiciário só está determinando o cumprimento do texto constitucional, garantindo o tratamento indispensável à saúde da menor assistida, direito ao mínimo existencial. Assim, não comporta alteração a decisão apelada/reexaminada no que tange à determinação de fornecimento de cadeira de rodas à menor substituída, com fundamento no texto constitucional que consagra o direito à saúde e no ECA. DA IMPOSSBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA NA FIGURA DO GESTOR PÚBLICO. Por derradeiro, no ponto referente à ratificação da decisão liminar que havia fixado as astreintes no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a ser suportada pelo Secretário Estadual de Saúde, o decisum merece reparo, uma vez que ¿(...)6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. (...) (REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014), contudo não é possível estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu direito de ampla defesa. No caso dos autos, verifico que a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado do Pará, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. Corroborando o posicionamento adotado: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1433805/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 24/06/2014) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 16/05/2013) Por outro lado, em relação ao valor da multa cominatória fixada, não vislumbro necessidade de alteração, eis que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No mais, irrepreensíveis os fundamentos da sentença uma vez que amparada no dever constitucional de efetivação do direito à saúde pelo poder público, conforme jurisprudência pacífica da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Desse modo, entendo necessário observar o art. 932 do CPC/2015, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer a legitimidade passiva do Estado do Pará, bem como o direito da menor à cadeira de rodas necessária ao seu direito à saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, sob pena de pagamento de multa diária, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência dominante do STF e do STJ, em alguns pontos inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, conheço do recurso e da remessa necessária e dou-lhes parcial provimento para, na linha do parecer ministerial, alterar a sentença apenas no que concerne a condenação da astreinte na pessoa do gestor público, para que seja suportada pelo Ente Estatal, mantendo-a nos demais termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 16 de janeiro de 2017. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2017.00264161-18, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-03-06, Publicado em 2017-03-06)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00113971120138140301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: REEXAME NECESSÁRIO/APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (1ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM) SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ (PROCURADOR DO ESTADO: ADRIANA MOREIRA BESSA SIZO - OAB/PA Nº 11.082) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (PROMOTOR DE JUSTIÇA: JOSÉ MARIA COSTA LIMA JÚNIOR) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de reexame necessário e apelação cível interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos da ação civil pública em favor da menor C.C.S. M., contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém cuja parte dispositiva assim estabelece: ¿JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na inicial, motivo porque ratifico os termos da liminar, embora a cirúrgica já tenha ocorrido, vez que foi determinado o fornecimento de (...)cadeira de rodas personalizada com sistema de adequação postural e seating (cadeira de rodas Chassi Canguru AX20 personalizada com mesa plástica de atividade (ergotrol) e restringidores) conforme prescrição, em anexo, (...). A demanda foi proposta objetivando a disponibilização imediata de cadeira de rodas com sistema de adequação postural e seating à menor assistida que apresenta paralisia cerebral, sequela de anóxia neonatal, conforme prescrição médica, tendo em vista que a criança deambula e não senta sem apoio, sendo dependente quanto à locomoção e na realização de atividades diárias, bem como no controle postural decorrente do dano cerebral irreversível, com quadro de tetraplegia espástica com comprometimento atetóide. A liminar foi deferida por meio da decisão de fls. 39/40 para que o Estado do Pará disponibilizasse imediatamente a referida cadeira de rodas, bem como todos os atos necessários para recuperar a saúde da criança em questão (internações, exames e medicamentos), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a incidir, em caso de descumprimento, na pessoa do Sr. Secretário Estadual de Saúde. A decisão interlocutória foi objeto de agravo de instrumento, ao qual foi dado parcial provimento monocráticamente, apenas para afastar a multa aplicada à pessoa do Secretário de Saúde do Estado, devendo a mesma ser imposta em desfavor da Fazenda Pública (Proc. nº 20133006696-6). Inconformado com a sentença de procedência, o Estado do Pará alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sustentando para tanto que é responsabilidade do Município de Belém fornecer a cadeira de rodas à menor, nos termos do artigo 18 da Lei nº 8080/90 que estabelece que compete ao ente municipal executar a política de insumos e equipamentos para saúde, sendo a competência dos Estados apenas suplementar. Aduz que nos termos do artigo 17 da Lei nº 8.080/90 que regula o Sistema Único de Saúde - SUS a competência para executar o tratamento objeto desta demanda é do Município de Belém que opera em gestão plena do referido sistema e recebe verbas federais e estaduais derivadas do Fundo Nacional de Saúde para tanto, razão pela qual deveria o apelante ser excluído da demanda, devendo ser declarada sua ilegitimidade passiva, com a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC/73, vigente à época. No mérito, incialmente faz breves comentários sobre o modelo brasileiro de saúde pública, aduzindo que o desconhecimento do funcionamento das normas que regulam o Sistema Único de Saúde - SUS conduz à uma equivocada aplicação do artigo 196 da CF/88 que não possui a amplitude que lhe vem sendo tão amplamente atribuída. Alega a existência de ofensa ao princípio da Reserva do Possível em face da impossibilidade de atendimento do pleito, eis que não há previsão orçamentária para tanto e violação às normas constitucionais orçamentárias (artigos 166 e 167 da CF/88), além do fato de que não pode o Poder Judiciário substituir o Legislativo e determinar a inclusão ou alteração no orçamento para se incluir tais despesas, devendo, portanto, ser julgada improcedente a demanda. Sustenta que merece reforma a sentença apelada na parte em que, ratificando a decisão liminar, arbitrou multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a ser suportada pelo Secretário do Estado de Saúde em caso de descumprimento, uma vez que, além da liminar já ter sido cumprida com a aquisição da cadeira de rodas pela SESPA, inexiste dispositivo legal que ampare a cominação de multa diária na pessoa do gestor público, que sequer integra a relação processual que deu origem à obrigação de fazer, ensejando ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme entendimento dos Tribunais Superiores e desta Corte de Justiça. Ao final, requer seja conhecida e provida a apelação para reforma por completo da sentença recorrida, desobrigando o Estado do Pará à fornecer a cadeira de rodas requerida na exordial, retirando a multa pessoal aplicada ao Secretário de Saúde. Recebido o recurso apenas no efeito devolutivo, conforme despacho de fls. 148/149. Contrarrazões às fls. 152/157 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, coube-me a relatoria do feito, quando determinei à remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que se manifestou às fls. 166/173 pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, modificando a sentença apenas no que concerne à condenação da astreinte ao gestor público. É o relatório. Decido. Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e da remessa necessária e da análise de ambos entendo que a sentença reexaminada não merece reparos. Inicialmente, oportuno destacar o teor do Enunciado nº 311 do FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis que estabelece: ¿A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 do CPC de 1973¿, entendimento este aplicável ao caso em tela, uma vez que a decisão foi proferida sob a vigência da norma processual civil anterior. Assim, entendo que o caso em análise se amolda ao disposto no art. 475, I, do CPC/1973, vigente à época da publicação da sentença, por se tratar de sentença ilíquida, razão pela qual conheço da remessa necessária e passo à análise da decisão de piso. Compulsando os autos, verifico que comportam julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932, VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, d, do Regimento Interno deste Tribunal. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Estado do Pará, ora apelante, ao fornecimento de cadeira de rodas personalizada com adequação postural e seating (Chassi Canguru Ax20 personalizada com mesa plástica de atividade (ergotrol) e restringidores), alegando, preliminarmente sua ilegitimidade passiva em face da responsabilidade do ente municipal e, no mérito, violação às normas orçamentárias e ao princípio da reserva do possível e, por fim, a impossibilidade de determinação de astreintes na pessoa do gestor público. Contudo, constato que prosperam apenas em parte as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada deste Tribunal e das Cortes Superiores de Justiça. Senão vejamos: PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARÁ. Diz o recorrente que a sentença merece ser reformada, com sua exclusão do polo passivo da demanda em razão de sua ilegitimidade passiva, pois a competência para responder a presente ação seria do Município de Belém. Tal alegação do apelo vai de encontro ao entendimento consolidado da Jurisprudência Pátria, pois ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Na hipótese dos autos, o fornecimento do tratamento de saúde é fundamental à qualidade de vida da menor substituída que possui paralisia cerebral necessitando da cadeira de rodas descrita na exordial a fim de se prevenir problemas posturais que além de lhe causarem muita dor, necessitarão de constante cuidado médico afetando toda a dinâmica de sua família, sendo que a resistência por parte do Estado do Pará apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal, sob pena de causar manifesto prejuízo ao direito à saúde da criança. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 ) Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis, não merecendo qualquer censura a decisão apelada e reexaminada. Assim, ante os argumentos acima expostos, sobretudo a Jurisprudência das Cortes Superiores refuto a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Pará. MÉRITO. DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. UNIVERSALIDADE DO ATENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. Nesse ponto, sustenta o apelante que a procedência do pedido de fornecimento de cadeira de rodas à criança, ofende o princípio da reserva do possível, causando um desequilíbrio no sistema de saúde. Por conseguinte, assevera que a despesa com o tratamento destinado à criança assistida, sem a devida previsão orçamentária, resulta em infração direta a preceitos constitucionais e que a norma constitucional apresenta caráter principiológico, porém não prosperam seus argumentos. In casu, deve ser atendido o princípio maior, que é o da garantia à vida da menor, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. O direito à saúde, além de direito fundamental, não pode ser indissociável do direito à vida, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Somado a isso, ressalte-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente, ainda mais no caso em comento em que se trata de criança com necessidades especiais. Desta feita, a alegação de que a previsão constitucional do artigo 196 não detém o alcance que vem sendo atribuído nas diversas demandas judiciais postas em análise pelo Poder Judiciário, não há como ser acolhida, uma vez que este dispositivo consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário aos hipossuficientes. Ademais, não se pode deixar de ressaltar que hoje é patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativo; esta reclama efetividade real de suas normas não se sustentando, portanto, a assertiva de que o artigo 196 da Carta Magna não garante nem fundamenta o deferimento do pedido à parte interessada. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015) Nessa direção, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível e levando em consideração a prioridade absoluta que se deve dar à criança e ao adolescente, não pode o Estado, alegando insuficiência orçamentária, desobrigar-se de assegurar esses direitos tão essenciais, sob a justificativa de estar ofendendo o princípio da reserva do possível, ou seja, sempre deve ser assegurado a todos os cidadãos o mínimo existencial possível. Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012) Tratando-se, na espécie de direito à saúde, direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. Além disso, não prospera a assertiva de violação ao princípio da separação dos poderes em razão da determinação judicial combatida, tendo em vista que em se tratando no caso de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, tal princípio não pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação. Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 279/STF. 1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. 2. O acórdão recorrido também está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmada no julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. 3. A controvérsia relativa à hipossuficiência da parte ora agravada demandaria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. ARE 894085 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016) ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) No caso em tela, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto o Judiciário só está determinando o cumprimento do texto constitucional, garantindo o tratamento indispensável à saúde da menor assistida, direito ao mínimo existencial. Assim, não comporta alteração a decisão apelada/reexaminada no que tange à determinação de fornecimento de cadeira de rodas à menor substituída, com fundamento no texto constitucional que consagra o direito à saúde e no ECA. DA IMPOSSBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA NA FIGURA DO GESTOR PÚBLICO. Por derradeiro, no ponto referente à ratificação da decisão liminar que havia fixado as astreintes no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a ser suportada pelo Secretário Estadual de Saúde, o decisum merece reparo, uma vez que ¿(...)6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. (...) (REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014), contudo não é possível estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu direito de ampla defesa. No caso dos autos, verifico que a Ação Civil Pública fora movida contra o Estado do Pará, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. Corroborando o posicionamento adotado: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1433805/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 24/06/2014) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 16/05/2013) Por outro lado, em relação ao valor da multa cominatória fixada, não vislumbro necessidade de alteração, eis que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No mais, irrepreensíveis os fundamentos da sentença uma vez que amparada no dever constitucional de efetivação do direito à saúde pelo poder público, conforme jurisprudência pacífica da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Desse modo, entendo necessário observar o art. 932 do CPC/2015, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer a legitimidade passiva do Estado do Pará, bem como o direito da menor à cadeira de rodas necessária ao seu direito à saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, sob pena de pagamento de multa diária, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência dominante do STF e do STJ, em alguns pontos inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, conheço do recurso e da remessa necessária e dou-lhes parcial provimento para, na linha do parecer ministerial, alterar a sentença apenas no que concerne a condenação da astreinte na pessoa do gestor público, para que seja suportada pelo Ente Estatal, mantendo-a nos demais termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 16 de janeiro de 2017. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2017.00264161-18, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-03-06, Publicado em 2017-03-06)
Data do Julgamento
:
06/03/2017
Data da Publicação
:
06/03/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
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