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Jurisprudência


TJPA 0011824-08.2013.8.14.0301

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00118240820138140301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO REMESSA NECESSÁRIA COMARCA DE BELÉM (4ª VARA DA FAZENDA DE BELÉM) SENTENCIADOS: ESTADO DO PARÁ (PROCURADORA DO ESTADO: ANDRIANA MOREIRA BESSA SIZO - OAB/PA Nº 11.082)   FRANCISCO BRANDÃO DOS PASSOS (DEFENSORA PÚBLICA: ANDREA BARRETO RICARTE DE OLIVEIRA - OAB/PA Nº 13610-B) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO ¿ REMESSA NECESSÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA UROLÓGICA. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PELO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRECEDENTE STF PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL (RE 855178). DEFERIMENTO COM BASE NO TEXTO CONSTITUCIONAL. ARTIGO 196 DA CF/88. RECONHECIMENTO DO DIREITO À SAÚDE. SENTENÇA MANTIDA. 1 - O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente¿. (RE 855178 RG, pela sistemática da Repercussão Geral). 2 - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. 3 - Em se tratando no caso de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação. Precedentes STF e STJ. 4 - Sentença mantida em Remessa necessária. DECISÃO MONOCRÁTICA              Tratam os presentes autos de REMESSA NECESSÁRIA nos termos do art. 496, I, do Código de Processo Civil/2015, da sentença prolatada pelo MM. Juízo da 4ª Vara da Fazenda de Belém que, nos autos da ação de obrigação de fazer movida por FRANCISCO BRANDÃO DOS PASSOS em face do ESTADO DO PARÁ, confirmou a tutela de urgência e julgou procedente o pedido da inicial para determinar o fornecimento de cirurgia urológica conforme prescrição médica.            Narra a inicial que o autor é usuário do SUS e portador da patologia CID N 40, extremamente debilitado com problemas na sua próstata, não podendo exercer as atividades habituais conforme laudo médico, tendo a família requerido a solicitação para a realização do procedimento desde outubro de 2012.            Juntou os documentos de fls. 09/14.            A liminar foi deferida por meio da decisão de fls. 15/17 determinando que o Estado do Pará fornecesse o procedimento urológico cirúrgico em hospital com todo o aparato para tal, sob pena de multa diária por descumprimento.            Estado do Pará apresentou contestação às fls. 23/43, sustentando a preliminar de ilegitimidade passiva, pois seria competência do Município de Belém para realizar o procedimento médico da paciente.            No mérito, teceu breves comentários sobre o modelo brasileiro de saúde pública; sustentou a inexistência de direito subjetivo tutelado; o comprometimento do princípio da universalidade do acesso à saúde; a impossibilidade de intervenção do Judiciário; a invasão do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública; impossibilidade de fixação de multa diária na figura do representante legal do Estado.            Estado do Pará peticionou à fl. 69 informando a realização do procedimento cirúrgico em 19/07/2013.            Após, o Ministério Público do Estado do Pará se manifestou pela procedência do pedido (fls.89/93).            Sobreveio sentença de procedência a ser reexaminada.            Não houve interposição de recurso voluntário contra a decisão de piso, sendo os autos remetidos à esta Corte em sede de remessa necessária.            Inicialmente o feito foi distribuído à relatoria do Des. Constantino Augusto Guerreiro e posteriormente redistribuído à minha relatoria em razão da Emenda Regimental nº 05/16, quando determinei à remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que ofertou parecer pela manutenção da sentença (fl. 107/110).            É o relatório. Decido.            Presente os pressupostos de admissibilidade conheço da remessa necessária e verifico que comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932, inciso IV do CPC/2015 c/c 133, XI, b, do Regimento Interno deste Tribunal.             Quanto à matéria objeto do reexame, constata-se que se refere à obrigação de fazer referente à realização de procedimento urológico cirúrgico.            Pelos documentos juntados aos autos, verifica-se a necessidade da cirurgia com urgência, não merecendo qualquer censura a decisão reexaminada.            No que tange a ilegitimidade passiva do ente estatal, verifico que se revela escorreita a sentença quanto ao reconhecimento da responsabilidade conjunta e solidária de todas as esferas de governo no caso em tela, eis que em sintonia com a jurisprudência dominante.            Com efeito, ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014).            No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015.            Além disso, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios o dever de ¿cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência¿.            Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recente decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)            Mantida, portanto, a rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Pará nos termos da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 855178RG pela sistemática da repercussão geral.            Quanto ao mérito, escorreita a decisão do magistrado que julgou procedente o pedido de realização de cirurgia urológica em razão do estado crítico de saúde do autor, não merecendo reparos.             Isso porque, resta indubitável o dever do Estado do Pará em assegurar o procedimento, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade do mesmo.            In casu, deve ser atendido ainda o princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna, com reflexo no direito à saúde que não pode ser indissociável daquele, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88.            Por oportuno, releva ainda destacar, que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativos; esta reclama efetividade real de suas normas ainda que programáticas. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015)            Além disso, escorreita a sentença quanto ao fundamento de que não pode a alegação de reserva do financeiramente possível sobressair em relação ao defendido mínimo existencial, que constitui garantia a uma vida digna com saúde.            Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012)            Desse modo, irrepreensíveis os fundamentos da sentença uma vez que amparada no dever constitucional de efetivação do direito à saúde pelo poder público, conforme jurisprudência pacífica da Suprema Corte, em alguns pontos inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral e do Superior Tribunal de Justiça, nos termos da fundamentação acima exposta, razão pela qual, entendo necessário observar o art. 932 do CPC/2015.            Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, nego provimento à remessa necessária, para manter a sentença em todos os seus termos.            Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem.            Belém, 11 de janeiro de 2018.             Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO             Relator (2018.00089856-54, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2018-01-16, Publicado em 2018-01-16)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 16/01/2018
Data da Publicação : 16/01/2018
Órgão Julgador : 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a) : LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
Número do documento : 2018.00089856-54
Tipo de processo : Remessa Necessária
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