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Jurisprudência


TJPA 0012448-98.2015.8.14.0006

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00124489820158140006 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: REMESSA NECESSÁRIA/APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE ANANINDEUA (VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE ANANINDEUA) APELANTE: MUNICÍPIO DE ANANINDEUA (PROCURADORA MUNICIPAL: SORAYA HITOMY R. KYUSHIMA - OAB/PA Nº 20566) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO (PROMOTORA DE JUSTIÇA: ALBELY MIRANDA LOBATO) Interessada: Joana Darque da Silva RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO ¿APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAMES MÉDICOS E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LAUDO MÉDICO COMPROBATÓRIO DA NECESSIDADE DO TRATAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO EM PRESTAR O SERVIÇO DE SAÚDE PÚBLICA. PRECEDENTE STF EM REPERCUSSÃO GERAL. APELO IMPROVIDO POR SER CONTRÁRIO À JURISPRUDENCIA DA SUPREMA CORTE, INCLUSIVE PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. SENTENÇA MANTIDA INTEGRALMENTE. 1. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT nº 855178 pela sistemática da repercussão geral reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres estatais, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. 3. Em se tratando de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, não há que se falar em ofensa aos princípios da reserva do possível ante a necessidade da garantia ao mínimo existencial, tampouco pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação vinculação às normas orçamentárias. Precedentes STF e STJ. 4. Recurso conhecido e improvido.  Sentença mantida em Remessa necessária.¿ DECISÃO MONOCRÁTICA            Trata-se de reexame necessário e apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE ANANINDEUA, nos autos da ação civil pública que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, em favor da interessada Joana Darque da Silva, contra decisão proferida pelo juízo da Vara da Fazenda da Comarca de Ananindeua que, tornando definitiva a antecipação de tutela concedida, julgou procedente a ação, determinando que ora recorrente providencie a realização dos exames Eletroneuromiografia inferior e superior e Ressonância Magnética Nuclear da Coluna Cervical para fins de diagnóstico, bem como o medicamento Clonazepam, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 269, inciso I, do CPC/73.            Narra a inicial que a interessada é acometida de dor neuropática decorrente de neuropatia em investigação, Síndrome Túnel do Carpo e Síndorme Túnel Tarso, necessitando dos exames postulados para diagnóstico diferencial com evolução medular (CID10: R52 e F32.1 + G56.0) para investigação de sua patologia e medicação de uso contínuo Venlafacina 75mg para depressão, conforme laudos médicos constante dos autos, paciente humilde sem recursos para o custeio de seu tratamento.            O juízo de piso deferiu parcialmente a tutela antecipada, determinando a realização dos exames médicos e a intimação do médico responsável pelo tratamento para esclarecimento sobre a possibilidade de substituição da medicação pretendida por não constar na lista do RENAME.            Juntamente com a contestação, o Município apelante informou por meio do Ofício nº 1414/2015- GAB/SESAU que o médico Dr. Daniel Santos - CRM 10512 prescreveu nova medicação à interessada, qual seja, CLONAZEPAM, tendo sido iniciados os procedimentos para atendimento da solicitação (fls.74/75) e informado o cumprimento da medida à fl. 79.            Inconformado com a sentença de procedência, alega o apelante, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam, pois no caso dos autos em se tratando de medicamento e insumo específico e de alto valor unitário de uso prolongado inserido na Portaria nº 2577/GM sua dispensação é exclusiva do Estado do Pará, haja vista que não recebe recursos com essa finalidade.            No mérito, discorre sobre a reserva do possível e o condicionamento da prestação pelo Estado à existência de recursos públicos disponíveis.            Aduz, ainda, que o deferimento da tutela antecipada exauriu por completo o objeto da ação, pois o fornecimento do medicamento provoca a extinção do processo, tendo ocorrido o reconhecimento jurídico do pedido, ou, caso assim não entenda, defende a carência de ação por causa superveniente por ausência de interesse de agir.            Por fim, requer o total provimento ao apelo para reforma da sentença para que a ação seja declarada extinta sem resolução do mérito, ou, no mérito, seja julgada improcedente por não poder o Município de Ananindeua ser responsabilizado a fornecer tratamento sem a cooperação do Estado do Pará, ou, ainda, seja extinto o feito por ausência de interesse de agir.            Recebida a apelação apenas no efeito devolutivo, nos termos do despacho de fl. 106.            Contrarrazões às fls. 108/112 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação.            Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, o feito foi originariamente distribuído à Relatoria do Exmo. Juiz Convocado, Dr. José Roberto Pinheiro Maia Júnior que determinou a remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que se manifestou às fls. 121/123 pelo conhecimento e não provimento do recurso de apelação e do reexame necessário, devendo ser mantida a sentença de piso.            Após, os autos vieram-me redistribuídos em razão da Emenda Regimental nº 05/2016.            É o relatório. Decido.            Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e da remessa necessária e da análise de ambos entendo que a sentença reexaminada não merece reparos.            Inicialmente, oportuno destacar o teor do Enunciado nº 311 do FPPC - Fórum Permanente de Processualistas Civis que estabelece: ¿A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 do CPC de 1973¿, entendimento este aplicável ao caso em tela, uma vez que a decisão foi proferida sob a vigência da norma processual civil anterior.            Assim, entendo que o caso em análise se amolda ao disposto no art. 475, I, do CPC/1973, vigente à época da publicação da sentença, por se tratar de sentença ilíquida, razão pela qual conheço da remessa necessária e passo à análise da decisão de piso.            Compulsando os autos, verifico que comportam julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932, IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do Regimento Interno deste Tribunal.            Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Município de Ananindeua, ora apelante, à realização dos exames imprescindíveis de Eletroneuromiografia inferior e superior e Ressonância Magnética Nuclear da Coluna Cervical, bem como ao fornecimento do medicamento Clonazepam 2mg, alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva em face da responsabilidade do ente estatal; e, no mérito, a incompetência do Município para o fornecimento pretendido e violação às normas orçamentárias e ao princípio da reserva do possível, bem como a falta de interesse de agir pelo cumprimento da medida liminar deferida.            Contudo, verifico que não prosperam as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada das Cortes Superiores de Justiça, inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral quanto à sua legitimidade passiva.            Inicialmente, quanto a alegação de necessidade de reforma da sentença e extinção do processo ante a ilegitimidade passiva do Município de Ananindeua e responsabilidade do Estado do Pará, verifico que não prosperam os argumentos do apelo, pois ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014).            No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015.            Na hipótese dos autos, o fornecimento dos exames e do medicamento necessários é fundamental à efetivação do direito à saúde do interessado e a resistência por parte do Município de Ananindeua apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal.            Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis, não merecendo qualquer censura a decisão apelada e reexaminada.            Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recentíssima decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 )            Restou também consignado no aludido julgado que eventuais questões acerca de repasse de verbas atinentes ao SUS devem ser dirimidas administrativamente, ou em ação judicial própria, não merecendo, portanto, amparo as alegações do recorrente de que o Estado do Pará é quem deve ser responsabilizado pelo fornecimento do medicamento à parte.            Outros precedentes da Suprema Corte na mesma direção: RE 869979, AgR, Relator(a):  Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 13/05/2015; ARE 814878, AgR, Relator(a):  Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 31/03/2015 e RE 810603 AgR, Relator(a):  Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 19/08/2014, DJe 27/08/2014.            Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do Município de Ananindeua, visto que, a jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que é solidária a responsabilidade pelo fornecimento de medicação ou tratamento de saúde em geral dos entes públicos.             Quanto ao mérito, melhor sorte não socorre ao apelante.             A decisão apelada e reexaminada não merece qualquer censura, pois além de devidamente fundamentada no texto constitucional, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência das Cortes Superiores.            No caso em tela, resta indubitável o dever do Município em assegurar o fornecimento ao assistido dos medicamentos e exames necessários, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade dos mesmos.            In casu, deve ser atendido ainda o princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna, com reflexo no direito à saúde que não pode ser indissociável daquele, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88.            Além do mais, a previsão constitucional do artigo 196 consagra o direito à saúde como dever dos Entes Estatais, que deverão, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário ao hipossuficiente.            Ressalte-se, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativo; esta reclama efetividade real de suas normas. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015)            Nessa direção, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível, não pode o recorrente, alegando falta de previsão orçamentária e necessidade de existência de recursos públicos disponíveis como condicionante à prestação almejada, desobrigar-se de assegurar esse direito tão essencial, sob a justificativa de estar ofendendo o princípio da reserva do possível, ou seja, sempre deve ser assegurado a todos os cidadãos o mínimo existencial.             Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012)            Não há, portanto, como ser reconhecido o alegado malferimento do princípio da reserva do possível na espécie, porque não se está exigindo nenhuma prestação descabida do Município, mas apenas a garantia de tratamento indispensável à saúde do apelado, direito ao mínimo existencial.            Nessa direção, não prospera de igual modo a alegação do apelante de que o direito à saúde deve ser condicionado à existência de recursos públicos disponíveis, pois em se tratando na espécie de direito à saúde, garantia fundamental prevista na Constituição Federal, impende ao recorrente cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica.            Por fim, quanto à alegação de perda de interesse de agir, sob o argumento de que esgotado por completo o objeto da ação com a obtenção da tutela antecipada, constato que a mesma não merece guarida.            Ocorre que o simples cumprimento de determinação judicial constante no deferimento da medida de urgência de natureza satisfativa não implica em perda do objeto da ação, porque a sua eficácia depende de futura confirmação no bojo da sentença.              Com efeito, o tratamento médico somente foi fornecido em razão de decisão precária - que não faz coisa julgada, sendo necessário que seja julgado o mérito da ação, confirmando-se os termos da decisão concessiva da tutela de urgência, uma vez que seu cumprimento não implica o esgotamento do objeto da ação, tendo em vista que nos termos do art. 296 do CPC/15 "A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer, tempo, ser revogada ou modificada¿, cujo caráter provisório reclama um posicionamento definitivo.            Desse modo, impõe-se a análise do mérito da demanda, decidindo sobre a existência ou não do direito pleiteado, com a consequente confirmação ou revogação da tutela.  A jurisprudência desta Corte apresenta o mesmo entendimento:  APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO E TRATAMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIMIDADE. 2. Ilegitimidade passiva. Inocorrência. Responsabilidade solidária dos entes federados art. 196, da CF. Pacífica é a jurisprudência no sentido de que quaisquer dos entes federados podem ser demandados em ação judicial visando ao internamento em UTI pediátrica e tratamentos de saúde. O funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação, exame, tratamento para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Preliminar rejeitada. 3.Alegada perda de objeto ante o cumprimento da liminar deferida. Improcedência da alegação. O deferimento da liminar não cessa o interesse da parte no deslinde do feito, Inteligência do art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendencia do processo, mas pode, a qualquer, tempo, ser revogada ou modificada. O deferimento da liminar constitui-se como a própria nomenclatura orienta a concessão provisória, mas não definitiva, do objeto litigioso, gerando a necessidade de, ao final, declarar a existência ou não do direito pretendido e a consequente confirmação ou revogação da liminar. O fato da internação pleiteada pelo autor terem se dado no curso da demanda, em razão do deferimento de liminar, não dispensava provimento judicial acerca da procedência da pretensão, fosse para cristalizar os efeitos advindos da liminar, fosse mesmo para orientar a distribuição dos encargos sucumbenciais à vista do princípio da causalidade.  4. Mérito. Autoaplicabilidade do artigo 196 da CF. Eficácia plena e imediata. Cabe ao Poder Judiciário, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, reparar a lesão ou ameaça a direito no caso de omissão ou negativa do ente público em cumprir o que lhe compete. O Sistema de Saúde é único e solidário e a divisão de competências entre os entes federativos, bem assim a hierarquização para a prestação de serviços é tão somente a título da amplitude da gestão, garantindo-se o acesso ao necessitado independentemente de que obrigação seja. 5. Descabimento de aplicação de multa ante o cumprimento da liminar em tempo hábil, razoável e proporcional. 6. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e parcialmente provido para afastar a aplicação e cobrança da multa. Unanimidade. (TJPA. 2016.03843925-33, 164.936, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-09-15, Publicado em 22/09/2016) APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS CLONAZEPAM (03 FRASCOS DE 2.5 MG/ML), RISPIRIDONA (120 CAPSULAS DE 1 MG), E BECLOMETASONA (120 CÁPSULAS DE 50 ML). CABIMENTO. ADOLESCENTE COM GRAVES DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS COM HISTÓRIA DE ATRASO GLOBAL NO DESENVOLVIMENTO E DISTÚRBIO DE COMPORTAMENTO 9CID-10 F 79.1. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1.PRELIMINARES: 1.1. Perda de objeto ante o cumprimento da tutela antecipatória deferida. Inocorrência. A antecipação de tutela não cessa o interesse da parte no deslinde do feito no caso dos autos, pois gera a necessidade de, ao final, declarar a existência ou não do direito pretendido e a consequente confirmação ou revogação da tutela antecipada. O deferimento de tutela antecipada, não dispensava provimento judicial acerca da procedência da pretensão, para cristalizar os efeitos advindos da liminar ou mesmo para orientar a distribuição dos encargos sucumbenciais à vista do princípio da causalidade. Preliminar rejeitada. 1.2. (...) 1.3.Incompetência da justiça estadual. Inocorrência. Estado legítimo para figurar no pólo passivo da lide. Justiça estadual é competente para julgar o feito ante a solidariedade entre os entes da federação. Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde. Logo o Estado, o Município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional. Constitui dever do Poder Público a garantia à saúde pública, possuindo o cidadão a faculdade de postular seu direito fundamental contra qualquer dos entes públicos. Preliminar rejeitada. 1.4. Ilegitimidade passiva do Estado. Inocorrência. O funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação, exame, tratamento para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Preliminar rejeitada 2. MÉRITO. 2.1. Saúde. Bem jurídico constitucionalmente tutelado, cujo poder público deve proteger integralmente, cabendo formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas, que visem a garantir o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e não transferir o ônus para o hipossuficiente. 2.2. Não se justifica a aplicação da responsabilização por crime de desobediência ao Estado. Em casos excepcionais, onde há o descumprimento de ordem judicial deve ser aplicado o sequestro de quantias nos cofres públicos, como meio de efetivo cumprimento das decisões judiciais, porquanto a ameaça de prisão, por crime de desobediência, é medida desproporcional ao eventual atraso no cumprimento da obrigação. Bloqueio/sequestro de valores. Como mais uma tentativa de compelir o ente público a cumprir com as decisões judiciais e, sobretudo, a cumprir com o disposto no Constituição Federal, correto o bloqueio de verba pública suficiente para tal finalidade, caso não cumprida à ordem judicial. 3. Impossibilidade da condenação do Estado do Pará ao pagamento de honorários advocatícios à defensoria pública. Súmula 421 do STJ ?Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença. 4. Recurso conhecido. Rejeição das preliminares e provimento parcialmente, para excluir da sentença a condenação do Estado do Pará ao pagamento de honorários advocatícios à defensoria pública e para afastar a possibilidade de prisão por crime de desobediência. Confirmação da sentença em grau de reexame nos demais termos. (TJPA. 2016.03756679-65, 164.703, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-09-08, Publicado em 2016-06-16)            Ante o exposto, verificando no caso dos autos que a decisão julgou procedente o pedido, tornando definitiva a tutela deferida, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência dominante do STF, do STJ e deste TJPA, em certo ponto inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, nego provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação, para manter a sentença em todos os seus termos.            Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem.            Belém, 04 de julho de 2017.             Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO             Relator (2017.02854907-02, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-07-10, Publicado em 2017-07-10)

Data do Julgamento : 10/07/2017
Data da Publicação : 10/07/2017
Órgão Julgador : 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a) : LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
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