TJPA 0012685-53.2015.8.14.0000
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO ORIGEM: 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ANANINDEUA/ PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012685-53.2015.8.14.0000 APELANTE: WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO APELADO: BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 285-A, DO CPC/1973. AUSÊNCIA DO CONTRATO. INVIÁVEL O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SEM A ANÁLISE DO INSTRUMENTO CONTRATUAL. SENTENÇA anulada. possibilidade de julgamento coM base no arTigo 1013, § 3º, i DO NCPC. CONTRATO APRESENTADO PELA bv FINANCEIRA NA AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL APENSO AO PROCESSO PRINCIPAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA LIMITAR A TAXA DE JUROS DE ACORDO COM A MÉDIA DO BACEN, AFASTAMENTO DA MORA ANTE A EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE E RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO, em face da sentença prolatada pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Ananindeua - PA, nos autos da AÇÃO REVISIONAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE INDEBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL, que julgou totalmente improcedente o pedido e extinguiu o processo com base no artigo 285-A do CPC (fls. 31/35). Em suas razões (fls. 86/109), o apelante aduz a necessidade de reforma da sentença, ante a inconstitucionalidade do julgamento com base no artigo 285 A. Alega que pretende a revisão contratual tendo em vista a existência de encargos abusivos impostos pela instituição financeira. Insurge-se contra a cobrança de juros excessivos, bem como da capitalização, que entende ser uma prática vedada. Assevera a existência de abusividade na cobrança da comissão de permanência, por estar cumulada com correção monetária. Defende a necessidade de condenação da apela em dano moral Por fim, requer o conhecimento e provimento do presente recurso. O recurso foi recebido no duplo efeito (fls. 111). Em sede de contrarrazões (fls. 114/127) o apelado defende a legalidade da sentença prolatada com base no art. 285-A do CPC/73. No mérito, sustenta que os juros remuneratórios não apresentam qualquer abusividade, pois compatível com a taxa média do mercado. No tocante à capitalização dos juros, afirma que a mesma encontra previsão legal na medida provisória nº 1.963-17/2000, bem como autorização na jurisprudência pátria. Pugna pelo desprovimento do recurso de apelação. É o Relatório. DECIDO. Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação revisional ajuizada por WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO em face de BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com base no artigo 285-A do CPC/73. Com efeito, a sentença foi prolatada com fundamento no artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, que tem a seguinte redação: ¿Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. ¿ O objetivo da norma acima transcrita é proporcionar maior celeridade processual, nos casos de demandas repetitivas, desde que implementados os requisitos elencados. Embora a jurisprudência venha se assentando no sentido de que a matéria em questão seja de direito, o que possibilitaria o julgamento nos moldes do referido dispositivo, verifica-se, no caso concreto, a impossibilidade de julgamento. Com efeito, a parte autora ajuizou a presente ação a fim de revisar os encargos alegadamente abusivos cobrados pela instituição financeira, ajuizando ação cautelar incidental para exibição da cópia do instrumento contratual pela instituição financeira. Nesse contexto, para o exame das alegadas abusividades contratuais, faz-se necessário a produção de prova documental mínima, oportunizando-se à instituição financeira a juntada do contrato objeto da lide, conforme postulado na exordial, o que não ocorreu no caso, pois o juiz de piso não analisou o contrato juntado na ação cautelar (apenso), não havendo elementos suficientes nos autos principal para o exame dos pedidos postos na inicial. Assim, a sentença de improcedência exarada sem a análise do contrato deve ser anulada, pois o juízo de origem não possui meios de verificar a alegada abusividade praticada pela instituição financeira, sem analisar as cláusulas contratuais. Deste modo, a lide não se mostrava passível de julgamento liminar de improcedência na forma do art. 285-A do CPC/73. A propósito: ¿APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA PROLATADA NA FORMA DO ART. 285-A DO CPC. A ausência do contrato cujas cláusulas pretende a parte autora revisar, inviabiliza o julgamento antecipado com base no art. 285-A do CPC, impondo-se a desconstituição da sentença. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA DE OFÍCIO. APELAÇÃO PREJUDICADA¿ (Apelação Cível nº 70065948259, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Júnior, julgado em 26/08/2015). ¿APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DE ACORDO COM O ART. 285-A DO CPC. Imprescindibilidade de produção probatória, mediante a juntada dos contratos objetos da revisão, para análise das cláusulas contratuais, diante das ilegalidades arguidas na inicial. Desconstituição da sentença. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, "EX OFFICIO". APELO PREJUDICADO.¿ (Apelação Cível Nº 70054804786, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 26/06/2013). No mesmo sentido, proferi decisão em casos análogos ao aqui discutido : SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ANANINDEUA/ PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2014.3.030900-0 APELANTE: AERCIO LIMA RABELO APELADO: BV FINANCEIRA S/A - CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 285-A, DO CPC. AUSÊNCIA DO CONTRATO. I - No caso concreto, resta inviável o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 285-A, do CPC. A decisão foi proferida sem a juntada dos dados específicos do contrato cuja revisão é postulada, impossibilitando a análise de eventuais ilegalidades. II - A Sentença de improcedência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC deve estar em consonância com a jurisprudência do Tribunal local e dos Tribunais Superiores. III - Desconstituição da sentença que se impõe. IV - RECURSO PROVIDO. (2015.03225330-63, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-09-11, Publicado em 2015-09-11) Por outro lado, verifico que foi juntada na ação cautelar incidental nº 0007700-65.2010.8.14.0006 (apenso) o contrato de financiamento do veículo pelo banco apelado (fls. 43/46), o que possibilita o julgamento por esse juízo ad quem. Assim, havendo condições do julgamento da lide, com base no artigo 1.013, § 3º, I do NCPC (teoria da causa madura), é de se julgar a causa, sem determinar o retorno dos autos à instância de origem para nova sentença. Dito isto, passo a analisar as teses levantadas pelo autor/apelante. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS Insurge-se o apelante contra a cobrança de juros capitalizados, sob o argumento que os mesmos são indevidos, pois não há disposição contratual expressa. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica firmada através de Recurso Especial submetido ao rito de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/73), bem como entendimento sumulado acerca do tema, pacificando o entendimento no sentido de ser possível a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual apenas para os contratos firmados a partir de 31/03/2000 e desde que expressamente pactuada, pois respaldados no artigo 5º da MP 2170-36 (reedição das MPs 1.782, 1.907, 1.963, 2.087) e no artigo 4º da MP 2.172-32. Senão vejamos. Capitalização de juros em periodicidade inferior à anual foi tratada nos temas 246 e 247 do Superior Tribunal de Justiça, cujo Recurso Especial nº 973.827/RS de relatoria do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, decorreu com a seguinte ementa: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012) Dos referidos temas 246 e 247 originou-se a Súmula 541 do STJ: ¿Súmula 541/STJ - "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada¿ Analisando o contrato de fls. 43/46 da ação cautelar incidental nº 0007700-65.2010.814.0006 (apenso) evidencia-se que lá estão expressamente previstas as taxas de juros mensal (2,66%) e anual (37,03%) - fls. 43, vislumbrando-se que a segunda é superior ao duodécuplo da primeira, o que permite a prevalência da taxa efetiva anual contratada, que nada mais é que a capitalização da taxa mensal. Extrai-se da Jurisprudência consolidada do STJ que a simples previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para que a capitalização esteja expressamente pactuada. Em outras palavras, basta que o contrato preveja que a taxa de juros anual seja superior a 12 vezes a taxa mensal para que o contratante possa deduzir que os juros são capitalizados, bastando explicitar com clareza as taxas de juros cobradas. Destarte, considerando que o contrato é posterior a 31/03/2000, bem como havendo pactuação explícita da capitalização mensal de juros, nenhuma razão há para o seu afastamento, consoante entendimento consolidado daquela Corte de Justiça. DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM CONTRATOS DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO PARA FINANCIAMENTO DE VEÍCULO A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido de que não incide a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) quanto à taxa de juros remuneratórios nas operações realizadas com as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, orientação cristalizada pela Súmula 596, do STF. Súmula 596: As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que o fato de a taxa de juros ultrapassar 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, que somente vai se caracterizar se a taxa pactuada ou aplicada no contrato ultrapassar sobremaneira a taxa média cobrada pelas instituições financeiras em operações da espécie. Tal orientação se encontra na leitura combinada das súmulas nº 296 e 382 do STJ, in verbis: Súmula 296: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. Súmula 382: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. Neste contexto, a jurisprudência consolidada do STJ através do julgamento do REsp 1061530/RS submetido à sistemática de recursos repetitivos do art. 473-C do CPC/73, dispôs o seguinte: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (...). Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...). I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009) A revisão de cláusulas contratuais somente é possível, como se vê, nos casos de evidente abusividade da taxa de juros, portanto, deve restar provado que a taxa cobrada pela instituição financeira encontra-se demasiadamente acima daquela praticada pelo mercado financeiro, conforme divulgado pelo Banco Central. No caso concreto, conforme documentos de fls. 43/45, o contrato firmado em 12 de fevereiro de 2009, prevê taxas de juros ao ano prefixadas em 37,03% a.a., portanto, superior à taxa média de mercado apurada para o mesmo período pelo BACEN, no patamar de 31,75% a.a. Por essa razão, neste aspecto, existe abusividade nas taxas de juros remuneratórios cobrados pela instituição financeira, pois está acima da média consolidada pelo Banco Central, motivo pelo qual deve os juros serem limitados ao valor do mercado central. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA A comissão de permanência prevista contratualmente pode ser cobrada quando caracterizada a mora do devedor, nos termos do paradigma que consolida a posição do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.058.114-RS, com a seguinte ementa: DIREITO COMERCIAL E BANCÁRIO. CONTRATOS BANCÁRIOS SUJEITOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALIDADE DA CLÁUSULA. VERBAS INTEGRANTES. DECOTE DOS EXCESSOS. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO CIVIL ALEMÃO. ARTIGO 170 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. 1. O princípio da boa-fé objetiva se aplica a todos os partícipes da relação obrigacional, inclusive daquela originada de relação de consumo. No que diz respeito ao devedor, a expectativa é a de que cumpra, no vencimento, a sua prestação. 2. Nos contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, é válida a cláusula que institui comissão de permanência para viger após o vencimento da dívida. 3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC. 4. Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos arts. 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no art. 170 do Código Civil brasileiro. 5. A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. Do teor do Recurso Especial supra transcrito, depreende-se que é cabível a cobrança de comissão de permanência desde que cumpridos os seguintes requisitos: 1) esteja contratualmente prevista a sua incidência, 2) não ultrapasse a soma dos juros remuneratórios contratados para o período da normalidade com os juros moratórios de 12% ao ano e multa contratual não superior a 2% do valor da prestação. Pois bem. No caso concreto, consoante a leitura do contrato trazido aos autos, percebo que existe a previsão de cobrança de comissão de permanência, estando a mesma de acordo com os requisitos mencionados. Por fim, verificada a legalidade do pacto firmado, relativamente ao da comissão de permanência, não há dever de restituição desse valor. DA MORA O Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento, através do julgamento do REsp 1061530/RS submetido à sistemática de recursos repetitivos do art. 473-C do CPC/73, que a mora contratual deve ser afastada quando ficar constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...) ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. (...)STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO) Deste modo, existindo encargos a seres revisados, no caso, taxa de juros ao ano prefixadas em 37,03% a.a., que é superior à taxa média de mercado apurada para o mesmo período pelo BACEN, no patamar de 31,75% a.a., imperioso o afastamento da mora, ante a constatação da exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual pelo réu/apelado. DANOS MORAIS O dano moral nada mais é do que a violação do direito à dignidade e foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem corolário do direito à dignidade, que a Constituição Federal inseriu, em seu artigo 5º, incisos V e X, plena reparação do dano moral. Portanto, não basta a ocorrência de qualquer contrariedade, desconforto, mágoa, irritação ou aborrecimento para a configuração do dano moral, o qual somente existirá caso seja efetivamente atingido o sentimento pessoal de dignidade comum. O importante, destarte, para configuração do dano moral não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter. A indevida inclusão do nome do autor nos cadastros de inadimplentes, por exemplo, poderia ensejar indenização, porém, isto não ocorreu na presente situação, portanto, absolutamente descabido, o pleito indenizatório pelo apelante. DA RESTITUIÇÃO É devida a restituição dos valores pagos indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito, sendo desnecessária a comprovação de erro, a teor do disposto no art. 885 do Código Civil. Entretanto, salienta-se que quando não houver nos autos provas que demonstrem a má-fé da instituição financeira, a repetição deve ser feita de forma simples e não em dobro. Precedentes (REsp 401.589/RJ, AgRg no Ag 570.214/MG e REsp 505.734/MA) (AgRg no REsp 733279/RS , rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 9/03/2006). Neste contexto, condeno a apelada a restituir dos valores pagos indevidamente pelo apelante, operada na forma simples, ante a falta de comprovação da má-fé da instituição financeira. DISPOSITIVO Ante o exposto, CONHEÇO do recurso do autor e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, apenas para: (i) Afastamento da mora (ii) Limitar os juros à taxa média do BACEN (ii) Determinar que o Apelado proceda a restituição na forma simples de valores indevidamente cobrados ao Apelante, com juros moratórios de 1% (um por cento) que são devido desde a citação, nos termos do art. 240 do Código de Processo Civil. Em razão da reforma ora efetivada, determino a redistribuição das custas processuais e dos honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação, sendo 75% ao encargo do Réu, e em 25% ao encargo do Autor, ficando suspensa a exigibilidade do autor em razão da Assistência Judiciária Gratuita deferida em primeiro grau. Belém, 16 de julho de 2018. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2018.02861069-91, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-07-19, Publicado em 2018-07-19)
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1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO ORIGEM: 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ANANINDEUA/ PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012685-53.2015.8.14.0000 APELANTE: WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO APELADO: BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 285-A, DO CPC/1973. AUSÊNCIA DO CONTRATO. INVIÁVEL O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SEM A ANÁLISE DO INSTRUMENTO CONTRATUAL. SENTENÇA anulada. possibilidade de julgamento coM base no arTigo 1013, § 3º, i DO NCPC. CONTRATO APRESENTADO PELA bv FINANCEIRA NA AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL APENSO AO PROCESSO PRINCIPAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA LIMITAR A TAXA DE JUROS DE ACORDO COM A MÉDIA DO BACEN, AFASTAMENTO DA MORA ANTE A EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE E RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO, em face da sentença prolatada pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Ananindeua - PA, nos autos da AÇÃO REVISIONAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE INDEBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL, que julgou totalmente improcedente o pedido e extinguiu o processo com base no artigo 285-A do CPC (fls. 31/35). Em suas razões (fls. 86/109), o apelante aduz a necessidade de reforma da sentença, ante a inconstitucionalidade do julgamento com base no artigo 285 A. Alega que pretende a revisão contratual tendo em vista a existência de encargos abusivos impostos pela instituição financeira. Insurge-se contra a cobrança de juros excessivos, bem como da capitalização, que entende ser uma prática vedada. Assevera a existência de abusividade na cobrança da comissão de permanência, por estar cumulada com correção monetária. Defende a necessidade de condenação da apela em dano moral Por fim, requer o conhecimento e provimento do presente recurso. O recurso foi recebido no duplo efeito (fls. 111). Em sede de contrarrazões (fls. 114/127) o apelado defende a legalidade da sentença prolatada com base no art. 285-A do CPC/73. No mérito, sustenta que os juros remuneratórios não apresentam qualquer abusividade, pois compatível com a taxa média do mercado. No tocante à capitalização dos juros, afirma que a mesma encontra previsão legal na medida provisória nº 1.963-17/2000, bem como autorização na jurisprudência pátria. Pugna pelo desprovimento do recurso de apelação. É o Relatório. DECIDO. Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação revisional ajuizada por WANDERSON BRITO DA CONCEIÇÃO em face de BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, com base no artigo 285-A do CPC/73. Com efeito, a sentença foi prolatada com fundamento no artigo 285-A do Código de Processo Civil de 1973, que tem a seguinte redação: ¿Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. ¿ O objetivo da norma acima transcrita é proporcionar maior celeridade processual, nos casos de demandas repetitivas, desde que implementados os requisitos elencados. Embora a jurisprudência venha se assentando no sentido de que a matéria em questão seja de direito, o que possibilitaria o julgamento nos moldes do referido dispositivo, verifica-se, no caso concreto, a impossibilidade de julgamento. Com efeito, a parte autora ajuizou a presente ação a fim de revisar os encargos alegadamente abusivos cobrados pela instituição financeira, ajuizando ação cautelar incidental para exibição da cópia do instrumento contratual pela instituição financeira. Nesse contexto, para o exame das alegadas abusividades contratuais, faz-se necessário a produção de prova documental mínima, oportunizando-se à instituição financeira a juntada do contrato objeto da lide, conforme postulado na exordial, o que não ocorreu no caso, pois o juiz de piso não analisou o contrato juntado na ação cautelar (apenso), não havendo elementos suficientes nos autos principal para o exame dos pedidos postos na inicial. Assim, a sentença de improcedência exarada sem a análise do contrato deve ser anulada, pois o juízo de origem não possui meios de verificar a alegada abusividade praticada pela instituição financeira, sem analisar as cláusulas contratuais. Deste modo, a lide não se mostrava passível de julgamento liminar de improcedência na forma do art. 285-A do CPC/73. A propósito: ¿APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA PROLATADA NA FORMA DO ART. 285-A DO CPC. A ausência do contrato cujas cláusulas pretende a parte autora revisar, inviabiliza o julgamento antecipado com base no art. 285-A do CPC, impondo-se a desconstituição da sentença. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA DE OFÍCIO. APELAÇÃO PREJUDICADA¿ (Apelação Cível nº 70065948259, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Júnior, julgado em 26/08/2015). ¿APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DE ACORDO COM O ART. 285-A DO CPC. Imprescindibilidade de produção probatória, mediante a juntada dos contratos objetos da revisão, para análise das cláusulas contratuais, diante das ilegalidades arguidas na inicial. Desconstituição da sentença. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, "EX OFFICIO". APELO PREJUDICADO.¿ (Apelação Cível Nº 70054804786, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 26/06/2013). No mesmo sentido, proferi decisão em casos análogos ao aqui discutido : SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: 10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ANANINDEUA/ PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2014.3.030900-0 APELANTE: AERCIO LIMA RABELO APELADO: BV FINANCEIRA S/A - CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO RELATORA: DESA. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 285-A, DO CPC. AUSÊNCIA DO CONTRATO. I - No caso concreto, resta inviável o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 285-A, do CPC. A decisão foi proferida sem a juntada dos dados específicos do contrato cuja revisão é postulada, impossibilitando a análise de eventuais ilegalidades. II - A Sentença de improcedência proferida com fulcro no art. 285-A do CPC deve estar em consonância com a jurisprudência do Tribunal local e dos Tribunais Superiores. III - Desconstituição da sentença que se impõe. IV - RECURSO PROVIDO. (2015.03225330-63, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-09-11, Publicado em 2015-09-11) Por outro lado, verifico que foi juntada na ação cautelar incidental nº 0007700-65.2010.8.14.0006 (apenso) o contrato de financiamento do veículo pelo banco apelado (fls. 43/46), o que possibilita o julgamento por esse juízo ad quem. Assim, havendo condições do julgamento da lide, com base no artigo 1.013, § 3º, I do NCPC (teoria da causa madura), é de se julgar a causa, sem determinar o retorno dos autos à instância de origem para nova sentença. Dito isto, passo a analisar as teses levantadas pelo autor/apelante. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS Insurge-se o apelante contra a cobrança de juros capitalizados, sob o argumento que os mesmos são indevidos, pois não há disposição contratual expressa. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica firmada através de Recurso Especial submetido ao rito de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/73), bem como entendimento sumulado acerca do tema, pacificando o entendimento no sentido de ser possível a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual apenas para os contratos firmados a partir de 31/03/2000 e desde que expressamente pactuada, pois respaldados no artigo 5º da MP 2170-36 (reedição das MPs 1.782, 1.907, 1.963, 2.087) e no artigo 4º da MP 2.172-32. Senão vejamos. Capitalização de juros em periodicidade inferior à anual foi tratada nos temas 246 e 247 do Superior Tribunal de Justiça, cujo Recurso Especial nº 973.827/RS de relatoria do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, decorreu com a seguinte CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (REsp 973.827/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012) Dos referidos temas 246 e 247 originou-se a Súmula 541 do STJ: ¿Súmula 541/STJ - "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada¿ Analisando o contrato de fls. 43/46 da ação cautelar incidental nº 0007700-65.2010.814.0006 (apenso) evidencia-se que lá estão expressamente previstas as taxas de juros mensal (2,66%) e anual (37,03%) - fls. 43, vislumbrando-se que a segunda é superior ao duodécuplo da primeira, o que permite a prevalência da taxa efetiva anual contratada, que nada mais é que a capitalização da taxa mensal. Extrai-se da Jurisprudência consolidada do STJ que a simples previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para que a capitalização esteja expressamente pactuada. Em outras palavras, basta que o contrato preveja que a taxa de juros anual seja superior a 12 vezes a taxa mensal para que o contratante possa deduzir que os juros são capitalizados, bastando explicitar com clareza as taxas de juros cobradas. Destarte, considerando que o contrato é posterior a 31/03/2000, bem como havendo pactuação explícita da capitalização mensal de juros, nenhuma razão há para o seu afastamento, consoante entendimento consolidado daquela Corte de Justiça. DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM CONTRATOS DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO PARA FINANCIAMENTO DE VEÍCULO A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido de que não incide a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) quanto à taxa de juros remuneratórios nas operações realizadas com as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, orientação cristalizada pela Súmula 596, do STF. Súmula 596: As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que o fato de a taxa de juros ultrapassar 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, que somente vai se caracterizar se a taxa pactuada ou aplicada no contrato ultrapassar sobremaneira a taxa média cobrada pelas instituições financeiras em operações da espécie. Tal orientação se encontra na leitura combinada das súmulas nº 296 e 382 do STJ, in verbis: Súmula 296: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. Súmula 382: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. Neste contexto, a jurisprudência consolidada do STJ através do julgamento do REsp 1061530/RS submetido à sistemática de recursos repetitivos do art. 473-C do CPC/73, dispôs o seguinte: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. (...). Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...). I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009) A revisão de cláusulas contratuais somente é possível, como se vê, nos casos de evidente abusividade da taxa de juros, portanto, deve restar provado que a taxa cobrada pela instituição financeira encontra-se demasiadamente acima daquela praticada pelo mercado financeiro, conforme divulgado pelo Banco Central. No caso concreto, conforme documentos de fls. 43/45, o contrato firmado em 12 de fevereiro de 2009, prevê taxas de juros ao ano prefixadas em 37,03% a.a., portanto, superior à taxa média de mercado apurada para o mesmo período pelo BACEN, no patamar de 31,75% a.a. Por essa razão, neste aspecto, existe abusividade nas taxas de juros remuneratórios cobrados pela instituição financeira, pois está acima da média consolidada pelo Banco Central, motivo pelo qual deve os juros serem limitados ao valor do mercado central. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA A comissão de permanência prevista contratualmente pode ser cobrada quando caracterizada a mora do devedor, nos termos do paradigma que consolida a posição do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.058.114-RS, com a seguinte DIREITO COMERCIAL E BANCÁRIO. CONTRATOS BANCÁRIOS SUJEITOS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. VALIDADE DA CLÁUSULA. VERBAS INTEGRANTES. DECOTE DOS EXCESSOS. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO CIVIL ALEMÃO. ARTIGO 170 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. 1. O princípio da boa-fé objetiva se aplica a todos os partícipes da relação obrigacional, inclusive daquela originada de relação de consumo. No que diz respeito ao devedor, a expectativa é a de que cumpra, no vencimento, a sua prestação. 2. Nos contratos bancários sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, é válida a cláusula que institui comissão de permanência para viger após o vencimento da dívida. 3. A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC. 4. Constatada abusividade dos encargos pactuados na cláusula de comissão de permanência, deverá o juiz decotá-los, preservando, tanto quanto possível, a vontade das partes manifestada na celebração do contrato, em homenagem ao princípio da conservação dos negócios jurídicos consagrado nos arts. 139 e 140 do Código Civil alemão e reproduzido no art. 170 do Código Civil brasileiro. 5. A decretação de nulidade de cláusula contratual é medida excepcional, somente adotada se impossível o seu aproveitamento. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. Do teor do Recurso Especial supra transcrito, depreende-se que é cabível a cobrança de comissão de permanência desde que cumpridos os seguintes requisitos: 1) esteja contratualmente prevista a sua incidência, 2) não ultrapasse a soma dos juros remuneratórios contratados para o período da normalidade com os juros moratórios de 12% ao ano e multa contratual não superior a 2% do valor da prestação. Pois bem. No caso concreto, consoante a leitura do contrato trazido aos autos, percebo que existe a previsão de cobrança de comissão de permanência, estando a mesma de acordo com os requisitos mencionados. Por fim, verificada a legalidade do pacto firmado, relativamente ao da comissão de permanência, não há dever de restituição desse valor. DA MORA O Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento, através do julgamento do REsp 1061530/RS submetido à sistemática de recursos repetitivos do art. 473-C do CPC/73, que a mora contratual deve ser afastada quando ficar constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...) ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. (...)STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO) Deste modo, existindo encargos a seres revisados, no caso, taxa de juros ao ano prefixadas em 37,03% a.a., que é superior à taxa média de mercado apurada para o mesmo período pelo BACEN, no patamar de 31,75% a.a., imperioso o afastamento da mora, ante a constatação da exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual pelo réu/apelado. DANOS MORAIS O dano moral nada mais é do que a violação do direito à dignidade e foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem corolário do direito à dignidade, que a Constituição Federal inseriu, em seu artigo 5º, incisos V e X, plena reparação do dano moral. Portanto, não basta a ocorrência de qualquer contrariedade, desconforto, mágoa, irritação ou aborrecimento para a configuração do dano moral, o qual somente existirá caso seja efetivamente atingido o sentimento pessoal de dignidade comum. O importante, destarte, para configuração do dano moral não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter. A indevida inclusão do nome do autor nos cadastros de inadimplentes, por exemplo, poderia ensejar indenização, porém, isto não ocorreu na presente situação, portanto, absolutamente descabido, o pleito indenizatório pelo apelante. DA RESTITUIÇÃO É devida a restituição dos valores pagos indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito, sendo desnecessária a comprovação de erro, a teor do disposto no art. 885 do Código Civil. Entretanto, salienta-se que quando não houver nos autos provas que demonstrem a má-fé da instituição financeira, a repetição deve ser feita de forma simples e não em dobro. Precedentes (REsp 401.589/RJ, AgRg no Ag 570.214/MG e REsp 505.734/MA) (AgRg no REsp 733279/RS , rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 9/03/2006). Neste contexto, condeno a apelada a restituir dos valores pagos indevidamente pelo apelante, operada na forma simples, ante a falta de comprovação da má-fé da instituição financeira. DISPOSITIVO Ante o exposto, CONHEÇO do recurso do autor e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, apenas para: (i) Afastamento da mora (ii) Limitar os juros à taxa média do BACEN (ii) Determinar que o Apelado proceda a restituição na forma simples de valores indevidamente cobrados ao Apelante, com juros moratórios de 1% (um por cento) que são devido desde a citação, nos termos do art. 240 do Código de Processo Civil. Em razão da reforma ora efetivada, determino a redistribuição das custas processuais e dos honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação, sendo 75% ao encargo do Réu, e em 25% ao encargo do Autor, ficando suspensa a exigibilidade do autor em razão da Assistência Judiciária Gratuita deferida em primeiro grau. Belém, 16 de julho de 2018. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora
(2018.02861069-91, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-07-19, Publicado em 2018-07-19)
Data do Julgamento
:
19/07/2018
Data da Publicação
:
19/07/2018
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a)
:
MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
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