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Jurisprudência


TJPA 0012806-93.2013.8.14.0051

Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA             Trata-se de recurso de Apelação Cível movida por SEGURADORA LIDER DOS CONSORCIOS DO SEGURO DPVAT S.A., que ataca sentença proferida nos autos de Ação de Cobrança de DPVAT nº 0012806-93.2013.814.0051, proposto em face de RAIMUNDA SERRA CARDOSO, que tramitou pela 3ª Vara Cível de Santarém.             Na petição inicial a Autora relata que sua filha Joyce Serra Cardoso sofreu um acidente de transito enquanto estava esperando o ônibus no acostamento, vindo a ocasionar seu falecimento e consequentemente do feto, que carregava em seu ventre. Relata que recebeu apenas indenização pela morte de sua filha, e que a seguradora afirmou não possuir direito a indenização pelo neto esperado.             As fls. 67 o Juiz de primeiro grau julgou procedente a ação determinando o pagamento da indenização à Autora pelo falecimento do feto.             Irresignada com a decisão de primeiro grau, a Seguradora interpôs recurso de apelação alegando, em preliminares: 1) A ilegitimidade ativa da avó pois natimorto não possui personalidade jurídica que autorize a avó reclamar indenização; 2) ausência de companheiro ou cônjuge no polo ativo da ação; 3) quitação do valor do seguro em esfera administrativa. No mérito, alega que o direito civil brasileiro adota a teoria natalista, e que não há direito a percepção de indenização pela morte de um feto, mas tão somente se já houvesse nascido com vida. Requer a reforma da sentença.             A autora apresentou contrarrazões a apelação pleiteando pela manutenção da sentença de primeiro grau.             É o relatório. Decido.             Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a apreciá-lo, nos termos do art. 557 do CPC 1973, eis que a decisão atacada foi proferida em 23.02.2015. 1.     PRELIMINARES             O presente caso cinge-se acerca da possibilidade de indenizar a morte do feto - que estava com 35 semanas- decorrente de acidente de transito, pelo seguro DPVAT.             A primeira preliminar de ¿ilegitimidade ativa da avó pois natimorto não possui personalidade jurídica que autorize a avó reclamar indenização¿ se confunde com o mérito da causa, portanto deixo de analisa-la neste momento.             A segunda preliminar alega que a avó é parte ilegítima para requerer o seguro, o qual deveria ser requerido pelo companheiro ou marido da vítima do acidente.             Verifico que esta preliminar parcialmente se confunde com a anterior e com o próprio mérito, no entanto entendo pertinente tecer comentários breves para o enfrentamento da questão.             Em análise aos documentos carreados, observo que a apelante não comprovou a existência de outros herdeiros para integrarem o polo ativo, e, na certidão de óbito consta apenas o nome de sua mãe, que é a autora da presente ação, e a provável única herdeira. Ademais, observo ainda que na audiência de fls. 36, consta que a apelante não requereu nenhuma produção de provas, bem como nada juntou para a comprovação de suas alegações, conforme pode-se ler: ¿... instado a se manifestar sobre interesse em produção de provas, as partes nada requereram.¿             De qualquer sorte, ainda que existisse um companheiro/marido comprovado nos autos, por não haver descendentes vivos da vítima, sua genitora seria ainda assim sua herdeira necessária, sendo pertinente sua participação no polo ativo da ação. Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.             Dessa forma, coaduno integralmente com o entendimento do juiz de primeiro grau, rejeitando a presente preliminar.             A terceira preliminar refere-se a quitação do seguro em esfera administrativa, e o pedido em análise, é totalmente dissociado da decisão pois não ocorreu o que discorre a parte em seu recurso, portanto, não havendo qualquer razão para o pedido de reforma. 2. MÉRITO             Inicialmente é importante esclarecer que a legislação brasileira protege a vida, sendo, obviamente, este o direito fundamental mais importante de todos. Pois, se constitui em um pré requisito para a existência dos demais direitos, conforme podemos observar no dispositivo constitucional e no Código Civil: ¿Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... ¿(CF,88). ¿Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro¿. (CC, 2002).             Pela leitura desses dispositivos gerais já estaria perfeitamente configurado o direito a indenização pela perda de uma vida, que no caso em análise ainda se tratava de uma vida intrauterina, que também deve ser respeitada e protegida pelo direito.             No entanto, em estudo a lei específica do seguro DPVAT, verifico que o legislador ordinário não exclui a proteção desta vida, ao contrário, determinou especificamente a indenização em casos de ¿morte¿, e não há como prestar uma interpretação restritiva aos apontamentos legais, negando direitos constitucionalmente protegidos, conforme observamos: ¿Art. 3o . Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada:         I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte;¿ (Lei nº 6194/74)¿.             Este também é o entendimento jurisprudencial do STJ e demais Tribunais brasileiros: APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. SEGURO DPVAT. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO GESTANTE. MORTE DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL/2002. PERSONALIDADE JURÍDICA QUE NASCE COM A CONCEPÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA EM RAZÃO DO ÓBITO DO FETO. ART. 3º DA LEI 6.194/74. PRECEDENTES. DECISUM REFORMADO. RECURSO PROVIDO. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil- que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. 3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. [...] (Resp. 1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014). AC 20140324666 SC 2014.032466-6. DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO DE VIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA. 1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. 2. Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro - embora não nascida - é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" - tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658). 3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. 5. Portanto, é procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974.Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. 6. Recurso especial provido. (REsp 1415727/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 29/09/2014)                        Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO DE APELAÇÃO e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter a sentença de primeiro grau em sua totalidade, nos termos desta decisão.  Servirá a presente decisão como mandado/oficio nos termos da Portaria 3731/2015 - GP.    Belém, 18 de maio de 2016.     Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora (2016.01998446-98, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-06-01, Publicado em 2016-06-01)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 01/06/2016
Data da Publicação : 01/06/2016
Órgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : EZILDA PASTANA MUTRAN
Número do documento : 2016.01998446-98
Tipo de processo : Apelação
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