TJPA 0012924-47.2006.8.14.0301
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE BELÉM/PA. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL Nº. 2013.3.013387-2 SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DE FAZENDA DA CAPITAL SENTENCIADO/APELANTE: INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ - IGEPREV SENTENCIADO/APELADO: MARIA LÚCIA PEREIRA RICARDO RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA - CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DO PECÚLIO - PRELIMINAR DO IGEPREV DE ILEGITMIDADE - ACOLHIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. EM REEXAME NECESSÁRIO SENTENÇA REFORMADA. PRECEDENTES DO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA. I - Acolhimento da preliminar de ilegitimidade do IGEPREV. II - Decisão monocrática dando provimento ao recurso de apelação interposto pelo IGEPREV, acatando a preliminar de ilegitimidade arguida. E, em reexame necessário, sentença reformada. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de Reexame de Sentença e de Recurso de Apelação interposto pelo INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação Ordinária, ajuizada por MARIA LÚCIA PEREIRA RICARDO, com o intuito de obter a devolução dos valores pagos a título de pecúlio, em desfavor do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará. Na origem, informou a requerente que a Lei Estadual nº 4.721/1977 estabeleceu benefícios, dentre eles o pecúlio, cuja contribuição era utilizada para formação de fundo de poupança, sendo descontado 1% (um por cento) do salário base dos servidores públicos civis e militares. Ademais, que a Lei Estadual nº 5.011/1981, ao instituir o novo Regime de Previdência do Estado, excluiu o pecúlio do elenco de benefícios, de modo que as contribuições deixaram de ser revertidas, tão logo determinada a sua extinção. Alegou que não recebeu, a título de indenização compensatória, o saldo das contribuições realizadas, afirmando ser flagrante enriquecimento ilícito por parte do Estado, instituidor do aludido benefício. Argumentou que deveria ser feita a devolução corrigida monetariamente e acrescida de juros de poupança, por ser um direito, ainda que administrativamente o Instituto tenha se pronunciado que não teria nenhuma obrigação em ressarcir os valores pagos ao longo dos anos. O Estado do Pará e o IGEPREV apresentaram contestação às fls. 18/40 e às fls. 67/84, respectivamente. Impugnação à contestação, às fls. 44/46. Sobreveio sentença, às fls. 112/117, que em julgamento antecipado da lide, excluiu o Estado do Pará da lide, por entender que não havia previsão legal de litisconsórcio passivo obrigatório nas ações em que seja parte autarquia estadual, mantendo apenas o réu IGEPREV no polo passivo da demanda. Rejeitou a preliminar arguida pelo Estado de que o pedido seria juridicamente impossível, bem como afastou a prescrição trienal invocada pelo IGEPREV, com base no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. Ao final, extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação ao Estado do Pará; e julgou procedente o pedido da inicial, condenando o réu IGEPREV a devolver à autoras os valores pagos a título de pecúlio com os acréscimos legais e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. Irresignado, o IGEPREV interpôs recurso de apelação, às fls. 142/192, pleiteando o recebimento do recurso no seu duplo efeito, haja vista a evidência do fumus boni iuri, diante da possível ofensa ao art. 100, § 1º, da CF/88 e do periculum in mora, considerando que caso o precatório/RPV seja expedido e pago, dificilmente a Fazenda Pública irá reaver tais valores. Pontuou a falta de atribuição legalmente prevista ao IGEPREV para a gestão do pecúlio, cabendo ao Estado do Pará tal responsabilidade, com base na Resolução do Colegiado de Gestão Estratégica º 002/2005. Sustentou que não pode ser responsabilizado pela restituição de valores cujos descontos não procedeu, nem teve acesso às contribuições, sob pena de se desvirtuar toda a Teoria da Responsabilidade Civil, sendo a responsabilidade exclusiva do Estado do Pará. Demonstrou que o pecúlio não tem natureza previdenciária, mas assistencial. Alegou a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não se implementou nenhuma das hipóteses de incidência ou fatos geradores para a concessão de instituto que aqui se litiga. Argumentou contra a condenação de honorários advocatícios de 10%, à medida que esta condenação é desproporcional e incompatível com os termos do art. 20, § 4º, do CPC, devendo ser estabelecida sobre o valor da causa. No caso de manutenção da condenação para pagamento de valores retroativos, pleiteiam a aplicação dos juros de mora de 0,5% ao mês, de acordo com o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Ao final, requereu o provimento do recurso, com a reforma da sentença. Sem contrarrazões, apesar de regularmente intimada a apelada, conforme certidão à fl. 196. Subiram os autos a esta Egrégia Corte. Após regular distribuição, coube-me a relatoria (fl. 197). É o relatório. DECIDO. Ab initio, vislumbro a ilegitimidade do IGEPREV, tendo em vista que o citado Instituto foi criado muito após a extinção do Pecúlio, motivo pelo qual o Estado do Pará responde por todas as demandas que se referem ao benefício. Assim, acato a preliminar de ilegitimidade do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará, restando prejudicadas as demais alegações. Nesse sentido, colaciono jurisprudência desta Corte de Justiça, senão vejamos: ¿APELAÇÂO/REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DOS AUTORES, CONDENANDO O ESTADO DO PARÁ A DEVOLVER AOS AUTORES OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE PECÚLIO COM OS ACRÉSCIMOS LEGAIS, A SEREM APURADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PRELIMINAR DE REINCLUSÂO NA LIDE DO ESTADO DO PARÁ E A EXCLUSÃO DO IGEPREV ACATADA. (...).¿ (TJPA. Apelação/Reexame Necessário nº 20133009150-9. Relatora Desa. GLEIDE PEREIRA DE MOURA. Acórdão nº 124050, Publicado no DJe 09/09/2013). Todavia, ainda que acatada a preliminar de ilegitimidade passiva do IGEPREV, anoto que a matéria não comporta maiores discussões. Para melhor dirimir a questão, importa mencionar que a lide manteve-se em torno do direito da apelada, em reaver as contribuições vertidas ao pecúlio compulsório junto ao apelante, por força da Lei nº. 5011/81, porquanto não foi previsto na Lei Complementar Estadual nº. 039/2002, sendo extinto do rol dos benefícios previdenciários, sem que tenha ocorrido o ressarcimento do mesmo. Na hipótese, vale lembrar que, em se tratando de benefícios previdenciários, a lei a ser observada é a vigente ao tempo que determinou a incidência do fato gerador, tendo em vista o princípio tempus regit actum. Daí entender, permissa maxima venia, que o pedido de restituição do pecúlio previdenciário não encontra amparo legal. O pecúlio em comento foi instituído compulsoriamente no âmbito estadual desde a edição da Lei n.º 755, de 31/12/1953, sendo continuamente previsto nas legislações precedentes, a saber: Decreto-Lei Estadual 13/1969; Decreto-Lei Estadual 183/1970; Lei 4.721/1977; permanecendo até a vigência da Lei Estadual 5.011/1981 (art. 24, II, b), que previa o pagamento do benefício somente nos casos de morte ou invalidez do segurado, parcial ou total, consoante redação do artigo 37, caput e parágrafos, deste diploma legal. No entanto, com o advento da Lei Complementar n.º 039/2002, não houve a previsão do pecúlio previdenciário, nem determinação de restituição de valores pagos a título desse benefício, inexistindo direito adquirido da segurada em menção, considerando que tinham apenas mera expectativa de direito, pois se trata de contrato público aleatório cuja prestação é incerta e dependente de evento futuro. Assim sendo, frisa-se: não é da natureza jurídica do pecúlio a restituição dos valores referentes às contribuições pagas ao plano, quando em razão do seu cancelamento e/ou exclusão, sem que tenha ocorrido a condição para a obtenção do benefício (morte ou invalidez) durante a vigência do benefício. Conforme citado linhas acima, outro não é o entendimento pacificado neste Tribunal: Vejamos: Em julgamento realizado em 25 de abril de 2012, acordaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes do Conselho da Magistratura, por maioria de votos, em Negar Provimento ao Recurso Administrativo, Processo Nº 2011.3.021817-1, voto condutor do Excelentíssimo Senhor Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, que de maneira clara e precisa compôs com acerto a questão trazida ao crivo judicial: Acórdão nº. 197938. ¿RECURSO ADMINISTRATIVO. RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS MENSALMENTE A TÍTULO DE PECÚLIO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA AO FUNDO. INOCORRÊNCIA. ADESÃO TÁCITA A CONTRATO DE DIREITO PRIVADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROVIMENTO. 1. A presente irresignação não pode prosperar, vez que contraria a ratio essendi do Pecúlio Judiciário, bem como os princípios da legalidade e da boa-fé objetiva, os quais devem permear a relação mantida entre a Administração Pública e seus servidores. 2. Não tem razão o recorrente ao afirmar que não aderiu ao Pecúlio Judiciário, vez que, durante muitos anos, contribuiu mensalmente àquele Fundo, sendo os descontos informados tanto nos contracheques, quanto em seu extrato financeiro anual, corporificando-se verdadeira adesão tácita a um contrato privado da Administração, sob a égide do Direito Civil. 3. Quando o Estado firma contratos regulados pelo direito privado, situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do direito contratual comum, agindo no exercício de seu jus gestionis. 4. O princípio da boa-fé impõe o dever de fidelidade à palavra dada, expressa ou tacitamente, não se podendo admitir a frustração ou o abuso de confiança, muito menos a utilização da própria torpeza para a obtenção de benefícios. 5. A boa-fé integra todos os tipos de contratos, inclusive os não escritos ou verbais, sendo que nestes a confiança e a lealdade encontram-se potencializadas vez que a inexistência de pactuação escrita denota a habitualidade do comportamento e a confiança das partes envolvidas , devendo o negócio jurídico ser interpretado de acordo com a praxe administrativa referente à adesão ao Pecúlio Judiciário, conforme permitido pelo art. 113, do CC. 6. Como instituto relacionado à boa-fé objetiva tem-se a proibição ao "venire contra factum proprium, traduzindo esta locução o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. 7. O Pecúlio Judiciário amolda-se aos contornos do art. 757 do Código Civil, o qual dispõe sobre o contrato de seguro. Desfeita a avença, os valores pagos não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco próprio da aleatoriedade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 8. No Pecúlio Judiciário há a socialização do risco, não havendo previsão de restituição em nenhuma das Resoluções que o regem, desde 1970. 9. Por maioria, recurso improvido¿ No mesmo sentido, decidiu a 5ª Câmara Cível Isolada, sob a relatoria do Des. Constantino Augustos Guerreiro, cujo Acórdão n.º 86.687 transcrevo: ¿EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. MÉRITO. O PECÚLIO FOI CONTEMPLADO COMO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPULSÓRIO ATÉ A VIGÊNCIA LEI ESTADUAL 5.011, DE 16/11/81, NÃO SENDO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 039, DE 11/01/2002. PORTANTO, EM FACE DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM, NÃO CABE A RESTITUIÇÃO PLEITEADA. ADEMAIS, ENTENDER DE FORMA DIVERSA IMPLICARIA QUEBRA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL, PORQUANTO NA VIGÊNCIA DO PECÚLIO OS SEGURADOS E/OU SEUS BENEFICIÁRIOS ESTAVAM ACOBERTADOS PELO SEGURO EM CASO DE OCORRÊNCIA DO SINISTRO (MORTE OU INVALIDEZ). ASSIM, EMBORA NÃO TENHA OCORRIDO O FATO GERADOR, NEM POR ISSO DEIXARAM OS RECORRIDOS DE USUFRUIR DA CONTRAPRESTAÇÃO DO SERVIÇO DURANTE TODA A VIGÊNCIA DA LEI ESTADUAL 5.011/81. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.¿. (TJ-PA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.3.017094-5 Rel. Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Acórdão n.º 86687, DJ-E 16/04/2010). Colaciono ainda desta Egrégia Corte os julgados: Acórdão n. 73143 - Rela. Desa. Célia Regina de Lima Pinheiro - 2.ª Câmara Cível Isolada, Publ.: 27/08/2009). Acordão n. 90637 - Rel. Des. Ricardo Ferreira Nunes - 4ª Câm. Cível Isolada - - Nº DO PROCESSO: 200930060287 - Jul.: 16/08/2010. Acórdão n. 107047 - Rel. Desa. Gleide Pereira De Moura- 1ª Câmara Cível Isolada - Processo Nº 20113016997-8, Julg.:. 23/04/2012. Sobre a questão, a Corte Superior, STJ já se pronunciou. Vejamos os julgados: ¿CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. DESFILIAÇÃO. A desfiliação do associado não implica a devolução dos valores por ele pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte tudo porque, enquanto subsistiu a relação, a instituição previdenciária correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. Agravo regimental não provido. (AgRg no Recurso Especial n.º 617.152, 3.ª T., Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 19/09/2005) ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco. E, embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço na vigência do contrato, que é, por natureza.¿. (Embargos de Divergência no REsp. n.º 327.419/DF, 2.ª Seção, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ de 01/07/2004) ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte (Capec) não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. (REsp. n.º 438.735/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 02/12/2002). Do mesmo modo, entendo que não teria como persistir o pleito da apelada em reaver a importância revestida para a formação do pecúlio, pois, neste período, estavam abrangidos pela lei em comento e somente não houve ocorrência do fato gerador do benefício, ou seja, morte ou invalidez. Impende destacar, ainda, que não há previsão legal que imponha a Administração Pública a restituir a importância recolhida a esse título. É sabido que o ente estatal deve obedecer ao princípio da legalidade e, como o próprio nome sugere, esse princípio diz respeito à obediência à lei, não podendo fazer nada que não esteja nela determinado ou delimitado. Por essas razões, reconheço a ilegitimidade do IGEPREV, conhecendo, assim, do seu Recurso de Apelação e dando-lhe provimento monocrático diante do acatamento da preliminar arguida; condenando, ainda, a parte vencida em custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, que deverão ser revertidos a favor da Administração Pública, a teor da Lei n. 9.527/94. Quanto ao Reexame Necessário, reformo nos termos citados acima. Belém, de janeiro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.00043552-63, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-21, Publicado em 2016-01-21)
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SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE BELÉM/PA. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL Nº. 2013.3.013387-2 SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DE FAZENDA DA CAPITAL SENTENCIADO/APELANTE: INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ - IGEPREV SENTENCIADO/APELADO: MARIA LÚCIA PEREIRA RICARDO RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA - CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DO PECÚLIO - PRELIMINAR DO IGEPREV DE ILEGITMIDADE - ACOLHIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. EM REEXAME NECESSÁRIO SENTENÇA REFORMADA. PRECEDENTES DO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA. I - Acolhimento da preliminar de ilegitimidade do IGEPREV. II - Decisão monocrática dando provimento ao recurso de apelação interposto pelo IGEPREV, acatando a preliminar de ilegitimidade arguida. E, em reexame necessário, sentença reformada. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de Reexame de Sentença e de Recurso de Apelação interposto pelo INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação Ordinária, ajuizada por MARIA LÚCIA PEREIRA RICARDO, com o intuito de obter a devolução dos valores pagos a título de pecúlio, em desfavor do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará. Na origem, informou a requerente que a Lei Estadual nº 4.721/1977 estabeleceu benefícios, dentre eles o pecúlio, cuja contribuição era utilizada para formação de fundo de poupança, sendo descontado 1% (um por cento) do salário base dos servidores públicos civis e militares. Ademais, que a Lei Estadual nº 5.011/1981, ao instituir o novo Regime de Previdência do Estado, excluiu o pecúlio do elenco de benefícios, de modo que as contribuições deixaram de ser revertidas, tão logo determinada a sua extinção. Alegou que não recebeu, a título de indenização compensatória, o saldo das contribuições realizadas, afirmando ser flagrante enriquecimento ilícito por parte do Estado, instituidor do aludido benefício. Argumentou que deveria ser feita a devolução corrigida monetariamente e acrescida de juros de poupança, por ser um direito, ainda que administrativamente o Instituto tenha se pronunciado que não teria nenhuma obrigação em ressarcir os valores pagos ao longo dos anos. O Estado do Pará e o IGEPREV apresentaram contestação às fls. 18/40 e às fls. 67/84, respectivamente. Impugnação à contestação, às fls. 44/46. Sobreveio sentença, às fls. 112/117, que em julgamento antecipado da lide, excluiu o Estado do Pará da lide, por entender que não havia previsão legal de litisconsórcio passivo obrigatório nas ações em que seja parte autarquia estadual, mantendo apenas o réu IGEPREV no polo passivo da demanda. Rejeitou a preliminar arguida pelo Estado de que o pedido seria juridicamente impossível, bem como afastou a prescrição trienal invocada pelo IGEPREV, com base no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. Ao final, extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação ao Estado do Pará; e julgou procedente o pedido da inicial, condenando o réu IGEPREV a devolver à autoras os valores pagos a título de pecúlio com os acréscimos legais e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. Irresignado, o IGEPREV interpôs recurso de apelação, às fls. 142/192, pleiteando o recebimento do recurso no seu duplo efeito, haja vista a evidência do fumus boni iuri, diante da possível ofensa ao art. 100, § 1º, da CF/88 e do periculum in mora, considerando que caso o precatório/RPV seja expedido e pago, dificilmente a Fazenda Pública irá reaver tais valores. Pontuou a falta de atribuição legalmente prevista ao IGEPREV para a gestão do pecúlio, cabendo ao Estado do Pará tal responsabilidade, com base na Resolução do Colegiado de Gestão Estratégica º 002/2005. Sustentou que não pode ser responsabilizado pela restituição de valores cujos descontos não procedeu, nem teve acesso às contribuições, sob pena de se desvirtuar toda a Teoria da Responsabilidade Civil, sendo a responsabilidade exclusiva do Estado do Pará. Demonstrou que o pecúlio não tem natureza previdenciária, mas assistencial. Alegou a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não se implementou nenhuma das hipóteses de incidência ou fatos geradores para a concessão de instituto que aqui se litiga. Argumentou contra a condenação de honorários advocatícios de 10%, à medida que esta condenação é desproporcional e incompatível com os termos do art. 20, § 4º, do CPC, devendo ser estabelecida sobre o valor da causa. No caso de manutenção da condenação para pagamento de valores retroativos, pleiteiam a aplicação dos juros de mora de 0,5% ao mês, de acordo com o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Ao final, requereu o provimento do recurso, com a reforma da sentença. Sem contrarrazões, apesar de regularmente intimada a apelada, conforme certidão à fl. 196. Subiram os autos a esta Egrégia Corte. Após regular distribuição, coube-me a relatoria (fl. 197). É o relatório. DECIDO. Ab initio, vislumbro a ilegitimidade do IGEPREV, tendo em vista que o citado Instituto foi criado muito após a extinção do Pecúlio, motivo pelo qual o Estado do Pará responde por todas as demandas que se referem ao benefício. Assim, acato a preliminar de ilegitimidade do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará, restando prejudicadas as demais alegações. Nesse sentido, colaciono jurisprudência desta Corte de Justiça, senão vejamos: ¿APELAÇÂO/REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DOS AUTORES, CONDENANDO O ESTADO DO PARÁ A DEVOLVER AOS AUTORES OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE PECÚLIO COM OS ACRÉSCIMOS LEGAIS, A SEREM APURADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PRELIMINAR DE REINCLUSÂO NA LIDE DO ESTADO DO PARÁ E A EXCLUSÃO DO IGEPREV ACATADA. (...).¿ (TJPA. Apelação/Reexame Necessário nº 20133009150-9. Relatora Desa. GLEIDE PEREIRA DE MOURA. Acórdão nº 124050, Publicado no DJe 09/09/2013). Todavia, ainda que acatada a preliminar de ilegitimidade passiva do IGEPREV, anoto que a matéria não comporta maiores discussões. Para melhor dirimir a questão, importa mencionar que a lide manteve-se em torno do direito da apelada, em reaver as contribuições vertidas ao pecúlio compulsório junto ao apelante, por força da Lei nº. 5011/81, porquanto não foi previsto na Lei Complementar Estadual nº. 039/2002, sendo extinto do rol dos benefícios previdenciários, sem que tenha ocorrido o ressarcimento do mesmo. Na hipótese, vale lembrar que, em se tratando de benefícios previdenciários, a lei a ser observada é a vigente ao tempo que determinou a incidência do fato gerador, tendo em vista o princípio tempus regit actum. Daí entender, permissa maxima venia, que o pedido de restituição do pecúlio previdenciário não encontra amparo legal. O pecúlio em comento foi instituído compulsoriamente no âmbito estadual desde a edição da Lei n.º 755, de 31/12/1953, sendo continuamente previsto nas legislações precedentes, a saber: Decreto-Lei Estadual 13/1969; Decreto-Lei Estadual 183/1970; Lei 4.721/1977; permanecendo até a vigência da Lei Estadual 5.011/1981 (art. 24, II, b), que previa o pagamento do benefício somente nos casos de morte ou invalidez do segurado, parcial ou total, consoante redação do artigo 37, caput e parágrafos, deste diploma legal. No entanto, com o advento da Lei Complementar n.º 039/2002, não houve a previsão do pecúlio previdenciário, nem determinação de restituição de valores pagos a título desse benefício, inexistindo direito adquirido da segurada em menção, considerando que tinham apenas mera expectativa de direito, pois se trata de contrato público aleatório cuja prestação é incerta e dependente de evento futuro. Assim sendo, frisa-se: não é da natureza jurídica do pecúlio a restituição dos valores referentes às contribuições pagas ao plano, quando em razão do seu cancelamento e/ou exclusão, sem que tenha ocorrido a condição para a obtenção do benefício (morte ou invalidez) durante a vigência do benefício. Conforme citado linhas acima, outro não é o entendimento pacificado neste Tribunal: Vejamos: Em julgamento realizado em 25 de abril de 2012, acordaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes do Conselho da Magistratura, por maioria de votos, em Negar Provimento ao Recurso Administrativo, Processo Nº 2011.3.021817-1, voto condutor do Excelentíssimo Senhor Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, que de maneira clara e precisa compôs com acerto a questão trazida ao crivo judicial: Acórdão nº. 197938. ¿RECURSO ADMINISTRATIVO. RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS MENSALMENTE A TÍTULO DE PECÚLIO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA AO FUNDO. INOCORRÊNCIA. ADESÃO TÁCITA A CONTRATO DE DIREITO PRIVADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROVIMENTO. 1. A presente irresignação não pode prosperar, vez que contraria a ratio essendi do Pecúlio Judiciário, bem como os princípios da legalidade e da boa-fé objetiva, os quais devem permear a relação mantida entre a Administração Pública e seus servidores. 2. Não tem razão o recorrente ao afirmar que não aderiu ao Pecúlio Judiciário, vez que, durante muitos anos, contribuiu mensalmente àquele Fundo, sendo os descontos informados tanto nos contracheques, quanto em seu extrato financeiro anual, corporificando-se verdadeira adesão tácita a um contrato privado da Administração, sob a égide do Direito Civil. 3. Quando o Estado firma contratos regulados pelo direito privado, situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do direito contratual comum, agindo no exercício de seu jus gestionis. 4. O princípio da boa-fé impõe o dever de fidelidade à palavra dada, expressa ou tacitamente, não se podendo admitir a frustração ou o abuso de confiança, muito menos a utilização da própria torpeza para a obtenção de benefícios. 5. A boa-fé integra todos os tipos de contratos, inclusive os não escritos ou verbais, sendo que nestes a confiança e a lealdade encontram-se potencializadas vez que a inexistência de pactuação escrita denota a habitualidade do comportamento e a confiança das partes envolvidas , devendo o negócio jurídico ser interpretado de acordo com a praxe administrativa referente à adesão ao Pecúlio Judiciário, conforme permitido pelo art. 113, do CC. 6. Como instituto relacionado à boa-fé objetiva tem-se a proibição ao "venire contra factum proprium, traduzindo esta locução o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. 7. O Pecúlio Judiciário amolda-se aos contornos do art. 757 do Código Civil, o qual dispõe sobre o contrato de seguro. Desfeita a avença, os valores pagos não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco próprio da aleatoriedade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 8. No Pecúlio Judiciário há a socialização do risco, não havendo previsão de restituição em nenhuma das Resoluções que o regem, desde 1970. 9. Por maioria, recurso improvido¿ No mesmo sentido, decidiu a 5ª Câmara Cível Isolada, sob a relatoria do Des. Constantino Augustos Guerreiro, cujo Acórdão n.º 86.687 transcrevo: ¿EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. MÉRITO. O PECÚLIO FOI CONTEMPLADO COMO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPULSÓRIO ATÉ A VIGÊNCIA LEI ESTADUAL 5.011, DE 16/11/81, NÃO SENDO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 039, DE 11/01/2002. PORTANTO, EM FACE DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM, NÃO CABE A RESTITUIÇÃO PLEITEADA. ADEMAIS, ENTENDER DE FORMA DIVERSA IMPLICARIA QUEBRA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL, PORQUANTO NA VIGÊNCIA DO PECÚLIO OS SEGURADOS E/OU SEUS BENEFICIÁRIOS ESTAVAM ACOBERTADOS PELO SEGURO EM CASO DE OCORRÊNCIA DO SINISTRO (MORTE OU INVALIDEZ). ASSIM, EMBORA NÃO TENHA OCORRIDO O FATO GERADOR, NEM POR ISSO DEIXARAM OS RECORRIDOS DE USUFRUIR DA CONTRAPRESTAÇÃO DO SERVIÇO DURANTE TODA A VIGÊNCIA DA LEI ESTADUAL 5.011/81. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.¿. (TJ-PA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.3.017094-5 Rel. Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Acórdão n.º 86687, DJ-E 16/04/2010). Colaciono ainda desta Egrégia Corte os julgados: Acórdão n. 73143 - Rela. Desa. Célia Regina de Lima Pinheiro - 2.ª Câmara Cível Isolada, Publ.: 27/08/2009). Acordão n. 90637 - Rel. Des. Ricardo Ferreira Nunes - 4ª Câm. Cível Isolada - - Nº DO PROCESSO: 200930060287 - Jul.: 16/08/2010. Acórdão n. 107047 - Rel. Desa. Gleide Pereira De Moura- 1ª Câmara Cível Isolada - Processo Nº 20113016997-8, Julg.:. 23/04/2012. Sobre a questão, a Corte Superior, STJ já se pronunciou. Vejamos os julgados: ¿CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. DESFILIAÇÃO. A desfiliação do associado não implica a devolução dos valores por ele pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte tudo porque, enquanto subsistiu a relação, a instituição previdenciária correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. Agravo regimental não provido. (AgRg no Recurso Especial n.º 617.152, 3.ª T., Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 19/09/2005) ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco. E, embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço na vigência do contrato, que é, por natureza.¿. (Embargos de Divergência no REsp. n.º 327.419/DF, 2.ª Seção, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ de 01/07/2004) ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte (Capec) não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. (REsp. n.º 438.735/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 02/12/2002). Do mesmo modo, entendo que não teria como persistir o pleito da apelada em reaver a importância revestida para a formação do pecúlio, pois, neste período, estavam abrangidos pela lei em comento e somente não houve ocorrência do fato gerador do benefício, ou seja, morte ou invalidez. Impende destacar, ainda, que não há previsão legal que imponha a Administração Pública a restituir a importância recolhida a esse título. É sabido que o ente estatal deve obedecer ao princípio da legalidade e, como o próprio nome sugere, esse princípio diz respeito à obediência à lei, não podendo fazer nada que não esteja nela determinado ou delimitado. Por essas razões, reconheço a ilegitimidade do IGEPREV, conhecendo, assim, do seu Recurso de Apelação e dando-lhe provimento monocrático diante do acatamento da preliminar arguida; condenando, ainda, a parte vencida em custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, que deverão ser revertidos a favor da Administração Pública, a teor da Lei n. 9.527/94. Quanto ao Reexame Necessário, reformo nos termos citados acima. Belém, de janeiro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.00043552-63, Não Informado, Rel. LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Órgão Julgador 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-21, Publicado em 2016-01-21)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
21/01/2016
Data da Publicação
:
21/01/2016
Órgão Julgador
:
1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LEONARDO DE NORONHA TAVARES
Número do documento
:
2016.00043552-63
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
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