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Jurisprudência


TJPA 0013208-45.2009.8.14.0401

Ementa
Vistos etc... Trata-se de Conflito Negativo de Competência em que figura como suscitante o Juiz de Direito da 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso da Comarca de Belém, e como suscitada, a Juíza de Direito da 2ª Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital. Insurge dos autos, ter o Ministério Público, em 20.04.2011, denunciado o acusado Isaqueu Rodrigues Maciel, por ter o mesmo chegado em sua residência visivelmente desequilibrado pelo uso de entorpecentes, passando a exigir, sob ameaça de morte, que seus pais, os idosos Benedita Rodrigues Maciel e Mário Brasil Oliveira Maciel, lhe dessem dinheiro para que comprasse mais substância entorpecente, chegando a agredir fisicamente seu genitor, quando este tentou impedir o denunciado de continuar ameaçando Maria Benedita. Ainda segundo a peça acusatória, ao incorrer, em tese, no crime de extorsão contra seus pais, o denunciado praticou, em concurso material, nos moldes do art. 69, do CPB, por duas vezes, a conduta disposta no art. 158, do CPB, sendo que a responsabilidade penal do referido acusado pelo crime de lesão corporal, cometido contra seu genitor, decorre da conexão entre os dois delitos de extorsão, pois ambos foram cometidos no mesmo lugar e nas mesmas circunstâncias, razão pela qual entendeu o representante Ministerial, que a instrução processual de um crime influi diretamente na do outro, vislumbrando, portanto, a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme dispõe o art. 76, inc. III, c/c o art. 78, inc. II, ambos do CPP. O Juízo da 2ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, por seu turno, declinou da sua competência para processar e julgar o feito, entendendo haver uma vara especializada que melhor acompanha as pessoas idosas, as quais necessitam de maiores cuidados e processos de maior agilidade, determinando, em 07 de junho de 2011, a redistribuição dos autos a uma das Varas Especializadas do Idoso. Redistribuídos os autos ao Juiz da 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso de Belém, este entendeu que o crime disposto no artigo 158, do CPB, prevê pena mínima de 04 (quatro) anos e máxima de 10 (dez) anos de reclusão, ultrapassando, em muito, os dois anos salutares à caracterização da competência dos Juizados Especiais, de acordo com o art. 61, da lei 9.099/95, não havendo que se falar, portanto, em menor potencial ofensivo, tampouco em competência da Vara Especializada do idoso para julgar e processar o feito em comento, motivo pelo qual suscitou o presente conflito negativo de competência, determinando a remessa dos autos a este Egrégio Tribunal. É o relatório. O fulcro da questão que envolve o presente Conflito de Competência diz respeito à definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a conduta ilícita em tese imputada a Isaqueu Rodrigues Maciel, que teria supostamente extorquido seus genitores Maria Benedita Rodrigues Maciel e Mário Brasil Oliveira Maciel, bem como teria agredido este último, pois a Juíza de Direito da 2ª Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, entendeu que o fato descrito na respectiva Denúncia, onde consta a capitulação provisória descrita no art. 158, caput, c/c o art. 69, do Código Penal, não configura violência doméstica e familiar contra a mulher, por se tratarem as vítimas de pessoas idosas, restando, portanto, afastada a competência do referido Juizado Especial, enquanto que o Juiz de Direito da 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso entendeu que a conduta ali referida configura violência doméstica e familiar contra a mulher. Antes de mais nada, faz-se necessário a exposição de alguns fatos para melhor subsidiar a solução deste conflito, senão vejamos: Consta nos autos, que Isaqueu Rodrigues Maciel, ao chegar em casa visivelmente transtornado pelo efeito de entorpecentes, passou a exigir dinheiro dos seus pais, sob ameaça de morte, para que pudesse comprar mais drogas, razão pela qual foi denunciado como incurso no art. 158, caput, c/c o art. 69, ambos do CPB, estando narrado na denúncia, que a responsabilidade penal do referido denunciado pelo crime de lesão corporal, cometido contra o seu genitor, decorre da conexão entre os dois delitos de extorsão, pois ambos foram cometidos no mesmo lugar e nas mesmas circunstâncias, sendo que a instrução processual de um crime influi diretamente na do outro, vislumbrando a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme dispõe o art. 76, inc. III, c/c o art. 78, inc. II, ambos do CPP. A exordial acusatória oferecida contra Isaqueu Rodrigues Maciel foi originalmente distribuída ao Juízo de Direito da 2ª Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Belém, que se declarou incompetente para apreciar o feito, determinando a sua redistribuição para uma das Varas do Juizado Especial Criminal do Idoso de Belém, por entender que o delito não foi praticado com base em violência de gênero, mas sim em razão da condição de pessoa idosa das vítimas Maria Benedita Rodrigues Maciel e Mário Brasil Oliveira Maciel. Como cediço, a Lei 11.340/2006 foi criada com a finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação doméstica e familiar, conforme previsto em seu art. 5º, verbis: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo Único - As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Observa-se, assim, que o legislador levou em conta a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações domésticas, familiares ou de afetividade, não estabelecendo, portanto, nenhuma distinção quanto à idade. Logo, não há dúvida de que Maria Benedita Rodrigues Maciel, em razão do seu gênero feminino, está em situação de vulnerabilidade em face do filho, porém, em relação à vítima Mário Brasil Rodrigues Maciel, embora não haja que se falar na violência de gênero, é inegável o fato dos crimes terem sido praticados dentro de um mesmo contexto fático, de sorte que a conexão probatória atrai a competência do Juizado tutelar da Mulher, conforme dispõe o artigo 78, inc. IV, do CPP, sendo imperioso transcrevê-lo para melhor compreensão, verbis: Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta. Nesse sentido, verbis: TJDFT: CONFLITO DE JURISDIÇÃO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL VERSUS JUIZADO ESPECIAL E DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIMES DE LESÃO CORPORAL E CONTRAVENÇÃO DE VIAS DE FATO CONTRA IRMÃ, E DE INJURIA CONTRA SOBRINHA. PRESENÇA DE MOTIVAÇÃO BASEADA NO GÊNERO NOS DELITOS CONTRA A IRMÃ E CONEXÃO PROBATÓRIA COM OS FATOS RELACIONADOS COM A SOBRINHA. INCIDÊNCIA DIRETA DA LEI MARIA DA PENHA SOBRE O PRIMEIRO FATO E CONVENIÊNCIA DE INSTRUÇÃO ÚNICA DEVIDO À CONEXÃO PROBATÓRIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1 Conflito Negativo de Competência instaurado entre Juizado Especial Criminal e o de Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher de Sobradinho, tendo por objetos crimes de lesões corporais e vias de fato praticados pelo réu contra a irmã, e de injúria contra sobrinha, dentro mesmo contexto fático, apesar de não residirem sob o mesmo teto e da ausência de afetividade. 2 As agressões sofridas pela irmã no lar onde convive com o irmão agressor caracterizam violência familiar doméstica expondo vulnerabilidade decorrente do gênero, atraindo a competência do Juizado tutelar da condição feminina. É conveniente que o mesmo Juízo aprecie o crime praticado contra a sobrinha, mesmo sem caracterizar violência baseada no gênero, porque não há residência comum, afetividade ou condição econômica, social ou emocional subordinante. Neste caso, devido à existência da conexão probatória, a vis atractiva é exercida pela infração mais grave, conforme o artigo 78, inciso II, alínea a, do Código de Processo Penal. (Conflito de Jurisdição nº. 20130020154955CCR. Desembargador George Lopes Leite. J. 09.09.2013) Assim, na hipótese dos autos, a conduta de Isaqueu Rodrigues Maciel se enquadra na relação de gênero, pois se vê que ele se valeu da condição de mulher da sua mãe, ora vítima, para consumar a presente empreitada delitiva, sendo que em relação ao crime praticado contra seu pai, conforme visto alhures, a competência da Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher se dá por força da conexão entre os crimes praticados no mesmo contexto fático, restando claro, portanto, que a competência para processar e julgar o feito em referência é do aludido Juizado Especializado. Nesse sentido, verbis: TJPA: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. VARA DE CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E VARA DO JUIZADO ESPECIAL DO IDOSO. DELITO PRATICADO POR NETO CONTRA AVÓ PATERNA. PRETENSÃO AFETA A LEI MARIA DA PENHA. CONFLITO PROCEDENTE. Conforme expressa previsão contida no art. 2.º, da Lei 11.340/2006, a Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é competente para processar e julgar os feitos que envolvem também vítima mulher idosa, restando claro que a referida Lei se aplica para qualquer mulher, independentemente de idade, cujo delito é praticado no âmbito familiar ou de afetividade entre as pessoas envolvidas. Logo, evidencia-se que referida questão está adstrita aos comandos da referida lei. Precedentes. Competência da Vara de Violência Doméstica. Decisão unânime. (Conflito de Competência n.º 2012.3.024194-9. Relator: Desembargador Raimundo Holanda Reis. Julgamento em 12/12/2012 e Publicação em 14/12/12). Impõe ainda ressaltar, que tal entendimento, inclusive, encontra-se sumulado por este Egrégio Tribunal de Justiça, conforme consta na Resolução nº 004/2013 GP, a qual introduz novo enunciado no repertório de Súmulas do TJE-PA, verbis: Súmula Nº 10: Os Conflitos de Competência, em matéria penal, entre as Varas dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e a Vara do Juizado Especial do Idoso, decorrentes de superposição de regras de regência aplicáveis ao caso em hipótese de qualquer outra dúvida, dirime-se pela afirmação da vis atractiva da competência das primeiras, em razão da amplitude, qualidade e quantidade das medidas protetivas das vítimas. Logo, não há dúvidas que a competência para julgar o feito é do Juízo de Direito da 2ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Belém, ora Suscitado, e, como visto, a questão versada nestes autos já foi inclusive dirimida pelo Pleno deste Sodalício, razão pela qual determino o retorno dos autos ao referido juizado, para que o magistrado a ele vinculado proceda como de direito. À Secretária para os procedimentos legais pertinentes. Belém, 05 de maio de 2014. Desa. VANIA FORTES BITAR Relatora (2014.04529846-29, Não Informado, Rel. VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2014-05-06, Publicado em 2014-05-06)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 06/05/2014
Data da Publicação : 06/05/2014
Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO
Relator(a) : VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA
Número do documento : 2014.04529846-29
Tipo de processo : Conflito de Jurisdição
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