main-banner

Jurisprudência


TJPA 0014856-75.2014.8.14.0401

Ementa
CONFLITO   NEGATIVO   DE   COMPET ÊNCIA PROCESSO Nº: 0014856-75.2014.8.14.0401 COMARCA DE ORIGEM: Belém SUSCITANTE: Juízo de Direito da Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital SUSCITADO: Juízo de Direito da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes da Comarca da Capital RELATORA: Desa. Vania Fortes Bitar     Vistos etc...   Trata-se de Conflito Negativo de Competência entre a Vara de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital e a Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes da mesma Comarca.   Consta no relatório do Inquérito Policial nº 504/2014.000078-7, que no dia 25 de junho de 2014, a menor R.R.P., de 11 (onze) anos de idade, foi agredida fisicamente pelo seu próprio genitor, R.V.R., com um tapa no rosto, causando-lhe lesões corporais de natureza leve.   Inicialmente, foram os autos do Inquérito Policial distribuídos ao Juízo da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes da Comarca da Capital, o qual, em decisão interlocutória de fls. 35 (frente e verso), deu-se por incompetente para apreciar o feito, aduzindo que o delito foi praticado no âmbito da relação familiar do inquirido, que é pai da vítima, fato esse que atrai a competência da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, uma vez que a Lei Maria da Penha não faz distinção da idade da vítima, podendo ela ser idosa ou criança/adolescente.   Redistribuído os autos ao Juízo da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, este, em despacho de fls. 37 (frente e verso) declinou da sua competência para processar e julgar o feito, por entender não se tratar de crime praticado com base no gênero da vítima, em situação de relação doméstica, uma vez que o que levou o inquirido a agredir sua filha, foi o fato da mesma ter se recusado a fazer os afazeres domésticos e por ter ¿respondido¿ para ele, entendendo que o delito foi praticado com base no pátrio poder, razão pela qual suscitou o presente conflito negativo de competência, determinando a remessa dos autos a este Egrégio Tribunal.   É o relatório. Decido.   O fulcro da questão que envolve o presente Conflito de Competência diz respeito à definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a conduta ilícita em tese imputada a R.V.R, que teria supostamente agredido fisicamente a sua filha R.R.P., de apenas 11 (onze) anos de idade, com um tapa no rosto, pois a Juíza de Direito da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes da Capital entendeu que o fato descrito no Inquérito Policial, onde consta a capitulação provisória descrita no art. 129, §9º, do CP, não configura crime praticado com base na condição de criança da vítima, restando, portanto, afastada a competência do referido Juizado Especial, enquanto que a Juíza de Direito da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher entendeu que a conduta narrada no IPL apresentado, configura delito praticado contra a condição de criança, da vítima, pois o inquirido teria abusado do seu pátrio poder.   Antes de mais nada, faz-se necessária a exposição de alguns fatos para melhor subsidiar a solução deste conflito, senão vejamos:   Consta no IPL, que no dia 25 de junho de 2014, a menor R.R.P., de apenas 11 (onze) anos de idade, foi agredida fisicamente por seu pai, o qual estava embriagado, com um tapa no rosto, o que fez com que a mesma saísse de casa tomando rumo desconhecido, vindo a ser encontrada por sua genitora, na casa de amigos, com o rosto lesionado.   Como cediço, a Lei 11.340/2006 foi criada com a finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação doméstica e familiar, conforme previsto em seu art. 5º, verbis:   Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo Único - As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.   Observa-se, assim, que o legislador levou em conta a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações domésticas, familiares ou de afetividade, não estabelecendo, portanto, nenhuma distinção quanto à idade, razão pela qual é evidente a conclusão da sua incidência no presente caso, ou melhor, do amplo alcance de eficácia das suas disposições às mulheres em suas relações domésticas e familiares, independentemente de serem crianças, adolescentes ou idosas.   Assim, na hipótese dos autos, a conduta de R.V.R. se enquadra na relação de gênero no âmbito familiar, pois se vê que ele se valeu da condição de mulher e filha, da vítima, tendo o delito sido, em tese, cometido nessa circunstância e pelo simples fato da mesma ter se recusado a prestar assistência nos afazeres domésticos, restando claro, portanto, que a competência para processar e julgar o feito em referência é do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Belém .   Nesse sentido inclusive já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, verbis:   CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - LESÕES CORPORAIS CONTRA ADOLESCENTE MULHER NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR - APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - CONDIÇÃO QUE SE SOBREPÕE AO SIMPLES FATO DE SER CRIANÇA PARA FINS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA - CARÁTER DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL NÃO SÓ DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, MAS TAMBÉM DA MULHER - LEI MARIA DA PENHA POSSUI UM CARÁTER MAIS ENÉRGICO DE PROTEÇÃO TOTAL - OBJETIVO PROGRAMÁTICO CONSTITUCIONAL QUE MAIS SE ALCANÇA NESTA LEI DO QUE PELO ECA - DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. Não se visualiza um conflito tamanho que determine que o Juizado de Proteção à Criança e ao adolescente seja preponderante. Isso porque a condição da mulher ainda adolescente tem, na Lei "Maria da Penha", um diferencial maior, cujas sanções e proteção mostram que o objetivo axiológico da norma encontra um amparo de ponderação, seja porque a própria Carta Magna observa sobre a proteção, também, da família, além, claro, das crianças e adolescentes, seja porque a Lei n.º 11.340/2006 encontrou um comando de sanção mais severo em nome daquela proteção. (201430108585, 136321, Rel. LEONAM GONDIM DA CRUZ JUNIOR, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 30/07/2014, Publicado em 31/07/2014)   Logo, não há dúvidas que a competência para julgar o feito é do Juízo de Direito da 1ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca da   Capital , ora Suscita nte , e, como visto, a questão versada nestes autos já foi inclusive dirimida pelo Pleno deste Sodalício, razão pela qual determino o retorno dos autos ao referido juizado, para que o magistrado a ele vinculado proceda como de direito.   À Secretária para os procedimentos legais pertinentes.   P.R.I.C.   Belém, 31 de março de 2015.     Desa. VANIA FORTES BITAR Relatora   1     1 (2015.01148581-97, Não Informado, Rel. VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA, Órgão Julgador TRIBUNAL PLENO, Julgado em 2015-04-09, Publicado em 2015-04-09)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 09/04/2015
Data da Publicação : 09/04/2015
Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO
Relator(a) : VANIA VALENTE DO COUTO FORTES BITAR CUNHA
Número do documento : 2015.01148581-97
Tipo de processo : Conflito de Jurisdição
Mostrar discussão