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Jurisprudência


TJPA 0015738-42.2015.8.14.0000

Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº ° 0015738-42.2015.8.14.0000 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA RECURSO: AGRAVO DE INSTRUMENTO COMARCA: SANTARÉM AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ (PROCURADORA DO ESTADO: MARCELA DE GUAPINDAIA BRAGA) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO (PROMOTOR DE JUSTIÇA: TULIO CHAVES NOVAES) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA            ESTADO DO PARÁ interpôs o presente AGRAVO DE INSTRUMENTO com pedido de efeito suspensivo, contra decisão proferida pelo MM. Juízo da Comarca de Santarém, nos autos da Ação Civil Pública (nº. 0002895-86.2015.8.14.0051), movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ.            A decisão agravada determinou que o Estado do Pará, através da Secretaria Estadual de Saúde, e o Município de Santarém, através da Secretaria Municipal de Saúde, forneçam em favor de Jorjânia dos Santos Soares, suporte nutricional por gastrostomia (dieta enteral industrializada) e acompanhamento médico especializado em domicílio ou transporte apto à condição de debilidade do paciente, para nosocômio que possa fornecer-lhe os cuidados necessários a sua saúde, de acordo com laudo médico acostado aos autos, sob pena de multa, em caso de descumprimento, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal.            Em suas razões recursais (fls. 02/09), o agravante alega a formulação de pedido genérico pelo agravado, em violação literal à disposição do art. 286 do Código de Processo Civil, acarretando graves consequências ao Estado, uma vez que o juiz a quo determinou obrigação genérica e indeterminada, violando o direto fundamental que tem o recorrente a uma decisão clara.            Aduz, ainda, a ilegitimidade ad causam da parte agravante sob o argumento de que o Município de Santarém tem competência para prestar o serviço de transporte em ambulância, uma vez que tem a plena gestão do sistema de saúde, não tendo o Estado do Pará legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, conforme estabelece art. 18 da Lei nº 8.080/90.            Expõe breve comentário acerca do modelo de saúde pública brasileiro e aos limites orçamentários estatais, ressaltando a existência de normas infraconstitucionais da política nacional de medicamentos que merecem ser observadas.            Enfatiza que o art. 196 da Constituição Federal não assegura a destinação de recursos públicos a uma situação individualizada.             Alega que o atendimento dos pedidos de forma indiscriminada, sem observância aos programas obrigatórios estabelecidos na legislação, causa enorme desequilíbrio ao sistema de saúde, vez que beneficia poucos pacientes em detrimento de outros, violando o princípio da universalidade, o qual tem como fundamento o atendimento do maior número de pessoas possíveis.            Informa que se encontra presente o periculum in mora inverso em razão do interesse público ao equilíbrio orçamentário e à isonomia entre os pacientes submetidos a tratamento de saúde.            Por tais razões, requer a concessão do efeito suspensivo para sobrestar a decisão agravada e, após, seja dado provimento ao recurso reformando in totum a decisão agravada.            Acostou documentos às fls. 10/22.            É breve o relatório.            DECIDO.            Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.            Analisando as razões do recurso, verifico ser possível negar seu seguimento, considerando que as alegações deduzidas pelo recorrente estão em confronto com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça - STJ.            No que concerne a alegação de que o pedido formulado pela parte recorrida é genérico e que a decisão prolatada pelo Juízo de piso impõe obrigação incerta e indeterminada, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, não merecem prosperar.            Conforme se extrai da decisão agravada, o magistrado de primeiro grau determinou o fornecimento, em favor de Jorjânia dos Santos Soares, de suporte nutricional por gastrostomia (dieta enteral industrializada) e acompanhamento médico especializado em domicílio ou transporte apto à condição de debilidade do paciente, para nosocômio que possa fornecer-lhe os cuidados necessários a sua saúde, para tratamento de doença descrita na exordial (fl.21), não se cogitando, portanto, ofensa ao artigo 286 do Código de Processo Civil.            Dessa forma, não há que se falar em decisão incerta e indeterminada.            Neste diapasão, vale aduzir, o precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em caso semelhante ao presente, in verbis: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO PARA O COMBATE DE DIABETES MELITUS 1. LISTA DE REMÉDIOS, APRESENTADA NA INICIAL, QUE NÃO É TAXATIVA E PODE SER AMPLIADA CONFORME A EVOLUÇÃO DA DOENÇA E DA PRÓPRIA MEDICINA. PRESCRIÇÃO POR MÉDICO DA REDE PÚBLICA. PEDIDO GENÉRICO NÃO CARACTERIZADO. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que não incorre em condenação genérica o acórdão que condena o Estado ao fornecimento de medicamento específico requerido na inicial, bem como de outros medicamentos que se mostrem necessários ao longo do tratamento, desde que respaldado em atestado médico da rede pública (v.g.: AgRg no REsp 1149122/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 07.05.2010). Precedentes: Resp 1218800/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.04.2011; REsp 735477/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 26.09.2006, p. 193; REsp 749511/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 07.11.2005, p.240. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 450.960/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 07/04/2014) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA INCERTA. PEDIDO GENÉRICO. AUSÊNCIA. 1. A sentença que condena o Estado a prestar o tratamento a ser indicado pelo médico geneticista ao autor, que sofre de paralisia cerebral, durante o tempo que dele necessitar não é incerta, tampouco advém de formulação de pedido genérico. 2. Recurso especial provido. (REsp 1044028/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 06/06/2008)            No que tange ao argumento de ilegitimidade passiva do Estado, entendo que tal pretensão não merece prosperar.            E digo isso, pois, a Constituição Federal, em seu art. 196, impôs ao Poder Público, sem distinção, o dever de assegurar ao cidadão o direito à saúde. Esse encargo foi reafirmado em texto expresso no art. 263, §2º da Constituição Estadual do Pará.            Além disso, o fato de existirem leis infraconstitucionais, portarias e regulamentações estabelecendo divisão de tarefas entre os entes públicos não lhes retira a obrigação solidária imposta pela norma constitucional.            Por outro lado, o SUS - Sistema único de Saúde não é de responsabilidade exclusiva de um único ente federativo (art. 198, inciso I, da CF), mas uma responsabilidade do Estado em todas as suas esferas de atuação, com divisão de trabalho por simples razões de gerência operacional.            No mais, o direito fundamental do individuo à saúde, que engloba o dever dos entes políticos ao fornecimento gratuito de medicamentos e outros recursos necessários ao seu tratamento, vem reiteradamente sendo reconhecido pelo Tribunais Superiores, conforme os julgados abaixo: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. O SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS EM FACE DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC) SE APLICA APENAS AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II DO CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. É DEVER DO ESTADO GARANTIR O DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial firmou entendimento de que o comando legal que determina a suspensão do julgamento de processos em face de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C, do CPC, somente é dirigido aos Tribunais de segunda instância, e não abrange os recursos especiais já encaminhados ao STJ. 2. Não há que se falar em omissão no acórdão do Tribunal de origem, porquanto a demanda foi solucionada com a devida fundamentação, de forma clara e precisa, ainda que sob ótica diversa daquela almejada pelo Estado-agravante. Julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa ao art. 535, II do CPC. 3. Este Superior Tribunal de Justiça tem firmada a jurisprudência de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que qualquer um desses Entes tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para tratamento de problema de saúde. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no Ag 1231616/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 06/04/2015) ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI N. 1.533/51. SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/STF. 1. Não merece prosperar o recurso quanto à afronta ao art. 1º da Lei 1.533/51. O fundamento da inexistência da demonstração do direito líquido e certo não é apropriado em recurso especial, visto que demandaria o reexame de provas. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes. 2. Qualquer um dos entes federativos - União, estados, Distrito Federal e municípios - tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de ação visando garantir o acesso a medicamentos para tratamento de saúde. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 609.204/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014)            Pelo exposto, entendo que resta superado o aludido argumento.            No que tange a alegação de que o sistema de saúde é regido, precipuamente pelo princípio da universalidade, e este encontra-se comprometido, bem como quanto aos comentários acerca do sistema de saúde pública brasileira e os limites orçamentários do Estado, constato que tais pretensões não devem prevalecer.            Os princípios da isonomia entre os administrados e o da universalidade impõem que o Estado, por intermédio de todos os seus entes federativos, cumpra o seu dever de garantir o direito à saúde, de forma digna, em relação a todos que necessitam do seu auxílio, e tratando-se de obrigação constitucional relativa a direito fundamental do cidadão não se pode aceitar a defesa da limitação orçamentária.            Verifica-se, in casu, que a presente demanda fora intentada objetivando compelir o Estado a fornecer tratamento de saúde, pela rede pública, a uma pessoa portadora de doença crônica, vez que não possui meios de arcar com os gastos inerentes a sua forma continuada, por ser específico para o tipo de enfermidade apresentada, estando, portanto, entre as situações que devem sim sofrer a interferência do Poder Judiciário.            A reserva do possível não configura, portanto, justificativa para o administrador ser omisso à degradação da dignidade da pessoa humana. A escusa da ¿limitação de recursos orçamentários¿ frequentemente é usada para justificar a opção da administração pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade.                Desta feita, correta a decisão agravada, vez que presentes os pressupostos de antecipação de tutela, ex vi do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil.            Assim, depreende-se como inconsistentes as razões do agravo, tese amplamente discutida e afastada pelo dominante entendimento jurisprudencial.            Ante o exposto, com fundamento no art. 557, do CPC, nego seguimento ao presente recurso, por estar manifestamente em confronto com jurisprudência dominante do STJ.            Oficie-se ao Juízo a quo dando-lhe ciência desta decisão.            Transitada em julgado, arquive-se.            Belém (PA), 29 de junho de 2015. DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO RELATOR (2015.02301681-11, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-01, Publicado em 2015-07-01)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 01/07/2015
Data da Publicação : 01/07/2015
Órgão Julgador : 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a) : LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
Número do documento : 2015.02301681-11
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
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