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Jurisprudência


TJPA 0017542-43.2006.8.14.0301

Ementa
SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA ORIGEM: 11ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM/PA APELAÇÃO CÍVEL Nº 2013.3.019054-1 APELANTE: SUL AMÉRICA SEGURO DE PESSOAS E PREVIDÊNCIA S.A APELADO: PAULO SÉRGIO ROFFE AZEVEDO RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE AGRAVO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RENOVAÇÃO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO - RESCISÃO UNILATERAL POR PARTE DA SEGURADORA SOB O ARGUMENTO DE ELEVADA IDADE DO ASSOCIADO C/C ALTA SINISTRALIDADE - SEGURADORA QUE PRETENDE ALTERAR O CONTRATO ELEVANDO O VALOR DO PRÊMIO SEM NECESSÁRIA CONTRAPRESTAÇÃO EQUIVALENTE - IMPOSSIBILIDADE - AFRONTA ÀS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ARTIGO 51, INCISOS IV, XV, § 1º (I, II, III) - ABUSIVIDADE COMPROVADA - SEGURADO IDOSO - ESTATUTO DO IDOSO, LEI 10.741/03 - DESCONSIDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA. DECISÃO MANTIDA. Típica hipótese de prorrogação do pacto, que por isso deve ser mantido nas condições originariamente contratadas. Ao contratar um seguro de vida o segurado busca a garantia e a certeza de que, caso lhe ocorra alguma desgraça, os sucessores estarão financeiramente protegidos. Tal ideia não é compatível com a possibilidade de uma seguradora romper unilateralmente o contrato de seguro e afronta os artigos 47 e 51, do Código de Defesa do Consumidor, os quais defendem a isonomia entre as partes e retiram a eficácia plena a cláusulas deste tipo. As Circulares da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, que disciplinam as normas de seguro de pessoas, não possuem eficácia jurídica em relação ao segurado, por serem atos administrativos ordinatórios endereçados tão-só aos agentes administrativos, não podendo vincular o particular ou lesar direitos garantidos por lei. Recurso a que se nega seguimento. DECISÃO MONOCRÁTICA            Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por SUL AMÉRICA SEGUROS DE PESSOAS E PREVIDÊNCIA S/A contra sentença proferida pelo juízo de Direito da Vara única da Comarca de Curralinho, nos autos da Ação Declaratória nº 0017542-43.2006.814.0301, proposta em face de PAULO SÉRGIO ROFFE AZEVEDO, que julgou procedente a demanda para anular a rescisão unilateral da Seguradora em face do contrato firmado entre as partes, assim como o seu reajuste, determinando a renovação do pacto.            Em suas razões, o apelante aduz que a decisão merece reforma já que o contrato em exame é temporário, anual e possui cláusula bilateral de não renovação, tendo como prazo máximo 5 anos de vigência.            Sustenta que o pacto não poderia ser renovado nas mesmas condições, ante as alterações supervenientes das bases objetivas de negócio e que a autoridade federal regulatória, SUSEP, diz que a não renovação de uma apólice na data de seu vencimento não caracteriza o cancelamento unilateral.            Requereu o provimento do recurso de apelação, para reformar a decisão de piso, subsidiariamente, caso mantida a r. sentença, requer que seja reduzida a verba honorária (fls. 280/302).            Em sede de contrarrazões, o apelado pugna pela manutenção da sentença (fls. 36/390), em todos os seus termos.            É o relatório.            DECIDO.            Justifica a apelante a rescisão unilateral do seguro, ao argumento de elevada idade do associado, não comportando manter e dar sequência à apólice de Seguro de Vida existente com a Sul América Seguros de vida e Previdência S/A.            É pacífica a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de seguro. Ora, ao contratar um seguro de vida o segurado busca a garantia e a certeza de que, caso lhe ocorra alguma desgraça, os sucessores estarão financeiramente protegidos.            Tal ideia não é compatível com a possibilidade de uma seguradora romper, unilateralmente, o contrato de seguro e afronta os artigos 47 e 51, do Código de Defesa do Consumidor, os quais defendem a isonomia entre as partes e retiram a eficácia plena de cláusulas deste tipo.            A respeito, do caso em comento: Não se pode mais concordar com a prerrogativa absoluta da seguradora de rescindir contrato de seguro, quando o exercício de seu direito individualista implicar restrição do direito do segurado de manter o contrato que há anos dava-lhe o sentimento de garantia do bem-estar de seus familiares depois de sua morte, porquanto o contrato de seguro na modalidade 'cativo de longa duração' exige da seguradora uma conduta pautada na boa-fé objetiva, para que não frustre os anseios de seu cliente. Apelação Cível n. 2007.051532-0, de Brusque. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben. DJU 28/03/2008).            A doutrina elucida bem essa questão: "O contrato de seguro por prazo determinado pode conter cláusula expressa prevendo sua renovação pelo mesmo prazo, com o mesmo conteúdo ou com alterações de conteúdo já projetadas no instrumento. Para que haja renovação será necessária, contudo, a exteriorização de nova manifestação da vontade de contratar, independentemente daquela previsão. O contrato renovado é um novo contrato, ainda que suas cláusulas e condições sejam as mesmas do contrato renovado" ('in' O Contrato de Seguro, Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, 2ª ed, Ed. RT, pág. 96).            E, Pontes de Miranda, ao discorrer acerca dessa questão, assim leciona: "(...) na prorrogação, o tempus, o prazo do negócio jurídico, prolonga-se, prorrogando-se o negócio jurídico mesmo; na renovação, outro negócio jurídico, novo, se justapõe ao que havia" ('in Tomo 41, pág. 10).            Conclui-se daí que não colhendo a Seguradora manifestação de vontade do Segurado a cada novo contrato, para que se concretizasse a renovação, configurada restou a hipótese de contrato uno prorrogado automaticamente, de modo que a intenção de modificá-lo, unilateralmente, com aumento do valor do prêmio, sem necessária contraprestação equivalente, caracteriza ofensa ao princípio da boa-fé, previsto no Código de Defesa do Consumidor, vez que o contrato celebrado em 1990 sempre restou cumprido pelo segurado, honrando anualmente as prestações devidas.            Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, extrai-se: CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. NULIDADE. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA SEGURADORA. LEI 9.656/98. É nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença. Recurso provido (Resp n. 602.397/RS, Rel. Min. Castro Filho, j. 21/06/2005). "É nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, cláusula inserida em contrato que permite sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença" (REsp nº 602.397-RS, Rel. Min. Castro Filho, DJU 01.08.2005).            A prevalecer entendimento contrário, por certo que as legítimas expectativas do apelado restariam frustradas, na medida em que acreditava que se encontrava albergado pelas coberturas oferecidas, pois: "(...) se a boa-fé objetiva é dever de agir de acordo com determinados padrões, nela é preciso verificar também a situação da contraparte. Em cada caso é necessário ver se estavam reunidas as condições suficientes para criar na contraparte um estado de confiança no negócio celebrado: só então a expectativa desta será tutelada. Melhor dizendo, enquanto a boa-fé subjetiva se atende apenas à situação da pessoa que confiou, na objetiva considera-se, ao mesmo tempo, a posição de ambas as partes que estão em relação (ou de todas elas, se forem mais de duas). Por outro lado, é preciso que uma delas, aquela sobre quem incumbia o dever de informar, esclarecer, ou agir com lisura, tenha procedido com a correção e a lealdade exigíveis no tráfico jurídico. Por outro lado, é preciso que a contraparte tenha confiado na estabilidade e segurança do negócio jurídico que celebrava, porque podia legitimamente alimentar a expectativa de que a outra parte procederia com correção e lealdade. O procedimento de uma parte, o respeito pelos padrões de conduta exigíveis, é que justifica a confiança da contraparte. Como estamos vendo, a boa-fé objetiva é, ao mesmo tempo, uma boa-fé lealdade e uma boa-fé confiança. Dever de lealdade de uma parte, expectativa de confiança da contraparte (...)" ('in' O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais (autonomia privada, boa-fé, justiça contratual), de Fernando Noronha, ed. Saraiva, 1994, pág. 138/9).            Não há como supor a boa-fé de uma seguradora que pactua um seguro no ano de 1990 com segurado que se filiou ao plano de previdência, pagando-a por mais de 16 anos e, após receber o prêmio por vários anos, resolve findá-lo sob o argumento de adaptação a nova norma legal, desconsiderando que se trata de uma pessoa idosa (65 anos - fls. 34), que sempre cumpriu com sua obrigação contratual.            Assim, a rescisão contratual unilateral fere o princípio da dignidade da pessoa humana e despreza os direitos do segurado, agravando-se pela avançada idade do segurado.            Vejamos jurisprudência de outro Tribunal que se encaixa ao caso em comento: "SEGURO DE VIDA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL INDEVIDA. APÓLICE ORIGINAL MANTIDA. I - O seguro de vida é um contrato, cujas condições e coberturas estão previstas na apólice, e, submete-se ao princípio da pacta sund servanda, devendo haver acordo entre as partes para alteração do contrato, em especial no que pertine ao reajuste das condições e a conseqüente expedição de uma nova apólice (...)" (TJPR, AC nº 306.929-0, 9ª CC, Rel. Des. Tufi Maron Filho, j. 06/10/2005). "DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO POR PARTE DA SEGURADORA. A cláusula que prevê a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pela seguradora é evidentemente abusiva e nula de pleno direito. Tanto mais quando a não renovação da apólice ocorre após oito anos de vigência da relação negocial, e, justamente no momento em que o segurado completava sessenta anos" (TJPR, AC nº 298.232-5, 10ª CC, Rel. Des. Leonel Cunha, j. 20/10/2005). "SEGURO. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO COM A MAJORAÇÃO DO PRÊMIO MENSAL DE ACORDO COM A CLÁUSULA CONTRATUAL. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. TEORIA DOS CONTRATOS CATIVOS DE LONGA DURAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Nos contratos de seguro, aplica-se a Teoria dos Contratos Cativos de Longa Duração, segundo a qual o consumidor (cativo-cliente) possui expectativa de que a avença não tenha sua continuidade rompida, salvo na hipótese de relevante modificação na relação fática apresentada quando da contratação. Desse modo, não colacionando a seguradora elementos plausíveis para justificar a rescisão unilateral, recomenda-se a manutenção dos contratos, de modo a não se permitir deixar o consumidor em desamparo (...). Seria muito cômodo às seguradoras que durante anos a fio, quando o índice de sinistralidade no seguro de vida é sabidamente menor, venham se beneficiar com o recebimento dos prêmios dos seus segurados, para depois, com o passar dos anos e a possibilidade de ocorrência do evento danoso ser mais evidente, simplesmente cancelarem ou não renovarem o contrato de seguro, sem que tenham que oferecer qualquer justificativa plausível (...)" (TJPR, AC nº 315.051-6, 8ª CC, Rel. J. S. Fagundes Cunha, j. 28/08/2007). "AÇÃO DECLARATÓRIA OBJETIVANDO A RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. CLÁUSULA QUE PERMITE A DENÚNCIA UNILATERAL DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO DE ORDEM ECONÔMICA EM PREJUÍZO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. 1. A liberdade de contratar tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Assim sendo, os fins econômico-sociais do contrato são diretrizes para a aferição de sua existência, validade e eficácia. Sendo a função social cláusula geral, caberá ao juiz conotar o seu significado com os valores jurídicos, sociais, econômicos e morais do contrato. 2. Por conseguinte, não pode uma pessoa de idade ser privada da manutenção do vínculo contratual de seguro de vida sob alegação de que não convém financeiramente a seguradora manter o contrato, o que acarretaria à segurada frustração de sua expectativa de segurar a própria vida, prejuízo irreparável, pois talvez não possa contratar outro seguro de vida caso não disponha mais de saúde integral" (Ext. TAPR, AC nº 263.725-6, Relator saudoso Des. Wilde de Lima Pugliese, DJ 10/09/2004) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C CONSTITUIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - CONTRATO DE SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS E SEGURO RESIDENCIAL - NEGATIVA DE RENOVAÇÃO DO SEGURO POR FALTA DE INTERESSE - APRESENTAÇÃO DE NOVA PROPOSTA DESVANTAJOSA AO SEGURADO - CLÁUSULAS ABUSIVAS - INTELIGÊNCIA DO ART. 51, IV, DO CDC - CONTINUIDADE DA RELAÇÃO CONTRATUAL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. É reprovável a prática utilizada por muitas seguradoras consistente em atrair o consumidor com diversas vantagens, inclusive o pagamento de prêmio em quantia não muito elevada e, passados alguns anos, verificar-se a imposição da renovação do contrato mediante a aceitação de cláusulas muito mais onerosas ao consumidor. Dessa forma, não pode a seguradora, de maneira unilateral e sem fundamento plausível, simplesmente deixar de renovar o contrato com segurado já integrante de determinado plano, sob pena de violar princípios e regras basilares das relações consumeristas e, em especial àquelas insculpidas no art. 51, inciso IV, do CDC. (Apelação Cível n. 2004.027532-4, de Blumenau. Relator: Des. Subst. Joel Dias Figueira Júnior. DJU 10/04/2007).          Diante disso, a intenção da Seguradora, de rescindir contrato unilateralmente ou de impor um novo com aumento de valor do prêmio e restrição de cobertura, não nos parece medida correta, eis que implicou em desequilíbrio contratual e em ofensa ao princípio da boa-fé amparado pelo Código de Defesa do Consumidor.          E, nem se diga que a não renovação do contrato estaria amparado em Circulares da SUSEP, já que elas não têm o condão de revogar qualquer dispositivo legal ou de reduzir direito legal e constitucionalmente garantido do consumidor. Como se sabe circular é ato administrativo ordinatório endereçado aos agentes administrativos e, em casos como o que se examina, não pode vincular o particular ou lesar direitos garantidos por lei.          Por todas as razões despendidas, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO a fim de manter a sentença de primeiro grau tal como lançada.          P. R. I.          À Secretaria para as providências.          Belém, 06 de agosto de 2015. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora (2015.03006044-67, Não Informado, Rel. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-08-26, Publicado em 2015-08-26)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 26/08/2015
Data da Publicação : 26/08/2015
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE
Número do documento : 2015.03006044-67
Tipo de processo : Apelação
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