TJPA 0019050-27.2004.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 0019050-27.2004.8.14.0301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: APELAÇÃO COMARCA: BELÉM (3ª VARA DA FAZENDA) APELANTE: LEUCY PAZ DA SILVA (ADVOGADO JOSÉ MOURÃO NETO E OUTROS - OAB/PA N.º 11.935) APELADO: FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRIDA DO ESTADO DO PARÁ (PROCURADOR FUNDACIONAL PAULO SÉRGIO FERREIRA DE SOUZA - OAB/PA 1.702) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO EMENTA: APELAÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. SUPOSTO ATO OMISSIVO. AUSÊNCIA DE DEVER LEGAL DE FISCALIZAÇÃO DE PATRIMÔNIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES. MONOCRÁTICA Cuida-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por LEUCY PAZ DA SILVA, por intermédio do advogado José Mourão Neto, em face da decisão proferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém, nos autos da Ação de Ressarcimento por Danos Causados Em Veículo movida em desfavor da FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRIDA DO ESTADO DO PARÁ. Por meio da decisão apelada, o magistrado sentenciante julgou improcedente o pedido formulado na inicial, por entender inexistente a responsabilidade civil do ente apelado. Irresignada, a apelante alega, em suma, que não obstante o estacionamento da entidade apelada ser gratuito, ela tem responsabilidade em inibir os danos ocasionados aos proprietários dos veículos estacionados em suas dependências, decorrente da culpa in vigilando. Diante desse argumento, requer a reforma da diretiva recorrida, a fim de que aquela instituição hospitalar seja condenada a ressarcir os danos sofridos por seu veículo enquanto este estava estacionado em sua área externa. O apelo foi recebido em seu duplo efeito, conforme decisão de fl. 89. Intimado para contrarrazoar, o apelado deixou transcorrer in albis o prazo. O feito foi distribuído inicialmente à relatoria da Desa. Sônia Maria Macedo Parente, a qual, em 09/03/2009, determinou seu encaminhamento ao parecer do custos legis. Manifestando-se naquela condição, a Procuradora de Justiça Maria da Conceição Gomes de Souza opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, retornando os autos conclusos à relatora primeva em 17/03/2009. Na data de 02/06/2010, os autos foram redistribuídos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador José Maria Teixeira, em virtude da aposentadoria de sua antecessora. Assim instruídos, os autos foram redistribuídos a minha relatoria por força do que estabelece a Emenda Regimental n.º 05/2016, chegando em meu gabinete no dia 10/03/2017. É o relatório. Decido. O recurso preenche os requisitos para sua admissibilidade, principalmente porque seu manejo apresenta-se tempestivo e de acordo com a hipótese prevista na lei processual civil, razão pela qual, conheço do recurso e passo a decidir. Compulsando os autos, entendo que o apelo comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 133, XI, d, do RITJPA, por se encontrarem as razões recursais em confronto com jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, como passo a demonstrar. Consta dos autos que a apelante deixou seu veículo estacionado na área interna da Fundação Santa Casa de Misericórdia, enquanto permaneceu na unidade hospitalar durante seu expediente de trabalho e, ao sair, constatou que o referido bem apresentava riscos na lateral direita. Ao procurar os responsáveis no nosocômio, obteve de resposta que ¿não é competência da Administração assumir responsabilidade pela guarda de todos os veículos que gratuitamente ocupam a área descoberta do complexo hospitalar.¿ Diante dessa negativa, recorreu ao Judiciário para se ver ressarcida dos danos sofridos em seu automóvel, porém o Juízo a quo julgou improcedente o pedido por entender inexistente a responsabilidade civil in casu. Sem delongas, de início afirmo que a sentença recorrida não merece nenhum reparo, já que tenho como certo que o sentenciante agiu corretamente ao assim decidir. Como é de sabença geral, o artigo 37, 6º, da Carta da República consagra a responsabilidade civil às pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público, em relação aos danos provocados à terceiros. Entretanto, quando esse dano for decorrente de suposta omissão, o dever de indenizar exige a configuração de determinados elementos, mormente pelo fato de que não se pode exigir que o Estado seja garantidor universal e irrestrito. Assim, atualmente a corrente majoritária, tanto da doutrina quanto da jurisprudência é de que em caso de conduta omissiva, a teoria aplicável é a da responsabilidade subjetiva. Vejamos as lições de Fernanda Marinela: ¿Nas condutas omissivas, o não fazer do Estado, hoje a doutrina e a jurisprudência dominantes reconhecem a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, estando assim o dever de indenizar condicionado à comprovação do elemento subjetivo, a culpa e o dolo, admitindo a aplicação da culpa anônima ou culpa do serviço, que se contenta com a comprovação de que o serviço não foi prestado ou foi prestado de forma ineficiente ou atrasada. ....................................................................................................................... (...) O fato é que o Estado não pode ser responsável pelas faltas do mundo, não pode ser tratado como anjo da guarda ou salvador universal, por isso limites são necessários. Primeiro vale lembrar que a teoria subjetiva admite a responsabilização em razão de condutas ilícitas. Assim, considerando que o Administrador nesse caso é omisso, a ilicitude só estará presente se existir o descumprimento de um dever legal.¿ (MARINELA, Fernada. Direito Administrativo. 8. ed. rev. ampl. atual. Niterói: Impetus, 2014. p.1011-1013.) Sobre o tema, assim vem decidindo reiteradamente nossas Cortes Superiores: ¿PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. SÚMULA 83/STJ. ANÁLISE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE. DOLO OU CULPA INEXISTENTE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência, tanto a do STF como a do STJ, é firme no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva nos casos de ato omissivo estatal. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. A modificação da conclusão a que chegou a Corte de origem, de que não ficou "configurada ineficiência ou morosidade da Administração no processamento do pedido administrativo de aposentadoria", conclusão está pautada na análise pormenorizada dos trâmites do referido processo, e de que restou ausente a "comprovação de dolo ou culpa por parte da ré na condução do procedimento administrativo", demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 3. A incidência da referida Súmula inviabiliza o conhecimento do apelo nobre, tanto pela alínea "a" quanto pela alínea "c" do permissivo constitucional. 4. Descabe ao STJ examinar na via especial, sequer a título de prequestionamento, eventual violação de dispositivo constitucional, pois é tarefa reservada ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. ¿ (STJ - AgRg no AREsp 243494/PR, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 19/02/2013). (grifei) ....................................................................................................................... ¿(...). Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa; regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorre de expressa previsão legal, em microssistema especial. Segundo, quando as circunstâncias indicam a presença de standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional, precisamente a hipótese da salvaguarda da saúde pública. (STJ - REsp 1236863/ES, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 27/02/2012). (grifei) ....................................................................................................................... ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. BACEN. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. MERCADO DE CAPITAIS. QUEBRA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EVENTUAL PREJUÍZO DE INVESTIDORES. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA. 1. A pacífica jurisprudência do STJ e do STF, bem como a doutrina, compreende que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, ou seja, a omissão do Estado, apesar do dever legalmente imposto de agir, além, obviamente, do dano e do nexo causal entre ambos. 2. O STJ firmou o entendimento de não haver nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido por investidores em decorrência de quebra de instituição financeira e a suposta ausência ou falha na fiscalização realizada pelo Banco Central no mercado de capitais. 3. Recursos Especiais providos. ¿ (STJ - REsp 1023937/RS, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 30/06/2010) (grifei) ....................................................................................................................... PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO-CONFIGURADA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO - ELEMENTO SUBJETIVO RECONHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA - SÚMULA 7/STJ - JUROS DE MORA - ÍNDICE - ART; 1.062 DO CC/1916 E ART. 406 DO CC/2002 - PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - REVISÃO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem se manifestou expressamente sobre a incidência da verba honorária em 15% sobre a condenação, e sobre os juros legais, fixados indevidamente em 12% ao ano. 2. A jurisprudência dominante tanto do STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva. 3. Hipótese em que o Tribunal local, apesar de adotar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, reconheceu a ocorrência de culpa dos agentes públicos estaduais na prática do dano causado ao particular. 4. Os juros relativos ao período da mora anterior à data de vigência do novo Código Civil (10.1.2003) têm taxa de 0,5% ao mês (art. 1062 do CC/1916) e, no que se refere ao período posterior, aplica-se o disposto no art. 406 da Lei 10.406, de 10.1.2002. 5. A Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência 727.842/SP, firmou posicionamento de que o art. 406 do CC/2002 trata, atualmente, da incidência da SELIC como índice de juros de mora, quando não estiver estipulado outro valor. 6. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível, em casos excepcionais, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que, todavia, in casu, não se configurou. 7. É firme o entendimento da Primeira Seção quanto à impossibilidade de, em Recurso Especial, modificar-se o percentual de honorários sucumbenciais fixados pelas instâncias de origem, salvo quando há fixação em valores irrisórios ou excessivos, hipótese não configurada nos autos. 8. Recurso especial parcialmente provido. ¿ (STJ - REsp 1069996/RS, Relator Ministra ELIANA CALMON, DJe 01/07/2009) (grifei) ....................................................................................................................... CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido. (STF - RE 382054/RJ, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, DJe 01/10/2004) (grifei). Estou convicto que a situação ora examinada amolda-se com perfeição aos precedentes ao norte reproduzidos, eis que não verifico o dever legal de agir no caso concreto, não podendo a entidade apelada ser responsabilizada por ato de terceiros alheios aos seus quadros. Portanto, diante da fundamentação exposta e das decisões proferidas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal e Egrégio Superior Tribunal de Justiça, entendo necessário observar o 133, XI, d do Regimento Interno deste Tribunal, razão pela qual nego provimento ao recurso de apelação, para manter a sentença em todos os seus termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA. Belém, 07 de junho de 2017. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2017.02402909-33, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-06-28, Publicado em 2017-06-28)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 0019050-27.2004.8.14.0301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: APELAÇÃO COMARCA: BELÉM (3ª VARA DA FAZENDA) APELANTE: LEUCY PAZ DA SILVA (ADVOGADO JOSÉ MOURÃO NETO E OUTROS - OAB/PA N.º 11.935) APELADO: FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRIDA DO ESTADO DO PARÁ (PROCURADOR FUNDACIONAL PAULO SÉRGIO FERREIRA DE SOUZA - OAB/PA 1.702) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO APELAÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. SUPOSTO ATO OMISSIVO. AUSÊNCIA DE DEVER LEGAL DE FISCALIZAÇÃO DE PATRIMÔNIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES. MONOCRÁTICA Cuida-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por LEUCY PAZ DA SILVA, por intermédio do advogado José Mourão Neto, em face da decisão proferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém, nos autos da Ação de Ressarcimento por Danos Causados Em Veículo movida em desfavor da FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRIDA DO ESTADO DO PARÁ. Por meio da decisão apelada, o magistrado sentenciante julgou improcedente o pedido formulado na inicial, por entender inexistente a responsabilidade civil do ente apelado. Irresignada, a apelante alega, em suma, que não obstante o estacionamento da entidade apelada ser gratuito, ela tem responsabilidade em inibir os danos ocasionados aos proprietários dos veículos estacionados em suas dependências, decorrente da culpa in vigilando. Diante desse argumento, requer a reforma da diretiva recorrida, a fim de que aquela instituição hospitalar seja condenada a ressarcir os danos sofridos por seu veículo enquanto este estava estacionado em sua área externa. O apelo foi recebido em seu duplo efeito, conforme decisão de fl. 89. Intimado para contrarrazoar, o apelado deixou transcorrer in albis o prazo. O feito foi distribuído inicialmente à relatoria da Desa. Sônia Maria Macedo Parente, a qual, em 09/03/2009, determinou seu encaminhamento ao parecer do custos legis. Manifestando-se naquela condição, a Procuradora de Justiça Maria da Conceição Gomes de Souza opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, retornando os autos conclusos à relatora primeva em 17/03/2009. Na data de 02/06/2010, os autos foram redistribuídos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador José Maria Teixeira, em virtude da aposentadoria de sua antecessora. Assim instruídos, os autos foram redistribuídos a minha relatoria por força do que estabelece a Emenda Regimental n.º 05/2016, chegando em meu gabinete no dia 10/03/2017. É o relatório. Decido. O recurso preenche os requisitos para sua admissibilidade, principalmente porque seu manejo apresenta-se tempestivo e de acordo com a hipótese prevista na lei processual civil, razão pela qual, conheço do recurso e passo a decidir. Compulsando os autos, entendo que o apelo comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 133, XI, d, do RITJPA, por se encontrarem as razões recursais em confronto com jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, como passo a demonstrar. Consta dos autos que a apelante deixou seu veículo estacionado na área interna da Fundação Santa Casa de Misericórdia, enquanto permaneceu na unidade hospitalar durante seu expediente de trabalho e, ao sair, constatou que o referido bem apresentava riscos na lateral direita. Ao procurar os responsáveis no nosocômio, obteve de resposta que ¿não é competência da Administração assumir responsabilidade pela guarda de todos os veículos que gratuitamente ocupam a área descoberta do complexo hospitalar.¿ Diante dessa negativa, recorreu ao Judiciário para se ver ressarcida dos danos sofridos em seu automóvel, porém o Juízo a quo julgou improcedente o pedido por entender inexistente a responsabilidade civil in casu. Sem delongas, de início afirmo que a sentença recorrida não merece nenhum reparo, já que tenho como certo que o sentenciante agiu corretamente ao assim decidir. Como é de sabença geral, o artigo 37, 6º, da Carta da República consagra a responsabilidade civil às pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público, em relação aos danos provocados à terceiros. Entretanto, quando esse dano for decorrente de suposta omissão, o dever de indenizar exige a configuração de determinados elementos, mormente pelo fato de que não se pode exigir que o Estado seja garantidor universal e irrestrito. Assim, atualmente a corrente majoritária, tanto da doutrina quanto da jurisprudência é de que em caso de conduta omissiva, a teoria aplicável é a da responsabilidade subjetiva. Vejamos as lições de Fernanda Marinela: ¿Nas condutas omissivas, o não fazer do Estado, hoje a doutrina e a jurisprudência dominantes reconhecem a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, estando assim o dever de indenizar condicionado à comprovação do elemento subjetivo, a culpa e o dolo, admitindo a aplicação da culpa anônima ou culpa do serviço, que se contenta com a comprovação de que o serviço não foi prestado ou foi prestado de forma ineficiente ou atrasada. ....................................................................................................................... (...) O fato é que o Estado não pode ser responsável pelas faltas do mundo, não pode ser tratado como anjo da guarda ou salvador universal, por isso limites são necessários. Primeiro vale lembrar que a teoria subjetiva admite a responsabilização em razão de condutas ilícitas. Assim, considerando que o Administrador nesse caso é omisso, a ilicitude só estará presente se existir o descumprimento de um dever legal.¿ (MARINELA, Fernada. Direito Administrativo. 8. ed. rev. ampl. atual. Niterói: Impetus, 2014. p.1011-1013.) Sobre o tema, assim vem decidindo reiteradamente nossas Cortes Superiores: ¿PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. SÚMULA 83/STJ. ANÁLISE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE. DOLO OU CULPA INEXISTENTE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência, tanto a do STF como a do STJ, é firme no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva nos casos de ato omissivo estatal. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. A modificação da conclusão a que chegou a Corte de origem, de que não ficou "configurada ineficiência ou morosidade da Administração no processamento do pedido administrativo de aposentadoria", conclusão está pautada na análise pormenorizada dos trâmites do referido processo, e de que restou ausente a "comprovação de dolo ou culpa por parte da ré na condução do procedimento administrativo", demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 3. A incidência da referida Súmula inviabiliza o conhecimento do apelo nobre, tanto pela alínea "a" quanto pela alínea "c" do permissivo constitucional. 4. Descabe ao STJ examinar na via especial, sequer a título de prequestionamento, eventual violação de dispositivo constitucional, pois é tarefa reservada ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. ¿ (STJ - AgRg no AREsp 243494/PR, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe 19/02/2013). (grifei) ....................................................................................................................... ¿(...). Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa; regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorre de expressa previsão legal, em microssistema especial. Segundo, quando as circunstâncias indicam a presença de standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional, precisamente a hipótese da salvaguarda da saúde pública. (STJ - REsp 1236863/ES, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 27/02/2012). (grifei) ....................................................................................................................... ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. BACEN. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. MERCADO DE CAPITAIS. QUEBRA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EVENTUAL PREJUÍZO DE INVESTIDORES. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA. 1. A pacífica jurisprudência do STJ e do STF, bem como a doutrina, compreende que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, ou seja, a omissão do Estado, apesar do dever legalmente imposto de agir, além, obviamente, do dano e do nexo causal entre ambos. 2. O STJ firmou o entendimento de não haver nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido por investidores em decorrência de quebra de instituição financeira e a suposta ausência ou falha na fiscalização realizada pelo Banco Central no mercado de capitais. 3. Recursos Especiais providos. ¿ (STJ - REsp 1023937/RS, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 30/06/2010) (grifei) ....................................................................................................................... PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO-CONFIGURADA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO - ELEMENTO SUBJETIVO RECONHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA - SÚMULA 7/STJ - JUROS DE MORA - ÍNDICE - ART; 1.062 DO CC/1916 E ART. 406 DO CC/2002 - PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - REVISÃO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem se manifestou expressamente sobre a incidência da verba honorária em 15% sobre a condenação, e sobre os juros legais, fixados indevidamente em 12% ao ano. 2. A jurisprudência dominante tanto do STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva. 3. Hipótese em que o Tribunal local, apesar de adotar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, reconheceu a ocorrência de culpa dos agentes públicos estaduais na prática do dano causado ao particular. 4. Os juros relativos ao período da mora anterior à data de vigência do novo Código Civil (10.1.2003) têm taxa de 0,5% ao mês (art. 1062 do CC/1916) e, no que se refere ao período posterior, aplica-se o disposto no art. 406 da Lei 10.406, de 10.1.2002. 5. A Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência 727.842/SP, firmou posicionamento de que o art. 406 do CC/2002 trata, atualmente, da incidência da SELIC como índice de juros de mora, quando não estiver estipulado outro valor. 6. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível, em casos excepcionais, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que, todavia, in casu, não se configurou. 7. É firme o entendimento da Primeira Seção quanto à impossibilidade de, em Recurso Especial, modificar-se o percentual de honorários sucumbenciais fixados pelas instâncias de origem, salvo quando há fixação em valores irrisórios ou excessivos, hipótese não configurada nos autos. 8. Recurso especial parcialmente provido. ¿ (STJ - REsp 1069996/RS, Relator Ministra ELIANA CALMON, DJe 01/07/2009) (grifei) ....................................................................................................................... CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido. (STF - RE 382054/RJ, Relator Ministro CARLOS VELLOSO, DJe 01/10/2004) (grifei). Estou convicto que a situação ora examinada amolda-se com perfeição aos precedentes ao norte reproduzidos, eis que não verifico o dever legal de agir no caso concreto, não podendo a entidade apelada ser responsabilizada por ato de terceiros alheios aos seus quadros. Portanto, diante da fundamentação exposta e das decisões proferidas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal e Egrégio Superior Tribunal de Justiça, entendo necessário observar o 133, XI, d do Regimento Interno deste Tribunal, razão pela qual nego provimento ao recurso de apelação, para manter a sentença em todos os seus termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA. Belém, 07 de junho de 2017. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2017.02402909-33, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-06-28, Publicado em 2017-06-28)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
28/06/2017
Data da Publicação
:
28/06/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
Número do documento
:
2017.02402909-33
Tipo de processo
:
Apelação
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