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Jurisprudência


TJPA 0021354-03.2011.8.14.0301

Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA          Trata-se de Apelação Cível interposta por MARCOS MARCELINO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO S/S LTDA contra sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível de Belém, nos autos da Ação de Busca e Apreensão (Processo: 0021354-03.2011.8.14.0301), ajuizada pelo Apelante em desfavor de EDIVALDO DOS SANTOS, que julgou improcedente o feito, uma vez que o contrato foi substancialmente cumprido, impedindo o credor de utilizar a ação de busca e apreensão, reconhecendo a aplicação da teoria do adimplemento substancial, vez que a inicial e os documentos que a instruem informam que foram pagas 52 (cinquenta e duas) das 60 (sessenta) parcelas do contrato de participação em grupo de consórcio celebrado entre as partes (fls. 07/12v).          Embargos de Declaração opostos às fls. 25/29, rejeitados às fls. 31/32.          A Apelante, às fls. 34/41, sustenta em suas razões recursais ser injusta a sentença combatida, pela inobservância do princípio da boa-fé e da Lei nº 11.795/08, além da inaplicabilidade da tese do adimplemento substancial, pelo que requer a reforma total do 'decisum'.          Sem contrarrazões, conforme certidão de fl. 46.          Os autos foram redistribuídos à Desa. Marneide Trindade Pereira Merabet em 14/02/2017 (fl. 51), cabendo-me a relatoria em razão da Portaria de nº 2911/2016-GP (DJE nº 5994/2016, publicado em 22/06/2016).          É o relatório. Decido.          Presentes os requisitos de admissibilidade, CONHEÇO do Recurso.          Pleiteia o Apelante a reforma da sentença que julgou improcedente o seu pedido, por reconhecer ser aplicável ao caso a teoria do adimplemento substancial.          Pois bem. 'In casu', os documentos colacionados aos autos pelo Apelante/Autor (fls. 06/20) apontam que as partes celebraram contrato de participação em grupo de consórcio, o qual deveria ser pago em 60 (sessenta) parcelas mensais, sendo o bem móvel referido dado em garantia de alienação fiduciária até a quitação integral do contrato.          As razões da inicial e os ditos documentos indicam que o Apelado/Réu deixou de efetuar o pagamento das prestações ajustadas, a partir da parcela nº 53 (cinquenta e três), motivo pelo qual foi notificado extrajudicialmente para efetuar o pagamento das parcelas em atraso, o que culminou com a interposição da presente demanda.          A esse respeito, em caso semelhante, o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp 1418593/MS (Tema 722) assentou entendimento da necessidade do devedor fiduciante pagar a integralidade da dívida, entendida como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial, no prazo de cinco dias, após a execução da liminar nas ações de busca e apreensão, manejadas com fundamento no Decreto-Lei nº 911/1969, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.931/2004, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.          Cito o Recurso Repetitivo em questão: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido. (REsp 1418593/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 27/05/2014). (Grifei).          A propósito, o C. STJ, no julgamento do elucidativo REsp 1622555/MG, explicitou a impossibilidade de aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial, nos casos de descumprimento de contrato de financiamento de veículo, com alienação fiduciária em garantia, regido pelo Decreto-Lei nº 911/69, sendo exatamente essa a hipótese dos presentes autos.          Transcrevo o referido julgado 'in verbis' por ser imperioso: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO, COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA REGIDO PELO DECRETO-LEI 911/69. INCONTROVERSO INADIMPLEMENTO DAS QUATRO ÚLTIMAS PARCELAS (DE UM TOTAL DE 48). EXTINÇÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO (OU DETERMINAÇÃO PARA ADITAMENTO DA INICIAL, PARA TRANSMUDÁ-LA EM AÇÃO EXECUTIVA OU DE COBRANÇA), A PRETEXTO DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. DESCABIMENTO. 1. ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE DA CITADA TEORIA COM OS TERMOS DA LEI ESPECIAL DE REGÊNCIA. RECONHECIMENTO. 2. REMANCIPAÇÃO DO BEM AO DEVEDOR CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA, ASSIM COMPREENDIDA COMO OS DÉBITOS VENCIDOS, VINCENDOS E ENCARGOS APRESENTADOS PELO CREDOR, CONFORME ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DA SEGUNDA SEÇÃO, SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS (REsp n. 1.418.593/MS). 3. INTERESSE DE AGIR EVIDENCIADO, COM A UTILIZAÇÃO DA VIA JUDICIAL ELEITA PELA LEI DE REGÊNCIA COMO SENDO A MAIS IDÔNEA E EFICAZ PARA O PROPÓSITO DE COMPELIR O DEVEDOR A CUMPRIR COM A SUA OBRIGAÇÃO (AGORA, POR ELE REPUTADA ÍNFIMA), SOB PENA DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NAS MÃOS DO CREDOR FIDUCIÁRIO. 4. DESVIRTUAMENTO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL, CONSIDERADA A SUA FINALIDADE E A BOA-FÉ DOS CONTRATANTES, A ENSEJAR O ENFRAQUECIMENTO DO INSTITUTO DA GARANTIA FIDUCIÁRIA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A incidência subsidiária do Código Civil, notadamente as normas gerais, em relação à propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infugíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução ofertada pela "lei geral" não se contrapuser às especificidades do instituto regulado pela lei especial (ut Art. 1.368-A, introduzido pela Lei n.10931/2004). 1.1 Além de o Decreto-Lei n. 911/1969 não tecer qualquer restrição à utilização da ação de busca e apreensão em razão da extensão da mora ou da proporção do inadimplemento, é expresso em exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado. Em seus termos, para que o bem possa ser restituído ao devedor, livre de ônus, não basta que ele quite quase toda a dívida; é insuficiente que pague substancialmente o débito; é necessário, para esse efeito, que quite integralmente a dívida pendente. 2. Afigura-se, pois, de todo incongruente inviabilizar a utilização da ação de busca e apreensão na hipótese em que o inadimplemento revela-se incontroverso, desimportando sua extensão, se de pouca monta ou se de expressão considerável, quando a lei especial de regência expressamente condiciona a possibilidade de o bem ficar com o devedor fiduciário ao pagamento da integralidade da dívida pendente. Compreensão diversa desborda, a um só tempo, do diploma legal exclusivamente aplicável à questão em análise (Decreto-Lei n. 911/1969), e, por via transversa, da própria orientação firmada pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento do citado Resp n. 1.418.593/MS, representativo da controvérsia, segundo a qual a restituição do bem ao devedor fiduciante é condicionada ao pagamento, no prazo de cinco dias contados da execução da liminar de busca e apreensão, da integralidade da dívida pendente, assim compreendida como as parcelas vencidas e não pagas, as parcelas vincendas e os encargos, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial. 3. Impor-se ao credor a preterição da ação de busca e apreensão (prevista em lei, segundo a garantia fiduciária a ele conferida) por outra via judicial, evidentemente menos eficaz, denota absoluto descompasso com o sistema processual. Inadequado, pois, extinguir ou obstar a medida de busca e apreensão corretamente ajuizada, para que o credor, sem poder se valer de garantia fiduciária dada (a qual, diante do inadimplemento, conferia-lhe, na verdade, a condição de proprietário do bem), intente ação executiva ou de cobrança, para só então adentrar no patrimônio do devedor, por meio de constrição judicial que poderá, quem sabe (respeitada o ordem legal), recair sobre esse mesmo bem (naturalmente, se o devedor, até lá, não tiver dele se desfeito). 4. A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão de inadimplemento de ínfima parcela da obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual. Diversamente, o credor fiduciário, quando promove ação de busca e apreensão, de modo algum pretende extinguir a relação contratual. Vale-se da ação de busca e apreensão com o propósito imediato de dar cumprimento aos termos do contrato, na medida em que se utiliza da garantia fiduciária ajustada para compelir o devedor fiduciante a dar cumprimento às obrigações faltantes, assumidas contratualmente (e agora, por ele, reputadas ínfimas). A consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor apresenta-se como consequência da renitência do devedor fiduciante de honrar seu dever contratual, e não como objetivo imediato da ação. E, note-se que, mesmo nesse caso, a extinção do contrato dá-se pelo cumprimento da obrigação, ainda que de modo compulsório, por meio da garantia fiduciária ajustada. 4.1 É questionável, se não inadequado, supor que a boa-fé contratual estaria ao lado de devedor fiduciante que deixa de pagar uma ou até algumas parcelas por ele reputadas ínfimas, mas certamente de expressão considerável, na ótica do credor, que já cumpriu integralmente a sua obrigação, e, instado extra e judicialmente para honrar o seu dever contratual, deixa de fazê-lo, a despeito de ter a mais absoluta ciência dos gravosos consectários legais advindos da propriedade fiduciária. A aplicação da teoria do adimplemento substancial, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, nesse contexto, é um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, com o nítido propósito de desestimular o credor - numa avaliação de custo-benefício - de satisfazer seu crédito por outras vias judiciais, menos eficazes, o que, a toda evidência, aparta-se da boa-fé contratual propugnada.  4.2. A propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, resta comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial. 5. Recurso Especial provido. (REsp 1622555/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017). (Grifei).          Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, 'b', do CPC, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para reformar a sentença combatida, nos termos da fundamentação acima lançada, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para o regular prosseguimento do feito.          Belém-PA, 14 de dezembro de 2017. José Roberto Pinheiro Maia Bezerra Júnior Juiz Convocado - Relator (2017.05366942-21, Não Informado, Rel. MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 2018-02-01, Publicado em 2018-02-01)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 01/02/2018
Data da Publicação : 01/02/2018
Órgão Julgador : 1ª TURMA DE DIREITO PRIVADO
Relator(a) : MARNEIDE TRINDADE PEREIRA MERABET
Número do documento : 2017.05366942-21
Tipo de processo : Apelação
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