TJPA 0024056-44.2005.8.14.0301
SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE BELÉM/PA REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0024056-44.2005.8.14.0301 SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE FAZENDA DA CAPITAL SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ SENTENCIADO/APELADOS: MANOEL GILBERTO LOBATO E OUTROS RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DO PECÚLIO - RESTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES EFETIVADAS. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ESTADO. PRECEDENTES DO STJ RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E PROVIDOS MONOCRATICAMENTE. EM REEXAME NECESSÁRIO SENTENÇA REFORMADA. I - A matéria não comporta maiores discussões. Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco na vigência do contrato. Embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço quando vigente o contrato, que é, por natureza, aleatório. Não há que se falar em enriquecimento sem causa do Estado, caso a pretensão não fosse deferida, levando-se em consideração que, durante o período em que esteve ativo o sistema, com o recolhimento das contribuições dos segurados, o instituto de vidência garantiu a contraprestação pactuada, consistente no risco da cobertura do contrato, espancando, juridicamente, o argumento de enriquecimento ilícito do Estado. Enquanto vigeu o benefício, houve o pagamento de valores àquelas pessoas que se enquadravam nas situações legais acobertadas pelo seguro em caso de verificação do sinistro: morte e invalidez II -. Decisão monocrática dando provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e pelo Estado do Pará. Em reexame necessário, sentença reformada. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de Reexame de Sentença e de Recursos de Apelação Cível interpostos pelo ESTADO DO PARÁ e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 1ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação Ordinária, ajuizada por MANOEL GILBERTO LOBATO, LUIZ OTAVIO ROCHA, ANTONIO SERGIO MACEDO PINA, PAULO ROBERTO GARCIA DO NASCIMENTO e CARLOS ANTONIO CRUA, com o intuito de obter a devolução dos valores pagos a título de pecúlio, em desfavor do Estado do Pará. Na origem, informaram os requerentes que a Lei Estadual nº 5.011/1981, ao instituir o novo Regime de Previdência do Estado, excluiu o pecúlio do elenco de benefícios, de modo que as contribuições deixaram de ser revertidas, tão logo determinada a sua extinção. Alegaram que não receberam, a título de indenização compensatória, o saldo das contribuições realizadas, afirmando ser flagrante enriquecimento ilícito por parte do Estado, instituidor do aludido benefício. Argumentaram que deveria ser feita a devolução corrigida monetariamente e acrescida de juros de poupança, por ser um direito, ainda que administrativamente o Instituto tenha se pronunciado que não teria nenhuma obrigação em ressarcir os valores pagos ao longo dos anos. Citação, de ofício, do Estado do Pará para figurar como réu, diante da Resolução 002/CGE. O Estado do Pará apresentou contestação às fls. 40/58. Sobreveio sentença, às fls. 164/172, que rejeitou a preliminar arguida pelo Estado de que o pedido seria juridicamente impossível, bem como afastou a prescrição trienal invocada, com base no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, e julgou procedente o pedido da inicial, condenando o réu a devolver aos autores os valores pagos a título de pecúlio com os acréscimos legais e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. O Estado do Pará e o Ministério Público interpuseram recursos de apelação, às fls. 85/101, e, às fls. 113/124, respectivamente. Em suas razões, o Estado Pará asseverou a sua legitimidade para figurar no feito, aplicando a resolução do colegiado de gestão estratégica de nº 002/2005, e pleiteando a improcedência da ação, sob o argumento de que as contribuições possuíam nítido caráter previdenciário; e, assim, serviram para custear o pagamento dos referidos benefícios enquanto perdurou o instituto, não configurando o alegado enriquecimento ilícito. Nas razões do Ministério Público, foi afirmado que o juízo de primeiro grau contrariou entendimento recentemente pacificado deste Egrégio Tribunal, julgando procedente o pedido de devolução de contribuições para formação de pecúlio. Ao final, requereram o provimento do recurso, com a reforma da sentença. Os apelados apresentaram contrarrazões à apelação interposta pelo Estado do Pará, às fls.104/112, e, às fls 126/132, pelo Estado do Pará Subiram os autos a esta Egrégia Corte. Após regular distribuição, coube-me a relatoria (fl. 142). É o relatório. DECIDO. De início, devo consignar que a matéria não comporta maiores discussões; e, em face de jurisprudência do STJ sobre a matéria, anoto a possibilidade de se decidir monocraticamente, com base no artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil/1973, acrescentando que a aplicação de tal dispositivo também é cabível no reexame necessário, nos termos do Enunciado da Súmula nº 253 do Tribunal da Cidadania. Para melhor dirimir a questão, importa mencionar que a lide manteve-se em torno do direito dos apelados, em reaver as contribuições vertidas ao pecúlio compulsório junto ao Estado do Pará, por força da Lei nº. 5011/81, porquanto não foi previsto na Lei Complementar Estadual nº. 039/2002, sendo extinto do rol dos benefícios previdenciários, sem que tenha ocorrido o ressarcimento do mesmo. Na hipótese, vale lembrar que, em se tratando de benefícios previdenciários, a lei a ser observada é a vigente ao tempo que determinou a incidência do fato gerador, tendo em vista o princípio tempus regit actum. Daí entender, permissa maxima venia, que o pedido de restituição do pecúlio previdenciário não encontra amparo legal. Com efeito, o pecúlio em comento foi instituído compulsoriamente no âmbito estadual desde a edição da Lei n.º 755, de 31/12/1953, sendo continuamente previsto nas legislações posteriores, a saber: Decreto-Lei Estadual 13/1969; Decreto-Lei Estadual 183/1970; Lei 4.721/1977; permanecendo até a vigência da Lei Estadual 5.011/1981 (art. 24, II, b), que previa o pagamento do benefício somente nos casos de morte ou invalidez do segurado, parcial ou total, consoante redação do artigo 37, caput e parágrafos, deste diploma legal. No entanto, com o advento da Lei Complementar n.º 039/2002, não houve a previsão do pecúlio previdenciário, nem determinação de restituição de valores pagos a título desse benefício, inexistindo direito adquirido dos segurados em menção, considerando que tinham apenas mera expectativa de direito, pois se trata de contrato público aleatório cuja prestação é incerta e dependente de evento futuro. Assim sendo, frisa-se: não é da natureza jurídica do pecúlio a restituição dos valores referentes às contribuições pagas ao plano, quando em razão do seu cancelamento e/ou exclusão, não tenha ocorrido a condição para a obtenção do benefício (morte ou invalidez) durante a vigência do benefício. Conforme citado linhas acima, outro não é o entendimento pacificado neste Tribunal. Nesse sentido, em julgamento realizado em 25 de abril de 2012, acordaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes do Conselho da Magistratura, por maioria de votos, em Negar Provimento ao Recurso Administrativo, Processo Nº 2011.3.021817-1, voto condutor do Excelentíssimo Senhor Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, que de maneira clara e precisa compôs com acerto a questão trazida ao crivo judicial: Acórdão nº. 197938. ¿RECURSO ADMINISTRATIVO. RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS MENSALMENTE A TÍTULO DE PECÚLIO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA AO FUNDO. INOCORRÊNCIA. ADESÃO TÁCITA A CONTRATO DE DIREITO PRIVADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROVIMENTO. 1. A presente irresignação não pode prosperar, vez que contraria a ratio essendi do Pecúlio Judiciário, bem como os princípios da legalidade e da boa-fé objetiva, os quais devem permear a relação mantida entre a Administração Pública e seus servidores. 2. Não tem razão o recorrente ao afirmar que não aderiu ao Pecúlio Judiciário, vez que, durante muitos anos, contribuiu mensalmente àquele Fundo, sendo os descontos informados tanto nos contracheques, quanto em seu extrato financeiro anual, corporificando-se verdadeira adesão tácita a um contrato privado da Administração, sob a égide do Direito Civil. 3. Quando o Estado firma contratos regulados pelo direito privado, situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do direito contratual comum, agindo no exercício de seu jus gestionis. 4. O princípio da boa-fé impõe o dever de fidelidade à palavra dada, expressa ou tacitamente, não se podendo admitir a frustração ou o abuso de confiança, muito menos a utilização da própria torpeza para a obtenção de benefícios. 5. A boa-fé integra todos os tipos de contratos, inclusive os não escritos ou verbais, sendo que nestes a confiança e a lealdade encontram-se potencializadas vez que a inexistência de pactuação escrita denota a habitualidade do comportamento e a confiança das partes envolvidas , devendo o negócio jurídico ser interpretado de acordo com a praxe administrativa referente à adesão ao Pecúlio Judiciário, conforme permitido pelo art. 113, do CC. 6. Como instituto relacionado à boa-fé objetiva tem-se a proibição ao "venire contra factum proprium, traduzindo esta locução o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. 7. O Pecúlio Judiciário amolda-se aos contornos do art. 757 do Código Civil, o qual dispõe sobre o contrato de seguro. Desfeita a avença, os valores pagos não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco próprio da aleatoriedade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 8. No Pecúlio Judiciário há a socialização do risco, não havendo previsão de restituição em nenhuma das Resoluções que o regem, desde 1970. 9. Por maioria, recurso improvido¿ Da mesma forma, decidiu a 5ª Câmara Cível Isolada, sob a relatoria do Des. Constantino Augusto Guerreiro, cujo Acórdão n.º 86.687 transcrevo: ¿EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. MÉRITO. O PECÚLIO FOI CONTEMPLADO COMO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPULSÓRIO ATÉ A VIGÊNCIA LEI ESTADUAL 5.011, DE 16/11/81, NÃO SENDO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 039, DE 11/01/2002. PORTANTO, EM FACE DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM, NÃO CABE A RESTITUIÇÃO PLEITEADA. ADEMAIS, ENTENDER DE FORMA DIVERSA IMPLICARIA QUEBRA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL, PORQUANTO NA VIGÊNCIA DO PECÚLIO OS SEGURADOS E/OU SEUS BENEFICIÁRIOS ESTAVAM ACOBERTADOS PELO SEGURO EM CASO DE OCORRÊNCIA DO SINISTRO (MORTE OU INVALIDEZ). ASSIM, EMBORA NÃO TENHA OCORRIDO O FATO GERADOR, NEM POR ISSO DEIXARAM OS RECORRIDOS DE USUFRUIR DA CONTRAPRESTAÇÃO DO SERVIÇO DURANTE TODA A VIGÊNCIA DA LEI ESTADUAL 5.011/81. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.¿. (TJ-PA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.3.017094-5 Rel. Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Acórdão n.º 86687, DJ-E 16/04/2010). Colaciono ,ainda, os seguintes julgados desta Egrégia Corte: Acórdão n. 73143 - Rela. Desa. Célia Regina de Lima Pinheiro - 2.ª Câmara Cível Isolada, Publ.: 27/08/2009). Acórdão n. 90637 - Rel. Des. Ricardo Ferreira Nunes - 4ª Câm. Cível Isolada - Nº DO PROCESSO: 200930060287 - Jul.16/08/2010. Acórdão n. 107047 - Rel. Desa. Gleide Pereira De Moura- 1ª Câmara Cível Isolada - Processo Nº 20113016997-8, Julg.23/04/2012. Sobre a questão, a Corte Superior, STJ, também, já se pronunciou. Vejamos os julgados: ¿CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. DESFILIAÇÃO. A desfiliação do associado não implica a devolução dos valores por ele pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte tudo porque, enquanto subsistiu a relação, a instituição previdenciária correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. Agravo regimental não provido. (AgRg no Recurso Especial n.º 617.152, 3.ª T., Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 19/09/2005). ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco. E, embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço na vigência do contrato, que é, por natureza.¿. (Embargos de Divergência no REsp. n.º 327.419/DF, 2.ª Seção, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ de 01/07/2004). ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte (Capec) não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. (REsp. n.º 438.735/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 02/12/2002). Do mesmo modo, entendo que não tem como persistir o pleito dos apelados em reaver a importância revestida para a formação do pecúlio, pois, neste período, estavam abrangidos pela lei em comento e somente não houve ocorrência do fato gerador do benefício, ou seja, morte ou invalidez. Impende destacar, ainda, que não há previsão legal que imponha à Administração Pública a restituição da importância recolhida a esse título. É sabido que o ente estatal deve obedecer ao princípio da legalidade e, como o próprio nome sugere, esse princípio diz respeito à obediência à lei, não podendo fazer nada que não esteja nela determinado ou delimitado. Assim, depois de estudar detidamente os autos, tenho firme que a Togada Singular laborou em equívoco, e, por consequência, a r. sentença apelada deve ser reformada. Por essas razões, com base no art. 557,§1º-A, do CPC/73, decido monocraticamente, conhecendo e dando provimento aos Recursos de Apelação interpostos pelo Ministério Público e pelo Estado do Pará para reformar a decisão de primeiro grau, em razão de a decisão recorrida encontrar-se em confronto com a jurisprudência dominante do STJ e desta Corte de Justiça; isentando, assim, o ente estatal de proceder à devolução do valor descontado dos apelados para a formação do pecúlio; condenando, ainda, a parte vencida em honorários advocatícios que arbitro em 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, que deverão ser revertidos a favor da Administração Pública, a teor da Lei n. 9.527/94. Quanto ao Reexame Necessário, reformo a sentença nos termos citados acima. Belém, de dezembro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.05101234-48, Não Informado, Rel. ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-02-14, Publicado em 2017-02-14)
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SECRETARIA DA 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA COMARCA DE BELÉM/PA REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0024056-44.2005.8.14.0301 SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE FAZENDA DA CAPITAL SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ SENTENCIADO/APELADOS: MANOEL GILBERTO LOBATO E OUTROS RELATOR: DES. LEONARDO DE NORONHA TAVARES REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO DO PECÚLIO - RESTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES EFETIVADAS. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ESTADO. PRECEDENTES DO STJ RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E PROVIDOS MONOCRATICAMENTE. EM REEXAME NECESSÁRIO SENTENÇA REFORMADA. I - A matéria não comporta maiores discussões. Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco na vigência do contrato. Embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço quando vigente o contrato, que é, por natureza, aleatório. Não há que se falar em enriquecimento sem causa do Estado, caso a pretensão não fosse deferida, levando-se em consideração que, durante o período em que esteve ativo o sistema, com o recolhimento das contribuições dos segurados, o instituto de vidência garantiu a contraprestação pactuada, consistente no risco da cobertura do contrato, espancando, juridicamente, o argumento de enriquecimento ilícito do Estado. Enquanto vigeu o benefício, houve o pagamento de valores àquelas pessoas que se enquadravam nas situações legais acobertadas pelo seguro em caso de verificação do sinistro: morte e invalidez II -. Decisão monocrática dando provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e pelo Estado do Pará. Em reexame necessário, sentença reformada. DECISÃO MONOCRÁTICA O EXMO. SR. DESEMBARGADOR LEONARDO DE NORONHA TAVARES (RELATOR): Trata-se de Reexame de Sentença e de Recursos de Apelação Cível interpostos pelo ESTADO DO PARÁ e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ contra sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 1ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação Ordinária, ajuizada por MANOEL GILBERTO LOBATO, LUIZ OTAVIO ROCHA, ANTONIO SERGIO MACEDO PINA, PAULO ROBERTO GARCIA DO NASCIMENTO e CARLOS ANTONIO CRUA, com o intuito de obter a devolução dos valores pagos a título de pecúlio, em desfavor do Estado do Pará. Na origem, informaram os requerentes que a Lei Estadual nº 5.011/1981, ao instituir o novo Regime de Previdência do Estado, excluiu o pecúlio do elenco de benefícios, de modo que as contribuições deixaram de ser revertidas, tão logo determinada a sua extinção. Alegaram que não receberam, a título de indenização compensatória, o saldo das contribuições realizadas, afirmando ser flagrante enriquecimento ilícito por parte do Estado, instituidor do aludido benefício. Argumentaram que deveria ser feita a devolução corrigida monetariamente e acrescida de juros de poupança, por ser um direito, ainda que administrativamente o Instituto tenha se pronunciado que não teria nenhuma obrigação em ressarcir os valores pagos ao longo dos anos. Citação, de ofício, do Estado do Pará para figurar como réu, diante da Resolução 002/CGE. O Estado do Pará apresentou contestação às fls. 40/58. Sobreveio sentença, às fls. 164/172, que rejeitou a preliminar arguida pelo Estado de que o pedido seria juridicamente impossível, bem como afastou a prescrição trienal invocada, com base no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, e julgou procedente o pedido da inicial, condenando o réu a devolver aos autores os valores pagos a título de pecúlio com os acréscimos legais e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença. O Estado do Pará e o Ministério Público interpuseram recursos de apelação, às fls. 85/101, e, às fls. 113/124, respectivamente. Em suas razões, o Estado Pará asseverou a sua legitimidade para figurar no feito, aplicando a resolução do colegiado de gestão estratégica de nº 002/2005, e pleiteando a improcedência da ação, sob o argumento de que as contribuições possuíam nítido caráter previdenciário; e, assim, serviram para custear o pagamento dos referidos benefícios enquanto perdurou o instituto, não configurando o alegado enriquecimento ilícito. Nas razões do Ministério Público, foi afirmado que o juízo de primeiro grau contrariou entendimento recentemente pacificado deste Egrégio Tribunal, julgando procedente o pedido de devolução de contribuições para formação de pecúlio. Ao final, requereram o provimento do recurso, com a reforma da sentença. Os apelados apresentaram contrarrazões à apelação interposta pelo Estado do Pará, às fls.104/112, e, às fls 126/132, pelo Estado do Pará Subiram os autos a esta Egrégia Corte. Após regular distribuição, coube-me a relatoria (fl. 142). É o relatório. DECIDO. De início, devo consignar que a matéria não comporta maiores discussões; e, em face de jurisprudência do STJ sobre a matéria, anoto a possibilidade de se decidir monocraticamente, com base no artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil/1973, acrescentando que a aplicação de tal dispositivo também é cabível no reexame necessário, nos termos do Enunciado da Súmula nº 253 do Tribunal da Cidadania. Para melhor dirimir a questão, importa mencionar que a lide manteve-se em torno do direito dos apelados, em reaver as contribuições vertidas ao pecúlio compulsório junto ao Estado do Pará, por força da Lei nº. 5011/81, porquanto não foi previsto na Lei Complementar Estadual nº. 039/2002, sendo extinto do rol dos benefícios previdenciários, sem que tenha ocorrido o ressarcimento do mesmo. Na hipótese, vale lembrar que, em se tratando de benefícios previdenciários, a lei a ser observada é a vigente ao tempo que determinou a incidência do fato gerador, tendo em vista o princípio tempus regit actum. Daí entender, permissa maxima venia, que o pedido de restituição do pecúlio previdenciário não encontra amparo legal. Com efeito, o pecúlio em comento foi instituído compulsoriamente no âmbito estadual desde a edição da Lei n.º 755, de 31/12/1953, sendo continuamente previsto nas legislações posteriores, a saber: Decreto-Lei Estadual 13/1969; Decreto-Lei Estadual 183/1970; Lei 4.721/1977; permanecendo até a vigência da Lei Estadual 5.011/1981 (art. 24, II, b), que previa o pagamento do benefício somente nos casos de morte ou invalidez do segurado, parcial ou total, consoante redação do artigo 37, caput e parágrafos, deste diploma legal. No entanto, com o advento da Lei Complementar n.º 039/2002, não houve a previsão do pecúlio previdenciário, nem determinação de restituição de valores pagos a título desse benefício, inexistindo direito adquirido dos segurados em menção, considerando que tinham apenas mera expectativa de direito, pois se trata de contrato público aleatório cuja prestação é incerta e dependente de evento futuro. Assim sendo, frisa-se: não é da natureza jurídica do pecúlio a restituição dos valores referentes às contribuições pagas ao plano, quando em razão do seu cancelamento e/ou exclusão, não tenha ocorrido a condição para a obtenção do benefício (morte ou invalidez) durante a vigência do benefício. Conforme citado linhas acima, outro não é o entendimento pacificado neste Tribunal. Nesse sentido, em julgamento realizado em 25 de abril de 2012, acordaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes do Conselho da Magistratura, por maioria de votos, em Negar Provimento ao Recurso Administrativo, Processo Nº 2011.3.021817-1, voto condutor do Excelentíssimo Senhor Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, que de maneira clara e precisa compôs com acerto a questão trazida ao crivo judicial: Acórdão nº. 197938. ¿RECURSO ADMINISTRATIVO. RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS MENSALMENTE A TÍTULO DE PECÚLIO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ASSOCIAÇÃO COMPULSÓRIA AO FUNDO. INOCORRÊNCIA. ADESÃO TÁCITA A CONTRATO DE DIREITO PRIVADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROVIMENTO. 1. A presente irresignação não pode prosperar, vez que contraria a ratio essendi do Pecúlio Judiciário, bem como os princípios da legalidade e da boa-fé objetiva, os quais devem permear a relação mantida entre a Administração Pública e seus servidores. 2. Não tem razão o recorrente ao afirmar que não aderiu ao Pecúlio Judiciário, vez que, durante muitos anos, contribuiu mensalmente àquele Fundo, sendo os descontos informados tanto nos contracheques, quanto em seu extrato financeiro anual, corporificando-se verdadeira adesão tácita a um contrato privado da Administração, sob a égide do Direito Civil. 3. Quando o Estado firma contratos regulados pelo direito privado, situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do direito contratual comum, agindo no exercício de seu jus gestionis. 4. O princípio da boa-fé impõe o dever de fidelidade à palavra dada, expressa ou tacitamente, não se podendo admitir a frustração ou o abuso de confiança, muito menos a utilização da própria torpeza para a obtenção de benefícios. 5. A boa-fé integra todos os tipos de contratos, inclusive os não escritos ou verbais, sendo que nestes a confiança e a lealdade encontram-se potencializadas vez que a inexistência de pactuação escrita denota a habitualidade do comportamento e a confiança das partes envolvidas , devendo o negócio jurídico ser interpretado de acordo com a praxe administrativa referente à adesão ao Pecúlio Judiciário, conforme permitido pelo art. 113, do CC. 6. Como instituto relacionado à boa-fé objetiva tem-se a proibição ao "venire contra factum proprium, traduzindo esta locução o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. 7. O Pecúlio Judiciário amolda-se aos contornos do art. 757 do Código Civil, o qual dispõe sobre o contrato de seguro. Desfeita a avença, os valores pagos não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco próprio da aleatoriedade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 8. No Pecúlio Judiciário há a socialização do risco, não havendo previsão de restituição em nenhuma das Resoluções que o regem, desde 1970. 9. Por maioria, recurso improvido¿ Da mesma forma, decidiu a 5ª Câmara Cível Isolada, sob a relatoria do Des. Constantino Augusto Guerreiro, cujo Acórdão n.º 86.687 transcrevo: ¿EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO. AFASTADA. MÉRITO. O PECÚLIO FOI CONTEMPLADO COMO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPULSÓRIO ATÉ A VIGÊNCIA LEI ESTADUAL 5.011, DE 16/11/81, NÃO SENDO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 039, DE 11/01/2002. PORTANTO, EM FACE DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM, NÃO CABE A RESTITUIÇÃO PLEITEADA. ADEMAIS, ENTENDER DE FORMA DIVERSA IMPLICARIA QUEBRA DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL, PORQUANTO NA VIGÊNCIA DO PECÚLIO OS SEGURADOS E/OU SEUS BENEFICIÁRIOS ESTAVAM ACOBERTADOS PELO SEGURO EM CASO DE OCORRÊNCIA DO SINISTRO (MORTE OU INVALIDEZ). ASSIM, EMBORA NÃO TENHA OCORRIDO O FATO GERADOR, NEM POR ISSO DEIXARAM OS RECORRIDOS DE USUFRUIR DA CONTRAPRESTAÇÃO DO SERVIÇO DURANTE TODA A VIGÊNCIA DA LEI ESTADUAL 5.011/81. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.¿. (TJ-PA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.3.017094-5 Rel. Des. CONSTANTINO AUGUSTO GUERREIRO, Acórdão n.º 86687, DJ-E 16/04/2010). Colaciono ,ainda, os seguintes julgados desta Egrégia Corte: Acórdão n. 73143 - Rela. Desa. Célia Regina de Lima Pinheiro - 2.ª Câmara Cível Isolada, Publ.: 27/08/2009). Acórdão n. 90637 - Rel. Des. Ricardo Ferreira Nunes - 4ª Câm. Cível Isolada - Nº DO PROCESSO: 200930060287 - Jul.16/08/2010. Acórdão n. 107047 - Rel. Desa. Gleide Pereira De Moura- 1ª Câmara Cível Isolada - Processo Nº 20113016997-8, Julg.23/04/2012. Sobre a questão, a Corte Superior, STJ, também, já se pronunciou. Vejamos os julgados: ¿CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. DESFILIAÇÃO. A desfiliação do associado não implica a devolução dos valores por ele pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte tudo porque, enquanto subsistiu a relação, a instituição previdenciária correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. Agravo regimental não provido. (AgRg no Recurso Especial n.º 617.152, 3.ª T., Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 19/09/2005). ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade suportou o risco. E, embora não tenha ocorrido o sinistro, nem por isso deixaram os associados de usufruir da prestação do serviço na vigência do contrato, que é, por natureza.¿. (Embargos de Divergência no REsp. n.º 327.419/DF, 2.ª Seção, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ de 01/07/2004). ¿Os valores pagos a título de pecúlio por invalidez ou morte (Capec) não são passíveis de restituição, uma vez que a entidade correu o risco, como é próprio dos contratos aleatórios. (REsp. n.º 438.735/DF, 4.ª Turma, Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ de 02/12/2002). Do mesmo modo, entendo que não tem como persistir o pleito dos apelados em reaver a importância revestida para a formação do pecúlio, pois, neste período, estavam abrangidos pela lei em comento e somente não houve ocorrência do fato gerador do benefício, ou seja, morte ou invalidez. Impende destacar, ainda, que não há previsão legal que imponha à Administração Pública a restituição da importância recolhida a esse título. É sabido que o ente estatal deve obedecer ao princípio da legalidade e, como o próprio nome sugere, esse princípio diz respeito à obediência à lei, não podendo fazer nada que não esteja nela determinado ou delimitado. Assim, depois de estudar detidamente os autos, tenho firme que a Togada Singular laborou em equívoco, e, por consequência, a r. sentença apelada deve ser reformada. Por essas razões, com base no art. 557,§1º-A, do CPC/73, decido monocraticamente, conhecendo e dando provimento aos Recursos de Apelação interpostos pelo Ministério Público e pelo Estado do Pará para reformar a decisão de primeiro grau, em razão de a decisão recorrida encontrar-se em confronto com a jurisprudência dominante do STJ e desta Corte de Justiça; isentando, assim, o ente estatal de proceder à devolução do valor descontado dos apelados para a formação do pecúlio; condenando, ainda, a parte vencida em honorários advocatícios que arbitro em 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, que deverão ser revertidos a favor da Administração Pública, a teor da Lei n. 9.527/94. Quanto ao Reexame Necessário, reformo a sentença nos termos citados acima. Belém, de dezembro de 2016. LEONARDO DE NORONHA TAVARES RELATOR
(2016.05101234-48, Não Informado, Rel. ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-02-14, Publicado em 2017-02-14)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
14/02/2017
Data da Publicação
:
14/02/2017
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA
Número do documento
:
2016.05101234-48
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
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